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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 8 de agosto de 2015

Teoria da Historia Imediata, ou Presente, num livro de Timothy Garton Ash (2000)

Quando o Mercosul completou dez anos, já tendo escrito dois ou três livros sobre o bloco -- não exatamente de história do tempo presente, que os franceses chamam de histoire immédiate, mas de análise política e econômica, quando não diplomática -- eu pretendi escrever uma História do Mercosul, uma vez que eu tinha, de certo modo, assistindo ao nascimento da criança, acompanhado suas primeiras mamadeiras (sem chegar a trocar nenhuma fralda), e até participado de um ou outro encontro importante, sem mencionar ter sido envolvido, como negociador, na redação do Protocolo de Brasília (reuniões em Montevidéu, onde eu estava) sobre Solução de Controvérsias.
Descobri que seria impossível escrever essa história devidamente apoiado em "documentos históricos", à la Ranke, pelo simples motivos que estes supostos documentos não existiam. Etapas cruciais da construção do Mercosul simplesmente não estava documentadas. Não havia, por exemplo, uma descrição do processo decisório que tinha levado à conformação da TEC, a Tarifa Externa Comum, e sequer se descobriu depois (do Protocolo de Ouro Preto, de 1994) como e em que condições ela estava sendo implementada (e de fato nunca o foi, devidamente, bastando dizer que se o Mercosul possui, apenas no papel, um Código Aduaneiro, ele nunca foi respeitado).
Isso foi, portanto, em 2001, antes dos ataques terroristas em NY e Washington e antes que este livro do Timothy Garton Ash fosse publicado, que nunca li (a despeito de ter lido vários de seus capítulos nas páginas da The New York Review of Books, um jornal de resenhas-artigos do qual sempre fui assinante).
Descubro agora, quinze anos depois, este primeiro capítulo desse livro, e a respectiva resenha, publicados nas páginas da New York Times Book Reviews graças a uma postagem de Carmen Lícia Palazzo (https://www.facebook.com/carmenlicia.palazzo/posts/10203368945183826), interessada, como eu, eu teoria da história.
De certa forma, mesmo não sendo jornalista, ou sequer historiador, eu e ele nos interessamos pelos mesmos assunto, e praticamos, grosso modo, as mesmas habilidades "literárias", escrever sobre o tempo presente, a história se desenvolvendo aos nossos olhos, mesmo sem sermos atores dela, apenas "espectadores engajados", como disse uma vez Raymond Aron de si mesmo.
Obviamente eu não ouso comparar-me ao historiador inglês de Oxford. Com ele apenas partilho essa mania inseparável de sempre levar comigo um caderninho de notas, pronto para ser rabiscado, e registrar alguma frase, alguma observação sobre o que se vê, ou se lê, ou alguma ideia que vai fugir marotamente se longo não tomamos nota dela. Na verdade, eu costumo carregar dois Moleskines: um de tamanho médio, que vai no bolso do paleto ou na pasta de computador, e um mini-Moleskine, que vai no bolso da camisa, para anotações mais curtas e episódicas.
Ainda gostaria de escrever uma história do tempo presente no Brasil, ou seja os tempos do Nunca Antes, em torno dos quais tenho recolhido não mais do que matérias de jornais e revistas e alguns artigos de minha própria lavra. Mas, na parte que mais me interessa, que seria a História Diplomática Imediata, vou provavelmente descobrir que as lacunas, imprecisões, omissões (deliberadas, estou certo disso), são ainda maiores do que para os erros de política econômica que os companheiros cometeram fartamente nesses anos faustos da mentira, da fraude e da corrupção. Aliás, sem poder me me basear em evidências documentais para embasar alguns dos mais momentosos episódios de nossa história diplomática, só me resta imitar o economista queridinho dos keynesianos de botequim e escrever uma Teoria Geral da Fraude, da Mentira e da Corrupção, para ilustar estes anos.
Por enquanto fiquem com estas dez páginas do livro de Garton Ash, e sua resenha por Roger Cohen, que só descobri graças a Carmen Lícia e seu faro infalível.
Paulo Roberto de Almeida 
Hartford, 7 de agosto de 2015



From the Store of The New York Times Book Reviews, October 29, 2000
(First Chapter)

INTRODUCTION
History of the Present
Essays, Sketches, and Dispatches From Europe in the 1990s

By TIMOTHY GARTON ASH
New York: Random House, 2000
Description: https://www.nytimes.com/books/images_br/firstdot.gifRead the Review (at the end)

