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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sexta-feira, 30 de abril de 2021

Antonio Paim: do marxismo ao liberalismo - Paulo Roberto de Almeida

Antonio Paim: do marxismo ao liberalismo


 Paulo Roberto de Almeida

Uma homenagem ao grande mestre que faleceu em 30 de abril de 2021

Publicado em formato de e-book no site do Livres; link: https://www.eusoulivres.org/publicacoes/antonio-paim-uma-homenagem-ao-grande-historiador-do-liberalismo-brasileiro/ ;  pdf: https://cdn.eusoulivres.org/wp-content/uploads/2021/05/01012322/Ebook-Antonio-Paim.pdf); divulgado por via da plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/48811785/3902_Antonio_Paim_do_marxismo_ao_liberalismo_Ebook_Livres_2021_);

Entrevista com Antonio Paim, por ocasião da publicação da 2a edição da obra  História do Liberalismo Brasileiro (2a. edição, revista e ampliada; SãoPaulo: LVM, 2018), no site do Livres; link: https://www.eusoulivres.org/ideias/antonio-paim-1927-2021/  

 

A trajetória intelectual de Antonio Ferreira Paim (nascido na Bahia em 1927) é ímpar na cultura e na história das ideias políticas e filosóficas no Brasil, tendo emergido no marxismo – com curso de filosofia na Universidade do Brasil e depois na Universidade de Moscou –, e realizado ao longo da vida uma guinada política e filosófica que o levou ao liberalismo. Numa primeira etapa de sua carreira acadêmica, empreende estudos sobre as ideias filosóficas no Brasil, seguindo as correntes de pensamento desde a fase colonial até a atualidade, trajetória que ele reconstitui em dois de seus primeiros livros: História das ideias filosóficas no Brasil (1967) e O estudo do pensamento filosófico brasileiro (1979). 

Nessa primeira fase já se ocupa igualmente da questão do estatismo na formação da nação brasileira, na qual debate – em seu livro A querela do estatismo (1978) – a formação do Estado brasileiro como Estado patrimonial, notadamente através da obra de Oliveira Vianna e pelo estudo das influências pombalinas e positivistas sobre as elites dirigentes. Notadamente, ele adota o conceito difundido por Simon Schwartzman de “patrimonialismo modernizador”, que teria sido o da era Vargas e do regime militar, mesmo se a burocracia tradicional tenha conseguido manter sua supremacia sobre as elites técnicas mais identificadas com os militares e outros impulsionadores do progresso econômico. Na segunda edição desse seu livro sobre o estatismo (1994), Paim se afirma mais conclusivo e argumenta que “a estratégia mais aconselhável à sociedade consiste em tentar reduzir as funções do Estado, cuidando de retirá-lo da economia e de todas as esferas não seja imprescindível” (p. 20).

Nesse mesmo livro, ela já recusava a caracterização de “capitalista” para a formação econômica e social do Brasil, assim como tentava interpretar o fracasso da construção de um sistema representativo no país e se propunha traçar uma “estratégia para enfraquecer o patrimonialism e favorecer o capitalismo” (capítulo VII, pp. 193-200). No plano puramente teórico e conceitual, Paim acreditava que se deveria “obter algum arejamento na Universidade e conseguir quebrar o monólito da dominação marxista-positivista” nela existente (p. 194). Entre as tarefas básicas desse desmantelamento do patrimonialism no Brasil, ele sugeria algumas que em grande medida se confundiam com as preleções liberais de Roberto Campos: 

1)    “Eliminar todas as burocracias estatais devotadas aos programas oficiais de combate à pobreza”, na medida em que essas políticas, “como tudo mais, transformaram-se em mero pretexto para justificar a voracidade fiscal e permitir ao patrimonialism apropriar-se de verbas sem o menor controle da opinião pública” (pp. 195-6).

2)    “Levar a bom termo o programa de privatização, empenhando-se no sentido de transformá-lo num novo projeto de desenvolvimento” (p. 196).

3)    Efetuar um “reexame específico da estrutura dos vários órgãos integrantes da União”, que atendem “precisamente ao jogo do patrimonialismo” e do empreguismo (p. 196).

4)    Examinar concretamente as ações de que poderia resultar a dignificação do servidor, por um lado, e profissionalizar as FFAA, reduzindo suas dimensões (p. 197). 

 

Não obstante a boa análise de Paim quanto aos fundamentos do atraso brasileiro, a partir da consolidação do patrimonialismo (ainda que modernizador), ele parece acreditar na existência de uma classe empreendedora sinceramente comprometida com a construção de um capitalismo competitivo no Brasil, o que parece desmentido por quase dois séculos de extrema subserviência desses “capitalistas” (se o termo se aplica) ao Estado onipotente e onipresente. Nas próprias palavras de Paim, registre-se que ele está

... naturalmente supondo que a liderança empresarial brasileira estaria convencida de que só tem a ganhar se conseguir obstar a atuação do patrimonialismo e lograr que o capitalismo alcance um novo patamar. Estaria voltada para pactuar com aquelas forças que, no interior do Estado, se dispusessem a abdicar das tradições patrimonialistas – isto é, de estabelecer a tutela do Estado sobre a sociedade –, aceitando o penoso caminho de buscar a constituição do Estado Liberal de Direito. (...)

Ao enfrentar a questão do patrimonialismo brasileiro cumpre-nos reconhecer francamente que as tradições culturais prevalecentes em nosso país são francamente desfavoráveis ao capitalismo. (...)

A tradição liberal é débil e descontínua e sofreu tão fortes constrangimentos, sob a República, que a afetariam mesmo se se tratasse de algo melhor estruturado. (A querela do estatismo, 2ª. edição, 1994, pp. 197-8)

 

Considerando-se que a primeira edição do livro (1978) foi publicada em plena vigência do “patrimonialismo modernizador” do regime militar, e que o prefácio à sua segunda edição (1993) vem datado da grande deterioração inflacionária da redemocratização, pode-se argumentar que a análise acadêmica de Paim carece de uma percepção mais realista a respeito da extrema dependência desses “capitalistas” das políticas setoriais desenhadas pelos dirigentes políticos, mais exatamente pelas corporações estatais, que constituem precisamente o cerne e o coração do patrimonialismo conservador no Brasil. A partir dessa época, justamente, Paim se dedica a compendiar, analisar e sintetizar o pensamento político brasileiro, contribuindo para tornar mais conhecidos de pesquisadores acadêmicos e da opinião pública bem informada um conjunto importante de pensadores brasileiros (e portugueses), inserindo suas teses e propostas analíticas no contexto de um outro conjunto de pensadores estrangeiros, aqueles que, nos dois últimos séculos, influenciaram os estudos e as discussões políticas e constitucionais no Brasil. 

