Brasileiros de quase todas as unidades da federação voltaram às ruas neste domingo para protestar contra a corrupção e a inépcia instaladas no governo federal. O protesto reuniu 275.000 pessoas na Avenida Paulista, em São Paulo, e se repetiu em pelo menos 200 cidades. Mais uma vez, sem serem convocados por sindicatos ou partidos políticos, centenas de milhares de pessoas expressaram seu descontentamento com a atual gestão. Embora em menor número do que no dia 15 de março - estima-se que cerca de 600.000 pessoas tenham ido às ruas neste domingo -, eles deixaram claro o sentimento de revolta que, de acordo com as pesquisas de opinião, atingem a maioria do povo brasileiro. Pesquisa Datafolha divulgada neste sábado pelo instituto indica que 63% dos brasileiros são favoráveis à abertura de um processo de impeachment contra a presidente por causa do escândalo do petrolão. Para 57% dos entrevistados, Dilma sabia do esquema de corrupção na Petrobras e deixou que ele acontecesse. Somada a uma pesquisa com resultado tão desfavorável ao governo, a volta das pessoas à rua é a prova de que a indignação contra Dilma e o PT segue em alta.
Confira como foram os protestos em todo o país
Na maior parte das cidades, a manifestação deste domingo foi menor que a do 15 de março. Por outro lado, o movimento ganhou capilaridade. Havia manifestantes organizados contra Dilma em cidades como Laranjal do Jari (AP), São João do Panelinha (BA), Goianésia (GO), Carvalhópolis (MG), Dois Vizinhos (PR) e Imbé (RS). Um mês atrás, os protestos ocorreram em apenas 160 municípios. Flávio Brado, um dos líderes do Vem Pra Rua, comemorou o número de manifestantes e disse que o mais relevante neste domingo foi o aumento no número de cidades com protestos. "Mais importante que o número de pessoas aqui em São Paulo, que já sabemos que nos apoia, foi conseguirmos duplicar, triplicar, o número de municípios que tiveram manifestações contra o governo", afirmou. Segundo ele, o foco agora é levar as demandas populares a Brasília. "Nesta semana, formalizaremos item por item o que tem de ser feito. O voto distrital puro e não obrigatório será uma dos pedidos do grupo".
A queda no número de manifestantes pode ser atribuída a vários fatores. O 15 de março foi fruto de um longo trabalho de organização de movimentos independentes como Vem Pra Rua, Brasil Livre e Revoltados On-line, que começaram a convocar participantes pelas redes sociais quase dois meses antes. Na semana que antecedeu aquele protesto, dois fatos contribuíram para acirrar os ânimos: o pronunciamento em rede nacional da presidente no dia 8, saudado com um panelaço, e a tentativa do PT e de aliados do sindicalismo de promover uma contramanifestação na antevéspera do movimento.
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Neste domingo, nenhum desses fatores esteve presente. O tempo de organização foi menor e o governo e o PT se mantiveram em silêncio antes da manifestação. O foco do noticiário na última semana foi o Legislativo, com a votação do projeto de lei sobre a terceirização (um dos assuntos mais comentados das redes sociais) e a prisão de três ex-deputados na Operação Lava Jato.
Um dos líderes do Movimento Brasil Livre, Renan Haas, avaliou que, mesmo menor, o protesto deste domingo foi positivo porque, ao contrário de 15 de março, todos os grupos se uniram para pedir a saída da presidente. "Acho que houve menos gente, mas houveram manifestações em um número bem menor de cidades. Mas foi positivo porque a mensagem dessa vez ficou clara. Ninguém estava aqui por uma pauta genérica de corrupção, mas todos os grupos estavam pedindo o impeachment de Dilma Rousseff", afirma.
Especialmente na era das redes sociais, contudo, a ida às ruas é apenas uma das formas de expressar insatisfação com o governo. A diminuição no número de manifestantes não é necessariamente um sinal de aumento na aprovação do governo. É o que também diz uma pesquisa do Datafolha divulgada neste sábado: o nível de aprovação de Dilma Rousseff está estacionado em 13%. A permanência da pressão popular sobre o governo, evidenciada pelas manifestações deste domingo, deve dificultar o esforço do Planalto para sair da crise de múltiplas faces em que se envolveu.