Even at one minute past midnight on 1 January 1990, we already knew that this would be a formative decade in Europe. A forty-year-old European order had just collapsed with the Berlin Wall. Everything seemed possible. Everyone was hailing a "new Europe." But no one knew what it would look like.
Now we know: in Western Europe, in Germany, in Central Europe, and in the Balkans. Of course, in all these parts, the future will be full of surprises. It always is. But at the end of the decade we can see the broad outline of the new European order that we have already ceased to call new. Only in the vast, ethnically checkered territory of the former Soviet Union is even the basic direction of states such as Russia and Ukraine still hidden in the fog. And perhaps also, at Europe's other end, that of the decreasingly United Kingdom.
This book does not pretend to be a comprehensive account of the 1990s in Europe. It is a collection of what are rightly called pieces-in other words, fragments-that reflect my own interests, expertise, and travels. However, a chronology running through the book not only supplies missing links between the pieces but also records significant European developments not covered in any of them. Into this time line I have inserted some short, diary-like sketches, drawn mainly from my own notebooks and recollections. There are also several longer sketches in the main text. The largest part of the book consists of analytical reportages, mostly published in The New York Review of Books, after the skilled attentions of the editor to whom this book is dedicated. Finally, there are a few essays in which I attempt an interim synthesis on a larger subject, such as the development of the European Union, Britain's troubled relationship with Europe, or the way countries deal with the legacy of a dictatorship.
As befits "history of the present," everything in the main text was written at or shortly after the time it describes. The pieces have been edited lightly, mainly to eliminate repetition, but nothing of substance has been added or changed. I compiled the chronology and short sketches more recently. Occasionally, I have also added a comment at the end of a piece.
Here I want to reflect on writing "history of the present." The phrase is not mine. It was, so far as I know, coined by the veteran American diplomat and historian George Kennan in a review of my book about Central Europe in the 1980s, The Uses of Adversity. It is, for me, the best possible description of what I have been trying to write for twenty years, combining the crafts of historian and journalist.
Yet it immediately invites dissent. History of the present? Surely that's a contradiction in terms. Surely history is by definition about the past. History is books on Caesar, the Thirty Years War, or the Russian Revolution. It is discoveries and new interpretations based on years of studying documents in the archives.
Let's put aside straightaway the objection that "the present" is but a line, scarcely a millisecond wide, between past and future. We know what we mean here by "the present," even if the chronological boundaries are always disputed. Call it "the very recent past" or "current affairs" if you would rather. The important point is this: Not just professional historians but most arbiters of our intellectual life feel that a certain minimum period of time needs to have passed and that certain canonical kinds of archival source should be available before anything written about this immediate past qualifies as history.
It was not ever thus. As the formidably learned German intellectual historian Reinhart Koselleck has observed, from the time of Thucydides until well into the eighteenth century, to have been an eyewitness to the events described or, even better, to have been a participant in them was considered a major advantage for a winter of history. Contemporary history was thought to be the best history. It is only since the emergence of the idea of progress, the growth of critical philology, and the work of Leopold von Ranke that historians have come to believe that you understand events better if you are farther away from them. If you stop to think about it, this is actually a very odd idea: that the person who wasn't there knows better than the person who was.
Even the most ascetic neo-Rankean depends upon the witnesses who make the first record of the past. If they do not make a record, there is no history. If they do it badly or in pursuit of a quite different agenda (religious, say, or astrological or scatological), the historian will not find answers to the questions he wants to ask. It's therefore best to have a witness who is himself interested in finding answers to the historian's questions about sources and causes, structure and process, the individual and the mass. Hence, for example, Alexis de Tocqueville's personal account of the 1848 revolution in France is worth twenty other memoirs of that time.
This need for the historically minded witness has become more acute in recent times for a simple reason. In Ranke's day, politics was put on paper. Diplomacy was conducted or noted immediately in correspondence. Politicians, generals, and diplomats wrote extensive diaries, letters, and memorandums. Even then, of course, much that was vital was not written down-murmured private understandings in the corridors of the Congress of Vienna, the pillow talk of queens. Then, as now, most of human experience was never recorded at all. But most of politics was.
Today, however, high politics is more and more pursued in personal meetings (thanks to the jet airplane) or by telephone (increasingly by mobile phone) or by other forms of electronic communication. Certainly, minutes of meetings are made afterward and, at the highest levels, so are transcripts of phone conversations. But the proportion of important business actually put on paper has diminished. And who writes narrative letters or detailed diaries any more? A dwindling minority.
To be sure, researchers can watch television footage. Sometimes, they can listen to the telephone tapes-or taps-of those conversations. Perhaps in future they will also read the e-mails. The point is not that there are fewer sources than there were. Quite the reverse. Where the ancient historian has to reconstruct a whole epoch from a single papyrus, the contemporary historian has a roomful of sources for a single day. It is the ratio of quantity to quality that has changed for the worse.
On the other hand, politicians, diplomats, soldiers, and businesspeople have never been so eager to give their own version of what has just happened. Iraqi crises famously unfold in "real time" on CNN. European ministers tumble out of EU meetings to brief journalists from their own countries. Naturally, each gives his own twist and spin. But if you put the different versions together, you have a pretty good instant picture of what occurred.
In short, what you can know soon after the event has increased, and what you can know long after the event has diminished. This is particularly the case with extraordinary events. During some of the dramatic debates between the leaders of Czechoslovakia's "velvet revolution," in the Magic Lantern theater in Prague in November 1989, I was the only person present taking notes. I remember thinking, "If I don't write this down, nobody will. It will be gone for ever, like bathwater down the drain." So much recent history has disappeared like that, never to be recovered, for want of a recorder.
Two objections remain strong. First, since those things governments and individuals try to keep secret are often the most important things, the eventual release of new sources will change pictures substantially. This is not a conclusive argument for waiting-in the meantime, other equally important things, well understood at the moment, may be forgotten-but it is a major hazard of the genre. In the preface to my first "history of the present," an account of the Solidarity revolution in Poland, I observed that I would not have attempted to write the book had it seemed likely that the official papers of the Soviet and Polish communist regimes would become available in the foreseeable future. That, I continued blithely, seemed "as probable as the restoration of the monarchy in Warsaw or Moscow." Eight years later, the Soviet bloc had collapsed and many of those papers were available. Fortunately, I also quoted Walter Raleigh's warning, in the preface to his History of the World, that "who-so-euer in writing a modern Historie shall follow truth too neare the heeles, it may happily strike out his teeth."
The second strong objection is that we don't know the consequences of current developments, so our understanding of their historical significance is much more speculative and liable to revision. Again, this is patently true. Every high-school senior studying ancient history knows that the Roman empire declined and fell. Writing about the Soviet empire in the 1980s, none of us knew the end of the story. In 1988, I published an essay entitled "The Empire in Decay", but I still thought the empire's fall was a long way off. In January 1989, I wrote an article pooh-poohing suggestions that the Berlin Wall might soon be breached.
Yet there is also an advantage here. You record what people did not know at the time-for instance, that the Wall was about to come down. You dwell on developments that seemed terribly important then but would otherwise be quite forgotten now because they led nowhere. You thus avoid perhaps the most powerful of all the optical illusions of historical writing.
One of the real pleasures of immersing yourself in the archives of a closed period is that you gradually, over months and years, see a pattern slowly emerging through the vast piles of paper, like a message written in invisible ink. But then you start wondering, Is this pattern really in the past itself? Or is it just in your own head? Or perhaps it is a pattern from the fabric of your own times. Each generation has its own Cromwell, its own French Revolution, its own Napoleon. Where contemporaries saw only a darkling plain, you discern a tidy park, a well-lit square, or most often a road leading to the next historical milestone. The French philosopher Henri Bergson talks of the "illusions of retrospective determinism."
American journalists writing books of recent history sometimes modestly refer to them as "the first draft of history." This implies that the scholar's second or third draft will always be an improvement. Well, in some ways it may be, having more sources and a longer perspective. But in others it may not be, because the scholar will not know, and therefore will find it more difficult to re-create, what it was really like at the time; how places looked and smelled, how people felt, what they didn't know. Writers work in different ways, but I can sum up my own experience in a doggerel line: There is nothing to compare with being there.
Kennan observed that history of the present lies "in that small and rarely visited field of literary effort where journalism, history and literature ... come together." Again, this seems to me exactly right. The corner of Europe where Germany, France, and Switzerland meet is known in German as the Dreiländereck, or Three Country Corner. "History of the present" lies in a Three Country Corner between journalism, history, and literature. Such frontier areas are always interesting but often tense. Sometimes working in this one feels like walking in a no-man's-land.
The shortest and best-marked frontier is that between history and journalism on the one side and literature on the other. Both good journalism and good history have some of the qualities of good fiction: imaginative sympathy with the characters involved, literary powers of selection, description, and evocation. Reportage or historical narrative is always an individual writer's story, shaped by his or her unique perception and arrangement of words on the page. It requires an effort not just of research but of imagination to get inside the experience of the people you are writing about. To this extent, the historian or journalist does work like a novelist. We acknowledge this implicitly when we talk of "Michelet's Napoleon" as opposed to "Taine's Napoleon" or "Carlyle's Napoleon."
Yet there is a sharp and fundamental difference, which concerns the kind of truth being sought. The novelist Jerzy Kosinski, who played fast and loose with all facts, including those about his own life, defended himself aggressively. "I'm interested in truth not facts," he said, "and I'm old enough to know the difference." In a sense, every novelist can say that. No journalist or historian should. In this, we also differ from the father of contemporary history. Thucydides felt free to put words into Pericles' mouth, as a novelist world. We do not. Our "characters" are real people, and the larger truths we seek have to be made from the bricks and mortar of facts. What did the prime minister say exactly? Was it before or after the explosion in the Sarajevo marketplace, and whose mortar actually fired the fatal shell?
Some postmodernists disagree. They suggest that the work of historians should be judged like that of fiction writers, for its rhetorical power and capacity of imaginative conviction, not for some illusory factual truth. Eric Hobsbawm's given a finely measured response: "It is essential" he writes, "for historians to defend the foundation of their discipline: the supremacy of evidence. If their texts are fictions, as in some sense they are, being literary compositions, the raw material of those fictions is verifiable fact."
That applies equally to journalism. We all know about fabrications at the bottom end of journalism, in the gutter press. Unfortunately, the frontier with fiction is also violated at the top end of journalism, especially in reportage that aspires to be literature. Any reportage worth reading involves rearranging material, highlighting, and, to some extent, turning real people into characters in a drama. But the line is crossed when quotations are invented or the order of events is changed. There is one genre of modern journalism, the "drama-documentary" or "faction," which does this avowedly. Faction is, so to speak, honestly dishonest. But more often this is done behind a mask of spare authenticity.
The precedents are distinguished. John Reed's account of the Russian Revolution, Ten Days That Shook the World, is probably one of the most influential pieces of reportage ever written. Yet he spoke virtually no Russian, regularly made up dialogue, offered secondhand accounts as firsthand, mixed up dates, and added imaginative detail. As Neal Ascherson observes, in a fine essay on his work, Reed "gives a thrilling account of Lenin's appearance at a closed Bolshevik meeting in Smolny on 3 November, allegedly communicated to him outside the door by Volodarsky as the meeting went on. No such meeting took place. "
