Ficha do mais recente trabalho publicado:
2807. “O Brasil e a agenda
econômica internacional, 1: como se apresenta o cenário econômico internacional
da atualidade?”, Hartford, 6 abril 2015, 4 p. Análise da situação econômica
atual do mundo, em preparação para a discussão da posição e dos desafios para o
Brasil. Mundorama (15/04/2015; link).
Relação de Publicados n. 1172.
Para outros artigos meus em Mundorama, ver: http://mundorama.net/?s=Paulo+Roberto+de+Almeida+
Paulo Roberto de Almeida
O Brasil e a agenda econômica internacional: Como se apresenta o cenário econômico internacional da atualidade?, por Paulo Roberto de Almeida
Depois
de oito anos de deslanchada a crise imobiliária e bancária nos Estados
Unidos, da qual eles se recuperam lenta mas seguramente, os demais
países avançados (o Japão certamente, os países europeus em ritmo mais
diversificado) continuam a trilhar o caminho da superação dos piores
problemas acumulados na passagem da década, mas ainda no baixo
crescimento e enfrentando a tradicional irresolução de políticos
timoratos em conduzir um programa consistente de reformas estruturais. O
mundo só não está pior porque uma parte das economias emergentes
dinâmicas serve de motor limitado para a economia global. Aquela
expectativa de que, funcionando de maneira simbiótica, EUA e China
poderiam representar uma poderosa locomotiva de expansão contínua do
comércio e dos investimentos internacionais não se confirmou, e a
própria China parece acumular alguns desequilíbrios – nas áreas
financeira e imobiliária justamente – que podem prolongar a atual
lentidão na retomada de um ritmo mais sustentado da economia global.
Todos os países desenvolvidos podem ter
exagerado nas medidas de “estímulo econômico” – ou seja, a velha injeção
keynesiana de liquidez nos mercados – e de incentivo ao investimento –
reduzindo as taxas de juros a praticamente zero, quando não são
negativas em alguns – o que promete continuar desestimulando a poupança e
agregar aos níveis já altos, até exagerados, de endividamento público. O
consolo é que o custo dessas dívidas ainda é relativamente baixo, mas o
retorno a condições normais de juros, combinado ao declínio demográfico
em vários deles, não augura um futuro brilhante para a atual geração de
entrantes no mercado e suas respectivas aposentadorias.
Uma eventual recessão na China –
aparentemente improvável, mas não de todo impossível, ou descartável –
pode piorar, e bastante, o cenário de médio prazo para os países que se
tornaram parceiros comerciais privilegiados, em especial os exportadores
de produtos primários da África e da América Latina, que se
beneficiaram bastante bem do boom das commodities dos anos fastos,
quando a China absorvia entre um quarto e um terço de várias mercadorias
e insumos de base. O Brasil – o governo Lula em especial – foi um
desses felizardos que se locupletaram de dólares com a soja a 600
dólares e o minério de ferro a 200 dólares a tonelada; ao que parece,
esse tempo já passou, embora os preços dos agrícolas e das carnes não
tenham declinado para profundezas tão tenebrosas quanto as dos fósseis e
de alguns metálicos. Em todo caso, o mundo pode se beneficiar do
petróleo barato e da nova demanda de manufaturados por parte das novas
“classes médias” pipocando aqui e ali em diversos continentes (alô
Apple, alô Samsung!).
No terreno do comércio internacional, as
perspectivas não são entusiasmantes: as negociações da Rodada Doha estão
em crise, seus resultados até aqui foram mais do que decepcionantes e
não se vislumbra sua conclusão próxima ou mesmo hipotética, muito embora
se tenha registrado a preservação do básico, que é um respeito mínimo
pelas regras multilaterais, com salvaguardas e antidumping registrando
estatísticas mais ou menos “normais” (com exceção de alguns
recalcitrantes e protecionistas renitentes, como pode ser o caso aqui
mesmo na América Latina); mas, pela primeira vez em décadas, a taxa de
crescimento do comércio mundial fica abaixo da expansão do produto,
ainda que com grandes desigualdades regionais (na Ásia Pacífico, por
exemplo, a expansão comercial se mantém em ritmo razoável dentro da
própria região).
No terreno das finanças e das moedas não
se registraram as catástrofes que alguns profetas do apocalipse do
passado – o da repetição da Grande Depressão dos anos 1930 – tinham
anunciado quando das crises bancárias de 2008 e 2009, mas vários
economistas falam da atual Grande Recessão com um prazer quase mórbido.
Tensões e conflitos localizados se manifestam aqui e ali, a
descoordenação é garantida nas políticas macroeconômicas dos integrantes
do G20, mas não se tem mais a acrimônia de uma suposta “guerra cambial”
do yuan contra as principais moedas ocidentais; aqueles que falavam de
“tsunami financeiro” se preocupam agora com a retração dos fluxos de
dinheiro fácil que, jorrando, alimentavam alguns belos déficits de
transações correntes aqui e ali (não é keynesianos de botequim de
conhecidos países equilibristas bêbados?).