Nos anos 1990, Paim publicou praticamente um livro por ano, sempre sobre seus temas preferidos: o pensamento político brasileiro, a trajetória e a agenda do liberalismo, no mundo e no Brasil, assim como cursos de introdução a esses grandes temas, em colaboração com colegas e mestres nas mesmas áreas: Francisco Martins de Souza, Ricardo Vélez Rodríguez, Ubiratan Borges de Macedo, José Guilherme Merquior, Gilberto de Mello Kujawski, Carlos Henrique Cardim e Leonardo Prota, entre outros. O objetivo comum de todos esses intelectuais sempre foi a busca das bases morais de um amplo consenso nacional em torno de um sistema político liberal representativo e de um regime econômico dotado das mais amplas liberdades competitivas, propenso à inserção do país na interdependência global. Mas, a sombra do patrimonialismo se interpõe de maneira obstinada a essa conformação de uma democracia de mercado no país

Aliás, países não são exatamente condomínios, onde vizinhos se conhecem e podem se reunir para discutir benfeitorias na propriedade comum. Nações não costumam reunir-se em assembleia, de tempos em tempos, para debater tranquilamente qual caminho adotar em face de ofertas igualmente interessantes quanto às melhores políticas para guiar o seu processo de desenvolvimento, frente às quais cabe decidir sobre as de menor custo relativo e de maior retorno possível. Isso só acontece em momentos de ruptura, guerras, revoluções, golpes, quando uma nova elite sobe ao poder, e precisa adotar condições mínimas de governabilidade, para assentar as bases mais ou menos aceitáveis de sua legitimidade política (ou não). Existem também fases menos felizes, quando um país pode sair de um tipo de dominação racional-legal, para usar a terminologia weberiana, para descambar numa administração de tipo carismática, que nos remete aos piores exemplos da tradição latino-americana de caudilhos e golpes de estado; por sinal, a Argentina só decaiu durante praticamente 80 anos seguidos porque em 1930 se derrocou uma república “oligárquica” para inaugurar um ciclo de governos autoritários, e depois populistas, supostamente identificados com a “soberania” do país e “projetos nacionais” de desenvolvimento, geralmente alinhados ao protecionismo e à industrialização substitutiva, como o Brasil, aliás. 

Pois bem, sem fazer qualquer história virtual do Brasil, Antonio Paim, um dos grandes pensadores da nacionalidade, examina no seu livro, Momentos Decisivos da História do Brasil (2000), três momentos decisivos de nossa história, quando poderíamos, teoricamente, ter “escolhido” um caminho melhor, mas falhamos, terrivelmente – ou nossas elites falharam –, em adotar aquela via que poderia ter nos levado a um estágio mais elevado de desenvolvimento econômico e social, a um sistema político mais representativo e a uma organização institucional menos conspurcada pelo patrimonialismo tradicional. Não tenho certeza de que o Brasil, como nação, tenha tido essas chances, essas janelas abertas às suas elites, para debater, de forma consciente e deliberada, essas vias “progressistas”, mas cabe mencionar as “teses” de Antonio Paim, para verificar, o que perdemos como oportunidades históricas.

A primeira, ainda na fase colonial, foi o fato de ter constituído precocemente uma economia florescente, ligada ao açúcar e outras atividades paralelas, que poderia ter sido a base de um desenvolvimento ulterior mais estruturado. Tendo sido mais rico do que as colônias inglesas na América do Norte nos séculos XVI a XVII, em grande parte devido aos cristãos novos, os judeus portugueses convertidos forçadamente que se tornaram os grande financistas do comércio internacional do açúcar, a chance perdida se explica pelo papel da Contra Reforma e da Inquisição na repressão desses “capitalistas mercantis”, o que bloqueou, portanto, a possibilidade de uma economia vinculada de maneira mais “decisiva” – o termo se aplica – aos mercados internacionais. 

A segunda oportunidade perdida foi no século XIX, com a nação independente e já na fase de construir seu estado nacional, quando Paim acredita que as elites trataram de assegurar a unidade nacional, com certo sucesso até (comparativamente à completa desagregação da hispano-América, por exemplo), mas a um alto custo, perdendo, no mesmo movimento, a iniciativa de consolidar um sistema representativo eficiente. O Regresso, nos anos 1840, e, mais tarde, as teses positivistas, inspiradas em Comte, “conspiraram” para manter o Brasil um sistema político pouco funcional tanto para fins da “ordem”, quanto do “progresso”. As frequentes intervenções militares desde o início da República se encarregam de eliminar a possibilidade de constituição de uma “moral social de tipo consensual”, que nunca tivemos entre nós, nas palavras de Paim.

A terceira, em pleno século XX, foi a consolidação, que ele chama de “estruturação”, do Estado patrimonial, sob Getúlio Vargas, e o abandono do sistema representativo. Nessa terceira parte de sua obra, Paim é bastante crítico daquilo que ele chama de “lixo historiográfico”, a maior parte de extração pretensamente marxista, que produziu alguns delírios sobre o “caráter da revolução brasileira” pelos representantes dessa corrente. Já na queda da monarquia, o Brasil perdeu a oportunidade de constituir um “Estado liberal de Direito”, enveredando depois pelas “oligarquias dos estados”, mais até que a chamada “política dos governadores”. Mas, o castilhista Getúlio Vargas conseguiu implantar um Estado nacional unitário, ao mesmo tempo em que fixou o patrimonialismo, no conceito weberiano da palavra, realidade já estudada por Simon Schwartzman. O feito de Vargas, resumido por Paim, foi “retomar o projeto formulado no Império, de constituição do Estado Nacional, abdicando de dar-lhe a feição democrático-representativa e dele fazendo um autêntico Estado patrimonial. O projeto Vargas seria retomado pela Revolução de 64” (p. 217-18). 