To save us from Reed's disease and to spoil our best stories, great American journals such as The New Yorker employ fact-checkers. As they drag their fine combs through your text, it is horrible to find how many small errors of fact have slipped into your notebook or intruded on the path from notebook to text. But sooner or later you come to the passages, often the most important ones, that they annotate in the margin, "On author." This means you are the only source for the fact (if fact it be) that, for example, a church door in the Krajina was stained with blood, or a Kosovo rebel leader said what your notebook records that he said. Then you are alone with your notebook and your conscience. Did he really say that?
Ideally, I suppose, one should be permanently wired for sound, like a superspy. Or, even better, have a miniature video camera implanted in one's skull. And certainly some of the very best contemporary history has been done on television. I think of documentary series such as The Death of Yugoslavia. Although the television camera can also be made to lie by tendentious selection and manipulative editing, at best it brings you closer than any other medium to how things really were.
For the writer, however, the conventional, handheld, visible tape recorder and television camera have major disadvantages. They are cumbersome, even in their latest, slimmed-down, high-tech versions. Try using one at the same time as taking notes during a fast-moving demonstration. It is, in practice, very difficult to see simultaneously with both the camera's and the writer's eye. You're always liable to miss the telling detail that is vital to good reportage because you're fiddling with a tape or lens. And then you keep worrying about whether and what they are recording. Tape recorders and cameras put people off. Politicians and so-called ordinary people speak less naturally and freely as soon as the machines come out. Worse still, cameras and microphones also turn people on. Demonstrators or soldiers strike heroic poses and make portentous statements they would not otherwise make. So these apparently neutral, mindless recorders of reality actually change it by their mere presence. Yet even the visible notebook does that.
I occasionally use a tape recorder for an important conversation, but my inseparable companion is a pocket notebook. The notebook is often open when the person is speaking, but sometimes, when I think they will talk more freely or simply when walking or eating or whatever, it is not. Then I write the conversation down as soon as possible afterward. I am obsessed with accuracy and, after twenty years, rather well practiced in this kind of remembering. But as I look back through my notebooks there is always this nagging concern: Did he really say that?
Take the opening passage of my reportage from Serbia in March 1997: the student named Momcîlo exclaiming "I just want to live in a normal country," and so on. Now Momcîlo said this, in his imperfect English, as we hurried through the streets of Belgrade toward a students' meeting. I wrote it down as soon as we got there. If I had a tape recording of what he actually told me, it would probably be slightly different-a bit more awkward and less sharp. But I don't have a tape recording. The verifiable historical truth of that fragment of the past is gone for good. You just have to trust me. A little later, I relate excited exchanges at the student meeting. These I scribbled down as they happened. But I don't speak Serbian, so what you read is my interpreter's version and we both have to trust her.
Altogether, the business of language is crucial. Most of what is quoted in this book was said or written in languages I understand. But some, especially from Albanian and the southern Slav languages now called Serbian, Croatian, Bosnian, and Macedonian, was translated for me by an interpreter, with the inevitable loss of accuracy and nuance. The first thing to ask of anyone writing about anywhere is, Does he or she know the language?
Finally, it seems to me, the key to trust is not the technical apparatus of audiovisual recording and sourcing and fact-checking, invaluable though that is. It is a quality that may best be described as veracity. No one will ever be completely accurate. There is a margin of unavoidable error and, so to speak, necessary license if cacophonous, Babel-like reality is to be turned into readable prose. But the reader must be convinced that an author has a habit of accuracy, that he is genuinely trying to get at all the relevant facts, and that he will nor play fast and loose with them for literary effect. The reader should feel that while the author may not actually have a video recording of what he is describing, he would always like to.
George Orwell's Homage to Catalonia is a model of this kind of veracity. The book is a piece of literature. It is inaccurate in many details, not least because Orwell's notebooks were stolen by the communist goons who came to arrest him as a Trotskyist. Yet you don't doubt for a single moment that he is striving for the greatest possible accuracy, for the fact-based truth that must always set apart the plains of history and journalism from the magic mountains of fiction.
The frontier between journalism and history is the longest in our Three Country Corner. It is also the least well marked and therefore the most tense and disputed. I can testify to this, having lived on both sides and in between. In journalism, to describe a piece as "rather academic"-meaning jargon heavy, boring, unreadable-is the surest path to the spike. In academe, it's a put-down to say that somebody's work is "journalistic," meaning superficial, racy, and generally not serious. "Contemporary history?" sniffed an elderly don when I returned to my Oxford college from a job in journalism at the end of the 1980s. "You mean journalism with footnotes?"
I think it's important to understand that the reasons why so much is made of the differences between journalism and academic or professional history have at least as much to do with the practical exigencies, self-images, and neuroses of the two professions as they have with the real intellectual substance of the two crafts. Granted, the qualities of bad journalism and bad history are very different: sensationalist, intrusive, populist tosh with millions of readers on the one side; overspecialized, badly argued, ill-written doctorates with no readers on the other. But the virtues of good journalism and good history are very similar: exhaustive, scrupulous research; a sophisticated, critical approach to the sources; a strong sense of time and place; imaginative sympathy with all sides; logical argument; clear and vivid prose. Was Macaulay, in his essays for the Edinburgh Review, a historian or a journalist? Both, of course.
Yet, in modern Western societies, profession is a defining feature of personal identity, and the professions that are closest together take most pains to distinguish themselves. I say modern Western societies, incidentally, because this was not so true in the communist world, where the most important social identification was with a broad class: intelligentsia, workers, or peasants. One of the interesting experiences of the last decade in formerly communist parts of Europe has been to see friends rapidly becoming differentiated by profession, Western style. Where once they were all fellow members of the intelligentsia, now they are academics, lawyers, publishers, journalists, doctors, and bankers, with diverging ways of life, styles of dress, homes, incomes, and attitudes.
Now, because of the ways in which the professions of journalism and history have developed and because of the edginess between them, the writing of "history of the present" has tended to fall between the two. That no-man's-land is perhaps wider and more tense than it was when Lewis Namier put aside eighteenth-century English politics to chart the European diplomatic history of his own times and Hugh Trevor-Roper turned from Archbishop Laud to write The Last Days of Hitler
Every profession has its characteristic fault. If I had to summarize in a word, I would say that the characteristic fault of journalistic writing is superficiality and that of academic writing is unreality. Journalists have to write so much, and they are so pressed for time. Sometimes they are "parachuted" into countries or situations about which they know nothing and expected to report on them within hours. Hence the famous, horrible line 'Anyone here been raped and speak English?" Then their copy is cut and rewritten by editors and subeditors who are working to even tighter deadlines. And, anyway, tomorrow is another day, another piece.
Academics, by contrast, can take years to finish a single article. They can (and sometimes do) take infinite pains to check facts, names, quotations, texts, and contexts, to consider and reconsider the validity of an interpretation. But they can also spend a life describing war without ever seeing a shot fired in anger. Witnessing real life is not what they are supposed---or funded-to do. Methodology, footnotes, and positioning in some ongoing academic debate can seem as important as working out what really happened and why. Participants in the worlds they describe sometimes throw up their hands in laughter and despair at the unreality of what comes out.
Of course, I could equally dwell on the characteristic virtue of each side, which is the opposite of the other's characteristic fault: depth in scholarship, realism in journalism. The interesting question is, Has it gotten worse or better? Well, some things have improved. If you read what passed for contemporary history in Britain in the 1920s, you find a bluff amateurism unthinkable today. In journalism, the growth of world television-news services such as CNN, Reuters, and BBC World Television and that of documentation on the Internet offers wonderfully rich new sources for present history. But, on the whole, I think it has gotten worse.
There is still a handful of great international newspapers of record. Top of my personal short list would be The New York Times, The Washington Post, and The International Herald Tribune, The Financial Times, Le Monde in France, the Neue Zürcher Zeitung and the Frankfurter Allgemeine Zeitung in the German-speaking world. You can generally believe what you read in these papers. Yet even with this select group, it is astonishing how many discrepancies you find if you buy them all and compare their accounts of the same event. By and large, they do still separate fact and opinion, although there are exceptions. For example, the coverage of the wars of the Yugoslav succession in the Frankfurter Allgemeine Zeitung was for years distorted by the pro-Croat views of one of that paper's publishers.
In my view, the foreign reporting in the leading American newspapers is the best in the world. Senior, highly educated American journalists are proud to describe themselves as a "reporter," whereas in Britain every twenty-three-year-old fresh out of college wants to be a "columnist" or "commentator. " Standards of editorial accuracy and fact-checking are second to none, and corrections are published when errors are made. Moreover, extensive space is given to foreign coverage. You have a definite sense that what happens almost anywhere in the world matters, because the country in which the paper appears is a world power. What was true of The Times of London a hundred years ago is true of The New York Times today. For an Englishman, the contrast in quality of foreign coverage between the New York and the London Times is now painful to observe.
Outside this small group, the value as historical record of most other newspapers in most other countries is slight, and diminishing. This is particularly true in Britain, where the fierce commercial competition for readers-above all between the groups headed by the Australian-American owner of The Times, Rupert Murdoch, and the Canadian proprietor of the Daily Telegraph, Conrad Black-has resulted in a further erosion of the journalism of record. I'm talking not just about the quite astonishing levels of routine inaccuracy and distortion, for reasons of both sensationalism and ideology-although in Britain this is especially apparent in anything to do with the European Union. As important are two other traits: featurism and futurism.
A large part of newspapers is now taken up not, as their name would suggest, with news, but with features: lifestyle, beauty, fashion, medicine, food, holidays, etc. This is what readers are said to want. Meanwhile, in what remains of the news pages, there is the more subtle disease of futurism. More and more space is devoted to speculating about what may happen tomorrow rather than describing what happened yesterday-the original mission of journalism. When read any time after today, this stuff is useless, except as an illustration of what people did not know at the time. Reading my own pieces for this book, I am again reminded that nothing ages more quickly than prophecy-even when it was prescient.
For all these reasons, the history of the present gets written less in its first natural home, the newspapers. But there are also problems on the academic side of the frontier. Some professional historians do tackle subjects in recent history. Even the Oxford history faculty; long accounted conservative (with a small c), now has a history syllabus that is open-ended toward the present. Nonetheless, in my experience, most academic historians are still reluctant to venture much closer to the present than the canonical thirty years after which official papers are released in most democracies. They still incline to leave this territory to colleagues who have made it their own in subjects such as International Relations, Political Science, Security Studies, European Studies, or Refugee Studies.
Yet these relatively new specialisms often feel the need to establish their academic credentials, their claim to the high name of Science (in the German sense of Wissenschaft), by a heavy dose of theory, jargon, abstraction, or quantification. Otherwise-horror of horrors-their products might be confused with journalism. Even when those involved have been trained to write history, the results often suffer from overspecialization, unreadable prose, and that characteristic fault: unreality. At the same time, the pressures of American-style "publish or perish" mean that a huge amount of academic work in progress is hastily thrown into book form. Here, too, the ratio of quantity to quality has surely changed for the worse.
So I maintain that, for all its pitfalls, the literary enterprise of writing "history of the present" has always been worth attempting. It is even more so now because of the way history is made and recorded in our time. Sadly, it has suffered from developments in the professions of journalism and academic history.
Yet you can soon have enough of such methodological self-examination. Altogether, the habit of compulsive labeling, pigeonholing, and compartmentalizing seems to me a disease of modern intellectual life. Let the work speak for itself, In the end, only one thing matters: Is the result true, important, interesting, or moving? If it is, never mind the label. If it isn't, then it's not worth reading anyway.
T.G.A., Oxford-Stanford, March 2000
(C) 2000 Timothy Garton Ash All rights reserved. ISBN: 0-375-50353-6
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Review by Roger Cohen:


A journalist looks at the last decade through the perspective of a historian.


Related Link


By ROGER COHEN



HISTORY OF THE PRESENT
Essays, Sketches, and Dispatches From Europe in the 1990s.
By Timothy Garton Ash.
389 pp. New York:
Random House. $29.95.


With the cold war won and Wall Street on a winning streak, America's interest in Europe has waned. Yet it has been a convulsive decade. Violence took more European lives in the 1990's than in the entire 44-year period of the cold war. Several post-Communist societies muddled their way toward democracy and the market economy. Another, Yugoslavia, fissured in a blood bath. The wars of its destruction may finally have ended with the ouster this month of Slobodan Milosevic, Serbia's ruthless leader. Saying goodbye and good riddance to the full exercise of their sovereignty, several West European states created a common currency, the euro. The thinly-veiled political objective behind the money could scarcely have been bolder: the forging, one day, of a United States of Europe.
These are the weighty themes of Timothy Garton Ash's ''History of the Present,'' a collection of essays and dispatches from one the most penetrating observers of Europe's recent transformation. A rather self-conscious introduction announces that the author has sought to combine ''the crafts of historian and journalist,'' an objective that in lesser hands might merely have yielded mediocre illustrations of both. But Garton Ash has the wherewithal for his ambitious genre. His strongest pieces combine a quick eye, a gift for concision and an ability to discern the deep currents of history in the restless waters of the present. Pith, prescience and intellectual passion often coalesce to provide a powerful European portrait.
The essays in Garton Ash's book, most of them previously published, form what he calls a kaleidoscope. At times, the patterns are vivid, the images brilliantly illuminating. At others, the fragments are disjointed or simply repetitive. We hear not once but twice from the anonymous French businessman who comments acidly that expansion of the European Union to include post-Communist central Europe should always be talked about but never considered. The term ''demokratura,'' used to describe an authoritarian regime dressed up in the garb of democracy, returns with irritating frequency to characterize governments as different as Milosevic's murderous Serbia and Vladimir Meciar's messy Slovakia. And the eviction of ''innocent'' Germans from Eastern Europe after the end of Hitler's terror appears to be something of an obsession.
But when Garton Ash, a fellow of St. Antony's College, Oxford, explores his favorite themes, the results are often formidable. Two of the most important essays are ''Catching the Wrong Bus?'' and ''The Case for Liberal Order.'' In them, he argues that European leaders made a cardinal error a decade ago by setting monetary union in the western part of the continent as their chief political priority. That priority should have been the swift integration of post-Communist countries into the democratic order of the European Union: ''They put Maastricht before Sarajevo,'' he writes, referring to the Dutch city where the treaty on the euro was agreed to in 1991.
His case is compelling, and impressive for the cogent consistency with which he has argued it since the Berlin Wall fell. No post-Communist state has joined the European Union; dates for entry keep getting postponed. Meanwhile, monetary union -- decided in haste and on high in order to tie a reunited Germany to an integrated Europe -- is suffering from its largely undemocratic conception and from the absence of a coherent, broadly acceptable political project to accompany it. Hence, in part, the weakness of the euro, which has lost 25 percent of its value in 21 months. A European money probably needs a European government to administer it; but not enough Europeans want such a government, at least not now.
As a result, Garton Ash is deeply suspicious of what he sees as a drive to push Europeans toward more union than they want. His is a conservative Atlanticism, that of a British intellectual deeply engaged in Europe, enraged by the myopia of so many Little Englanders, but still suspicious of too much centralizing idealism on a Continent so ravaged, still convinced that avoidance of the worst is a worthy goal.
Disaster, he suggests, is not impossible. Germans, who have abandoned the much-loved symbol of their postwar nationhood, the mark, may come to view the euro as another Versailles. A ''serious danger'' exists that the French-German ''magnetic core'' of an integrating Europe could come to exert ''magnetic repulsion.'' In a Continent now marked by the rise of populist, rightist politicians like Jorg Haider in Austria, and increasingly wary of the notion of a European ''superstate,'' such warnings are hard to ignore. But the political investment in the euro is probably too great, and the ultimate American interest in a stable Europe too keen, for an implosion to come to pass.
In its southeastern Balkan corner, Europe has already had its share of cataclysms in the past decade. Garton Ash backs into the story in the strangest of ways, with an account of the expulsion of the Serbs by a resurgent Croatian Army in 1995. This is a bit like beginning an account of World War II with the story of those Sudeten Germans ethnically cleansed after 1945. He refers to this expulsion more than once as ''the biggest single exodus'' of the Bosnian war. In fact, that dubious accolade belongs to the more than 750,000 Muslims driven out by the Serbs as they swept through Bosnia in the first months of the war in 1992. This exodus was also the result of one devastating, coordinated sweep. Yet the Serbian concentration camps through which many of the Muslims were processed merit not a mention.
This lacuna is doubly strange because Garton Ash gets so much right. ''Hitler,'' he writes, ''should have been stopped when he remilitarized the Rhineland in 1936; Milosevic at the siege of Vukovar in 1991.'' Indeed. And his critique of the no-body-bags approach of Bill Clinton and the Pentagon in Bosnia and later Kosovo is superb: ''It is a perverted moral code that will allow a million innocent civilians of another race to be made destitute because you are not prepared to risk the life of a single professional soldier of your own.'' As Garton Ash explains, thousands of ethnic Albanian lives were sacrificed in 1999 because there was no readiness to accompany the NATO bombardment of Kosovo with the deployment of a ground force that could stop the marauding Serbian killers. Years before that, the dismemberment of Bosnia went as far as it did because of similar hesitations. For President Clinton to claim Bosnia as a success story, as he has often done since 1995, is simply extraordinary. Garton Ash now sees little alternative to allowing ethnic separation to be completed in the Balkans, a process that he hopes will eventually open the way for their reintegration. This, he suggests, is the European way; to fight it is to try ''to freeze history.''
Of course, the United States and its allies are trying to prove him wrong by preserving some semblance of mixed societies in Bosnia and even Kosovo. In Bosnia, they may succeed because they have something to build on; Garton Ash underestimates the reality of a Bosnian identity even among many Serbs there. In Kosovo, however, any meaningful multiethnic project is almost surely doomed at this stage. Meanwhile, with Garton Ash, we are left to rue the painful fact that ''the democratization of Yugoslavia, and of Bosnia in particular, would, had it worked, have been a unique example of a part of Europe moving peacefully from a truly multiethnic society under an undemocratic (imperial, then Communist) political roof to such a society within a democratic framework.''
It is this sort of perception, and writing, that makes ''History of the Present'' essential reading. Garton Ash sometimes seems unsure of his role, assuming a highhanded pomposity that makes certain passages read like a ''History of My Presence.'' He is often scathing toward journalists, dismissing their ''color,'' their ''clichés'' and their ''Sarajevo safaris,'' and suggesting that CNN and Christiane Amanpour play fast and loose with the truth. Yet this is the craft he claims to be practicing, at least in part, and the role of journalists in the Balkans -- not least the discovery of the camps in Bosnia in 1992 -- has surely done more honor to the profession than damage.
At the start of his book, throwing in the towel on his convoluted attempts to define history-cum-journalism, Garton Ash writes that the final test must be this: ''Is the result true, important, interesting or moving? If it is, never mind the label. If it isn't, then it's not worth reading anyway.'' So let us apply the test. True? Most of the time. Important? Sometimes. Interesting? Always. Moving? Surprisingly so.




Roger Cohen, the Berlin bureau chief of The Times, is the author of ''Hearts Grown Brutal: Sagas of Sarajevo.''

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

O Stalin Sem Gulag, em biografia nao autorizada - Agamenon Mendes Pedreira

Desde 2003, conhecedor de alguns meandros dessa turma que eu sempre chamei de "guerrilheiros reciclados", eu o designava, assim por instinto (no más que isto, pois nunca cruzei com o personagem) de Stalin Sem Gulag (ainda bem, do contrário eu não mais estaria aqui, escrevendo para todos vocês), e assim ficou, sendo que o nome era usado por mim de vez em quando, sempre discretamente (vai que cai uma laranja em cima deste modesto escrevinhador). Mas eu não conhecia ainda, e me passou despercebida em 2005, esta biografia não autorizada do personagem, feita por nosso mais desbocado humorista, Agamenon Mendes Pedreira, exclusivo do Globo, um jornal que eu raramente leio, a não ser por acado.
Pois confesso que eu não sabia desse nome, que agora vou também adotar: Josef Vassarianovitch Djugashvili Dirceu.
Acho que combina. O resto está ai, tirado do site O Antagonista.
Paulo Roberto de Almeida

Agamenon: Quem é Josef Dirceu?

 O Antagonista, 6/08/2015

*Atenção, meus 17 seguidores e meio (não esqueçam do anão): hoje resolvi postar um artigo publicado no Globo em 2005 pra vocês terem ideia de como o Brasil mudou. Mudou de mal a pior! Mas, pelo menos, a Operação Lava Rato prendeu o Zé Dirceu de novo... Como diz o ditado: “O bom filho da puta a casa torna”. Além do mensalão e do petrolão, Zé Perdeu também está sendo acusado de enriquecimento ilícito. Segundo a Polícia Foderal, José Marília de Dirceu está botando dinheiro pelo ladrão. E o ladrão, no caso, é ele.
 
(O Globo – 04/12/2005)
QUEM É JOSEF DIRCEU? 

Ao contrário do meu bilau e da taxa de juros, que nunca caem, Josef Dirceu caiu! O ex-todo-foderoso homem de Lula agora amarga um doloroso ostracismo político. Mas a pergunta que não quer calar é: quem é Josef Dirceu, o homem, o líder, o minto?
Josef Vassarianovitch Djugashvili Dirceu nasceu em Passa-de-Quatro, cidade típica mineira, onde já era conhecido como Menino Maluquinho. Politizado desde a mais tenra infância, ainda criança já se indignava com a desigualdade social na escola: enquanto os meninos ricos levavam pão de queijo para a merenda, o pequeno Dirceuzinho tinha apenas uma mísera paçoca para comer no recreio. E a mesma paçoca tinha que durar o ano inteiro. Nas peladas de rua, só jogava na ponta esquerda.
Indignado com os zeros que carregava no boletim, criou o seu primeiro grupo esquerdista, a VPR, Vanguarda Pré-Primária Revolucionária, que sequestrou a professora e expropriou os doces da cantina da escola. Zé Dirceu acabou expulso da cidade por conta das suas travessuras e do seu sotaque carregado.
Em São Paulo, Dirceu resolveu estudar Direito, que logo trocou pelo Esquerdo. Para não ter que estudar, virou líder estudantil e, com seus discursos inflamados e coquetéis Molotov, incendiava as massas. Com o enrijecimento da ditadura, Dirceu teve que entrar na clandestinidade. Entrou na Clandestinidade e em várias outras companheiras de militância, inclusive, acreditem, na ministra Dilma Roskoff, que naquela época ainda gostava de poder.
Dirceu também organizou o Congresso secretíssimo da UNE em Ibiúna, no sítio do Fernando Henrique Cardoso, o que é considerado a primeira invasão do MST da História. O Congresso só não deu certo porque, no primeiro dia, Zé foi na padaria comprar 3.000 sanduíches de mortadela, o que despertou o apetite e a curiosidade das gulosas forças da repressão. Anos mais tarde, essa piada foi roubada pelo humorista imperialista norte-americano Woody Allen, que a colocou, na mão grande, no seu filme Bananas.
Preso pela ditadura, José Perdeu acabou sendo trocado pelo embaixador americano Ronald Macdonald e um boneco Mug que pertencia ao Chico Buraque de Hollanda. Foi o deputado Fumando Gabeira quem resgatou Zé Dirceu das garras dos militares. Juntos, os dois fugiram para a Jamaica, onde deram início à reforma agrária na terra de Bob Marley fumando milhares de hectares de maconha. Um dia, Zé Dirceu resolveu ir pra Cuba comprar seda para apertar um baseado e nunca mais voltou.
Em Cuba, Zé conheceu o seu ídolo máximo: Fidel Mastro. Rapidamente ficaram amigos inseparáveis: Fidel era o cumandante e Dirceu era o pau-mandado. Formado em guerrilha na Universidade de Havana, Dirceu criou um novo grupo revolucionário, o Buena Bosta Social Club. Em seguida, para voltar ao Brasil clandestino, fez uma operação plástica e uma lipoaspiração. A lipo ele só fez porque estava se achando muito gordo. Com a sua nova identidade de Sylmara, Dirceu se escondeu numa pequena cidade do interior do Paraná. Para não despertar suspeitas naquela pequena e conservadora comunidade interiorana, assumiu um relacionamento lésbico e gravou um disco como cantora eclética de MPB.
Com o final da ditadura, Sylmara, quer dizer, Zé Dirceu, exausto de fazer sexo sem usar o seu bilau, revelou para a patroa sua identidade secreta e voltou para a política, onde arrumou um emprego de presidente do PT. Foi aí que o Zé Dirceu cometeu o seu maior erro político: pagou com um cheque sem fundos do Delúbio Soares a renovação da assinatura de VEJA. A partir daí, a revista semanal passou a persegui-lo implacavelmente, levando o Zé Dirceu à cassação pelo SPC e pelo SERASA.