Nos principais países desenvolvidos se
observa, nesse capítulo, a continuidade da livre movimentação de
capitais, com os controles esperados nos emergentes, e com as paridades
cambiais evoluindo gradualmente, embora surpresas desagradáveis não
sejam de se descartar (o tango dólar-euro é um dos mais interessantes). A
inflação baixa está garantida nos principais países responsáveis, e só
malucos localizados conhecem taxas a dois dígitos (mas esses são casos
terminais de esquizofrenia econômica); inovadores monetários – como
alguns que achavam que uma expansão irrefletida do crédito poderia
sustentar um boom de consumo e de investimentos – se encontram hoje em
maus lençóis, tendo de suportar greves e o descontentamento dessa classe
média alimentada na ilusão do crediário “sem juros”. Aprendizes de
feiticeiros econômicos acabam aprendendo da pior maneira, tendo de
administrar a velha conhecida estagflação, ou seja, a combinação da
estagnação econômica, com baixo crescimento e alto desemprego e uma
inflação persistente, como tinha sido o caso nas principais economias
avançadas pós-choques do petróleo dos anos 1970. Seria agora a vez do
Brasil?
Keynes deve ter escrito em algum lugar
que nunca se é profeta duas vezes, mas tem gente que não lê nem orelhas
dos manuais econômicos, quanto mais as obras completas do mais
irreverente professor de Cambridge. Seus atuais seguidores de araque se
contentam com as platitudes neo-Prebischianas de um coreano da mesma
universidade, que também acha que existe um complô dos ricos contra os
pobres, aqueles chutando a escada pela qual deveriam subir os novos
desenvolvimentistas. Alguns até continuam repetindo as mesmas bobagens
dos anos 1990 contra o Consenso de Washington, como se essas simples
regras de bom senso reformista tivessem algo a ver com as agruras
passadas ou com as angustias presentes dos neo-estagnacionistas.
A despeito de todos esses percalços, o
regime econômico multilateral se mantém mais ou menos intacto, tal como
concebido em Bretton Woods mais de setenta anos atrás e reformado aqui e
ali com remendos de ocasião por quem podia fazê-los. Outros países se
contentam em absorver os choques e aproveitam para dar continuidade às
mesmas políticas oportunistas que foram as suas nas fases de
industrialização triunfante, o que de toda forma lhes assegurou certo
aumento no bolo da interdependência global. Alguns certamente avançaram,
como os emergentes da Ásia Pacífico, bem mais, em todo caso, do que os
saudosistas da América Latina, que parecem não sair do lugar, ou
retroceder.
No terreno da segurança, que também tem
impactos econômicos, em lugar da diminuição gradual dos focos de tensão
entre as grandes potências, observa-se o que alguns chamam de retorno à
Guerra Fria, não se sabe se como farsa, ou se como simples sobressaltos
de suspiros imperiais, na antiga periferia soviética. O Oriente Médio
nunca decepciona em confirmar as piores expectativas que sempre marcaram
aquela região, com o longo impasse entre Israel e Palestina, e os novos
problemas do fundamentalismo islâmico agora convertido em califado
expansionista e guerreiro. Com isso, o rebrote de tensões e de conflitos
civis ou inter-religiosos, em estados semifalidos (ou por completo,
como parece ser o caso da Síria e do Iêmen) promete dar continuidade a
velhos problemas de pobreza, de miséria e de desesperança em sociedades
já de ordinário martirizadas – se o termo se aplica – por intratáveis
contradições entre a manutenção da tradição e as explosões de
modernidade na população juvenil e conectada.
No meio ambiente, finalmente, os
compromissos são frágeis, as reconversões são difíceis e todos os atores
prefeririam ter os custos da adaptação transferidos, segundo os casos,
para os mais ricos, para os emergentes, para os poluidores históricos,
para os novos poluidores, para os destruidores de florestas, etc. Se e
quando alguns acordos forem ratificados, eles já estarão superados pelos
esforços adaptativos dos agentes primários da globalização ambiental,
que são as empresas de consumo de massa, no caso pressionadas pela
opinião pública (atuando mais em função do politicamente correto do que
de sólidos princípios econômicos relativos a preços de mercados de bens
escassos).
Alguma esperança nisso tudo? Talvez.
Afinal de contas, o novo papa, que parece ser peronista em economia,
promete ao menos fazer um aggiornamento necessário nos
“costumes” da sua Igreja e continuar o diálogo com as outras comunidades
de fé, o que talvez suscite algum avanço por parte de certos
representantes do Islã no sentido de dar início a um também necessário
trabalho de exegese da palavra do profeta. Nunca é demais esperar um
pouco de racionalidade da raça humana. Mas não façam apostas…
Este é o primeiro de uma série de quatro artigos. Os próximos serão os seguintes:
- Como o Brasil se insere nesse cenário, agora e no futuro próximo?
- Como e qual seria uma (ou a) agenda ideal para o Brasil?
- O que o Brasil deveria exatamente fazer para maximizar a “sua” agenda?