O último capítulo desse livro de Paim tem por título, de forma otimista, “Como sair do patrimonialismo”, mas não devemos esquecer que o livro deve ter sido terminado em 1999 para ser publicado no ano seguinte. Apoiando-se na experiência das privatizações daquela década, ele concorda com Roberto Campos em que “o problema reside na adequada formulação das políticas” (p. 315), e não só econômicas. Quinze anos depois, no entanto, no livro que ele organizou e publicou, com colaborações de Paulo Kramer e de Ricardo Vélez-Rodríguez, O patrimonialismo brasileiro em foco(Campinas: Vide Editorial, 2015), ele tem de constatar, tristemente, a “sobrevivência da estatização brasileira”, e se pergunta como enfrentá-la (capítulo II, p. 35-43). Se formos ainda mais pessimistas, não há como discordar do mesmo Ricardo Vélez-Rodríguez, em seu livro A Grande Mentira: Lula e o patrimonialismo petista (Campinas: Vide Editorial, 2015), em que o patrimonialismo tradicional brasileiro foi transmutado, pelas mãos e pés dos companheiros, em um patrimonialismo de tipo criminoso. Como é mesmo que dizia Lavoisier? Na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. A despeito de basicamente político, este último livro possui um importante capítulo sobre as “desgraças do intervencionismo no Brasil”, que também começa pelas desgraças de Mauá, aliás recorrendo ao livro de Jorge Caldeira.

Os grandes obstáculos à conformação do capitalismo brasileiro continuaram a ser examinadas por Antonio Paim num pequeno livro publicado na passagem do milênio: O relativo atraso brasileiro e sua difícil superação (2000). Em outros termos, o autor reconhece que o Brasil ingressou decisivamente na Revolução industrial, processo notadamente acelerado a partir da segunda metade do século XX, de forma que nas últimas décadas do século esse atraso tornou-se apenas relativo, sobretudo porque o país não logrou superar sua histórica má distribuição de renda, assim como não conseguiu “estruturar a pesquisa científica, que corresponde ao motor do progresso ininterrupto” observado nos países avançados (p. 10). O que ele procura argumentar nesse seu livro é que o relativo atraso brasileiro é de “difícil superação” porque o Brasil ainda não é um país capitalista, e sim patrimonialista, tendo estruturado sua revolução industrial sem deixar de ser patrimonialista. Outras duas razões desse relativo atraso e das dificuldades em superá-lo residem no “cientificismo” – que consiste na importação de um positivismo mal digerido – e no “contra-reformismo”, que impede a mudança de arraigadas tradições culturais (como o ódio ao lucro e à riqueza), de transformação muito lenta em função da persistência de hábitos longamente arraigados na população.

No primeiro quesito, o industrialismo patrimonialista, sobressai-se o poderoso intervencionismo do Estado na esfera econômica, que antecede o próprio keynesianismo como doutrina ou guia prático a orientar a principais medidas regulatórias do Estado na vida econômica do país. Paim localiza num antigo manual do engenheiro Aarão Reis, Economia política, finanças e contabilidade (Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1918, 2 vols.), adotado oficialmente na Escola Politécnica do Rio de Janeiro e que durante longos anos constituiu a base do ensino formal de economia no país. Antonio Paim transcreve nada menos de 11 atribuições que cumpriria ao Estado observar (pp. 16-17), que se desdobrariam na era Vargas e mais além, como prescrições incontornáveis a um processo de desenvolvimento econômico, seguidos desde a implantação do Conselho Federal do Comércio Exterior, nos anos 1930, seguidos pelas ações do Estado Novo e, já na redemocratização de 1946, pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e seus corolários no BNDE, na criação de algumas estatais e no Plano de Metas de JK. O regime militar representou a culminância desse processo, colocando o Brasil entre as maiores economias do mundo, mas agravando algumas distorções típicas de todo o período, como a estatização de amplos setores da economia, o nacionalismo extremado, que ambos confirmaram e consolidaram o patrimonialismo tradicional. 

O cientificismo, por sua vez, está estreitamente vinculado à penetração e difusão do pensamento positivista a partir de meados do século XIX, exemplifica por Antonio Paim na obra de Luís Pereira Barreto (1840-1923), que publica dois livros correspondendo às três filosofias do mestre francês, nomeadamente Filosofia teológica (1874) e Filosofia metafísica (1876). Posteriormente, em nome da Igreja positivista, Teixeira Mendes (1855-1927) também demonstra preconceito contra as instituições universitárias, o que reforçou, segundo Antonio Paim, as recomendações dos positivista, que “lograram influenciar a maioria dos componentes dos órgãos decisórios e [que] por isso mesmo são responsabilizados diretamente pelo abandono sistemático da ideia de implantar-se a Universidade, nos decênios iniciais da República” (p. 39). A oposição só começa a arrefecer a partir da criação da Associação Brasileira da Educação (ABE), nos anos 1920, em especial na década seguinte, com a criação da USP, em 1934, e da Universidade do Distrito Federal, no ano seguinte. O grande idealizador e fundador dessas inovações é Anísio Teixeira (1900-1971), que luta por instituições claramente identificadas com objetivos práticos de formação de recursos humanos para o desenvolvimento nacional.

Simon Schwartzman, no livro Formação da comunidade científica no Brasil (São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979), trata da questão da integração das escolas tradicionais – faculdades de Direito, Medicina, escolas de Farmácia, Odontologia, Agronomia, Politécnica – às novas universidades, o que não se fez sem grandes dificuldades. Antonio Paim volta a registrar a permanência do cientificismo pombalino, prolongado pelo positivismo, como um dos obstáculos ao desenvolvimento do espírito científico no Brasil, e que para ele prolongou-se inclusive na formação de uma “versão positivista do marxismo”, que ele analisou em seu livro História das ideias filosóficas no Brasil (5ª. ed.; Londrina: UEL, 1997). Para ele, o varguismo, pela ação de personalidades como Francisco Campos, deformou o espírito propositor dos antigos pais fundadores da ABE, como explicitado por ele na passagem seguinte: 

Desse modo, a Universidade seria estruturada como uma federação de escolas isoladas, voltadas para a formação profissional. O projeto da ABE é inteiramente abandonado e as Faculdades de Filosofia, desmembradas após 1964, também são enquadradas na consecução de tais objetivos limitados. Há casos extremos, como os cursos de Filosofia, formalmente destinados a diplomar professores para o ensino secundário, disciplina que deixou de existir naquele nível de ensino. Assim, a atividade está voltada para si mesma, mesmo no que toca a pós-graduação, transformada em simples exigência para as promoções estatutárias. 