E ainda dizem que não tem justiça no Brasil! Pelo menos agora, Zé Dirceu, o Chico Bento do PT, vai ver o PSOL nascer quadrado
Agamenon Mendes Pedreira é autobiógrafo não autorizado de Josef Dirceu

CPI do BNDES: beaucoup du pain sur la planche... (matérias de jornais)

Sérgio Lazzarini é o economista, professor do Insper, autor da expressão, e do livro, Capitalismo de Laços (poderíamos acrescentar: espúrios).
Paulo Roberto de Almeida

Escancarando o capitalismo de laços
Sérgio Lazzarini
O Estado de S.Paulo, 25/06/2015

Dois grandes movimentos recentes têm lançado luz sobre as imbricadas relações empresa-Estado no Brasil. O primeiro, grande parte centrado na Operação Lava Jato, revelou um leque de operações ilícitas envolvendo empresários, gestores públicos e políticos. O segundo, pela ação das agências de controle e do Judiciário, trouxe uma enxurrada de dados sobre contratos e transações com capital público.
Examinemos, por exemplo, o financiamento a empreiteiras no exterior. Logo após o Congresso da República Dominicana pôr à disposição em seu site da internet o contrato de financiamento do país com o BNDES e o STF determinar que não deve haver sigilo nessas operações, o banco resolveu abrir dados sobre as condições de empréstimo. Imediatamente, analistas se debruçaram nos dados, revelando detalhes interessantes e ainda pouco compreendidos. Por exemplo, a maioria dos empréstimos tem prazo em torno de 12 a 15 anos, embora alguns contratos com Cuba destoem por terem prazos de até 25 anos. As taxas de juros estão entre 3% a 6% ao ano, em dólar.
Quando analistas começaram a perguntar por que prazos tão longos e taxas tão baixas - ao menos comparando com os nossos juros locais -, o BNDES se justificou dizendo que as condições são compatíveis com o que outros bancos internacionais fazem em contratos similares. Uma justificativa insatisfatória. Não importa se bancos em outros países praticam taxas baixas. Precisamos saber os benefícios e custos para a economia brasileira antes de embarcar nessa prática. O financiamento desses contratos se dá via Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que recebe, nesses casos, remuneração atrelada a taxas internacionais. Mas estas são muito mais baixas do que o custo que o próprio governo consegue captar, aqui ou no exterior. E o próprio Tesouro tem coberto rombos no FAT.
Como os dados estavam disponíveis, foi possível ter ideia do custo dessas operações ao Tesouro. Em estudo com Marcos Lisboa e Pedro Makhoul, comparamos as taxas que o BNDES cobra de outros países com as que o Brasil tem de pagar para se financiar com moeda estrangeira sob prazos similares. O resultado: custo de R$ 1,1 bilhão por ano com esses contratos de financiamento. Vale a pena? Diz o BNDES que, apesar de as obras serem no exterior, sua execução é feita por empreiteiras brasileiras articulando uma longa cadeia produtiva local. Justificativa também insatisfatória, já que pode ser possível gerar mais renda aqui, no Brasil, sem ter de bancar altos custos para equiparar taxas praticadas no exterior.
Portanto, ainda há muito a explicar. Mas o ponto é que a maior disponibilidade de dados permitiu não só maior entendimento desses contratos, mas também um debate mais informado e transparente sobre o papel do Estado no apoio de grandes grupos do País. Da mesma forma, as investigações da Lava Jato têm aumentado nosso entendimento de como empresas e partidos triangulam capital para obter benefícios privados com recursos públicos. Com a agravante de que, neste caso, são evidências que podem levar à punição dos envolvidos. A prisão de grandes executivos de empreiteiras demarcou de forma muito saliente o rumo que as investigações podem tomar.
É fato que corrupção e transações opacas no Brasil sempre existiram. Mas, até pouco tempo, o discurso era de que "é assim que o Brasil funciona". Se quisermos mudar o que aí está, muitos diziam, o País correria o risco de parar. É claro, um discurso que interessava tanto a uma elite empresarial entrelaçada com o governo quanto a uma elite política dependente de patrocínio empresarial - o cerne do nosso capitalismo de laços. Com maior pressão para transparência e punição, entretanto, não há mais espaço para esse modelo. É hora de repensarmos nossas estratégias privadas, orientando-as para maior produtividade e menos dependência de suporte público, e as formas de atuação do governo, buscando maior disciplina na análise dos custos e benefícios de suas políticas.

Sérgio Lazzarini
* Professor titular do Insper, é autor de 'Capitalismo de laços' e de 'Reinventando o capitalismo de Estado'.
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CORREIO BRAZILIENSE, 03 Junho 2015
Crédito do BNDES a Cuba teve taxa de 4,44%
http://cliente.linearclipping.com.br/IMGs/2015/6/3/24187055.jpg
US$ 11,9 bilhões
Operações do banco no exterior entre 2007 e 2015

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) cobrou taxas de juros entre 4,44% e 6,91% ao ano nos polêmicos financiamentos para a construção do Porto de Mariel, em Cuba, que somaram US$ 682 milhões em cinco diferentes contratos. Os encargos são mais baixos do que boa parte das operações feitas com empresas brasileiras. Até agora tratada como sigilosa, a informação consta do site BNDES Transparente, que a instituição colocou ontem em funcionamento.
A novidade foi anunciada pelo presidente do banco, Luciano Coutinho, e o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro. Num primeiro momento, o site vai disponibilizar dados de empréstimos feitos a 42 países entre 2007 e 2015, que totalizam US$ 11,9 bilhões. No Brasil são R$ 320 bilhões, distribuídos por 1.753 contratos assinados a partir de 2012.

Antes, as informações eram disponibilizadas em planilhas de Excel, mas o acesso era mais difícil e os dados, limitados a nome da empresa, país de destino, valor e data. "O nível de avanço mostra o compromisso com a transparência e a disposição de esclarecer os órgãos de controle, como Ministério Público e Tribunal de Contas da União (TCU). O banco está desejoso de prestar informações a todos os órgãos do governo e, mais do que nunca, à sociedade", frisou Coutinho.

Nem todas os dados sobre as operações do BNDES, porém, serão publicados. "Há um núcleo que se deve proteger e está apoiado na lei de sigilo bancário", ressaltou Monteiro. "O sigilo diz respeito a informações sobre a intimidade da empresa, estratégias de negócio, situação financeira, estrutura de endividamento, que geralmente, resultam em rating ou nota de crédito da empresa", complementou Coutinho.

Para o presidente da instituição, os custos dos financiamentos a Cuba são "perfeitamente compatíveis com operações creditícias internacionais praticadas no mercado".

No Brasil, os contratos com empresas nacionais são regulados pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), atualmente em 6% ao ano, acrescida de uma taxa de risco. No caso do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que geralmente conta com juros subsidiados, os juros começam em 6,5% ao ano.

Segundo especialistas em contas públicas, todo empréstimo com juros abaixo da taxa Selic é subsidiado, ou seja, é o contribuinte brasileiro que paga a conta. Para José Matias-Pereira, professor de economia pública da Universidade de Brasília (UnB), "a transparência é um bom começo, mas o governo continua perdulário e as caldeiras do BNDES continuam fervendo. São empréstimos a taxas mais do que generosas, que não fazem o menor sentido econômico, trazendo ganhos apenas para as empresas e os países beneficiados, com o custo posto nas costas do contribuinte brasileiro".

O Porto de Mariel foi construído pelo Grupo Odebrecht. O financiamento do BNDES foi criticado na época sob o argumento de que os recursos poderiam ter sido empregados na modernização de portos brasileiros, que apresentam graves problemas de ineficiência. Há casos polêmicos também no Brasil. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal determinou que o banco fornecesse ao Tribunal de Contas da União (TCU) todos os dados sobre operações feitas ao grupo JBS.

Relacoes Brasil-EUA: um recorrente reinicio - Paulo Roberto de Almeida (Sapientia)


Meu mais recente trabalho publicado:
“Relações Brasil-EUA: um recorrente reinício?”,
 Revista Sapientia (ano 4, n. 24, julho-agosto 2015, p. 18-29; 
Relação de Originais n. 2834; Publicados n. 1187.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Equivocos economicos do PT: Lula e a Loucura Agricola Europeia (2001) - Paulo Roberto de Almeida

Um dia eu acordei invocado, como disse certa vez o estadista de Garanhuns, o inefável capo di tutti i capi. Acordei invocado porque lia regularmente a imprensa brasileira mais cedo (estava em Washington, e tinha 2 hs para trás) do que o costume, e fiquei imediatamente invocado ao ler declarações do eterno candidato do partido esquizofrênico apoiando a loucura agrícola europeia, a política comum em matéria de agricultura que, mais do que prejudicar o Brasil (isso é o de menos, pois somos competitivos mesmo com a PAC), prejudica sobretudo os países africanos.
Pois invocado estava e invocado fiquei. Decidi escrever o artigo que vai abaixo.
Com base nessas minhas críticas, a revista Veja, sem saber de meu status profissional, me contatou para uma entrevista para as Páginas Amarelas. Pronto, foi só dar essa entrevista (que está disponível em meu site, aqui), onde eu dizia mais ou menos as mesmas coisas, que o Itamaraty resolveu me punir com uma advertência baseada na Lei da Mordaça, a coisa mais vergonhosa que possa ter existido na nossa Santa Casa (não a minha punição, isso é o de menos, mas a lei da mordaça).
Em todo caso, para mostrar que bobagens econômicas como as cometidas pelos companheiros não acontecem por acaso, nem de repente, transcrevo aqui o meu artigo e seus complementos.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 6 de agosto de 2015