Os petistas, entretanto, enxergam um princípio de reação do Executivo. "O governo está tomando todas as iniciativas: no combate à corrupção, no ajuste fiscal, atuando contra o projeto de lei da terceirização. A presidente está conseguindo responder bem", afirma o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
O líder do PT na Câmara, Sibá Machado (PT-AC), admite que ainda é cedo para falar em uma reação definitiva do governo, mas vê sinais de recuperação. "Os números da Petrobras, a questão da articulação política do governo com o Michel Temer, isso somado vai dando uma conotação nova. A popularidade da presidente Dilma não cai mais e tende a subir agora", avalia. Na visão dele, entretanto, o governo só conseguirá se reerguer em definitivo se conseguir aprovar as medidas do ajuste fiscal no Congresso.
Coube, inclusive, ao vice-presidente comentar os protestos em nome do governo. Recém-chegada do Panamá, onde participou da Cúpula das Américas, Dilma passou o dia reclusa no Palácio do Planalto. Durante velório do ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), ex-senador e ex-deputado gaúcho gaúcho Paulo Brossard, morto neste domingo em sua casa em Porto Alegre, Temer disse que o governo está atento às manifestações. "O governo está prestando atenção. Elas revelam, em primeiro lugar, vou dizer o óbvio, uma democracia poderosa. Mas, em segundo lugar, o governo precisa identificar quais são as reivindicações e atender as reivindicações. É isso que o governo está fazendo."
Já a oposição afirma que os protestos deste domingo têm um recado ainda mais claro do que os de 15 de março. "O governo não pode se iludir com essa redução no número de pessoas. A manifestação dessa vez foi mais enfática em relação ao impeachment. Essa é uma proposta que está sendo assimilada", diz o senador Álvaro Dias (PSDB-PR). De fato, o grupo do Vem Pra Rua, principal organizador dos atos, só passou a defender o impeachment depois do protesto do mês passado.
O líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE), afirma que a indignação com o governo permanece elevada: "Não se consegue em toda mobilização repetir a quantidade de povo na rua, mas permanece o sentimento de indignação com relação à corrupção, ao estelionato eleitoral patrocinados pela presidente Dilma e pelo PT e à crise econômica que está afetando o bolso do brasileiro", diz.
Em sua página no Facebook, a ex-candidata à presidência Marina Silva também opinou sobre os protestos desde 12 de abril: "Menos gente nas ruas não significa menor insatisfação; ao contrário, pode até significar um aumento da desesperança, o represamento de uma revolta que pode retornar mais forte depois de algum tempo".
Os protestos e a baixa popularidade de Dilma têm efeito também sobre o Congresso. Com a oposição ao governo nas ruas, muitos parlamentares de partidos formalmente governistas, como PMDB, PP e PR, passaram a complicar a vida do Planalto - se não por pudor e convicção política, por sobrevivência. Os sinais desse realinhamento têm sido notados pelo governo desde o início do ano. Ao adotar oficialmente a defesa da redução de ministérios, por exemplo, a bancada do PMDB na Câmara fez uma clara tentativa de se alinhar ao eleitorado insatisfeito.
Os atos deste domingo e os de 15 de março deixam claro que os chamados movimentos sociais têm agora uma nova conotação - e já não são mais representados exclusivamente pela esquerda ou cooptados pelo PT. De Norte a Sul do país, o discurso petista encontra contraponto em brasileiros que estão dispostos a externar sua indignação, sem que sejam pagos ou convocados a fazê-lo. Não importa quantas pessoas levem às ruas, os recentes protestos não são fruto de um reflexo instantâneo e irrefletido - vieram para ficar. O governo e seus aliados foram responsáveis por devolver às ruas manifestantes apartidários. Mesmo que haja um arrefecimento temporário, não há razão para crer que essa marcha vá parar agora que a militância espontânea está mais organizada e tem uma pauta bem estabelecida. Que o governo se habitue a isso.
(Com reportagem de Eduardo Gonçalves, Victor Fernandes e Talyta Vespa)
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