O marxismo positivista, por sua vez, não tem interesse no desenvolvimento de qualquer espécie de pesquisa, porquanto se trata apenas de enquadrar a realidade em determinados esquemas, não obstante a circunstância de que sua obsolescência haja transitado em julgado. (...)

E assim, consagrou-se a vitória do cientificismo, derrotando o projeto de estruturar no país pesquisa científica digna de nome, reconhecida internacionalmente... (O relativo atraso..., op. cit., pp. 58-59)

 

No terceiro e penúltimo capítulo desse seu importante pequeno livro, Paim aborda a questão da persistência da moral contra-reformista, herdada de Portugal e que “atravessou sem percalços as centúrias subsequentes” (p. 64), constituindo, ao que parece, uma das bases do ideário nacional, em especial com respeito às questões da pobreza, do lucro, do espírito capitalista. Em suas palavras: 

São muito eloquentes as evidências de que a moral contra-reformista tornou-se um dos ingredientes fundamentais de nossa moralidade social básica. O ódio ao lucro e à riqueza são sentimentos amplamente difundidos, sendo muito generalizada a condenação ao capitalismo. Defendê-lo, ainda hoje, não deixa de ser uma temeridade. (p. 75) 

 

Mesmo entre militares, politicamente adversários do socialismo, a repugnância do capitalismo, do espírito de lucro, não deixou de prevalecer, sobretudo nas estatais que vários deles comandaram durante o regime autoritário de 1964-1985. No seu último capítulo, Paim indaga se conseguiremos vencer o patrimonialismo, o cientificismo e o contra-reformismo. Ele se revela moderadamente pessimista, por várias razões, entre elas “porque a massa da população não associa a péssima distribuição de renda à persistência do patrimonialismo” (p. 122). A grande audiência de que dispõem os patrimonialistas no Brasil “é impeditiva do pleno florescimento do capitalismo, que seria a única forma de disseminar no país focos de desenvolvimento econômico” (idem). Paim termina essa sua pequena grande obra, registrando o pensamento de uma grande historiadora americana: 

Na seleção dos eventos que considerou no magnífico livro intitulado A marcha da insensatez, Barbar Tuchman (1912-1989) adotou como critério que o erro representado por aquele passo tivesse sido denunciado antes de que a elite decidisse empreende-lo. Quando mais não seja, a nossa denúncia, se não revelar maior eficácia, servirá ao menos para evidenciar, perante o historiador do futuro,  que nem todos estavam cegos. Certamente que é pouco. Mas não deixa de representar mais um estímulo à nossa persistência. (p. 122)

 

Fontes e bibliografia:

 

Obras de Antonio Paim

A filosofia da Escola do Recife. Rio de Janeiro: Saga, 1966

História das ideias filosóficas no Brasil. São Paulo: Grijalbo-USP, 1967 (5ª. ed.: 1997)

Cairu e o liberalismo econômico. RJ: Tempo Brasileiro, 1968

Tobias Barreto na cultura brasileira: uma reavaliação (com Paulo Mercadante). SP: Grijalbo-USP, 1972

Evolução histórica do Liberalismo (com Francisco Martins de Souza, Ricardo Vélez-Rodríguez, e Ubiratan Borges de Macedo). 1977

A querela do estatismo: a natureza dos sistemas econômicos: o caso brasileiro. RJ: Tempo Brasileiro, 1978. 2ª ed.: 1994.

O estudo do pensamento filosófico brasileiro. RJ: Tempo Brasileiro, 1979.

História do Liberalismo brasileiro (1ª ed. 1998; nova edição: SP: LVM, 2018)

Momentos Decisivos da História do Brasil (São Paulo: Martins Fontes, 2000)


Censo do IBGE: onde conseguir o dinheiro para realizá-lo? - Paulo Rabello de Castro, Ricardo Bergamini

 O Brasil é um asilo de lunáticos onde os pacientes assumiram o controle (Paulo Francis).

 

Parabéns ao amigo Paulo Rabello de Castro pela lucidez.

 

O custo do Censo seria de R$ 3,4 bilhões, correspondente a 3,00% dos gastos com 1,2 milhões de vagabundos (assessores parlamentares, não concursados), conforme abaixo: 

 

Existem em torno de 1,2 milhões de assessores parlamentares (fontes primárias de peculato) que poderiam ser dispensados sem restrições constitucionais. 

 

São amigos, parentes e aliados dos políticos, não são concursados, não têm direitos adquiridos, não têm estabilidade de emprego, não é garantido pelas cláusulas pétreas da Constituição, além de representarem um contingente correspondente a três vezes o efetivo ativo das FFAA.   

 

Extinção imediata desses parasitas, que considerando um salário médio de R$ 8.000,00 mensais, daria uma economia permanente em torno de R$ 113,3 bilhões ao ano. 


Ricardo Bergamini

 

 

Censo pode ser um auxílio emergencial para a economia, diz Rabello de Castro

 

ROSANA HESSEL

Correio Braziliense, 29/04/2021

 

A decisão do decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Marco Aurélio Mello, acatando o pedido feito pelo estado do Maranhão para obrigar o governo a fazer o Censo neste ano foi elogiada pelo economista e consultor e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Paulo Rabello de Castro. Segundo ele, o Censo, além de necessário para o mapeamento da sociedade brasileira, poderá ter um efeito positivo para a economia e ser uma espécie de auxílio emergencial, embora que temporariamente, para os jovens que estão desempregados.

 

“O Censo virou um auxílio emergencial e poderia entrar na conta desse benefício, porque vai sair praticamente de graça”, afirmou Rabello de Castro, em entrevista ao Blog. Ele lembrou que, em geral, os recenseadores são jovens sem renda prévia e que poderiam se enquadrar em uma categoria especial do auxílio, mas com uma remuneração ao trabalharem temporariamente para o IBGE. “O Censo começa com uma atividade social relevante, porque poderão empregar mais de 200 mil jovens recenseadores. Ainda que o governo jogasse os dados fora, o Censo é positivo pela movimentação de riqueza que terá como atividade produtiva”, complementou.