O candidato do PT e a loucura agrícola europeia
(com post-scriptum em 13.10.01)

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 5 de outubro de 2001

Segundo despacho de Paris reproduzido na imprensa brasileira na quinta-feira, 4 de outubro, o candidato Luís Inácio “Lula” da Silva, em viagem pela Europa e depois de ser recebido pelo primeiro ministro francês Lionel Jospin, defendeu o acertado da política agrícola européia.
A afirmação já seria absurda em seu mérito próprio, mas a postura também está equivocada substantivamente, historicamente, funcionalmente. Apenas posso interpretar que o candidato carece de informações adequadas tanto sobre a agricultura européia, como sobre a brasileira, caso contrário não poderia fazer esse tipo de afirmação, mesmo desejando hipoteticamente agradar seu interlocutor.
Vejamos essas afirmações um pouco mais de perto. Segundo Lula:

1) “Do ponto de vista da realidade européia, eles estão corretos.”
Ao contrário, os europeus estão absolutamente errados, mesmo do ponto de vista exclusivamente europeu. Poderia, eventualmente, ser parcialmente correto se os europeus vivessem em circuito fechado, sem qualquer tipo de intercâmbio com o mundo e sem interferir no comércio agrícola mundial. Esta não é a realidade porém, na medida em que eles são relativamente abertos ao comercio mundial, possuindo mesmo um alto coeficiente de abertura externa, de modo geral. O coeficiente apenas do setor agrícola é, contudo, sensivelmente menor, e sabemos instintivamente por que.
Sobretudo do ponto de vista exclusivamente europeu, entretanto, os europeus também estão errados e o candidato Lula parece ignorar que um punhado de agricultores lobistas e outros aproveitadores políticos arrancam um alto preço de seus concidadãos em virtude da “loucura” agrícola comum. Sabe o candidato Lula que os consumidores (cidadãos) europeus poderiam ter um orçamento alimentar reduzido praticamente à metade se não houvesse a PAC e se o comercio agrícola fosse totalmente liberalizado? Esse é o calculo efetuado por diversos economistas independentes, europeus aliás: a cesta de compras da dona de casa européia poderia ser obtida com metade do dinheiro da feira e do supermercado se não existisse a PAC.

2) “São países que passaram por guerras e mais guerras,..”
O candidato Lula sabe quando foi a última guerra que representou ruptura de abastecimento na Europa? Ela terminou em 1945, sendo que a anterior tinha terminado em 1918. É verdade que no pós-guerra, até 1948 em todo caso, o abastecimento ainda não estava completamente regularizado, mas os EUA contribuíram generosamente com doações alimentares no quadro do Plano Marshall. Ou seja, há cinqüenta anos, ou duas gerações completas, que não há nenhuma ameaça de ruptura de abastecimento na Europa, e não se tem noticia de algum europeu ocidental que tenha morrido de fome nesse período de meio século.
O medo de um passado de fome (ocasional e explicável) não poderia de nenhum modo justificar as distorções do presente, sobretudo porque, supostamente, os alimentos viajam melhor e mais barato atualmente do que sessenta ou oitenta anos atrás.

3) Os europeus “não vêem a necessidade de tratar a comida como uma simples mercadoria,...”
Se a comida não pode ser tratada como mercadoria, o que é, ela supostamente deveria ter sido objeto de disposições especiais nos tratados comerciais, a começar pelo GATT, que regula o comercio de bens no plano multilateral desde 1947. Ora, não existem tais dispositivos restritivos, e os bens alimentares são considerados bens como quaisquer outros.
Foi apenas devido a expedientes abusivos e distorcivos, que europeus e americanos lograram extorquir dos demais países participantes do sistema multilateral de comércio uma exceção “temporária” ao comércio agrícola. Ora, essa exceção se prolonga há mais de 50 anos, e hoje nada, absolutamente nada, justifica a continuidade de uma tal situação. Ela penaliza duramente os países mais pobres, justamente aqueles que supostamente o candidato Lula deveria defender e que são os mais dependentes da agricultura, atividade primária por excelência.
Como, nessa linha de pensamento, se chega a defender agricultores abastados contra os interesses da imensa maioria de agricultores pobres do Terceiro Mundo? Isso me parece uma contradição insanável no argumento de Lula, como aliás já se tinha manifestado na aliança pouco santa entre o MST e “agricultores “do tipo do Sr. José Bové. Para voltar ao argumento do candidato, caberia esclarecer que a imensa maioria dos agricultores pobres dos países em desenvolvimento desejam, apenas e tão somente, que seus produtos agrícolas sejam tratados como simples mercadorias, como quaisquer outras. Nada mais do que isto.


4) Os europeus “vêm (...) a comida (...) como uma questão de soberania nacional.”
Se abobrinha e cenoura são produtos que integram os cálculos estratégicos de soberania nacional, então temos aqui um sério problema de definição do que seja a soberania de uma nação, sobretudo no caso de países altamente industrializados, não dependentes da produção agrícola para a formação do PIB. O que fazer, por exemplo, em relação à educação e à saúde, para não mencionar a segurança pública, interna e externa?
Como fazem o Vaticano, Andorra, Mônaco e muitos outros países menores, que não conseguem ter, por mais que queiram, autonomia alimentar? Eles dispõem, por causa disso, de menos soberania nacional do que os grandes e melhor dotados de recursos naturais? Como fazem países situados em zonas árticas ou tórridas, que dependem do comércio internacional para o essencial de seu abastecimento alimentar? Eles também são menos soberanos por isso?
Consideremos porém países relativamente maiores como Bélgica ou Países Baixos: se eles amanhã deixassem de produzir, por acaso, alimentos, estariam ipso facto condenados à fome e à privação absolutas? Ou poderiam abastecer-se tranqüilamente com seus vizinhos e mesmo junto a países distantes? A segunda hipótese é a mais correta obviamente. Quando a Inglaterra decretou o livre comercio universal, no hoje distante ano de 1856, ela passou a ser uma importadora líquida de alimentos. Nem por isso, os ingleses deixaram de comer bem, ao contrário, seu padrão alimentar melhorou e se diversificou, com base em compras mundiais. A afirmação do candidato Lula revela aqui uma incompreensão quanto às relações entre auto-produção e soberania nacional, característica mais comum nos economistas da era fascista.

5) “Nós precisamos primeiro cumprir com a nossa parte para depois exigir alguma coisa.”
O que significa o Brasil cumprir primeiro a sua parte? Ficar calado e aceitar a loucura agrícola comum européia? Dizer aos nossos próprios agricultores que tenham um pouco mais de paciência com os “pobres” agricultores europeus, que vivem traumatizados com uma suposta ameaça de desabastecimento alimentar motivada por não se sabe qual guerra possível, ou que estão heroicamente defendendo a soberania nacional européia?
O que teríamos de exigir? Alguma concessão absurda dos europeus? Ou apenas um comércio leal, baseado em simples regras de reciprocidade, segundo as quais nos concordamos em abrir nossos mercados ao camembert e ao foie-gras francês, em troca da abertura dos mercados europeus de grãos e de carnes aos nossos produtos?
Essa “nossa parte” precisaria ser melhor esclarecida, do contrário poderíamos pensar que cometemos algum “pecado original” que o candidato Lula não explicou bem o que seria.

6) “Temos que ter uma boa política agrícola e investimento em tecnologia. É isso que vai nos dar competitividade”.
O que significa ter uma “boa” política agrícola? Uma que seja altamente subsidiada como a européia? Subsidiada a ponto de apresentar distorções e aberrações, quando não fraudes maciças, que fazem, por exemplo, com que uma vaca européia ostente uma renda per capita superior à do brasileiro comum? Uma política agrícola que resulta em fraudes repetidas, que nos confrontam a tomates “milionários”, a porcos e vacas que certamente têm conta em banco (na medida em que o pagamento da PAC é feito por cabeça de animal)?
Seria esse o significado de uma “boa” política agrícola? Seria isso, exatamente, de que o Brasil necessita, para tornar-se “grande e forte” como os europeus? Nesse caso estaríamos repassando dinheiro a uma fração muito pequena de cidadãos, condenando milhões de outros a não contarem com os investimentos necessários em saúde publica, educação de qualidade, estradas pavimentadas, segurança pública adequada etc. Sabemos, por experiência, que qualquer dinheiro que se conceder a uma categoria especial de cidadãos (chamemo-los de produtores) vai ter de sair do mesmo orçamento publico geral, que já é considerado insuficiente, pelo próprio candidato Lula, para os absolutamente indispensáveis investimentos sociais que ele reivindica com razão.
Quanto ao grau de competitividade da agricultura brasileira, ela pode não apresentar o mesmo desempenho da européia em todos ou em determinados setores (ainda que para a maior parte de nossos produtos comercializáveis externamente ela é propriamente imbatível), mas diferenciais de competitividade e de produtividade entre os países (que justamente são o motor do comércio mundial) não podem ser de nenhuma maneira invocados como justificativas para o protecionismo obsceno, sobretudo quando levado às raias do absurdo comercial e do irracionalismo econômico, como acontece com a política agrícola européia.
Infelizmente para o candidato Lula, porém, nossa competitividade agrícola não deixa nada a desejar quando confrontada à da Europa ou dos Estados Unidos, com exceção de poucos setores de notória especialização e de alta intensidade tecnológica. De fato, para ser mais dramática ainda a comparação, é justamente por sermos competitivos que estamos sendo penalizados no acesso ao mercado europeu de alimentos e insumos processados. Apenas podemos ingressar com algumas poucas commodities de baixo valor agregado.
O que faz um candidato como Lula, normalmente identificado com as causas do Terceiro Mundo e dos pobres em geral, defender um absurdo do tamanho da PAC? Que virtudes ele encontrou nessa imensa reserva de mercado que não apenas cerceia nosso direito de concorrer no próprio mercado europeu como também compete deslealmente, à custa de maciços subsídios, com nossos produtos em terceiros mercados? Que sentido existe em ver ricos agricultores europeus deslocando do mercado pobres agricultores africanos, asiáticos e latino-americanos, além do mais em setores tão “sofisticados” como o do açúcar, da carne, dos grãos? Que racionalidade existe em proteger esses abastados agricultores, que depois reivindicam mais subsídios ainda para despejar quantidades absurdas, verdadeiras montanhas, de excedentes agrícolas nesses mesmos países pobres da periferia, que não têm como concorrer com o rico tesouro da União Européia. A palavra está novamente com o candidato Lula...

