Semana passada, pouco mais, ocorreu fato que, salvo erro, não tinha precedente. Senador boliviano, alegando fatos graves, solicitou ao Brasil asilo político, que lhe foi concedido na embaixada em La Paz, aliás, segundo antiga tradição nos países da América do Sul.
Passado algum tempo, o encarregado de negócios da embaixada brasileira, que vacante, ter-se-ia dirigido reiteradas vezes ao Itamaraty, no sentido de dar ao asilado devido salvo-conduto, tanto mais que as condições de seu aposento eram manifestadamente deficientes, sem que houvesse consequências. Em data recente, o mesmo diplomata, alegando até razões de humanidade, promoveu o translado do asilado para o Brasil e no Brasil ele se encontra. Conhecido o fato, verificou-se uma espécie de terremoto burocrático que deu por terra o ministro das Relações Exteriores.
Até agora, os fatos só parcialmente são conhecidos, motivo pelo qual não se pode ter visão completa do caso, no entanto, ressalta ao primeiro exame que pouca gente sai ilesa da maçaroca diplomática. Parece mesmo que a notória simpatia do governo brasileiro pelos governos bolivarianos, dos Chávez e dos Evos, explica seu estranho procedimento; tendo concedido o asilo, deixou que 460 dias se passassem sem que nada fosse feito para que o caso tivesse o desfecho regular, deixando que o asilado permanecesse praticamente preso, em um cubículo, impróprio para abrigar um asilado, quando bastasse a entrega do documento legal, o salvo-conduto.
Nunca fui asilado e espero não vir a experimentar essa situação, mas sempre entendi que quem recebe alguém como asilado deve dar-lhe tratamento decoroso e não me lembro de alguém que haja se queixado do trato aqui recebido.
Nesse longo período, mais de 400 dias, é penoso reconhecer que o Itamaraty foi omisso e complacente, e o Padre Vieira dizia que “a omissão é um pecado que se faz não fazendo”. O fato de o asilado aguardar durante esse longo tempo o necessário salvo-conduto, lhe concede certeza e indisfarçabilidade. De resto, ainda que sem uma palavra, outro fato veio a ocorrer em ritmo de urgência, a súbita mudança de endereço do ministro das Relações Exteriores da Esplanada dos Ministérios para Nova York, sede da ONU, e concomitantemente, em sentido inverso, o mesmo caminho foi feito pelo chefe da Representação do Brasil na ONU, de Nova York para a Esplanada dos Ministérios a fim de ocupar a chefia da casa de Rio Branco.
Muda o ministro oficial, mas ninguém ignora que existe uma espécie de esquizofrenia administrativa na pasta das Relações Exteriores, há um ministro inominado, dito assessor da Presidência, que exerce poder incontrastável nos assuntos externos do Brasil, apequenando o Itamaraty.
Até onde sei, e sabendo que não saiba tudo, é o que posso relatar com a objetividade possível do sucesso que absorveu atenções durante uma semana, a que não faltaram capitulação e omissões.
Quem manifestou publicamente seu desagrado ou indignação foi a senhora presidente da República, fato que seria preferível não tivesse aparecido. Exacerbar-se em público não é próprio do chefe de Estado. O natural é que nenhuma palavra fosse dita pela presidente, que poderia fazer saber a verificação do fato e determinar a autoridade competente procedesse na forma da lei. E na forma da lei o caso fosse resolvido pela autoridade competente.
Enfim, o episódio não foi bom para ninguém. É o preço a ser pago pela atual política adotada para com países da América do Sul e outros rincões.
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