 

No ano passado, o Censo não foi realizado por conta da pandemia da covid-19 e, neste ano, foi cancelado durante a aprovação do Orçamento. A pesquisa é realizada a cada 10 anos para fazer um raio X da sociedade brasileira e é importante para os governos federal e regionais, pois ajuda na elaboração de políticas públicas. Sem o Censo, especialistas alertam para vários “apagões estatísticos” do país, que pode ter efeitos negativos no mapeamento dessas políticas. Além disso, o cancelamento do Censo suspenderá a contratação de 206 profissionais que trabalhariam na coleta de dados para o levantamento em todo o país.

 

“A decisão foi do ministro Marco Aurélio foi correta, porque recompõe a necessidade da realização do Censo”, afirmou Rabello de Castro, acrescentando que, como estamos no mês de abril, ainda dá tempo de o IBGE se organizar para contratação dos profissionais e treinamento para que o Censo seja realizado no segundo semestre.

 

De acordo com o economista, o IBGE poderá ampliar a pesquisa, acrescentando no questionário do Censo duas ou três perguntas para averiguação da sociedade inteira durante a pandemia. “Hoje, só dispomos desses dados via veículos de imprensa. Ou seja, o Censo poderá ser quase um três em um, com várias utilidades”, complementou.

 

“Custo módico” 

 

O recurso que era exigido para a realização do Censo, de R$ 3,4 bilhões, ainda é pouco pelo grande retorno que o Censo dará não apenas à sociedade, mas também para os governos na hora de preparar políticas públicas. “Os Estados Unidos gastaram US$ 15 bilhões, cerca de R$ 80 bilhões. Logo, o Censo brasileiro é muito barato, porque o custo do recenseador é módico”, comparou.

 

“Esse dinheiro é troco. Qualquer lagosta a menos que se compre pagará o Censo”, afirmou, em referência a um dos itens mais comprados nos banquetes do Judiciário, que paga os maiores salários do funcionalismo, muitas vezes, acima do teto constitucional, de R$ 33,7 mil, por conta dos penduricalhos e jetons.  Ele lembrou que os gastos com o Censo também poderiam ser facilmente acomodados nos gastos com a Saúde que foi repassada para os estados e municípios, pois ajudaria o Ministério da Saúde a fazer um controle maior sobre os repasses. “Agora, em época da CPI da Pandemia, todos os questionamentos que serão feitos não seriam necessários”, pontuou.

 

Vale lembrar que apenas no auxílio emergencial, conforme os dados do Tribunal de Contas da União (TCU) houve quase R$ 55 bilhões de desvio de dinheiro público em fraudes, ou seja, mais do que os R$ 44 bilhões previstos para os quatro meses da nova rodada do benefício.

 

Na avaliação de Rabello de Castro, encontrar R$ 2 bilhões para o Censo no Orçamento não é difícil. Além disso, não fazer o Censo poderá custar mais caro ao país, porque não será possível atualizar o mapeamento da população brasileira nos estados brasileiros de forma mais concreta e isso prejudica, inclusive, a composição das cadeiras dos deputados no Congresso. “Do ponto de vista financeiro, o dinheiro para o Censo é troco e pode aparecer em um Orçamento de R$ 1,5 trilhão facilmente. E tem a questão legal. Está na lei e, portanto, o governo tem que fazer”, pontuou.

 

O ex-presidente do IBGE ainda criticou os argumentos do ministro da Economia, Paulo Guedes, que afirmou que o governo acatou o argumento do Congresso para o corte dos recursos do Censo, uma vez que a visita dos recenseadores às casas das famílias “poderia espalhar a covid-19”.

 

“O Censo não se trata de aglomeração. Tenho certeza de que 10 entre 10 infectologistas vão considerar esse argumento (do ministro Paulo Guedes) pura desculpa sem base científica. Imagine uma casa de repouso. Qual a diferença desse recenseador e do entregador de verdura, de uma enfermeira que está indo e vindo para casa e de um sujeito que for consertar o telhado?”, argumentou. O ex-presidente do IBGE destacou que os profissionais serão treinados para tomarem todas as medidas necessárias para a prevenção social, além do uso da máscara e do álcool em gel, para realizarem a pesquisa. O ministro Paulo Guedes se tornou um ser ridículo e tem que ir para a China”,  completou.

Coleção Novos Estudos de História Econômica do Brasil, "História de Empresas no Brasil" - Alcides Goularti Filho e Alexandre Macchione Saes (orgs.)

Recebido da Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica e de Empresas: 

Informamos que já encontra-se disponível o volume 3 da Coleção Novos Estudos de História Econômica do Brasil, "História de Empresas no Brasil", organizado pelos colegas Alcides Goularti Filho e Alexandre Macchione Saes. 


Aproveitamos também a oportunidade para informar que nos próximos dias os três volumes da coleção estão à venda com desconto no combo da Hucitec, disponível no link: 





quinta-feira, 29 de abril de 2021

A paranoia anti-China alcança um dos melhores jornalistas americanos: Thomas Friedman (NYT)

 Normal entre os generais do Pentágono, a obsessão por um conflito direto entre os EUA e a China contaminou os acadêmicos e agora atinge também um dos melhores jornalistas americanos: Tom Friedman. Abastecido por informações dos próprios militares, ele entrou na onda da paranoia que pretende que a China pretende alcançar hegemonia mundial — um objetivo que é exatamente o dos EUA, que já o exerce de maneira arrogante — pela via militar.

Paulo Roberto de Almeida

The New York Times – 28/04/2021

Is There a War Coming Between China and the U.S.?

Thomas L. Friedman

 

If you’re looking for a compelling beach read this summer, I recommend the novel “2034,” by James Stavridis, a retired admiral, and Elliot Ackerman, a former Marine and intelligence officer. The book is about how China and America go to war in 2034beginning with a naval battle near Taiwan and with China acting in a tacit alliance with Iran and Russia.

I’m not giving it all away to say China and the U.S. end up in a nuclear shootout and incinerate a few of each other’s cities, and the result is that neutral India becomes the dominant world power. (Hey, it’s a novel!)

What made the book unnerving, though, was that when I’d put it down and pick up the day’s newspaper I’d read much of what it was predicting for 13 years from now:

Iran and China just signed a 25-year cooperation agreement. Vladimir Putin just massed troops on the border of Ukraine while warning the U.S. that anyone who threatens Russia “will regret their deeds more than they have regretted anything in a long time.” As fleets of Chinese fighter jets, armed with electronic warfare technology, now regularly buzz Taiwan, China’s top foreign affairs policymaker just declared that the U.S. “does not have the qualification … to speak to China from a position of strength.”