(815: Washington, 5 outubro 2001, 4 pp)
Paulo Roberto de Almeida

Post-Scriptum de Paulo Roberto de Almeida em 13.10.01:
            Em novas declarações à imprensa, em 11 de outubro, ao retornar de sua viagem à Europa, o candidato do PT reafirmou sua compreensão em relação à loucura agrícola européia, e voltou a cobrar do Governo uma política de apoio à agricultura brasileira.
            Segundo Lula, “subsídio para exportação é prejuízo para os países pobres. Precisamos brigar para que os nossos produtos sejam mais competitivos. Queremos ser competitivos não só na agricultura, mas no aço, no setor têxtil, no de calçados e no de máquinas”.
            A questão, no entanto, não está na falta de competitividade dos produtos agrícolas brasileiros, mas sim no protecionismo europeu e na sua política de concorrência desleal contra esses mesmos produtos em terceiros mercados, mediante maciços subsídios que deslocam a produção brasileira. Se os europeus resolvem subsidiar seus aricultores (ou qualquer outra categoria de produtores nacionais), trata-se de decisão soberana de seus legisladores e, em última instância, de sua população, que aprovará ou não tais políticas (desde que transparentes e mensuráveis, em termos de orçamento público, o que permitiria a discussão de eventuais alternativas ao emprego do dinheiro alocado a uma fração reduzida da população).
            A questão central não é, entretando, de escolhas orçamentárias (ou, chamemos generosamente, de “políticas sociais”), mas de definição de políticas comerciais, e é contra isso que se insurge não apenas o governo brasileiro, mas todos os demais países que praticam uma agricultura não subvencionada. O Brasil não teria nada a objetar à política interna de subsídios europeus, se esta não interferisse diretamente com a liberdade dos mercados (algo que os europeus preconizam com uma certa insistência quando se trata de sua própria produção) e com o estabelecimento de condições uniformes de competição no plano internacional. Esse aspecto do problema não parece ter sido percebido pelo candidato do PT, que continua a reclamar da “falta de uma política agrícola” no Brasil (o que não tem nada a ver com o debate sobre a política comercial européia).
            Podemos, e devemos, certamente, buscar com que “nossos produtos sejam mais competitivos”, como afirma o candidato do PT, mas a questão está em que, a qualquer nível de competitividade dos produtos brasileiros, eles continuarão penalizados pela atual política agrícola européia em seu direito de acessar o mercado europeu. Quanto à competição em terceiros mercados, os produtos brasileiros apenas conseguiriam ser “mais competitivos” do que certos equivalentes europeus, se o Tesouro brasileiro os subsidiasse ainda mais maciçamente do que o fazem os europeus (isto é, a “caixa agrícola” de Bruxelas, que já consome metade do orçamento comunitário). Seria esse o objetivo do candidato do PT: entrar em um guerra de subsídios com o “Tesouro” da União Européia?; essa seria a finalidade de uma política agrícola responsável, no Brasil e no Mercosul?
            Não seria mais simples lutar, nos foros multilaterais, em prol da eliminação dos níveis obscenos de subsídios e do protecionismo agrícola europeu, e assim estabelecer condições verdadeiramente equitativas de competição, na qual a competitividade intrínseca a cada produto possa ser o critério único, ou principal, de seu posicionamento no mercado, em lugar de se ter, como hoje, uma luta desleal entre Produtos nacionais e tesouros? Ou Lula acredita que tamanho (orçamentário, neste caso) é documento? Com a palavra, o candidato do PT.
[Washington, 13.10.01]
(Artigo original da imprensa: 3 de outubro de 2001)

Lula justifica barreiras européias

Hugo Sukman, Correspondente - O GLOBO

PARIS. Depois de se encontrar ontem com o primeiro-ministro da França, Lionel Jospin, em Paris, o candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, disse entender a posição européia de impor barreiras alfandegárias a produtos agrícolas brasileiros.
- Do ponto de vista da realidade européia, eles estão corretos. São países que passaram por guerras e mais guerras, e não vêem a necessidade de tratar a comida como uma simples mercadoria, mas como uma questão de soberania nacional. Nós precisamos primeiro cumprir com a nossa parte para depois exigir alguma coisa. Temos que ter uma boa política agrícola e investimento em tecnologia. É isso que vai nos dar competitividade - disse.
Durante a viagem de três dias à França, Lula conheceu o sistema de segurança pública. Segundo ele, com adaptações à realidade brasileira, algumas medidas podem ser adotadas em sua futura política de segurança. Lula disse que quer estudar a adoção no Brasil de políticas como a "polícia de proximidade" francesa, que prepara para cada região uma política de segurança específica.
- A diferença entre o salário mais baixo de um policial francês e o mais alto é de apenas duas vezes e meia. No Brasil chega a 20 vezes, o que resulta num policial desmotivado e despreparado - disse Lula, que recebeu uma medalha da Polícia Nacional francesa.
Durante o encontro com o socialista Jospin, o assunto girou em torno das perspectivas de a esquerda chegar à Presidência tanto na França como no Brasil:
Eles têm grandes chances de ganhar as eleições e já ganharam uma vez. Nós temos chances de ganhar também - disse Lula.

Nova manifestação de Lula em 10.10.01, conforme notícias no site do PT:

Lula rebate críticas sobre questão agrícola:

11/10/2001 - Lula: problema da agricultura não está lá fora, mas aqui mesmo

O líder petista Luiz Inácio Lula da Silva respondeu hoje, em entrevista coletiva após seu retorno da Europa, aos ataques dos ministros do governo, Pratini de Moraes e Pedro Malan. Em declarações à imprensa, os ministros acusaram Lula de contrariar os interesses nacionais em solo francês, ao defender o subsídio à agricultura naquele país. Lula ressaltou que defende o princípio de que os países ricos não podem subsidiar as exportações tirando a competitividade dos países pobres. Em seguida, o petista leu trechos de suplemento do Estado de S.Paulo, em que representante de exportadores agrícolas defende que, em vez de criticar o subsídio estrangeiro, autoridades brasileiras deveriam apoiar a produção interna. Lula cita o exemplo do gasto com pedágio, que é maior que o de gasolina, no transporte de cargas, para demonstrar a falta de competitividade do produto brasileiro. “Cuidar da agricultura é dever do Estado, e esta é uma lição de casa que o governo brasileiro desaprendeu”, sentenciou Lula.

“Enquanto este governo não dá, sequer a totalidade do recurso previsto para a agricultura familiar, a multinacional Monsanto conseguiu, para montar o seu projeto em Camaçari, R$ 784 mi emprestados do BNDES, dos quais R$ 259 mi a fundo perdido financiado pelo Finor, para gerar apenas 309 empregos”, denunciou Lula, baseado nos 55% da verba do Pronaf e nos 7,5% do Orçamento da União previsto para a agricultura, liberados este ano. O líder petista afirma que, com esta política, não só perdemos em competitividade, como “iremos matar o que resta de produção de agricultura familiar neste país”.

Notícia de imprensa, 11.10.01, Agência Estado:

http://www.estadao.com.br/agestado/noticias/2001/out/11/222.htm
<http://www.estadao.com.br/agestado/noticias/2001/out/11/222.htm>

Para Lula, Malan e Pratini "venderam o Brasil"

São Paulo - O presidente de honra do PT e virtual candidato da legenda à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, rebateu hoje as críticas feitas a ele pelos ministros da Fazenda, Pedro Malan e da Agricultura, Pratini de Moraes. "Nem Malan nem o Pratini têm autoridade moral para falar em defesa nacional. Eles fazem parte dos que venderam o Brasil e conseguiram destruir em seis anos o que levou 60 anos para ser construído", disse.
Na quarta-feira, Malan considerou "lamentável" a declaração de Lula de apoio aos subsídios agrícolas feita durante viagem à França. Dias antes, Pratini disse que Lula era "quinta coluna da agricultura". Hoje, Lula reafirmou suas declarações feitas em solo francês.  Afirmou que cada país tende a adotar políticas para defender seus interesses, o que o Brasil não tem feito. Lula criticou os subsídios, mas considerou legítima a tentativa dos franceses de defender seus interesses.
"Subsídio para exportação é prejuízo para os países pobres. Precisamos brigar para que os nossos produtos sejam mais competitivos. Queremos ser competitivos não só na agricultura, mas no aço, no setor têxtil, no de calçados e no de máquinas", afirmou.  Para Lula, cuidar da agricultura "é um dever do Estado. Lição de casa que o nosso governo não tem feito." Lula e o deputado federal Aloizio Mercadante, também secretário de relações internacionais do PT, retornaram terça-feira da Europa, onde estiveram reunidos com autoridades da França, Portugal e Itália.
Eles consideraram a agenda de compromissos realizados diversificada e de "alto nível". Ambos defenderam a necessidade de aprofundar as relações entre a União Européia e o Mercosul.
Ana Paula Scinocca

Equivocos economicos do PT: Um Outro Brasil seria possivel? Talvez, mas nao com os companheiros - Paulo Roberto de Almeida