Yikes, that’s life imitating art a little too closely for comfort. Why now?

The answer can be found, in part, in a book I have written about before: Michael Mandelbaum’s “The Rise and Fall of Peace on Earth.” It tracks how we went from a world defined by the Cold War between American democracy and Soviet communism — 1945 to 1989 — to a singularly peaceful quarter century without big power conflict, buttressed by spreading democracy and global economic interdependence — 1989 to about 2015 — to our current, much more dangerous era in which China, Iran and Russia are each deflecting the pressures of democracy and the need to deliver constant economic growth by offering their people aggressive hypernationalism instead.

What has made this return of Chinese, Iranian and Russian aggressive nationalism even more dangerous is that, in each country, it is married to state-led industries — particularly military industries — and it’s emerging at a time when America’s democracy is weakening.

Our debilitating political and cultural civil war, inflamed by social networks, is hobbling Americans’ ability to act in unison and for Washington to be a global stabilizer and institution builder, as the United States was after World War II.

Our foolish decision to expand NATO into Russia’s face — after the fall of the Soviet Union — hardened post-Communist Russia into an enemy instead of a potential partner, creating the ideal conditions for an anti-Western autocrat like Putin to emerge. (Imagine if Russia, a country with which we have zero trade or border disputes, were OUR ally today vis-à-vis China and Iran and not THEIR ally in disputes with us.)

Meanwhile, the failure of the U.S. interventions in Afghanistan and Iraq to produce the pluralism and decency hoped for after 9/11, coupled with the 2008 economic crisis and the current pandemic — together with the general hollowing out of America’s manufacturing base — has weakened both American self-confidence and the world’s confidence in America.

The result? Right when China, Russia and Iran are challenging the post-World War II order more aggressively than ever, many wonder whether the United States has the energy, allies and resources for a new geopolitical brawl.

 “Just because communism is gone — and we don’t have two political and economic systems that claim universal legitimacy competing to govern every country — doesn’t mean that ideological considerations have disappeared from international politics,” Mandelbaum argued to me.

Regimes like those in China, Iran and Russia feel much more threatened — more than we think — by democracy, Mandelbaum added. During the first decade of the 21st century, these regimes were able to generate sufficient public support through economic progress. But after that proved more difficult in the second decade of the 21st century, “the leaders of these countries need to find a substitute, and the one they have chosen is hypernationalism.”

Are we up to the challenge? I’m pretty sure we can keep a more aggressive, nationalistic Russia and Iran deterred at a reasonable cost, and with the help of our traditional allies.

But China is another question. So we’d better understand where our strengths and weaknesses lie, as well as China’s.

China is now a true peer competitor in the military, technological and economic realms, except — except in one critical field: designing and manufacturing the most advanced microprocessors and logic and memory chips that are the base layer for artificial intelligence, machine learning, high-performance computing, electric vehicles, telecommunications — i.e., the whole digital economy that we’re moving into.

China’s massive, state-led effort to develop its own vertically integrated microchip industry has so far largely failed to master the physics and hardware to manipulate matter at the nano-scale, a skill required to mass produce super-sophisticated microprocessors.

However, just a few miles away from China sits the largest and most sophisticated contract chip maker in the world: Taiwan Semiconductor Manufacturing Company. According to the Congressional Research Service, TSMC is one of only three manufacturers in the world that fabricate the most advanced semiconductor chips — and by far the biggest. The second and third are Samsung and Intel.

Most chip designers, like IBM, Qualcomm, Nvidia, AMD (and even Intel to some extent) now use TSMC and Samsung to make the microprocessors they design.

But, just as important, three of the five companies that make the super-sophisticated lithography machines, tools and software used by TSMC and others to actually make the microchips — Applied Materials, Lam Research Corporation and KLA Corporation — are based in the United States. (The other two are Dutch and Japanese.) China largely lacks this expertise.

As such, the American government has the leverage to restrict TSMC from making advanced chips for Chinese companies. Indeed, just two weeks ago, the U.S. made TSMC suspend new orders from seven Chinese supercomputing centers suspected of assisting in the country’s weapons development.

The South China Morning Post quoted Francis Lau, a University of Hong Kong computer scientist, as saying: “The sanctions would definitely affect China’s ability to keep to its leading position in supercomputing,” because all of its current supercomputers mostly use processors from Intel or designed by AMD and IBM and manufactured by TSMC. Although there are Korean and Japanese alternatives, Lau added, they are not as powerful.

China, though, is doubling down on research in the physics, nanotechnology and material sciences that will drive the next generation of chips and chip-making equipment. But it could take China a decade or more to reach the cutting edge.

That’s why — today — as much as China wants Taiwan for reasons of ideology, it wants TSMC in the pocket of Chinese military industries for reasons of strategy. And as much as U.S. strategists are committed to preserving Taiwan’s democracy, they are even more committed to ensuring that TSMC doesn’t fall into China’s hands for reasons of strategy. (TSMC is now building a new semiconductor factory in Phoenix.) Because, in a digitizing world, he who controls the best chip maker will control … a lot.

Just read “2034.” In the novel, China gains the technological edge with superior A.I.-driven cybercloaking, satellite spoofing and stealth materials. It’s then able to launch a successful surprise attack on the U.S. Pacific Fleet.

And the first thing China does is seize Taiwan.

Let’s make sure that stays the stuff of fiction.

 


FOMC: como trabalha o “Copom” americano - Federal Reserve Board, Boston Globe

 Federal Reserve Board, Washington DC – 28.4.2021

Federal Reserve issues FOMC statement

 

The Federal Reserve is committed to using its full range of tools to support the U.S. economy in this challenging time, thereby promoting its maximum employment and price stability goals.

The COVID-19 pandemic is causing tremendous human and economic hardship across the United States and around the world. Amid progress on vaccinations and strong policy support, indicators of economic activity and employment have strengthened. The sectors most adversely affected by the pandemic remain weak but have shown improvement. Inflation has risen, largely reflecting transitory factors. Overall financial conditions remain accommodative, in part reflecting policy measures to support the economy and the flow of credit to U.S. households and businesses.

The path of the economy will depend significantly on the course of the virus, including progress on vaccinations. The ongoing public health crisis continues to weigh on the economy, and risks to the economic outlook remain.

The Committee seeks to achieve maximum employment and inflation at the rate of 2 percent over the longer run. With inflation running persistently below this longer-run goal, the Committee will aim to achieve inflation moderately above 2 percent for some time so that inflation averages 2 percent over time and longer‑term inflation expectations remain well anchored at 2 percent. The Committee expects to maintain an accommodative stance of monetary policy until these outcomes are achieved. The Committee decided to keep the target range for the federal funds rate at 0 to 1/4 percent and expects it will be appropriate to maintain this target range until labor market conditions have reached levels consistent with the Committee's assessments of maximum employment and inflation has risen to 2 percent and is on track to moderately exceed 2 percent for some timeIn addition, the Federal Reserve will continue to increase its holdings of Treasury securities by at least $80 billion per month and of agency mortgage‑backed securities by at least $40 billion per month until substantial further progress has been made toward the Committee's maximum employment and price stability goals. These asset purchases help foster smooth market functioning and accommodative financial conditions, thereby supporting the flow of credit to households and businesses.

In assessing the appropriate stance of monetary policy, the Committee will continue to monitor the implications of incoming information for the economic outlook. The Committee would be prepared to adjust the stance of monetary policy as appropriate if risks emerge that could impede the attainment of the Committee's goals. The Committee's assessments will take into account a wide range of information, including readings on public health, labor market conditions, inflation pressures and inflation expectations, and financial and international developments.

Voting for the monetary policy action were Jerome H. Powell, Chair; John C. Williams, Vice Chair; Thomas I. Barkin; Raphael W. Bostic; Michelle W. Bowman; Lael Brainard; Richard H. Clarida; Mary C. Daly; Charles L. Evans; Randal K. Quarles; and Christopher J. Waller.

 

*

 

Boston Globe,29.4.2021

Fed Upgrades View of Economy While Keeping Rates Near Zero

Craig Torres and  Catarina Saraiva

 

Federal Reserve officials strengthened their assessment of the economy on Wednesday and signaled that risks have diminished while leaving their key interest rate near zero and maintaining a $120 billion monthly pace of asset purchases.

“Amid progress on vaccinations and strong policy support, indicators of economic activity and employment have strengthened,” the Federal Open Market Committee said in a statement following the conclusion of its two-day policy meeting. “The sectors most adversely affected by the pandemic remain weak but have shown improvement. Inflation has risen, largely reflecting transitory factors.”

Marking a clear improvement since the pandemic took hold more than a year ago, the Fed said that “risks to the economic outlook remain,” softening previous language that referred to the virus posing “considerable risks.” The statement also noted that sectors hit hardest by the Covid-19 pandemic had “shown improvement.”

Ten-year treasury yields rose to its high of the day before paring back, while inflation expectations over the decade held near their highest since April 2013. The dollar moved toward its lows of the day and the S&P 500 moved higher.

Powell and his colleagues met amid growing optimism for the U.S. recovery, helped by widening vaccinations and aggressive monetary and fiscal support. President Joe Biden will unveil a sweeping $1.8 trillion plan to expand educational opportunities and child care when he addresses a joint session of Congress later on Wednesday, while highlighting his $2.25 trillion infrastructure proposal and the $1.9 trillion pandemic relief package he signed into law last month.

At the same time, a rise in coronavirus cases in some regions around the world casts a shadow over global growth prospects, giving policy makers reason to remain patient on withdrawing support. Fed officials have also been largely dismissive of inflation risks for the time being, saying a jump in consumer prices last month was distorted by a pandemic-related decline in prices in March 2020.

 

Wednesday’s FOMC decision was unanimous.

 

Fed Chair Jerome Powell told a post-meeting press conference that the recovery has been faster than expected but “it remains uneven and far from complete” and the economy “is a long way from our goals.”

U.S. central bankers repeated they would not change the pace of bond buying until “substantial further progress” is made on their employment and inflation goals. The target range of the benchmark federal funds rate was kept at zero to 0.25%, where it’s been since March 2020.

Powell said that it was not yet time to discuss scaling back asset purchases and “it will take some time before we see substantial further progress.”

Economic Growth

Forecasters surveyed by Bloomberg expect the U.S. economy this year to expand at the fastest pace in more than three decades, with the Fed expected to announce in late 2021 that it will start slowing the pace of asset purchases.

U.S. central bankers have backed expansive fiscal policy, noting that millions of Americans are still unemployed and run the risk of remaining jobless for the long-term if they don’t find work soon.

Since their March meeting, officials have seen the S&P 500 stock index continue to rally while yields on the government 10-year note, after a sharp move up in the first quarter, have traded in a range around 1.6%. The labor market in March added the most jobs in seven months as improvements across regions around the world casts a shadow over global growth prospects, giving policy makers reason to remain patient on withdrawing support. Fed officials have also been largely dismissive of inflation risks for the time being, saying a jump in consumer prices last month was distorted by a pandemic-related decline in prices in March 2020.

Wednesday’s FOMC decision was unanimous.

Fed Chair Jerome Powell told a post-meeting press conference that the recovery has been faster than expected but “it remains uneven and far from complete” and the economy “is a long way from our goals.”

U.S. central bankers repeated they would not change the pace of bond buying until “substantial further progress” is made on their employment and inflation goals. The target range of the benchmark federal funds rate was kept at zero to 0.25%, where it’s been since March 2020.

Powell said that it was not yet time to discuss scaling back asset purchases and “it will take some time before we see substantial further progress.”

Economic Growth

Forecasters surveyed by Bloomberg expect the U.S. economy this year to expand at the fastest pace in more than three decades, with the Fed expected to announce in late 2021 that it will start slowing the pace of asset purchases.

U.S. central bankers have backed expansive fiscal policy, noting that millions of Americans are still unemployed and run the risk of remaining jobless for the long-term if they don’t find work soon.

Since their March meeting, officials have seen the S&P 500 stock index continue to rally while yields on the government 10-year note, after a sharp move up in the first quarter, have traded in a range around 1.6%. The labor market in March added the most jobs in seven months as improvements across most industries boosted nonfarm payrolls by 916,000.