Desde quando sigo as esquizofrenias econômicas companheiras, sempre desprezei as bobagens mais elementares que eles propagandeavam nos anos 1980: calote da dívida, nos banqueiros, nacionalização de atividades "estratégicas", denúncia dos acordos comerciais, dos acordos com o FMI e outras bobagens do gênero.
Com base no besteirol politico-econômico dos seus "economistas" e suas promessas mirabolantes, os companheiros e seu eterno candidato foram derrotados três vezes nas campanhas eleitorais presidenciais de 1989, 1994 e 1998. Mas, em 2001, sentindo que daquela vez a coisa poderia mudar, eles juntaram os poucos economistas que tinham no partido para formular o programa "Um Outro Brasil é Possível", que foi amplamente distribuidos aos true believers, aos beatos, ao já convertidos e aos ignaros e principiantes.
Assim que saiu, eu me dediquei a criticar cada uma das proposições feitas, mostrando sua ingenuidade, inocuidade, ou perversidade do ponto de vista de uma saudável política econômica.
Aqui está a minha peça analítica, na qual eu desmantelo cada uma das propostas feitas por eles.
Nunca chegaram a aplicar no primeiro governo Lula, que preferiu preservar o receituário dito "neoliberal" -- que eles desprezavam mas não ousavam trocar, pois não tinham nada de coerente ou consistente para colocar em seu lugar, e assim deixaram o que já funcionava -- que estava em funcionamento em 2002, para só começar a mexer no segundo mandato.
Quando apareceu a gerentona abruttie, foi tudo um desastre, como se constata hoje.
Pois bem, a origem do desastre está aqui.
Transcrevo apenas o esquema e a introdução, remetendo depois ao linkk onde se encontra o meu artigo completo, que se estende a duas dezenas de páginas.
Paulo Roberto de Almeida


O PT e as relações econômicas internacionais  do Brasil
Análise do programa econômico “Um outro Brasil é possível”

Paulo Roberto de Almeida



Espaço Acadêmico (Maringá: UEM, a. I, n. 6, nov. de 2001; http://www.espacoacademico.com.br/006/06almeida.htm).
Sumário:

Nota preliminar

1. Introdução: características gerais do programa e metodologia desta análise
2. Características gerais do processo de desenvolvimento brasileiro
3. A política externa alternativa frente a certos impasses da realidade internacional

4. A blindagem internacional do neoliberalismo e a globalização financeira

5. Integração hemisférica “imperialista” e a questão da Alca

6. Soberania dos países da América Latina, os EUA e o Brasil

7. A globalização financeira e a abertura comercial

8. O que seria um modelo de desenvolvimento solidário?: sem mercados?

9. Alguma receita milagrosa para reduzir a vulnerabilidade externa?


Nota: Os argumentos e comentários desenvolvidos no presente trabalho expressam, única e exclusivamente, as opiniões pessoais do autor, não tendo qualquer relação com posições ou políticas de qualquer instituição pública, às quais o autor possa estar vinculado por motivo de sua condição profissional. O autor esclarece, igualmente, que não se encontra filiado, nem nunca esteve, a qualquer agremiação partidária, brasileira ou estrangeira, e que suas reflexões críticas refletem mais sua formação acadêmica, enquanto sociólogo, do que “incorporação de idéias” adquiridas no desempenho de obrigações profissionais enquanto servidor público especializado na diplomacia.


Nota preliminar:
         Os comentários críticos, por vezes acerbos, ao chamado “programa econômico do PT” foram redigidos sem qualquer espírito antagonista, por um observador externo bastante simpático às causas que o PT representa em termos de políticas públicas e de correção das tremendas desigualdades sociais existentes no Brasil. Para que não pairem dúvidas sobre a predisposição do autor em colaborar com um debate de alto nível sobre as propostas aqui contidas (ou outras que o PT apresente e submeta a debate público), esclareço que tenho sido eleitor (eventual ou ocasional, segundo as circunstâncias) dos candidatos do PT nos últimos 20 anos, sem no entanto jamais abdicar de uma postura crítica (ou dotada de um certo ceticismo sadio), como convém a qualquer cidadão consciente, em relação às posições adotadas ou às políticas preconizadas pelo PT para o Brasil.
         Como estou convencido de que o PT será um dia chamado a exercer o poder no Brasil e que, para que tal ocorra, ele deve buscar apresentar políticas econômicas sólidas e totalmente consistentes com uma moderna economia de mercado – como a que existe hoje no Brasil –, tomei a decisão unilateral (uma vez que não sou formalmente filiado ao partido) de apresentar minha contribuição a esse esforço de “PT-education”, isto é, de aperfeiçoamento da qualidade dos programas e propostas submetidas pelo PT à opinião pública e à sociedade brasileira de um modo geral. Trata-se de uma decisão puramente voluntária, consistente com a simpatia acima referida, e que não responde a qualquer demanda de qualquer instância dirigente do PT.


1. Introdução: características gerais do programa e metodologia desta análise


O Instituto Cidadania, entidade vinculada ao Partido dos Trabalhadores (PT), tornou público, em 4 de julho de 2001, um programa de propostas econômicas que, embora claramente identificadas como emanando de um grupo de economistas e de líderes políticos de sua corrente majoritária, logo ficou conhecido como “programa econômico do PT”. O documento, “Um outro Brasil é possível”, bem articulado e denotando um raro senso, no PT, no sentido de tentar conciliar os constrangimentos da realidade econômica com medidas suscetíveis de aplicação controlada num futuro programa de governo do partido, foi bem recebido pelos observadores, que viram no texto uma tentativa de aggiornamento por parte de um movimento que, durante vinte anos, exibiu fortes doses de irrealismo econômico e de voluntarismo político militante, ambos identificados com teses socialistas e estatizantes.
O programa  apresenta diversas medidas suscetíveis de aplicação controlada, sem novos choques ou tentativas de superação rápida das dificuldades estruturais da economia brasileira. Ele também representa um sensível progresso em relação ao hipercriticismo econômico praticado no passado, ainda que continue a ostentar o alto grau de indefinição que tem caracterizado desde sempre as críticas da oposição às orientações econômicas do governo (críticas genéricas do tipo: “é preciso de um outro modelo econômico”, “é necessário um projeto nacional de desenvolvimento”, sem nunca explicitar claramente, no entanto, em que consistiriam esses alegados esquemas de reforma global ou reorientação radical de políticas).
A seção III do programa, relativa a “metas e compromissos”, apresenta um elenco de medidas de bom senso, que no entanto carecem de um estudo de factibilidade econômica, sobretudo no sentido de se examinar sua adequação orçamentária e compatibilidade com o balanço de pagamentos. As medidas propostas são aparentemente consistentes, ainda que não de todo coerentes entre si o tempo todo, pois que alguns trade-offs sempre têm de ser operados na administração da política econômica. A despeito desses progressos sensíveis na busca de uma política econômica “razoável” – supostamente suscetível de ser aceita, não pelo chamado mainstream economics, mas pela opinião pública em geral e pelos “capitalistas nacionais” em particular –, o texto apresenta ilusões e equívocos do ponto de vista da política diplomática e das realidades econômicas e políticas do contexto regional e internacional, que justamente constituem o objeto principal desta análise e o ponto central das observações críticas que são aqui formuladas.
Um certo sentido de “injustiça” poderia assim revelar-se, na medida em que não são aqui destacadas, por razões tanto de espaço como de enfoque analítico, as inegáveis contribuições de valor que o texto contém, para um debate de alto nível sobre os rumos do desenvolvimento e os impasses econômicos atuais. As virtudes do documento não são contudo destacadas para não agregar ainda mais aos já extensos comentários feitos aos pontos considerados equivocados nos posicionamentos adotados pelos autores do texto. Outras observações feitas não se prendem necessariamente a temas substantivos, mas referem-se a questões percebidas como pouco claras ou mesmo contraditórias num texto que tem a pretensão de não ser unicamente uma proposta econômica, mas um verdadeiro documento político, quando não “filosófico”.
De fato, o documento é abrangente, diversificado e mesmo “totalizador”. Ainda assim, algumas tentativas de se “distinguir” das políticas atuais – apenas para apresentar uma face diferente “disso que está aí” – contribuem muitas vezes para dar um tom mais retórico do que realista ao documento. Nesse sentido, o texto ganharia se tentasse dar maior concisão e objetividade às medidas propostas, sem as muitas considerações de caráter quase filosófico que apresenta.
Uma explicitação quanto ao “método”, ao início deste esforço analítico, impõe-se como obrigação: o texto será lido e comentado linearmente e topicamente, sem preocupação com seu enfoque global e sem considerações de ordem política mais geral, uma vez que não se pretende “questionar” o direito e a vocação do PT a ter uma política e uma plataforma alternativa de governo. Grande parte das críticas e questionamentos aqui formulados são apresentados em forma de perguntas: elas denotam o que o público bem informado gostaria de saber sobre essas propostas ou que tipo de dúvidas economistas realistas ainda mantêm em relação a um documento que traz substância ao importante debate sobre políticas governamentais.
Finalmente, para fins de controle das citações, cabe remeter ao texto integral do documento, disponível no link: http://brnt5sp228.digiweb.com.br/noticias.asp?id=152. O presidente do PT em exercício no momento da campanha eleitoral para a presidência do partido, José Genoino, a ele referiu-se em termos elogiosos, embora precavidos (artigo no site do PT, ao abrigo da chapa 20): “O documento dos economistas do PT constitui-se numa importante contribuição para o debate partidário que antecede o processo de definição do programa para a candidatura presidencial nas eleições de 2002. Mas, para desfazer confusões criadas pela imprensa, é necessário registrar que não se trata de um documento oficial, já que não foi aprovado por nenhuma instância partidária.”
Vale observar, contudo, que por ocasião da campanha eleitoral para a presidência do PT, entre julho e setembro de 2001, as propostas contidas nesse documento foram objeto de pesadas críticas das diversas chapas que não a do grupo majoritário que terminou elegendo o candidato José Dirceu. Uma aproximação à reflexão desse grupo de economistas, acusado de “flexibilizar” as posições tradicionais do PT em matéria econômica como forma de “ganhar a confiança da burguesia”, pode ser encontrada no artigo coletivo “A Reconstrução da Nação”, assinado por quatro de seus integrantes: Guido Mantega, Paul Singer, Jorge Mattoso e Reinaldo Gonçalves e publicado na revista Teoria & Debate (São Paulo; Fundação Perseu Abramo, ano 13, nº 43, janeiro-março 2000).

Leiam o meu texto neste link:
https://www.academia.edu/5837790/819_O_PT_e_as_rela%C3%A7%C3%B5es_econ%C3%B4micas_internacionais_do_Brasil_an%C3%A1lise_do_programa_econ%C3%B4mico_Um_outro_Brasil_%C3%A9_poss%C3%ADvel_2001_