Officials have also said policy changes will be based on outcomes, not a forecast, meaning a string of powerful monthly labor market gains would be needed to merit “substantial further progress.” (Bloomberg)

 

*

Pandemias e a economia mundial - Norman Gall (Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial)

 

Caros amigos,
 
Em março de 2020, no começo da pandemia do Covid-19, estava preso em casa pela quarentena, pensando o que fazer com todo esse tempo disponível. Resolvi começar uma abordagem sintética do desenvolvimento da pandemia de forma acessível para os membros de nosso Instituto e para o nosso público. A pandemia está indo muito além do previsto. Sigo acompanhando os acontecimentos diariamente, com suas muitas novidades, para produzir uma abordagem atual e abrangente. Por isso, dividimos esse ensaio em várias partes, a ser publicadas quinzenalmente na internet.

Aguardamos seus comentários e sugestões.

Norman Gall

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O Brasil ameaçado: Bolsonaro tem roteiro definido para uma ruptura institucional - Marcos Rolim, Monika Dowbor, Ana Severo (El País)

 O Brasil ameaçado

Bolsonaro tem roteiro definido para uma ruptura institucional. É preciso saber se as instituições e a sociedade civil irão se mobilizar e mostrar seu desacordo com as políticas do Governo Federal.

Marcos Rolim|Monika Dowbor|Ana Severo

Há períodos na história onde pedaços inteiros de futuro desaparecem. Cada pessoa é ela e suas possibilidades, assim como cada nação, povo e instituição. Em situações extremas, como as guerras por exemplo, a morte precoce de milhares ou mesmo de milhões de pessoas é um resultado possível, assim como a destruição de nações, instituições e povos. Esses resultados eliminam possibilidades históricas, abatem do futuro infinitas trajetórias humanas, assentando a dor e o desespero nos vazios que se multiplicam.
Por conta do sofrimento pressuposto, as guerras são um mal a ser evitado. Em nossa época, desde o fim da II GuerraMundial, os confrontos militares foram substancialmente reduzidos, inaugurando-se o período cunhado por John Lewis Gaddis como “a Grande Paz”. Isso se fez, basicamente, pela construção e pelo fortalecimento das democracias liberais e pelo processo de globalização que afirmou um mercado mundial e meios internacionais de regulação e dissuasão de conflitos. Ditaduras foram, historicamente, muito mais inclinadas à guerra porque elas se fundam em um discurso proponente da violência. Toda ditadura, de direita ou de esquerda, precisa de um inimigo para mobilizar sua base e legitimar as barbaridades que irá cometer. Por isso, a gramática dos ditadores e daqueles vocacionados à ditadura sempre exalta a violência.
As estimativas históricas compiladas por Steven Pinker mostram que as guerras mataram um número de combatentes no século XX que equivale a 0,7% da população mundial. Se acrescentarmos às baixas militares todos os demais mortos pela fome e pelas doenças causadas pelas guerras, mais as vítimas do Genocídio Armênio, do Holocausto, do massacre de Ruanda, chegaremos a 3% do total das mortes ao longo do século XX. Esses números servem para destacar a gravidade da pandemia em curso, vez que a taxa de mortalidade entre os casos confirmados de covid-19 no Brasil é de 2,6%, uma das mais altas no mundo. A referência a uma realidade de guerra para descrever a atual crise sanitária no Brasil não é, então, apenas uma figura de linguagem. A morte carrega também as marcas das desigualdades históricas no Brasil. Pesquisas mostram que os negros morrem mais que os brancos: são 250 óbitos pela doença a cada 100.000 habitantes. Entre os brancos, são 157 mortes a cada 100.000.
A covid-19 no Brasil, como a guerra, também fragiliza a sociedade nos bastidores, ao agravar as condições sociais, econômicas e psíquicas decorrentes da ausência de políticas públicas adequadas para a contenção da doença. Entre elas estão as mulheres, sobrecarregadas pelas tarefas de cuidado que se multiplicam nos tempos da pandemia, mas não cuidadas pelo Poder Público. As mulheres pobres, negras e moradoras de periferias são ainda mais fortemente afetadas pela pandemia, o que reforça as desigualdades pré-existentes.
Estamos nos aproximando rapidamente da marca de 400.000 mortos sem que o país disponha de uma política unificada de enfrentamento à pandemia. Ao invés de um discurso, uma orientação e uma só agenda de saúde pública, temos uma estratégia de necropolítica no nível federal e, nas demais esferas de governo, uma miríade de iniciativas desencontradas. A ausência de uma coordenação nacional ampliou os espaços para narrativas que divergem em aspectos centrais sobre praticamente todos os temas, desde a prevenção, o uso de máscaras, o distanciamento social, a importância da proteção social, as abordagens terapêuticas e a vacinação. O que sempre foi domínio da Ciência, temas que em qualquer democracia no mundo foram abordados com o criterioso amparo de evidências de estudos clínicos e revisões sistemáticas passaram a ser tratadas por conspiradores com milhares de seguidores no YouTube e por relatos anônimos de testemunhas e sábios de botequim. O processo, como se sabe, não teve geração espontânea. Ele se formou com a sistemática produção de conteúdos manipulatórios dirigidos aos potencialmente influenciáveis por mensagens preconceituosas que estimulam o ódio a adversários políticos e a instituições.
Há vários elementos totalmente novos nesse processo, mas destacamos dois deles: a) o enfraquecimento radical da esfera pública, como ambiente solar onde todos os argumentos podem ser expostos e contraditados sob a vista dos interessados; o que se deu pelo deslocamento do discurso político ao mundo sublunar dos espaços privados, onde os aficionados compartilham mensagens produzidas com incrível eficácia e b) a possibilidade de customização de mensagens para os indivíduos a partir da descoberta daquilo que Shoshana Zuboff chamou de “superávit comportamental”, vale dizer a infinidade de dados a respeito dos hábitos, ações, preferências, convicções de cada um de nós, entre outras informações privadas hoje de domínio das grandes corporações do mundo digital, que tornaram possível, a partir dos recursos de big data, o estabelecimento de um mercado de comportamentos futuros e, também, por óbvio, a fabricação de opções político-eleitorais.
No Brasil, a disseminação de conteúdos falsos e beligerantes, técnica amplamente empregadas nas eleições de 2018, se vinculou, desde o início, à proposição do golpe militar, apresentado com o mantra da intervenção militar como se a figura tivesse guarida na ordem constitucional. Na pandemia, o fenômeno caracterizado pela Organização Mundial de Saúde(OMS) como infodemia, tem revelado um potencial ainda mais destrutivo com a disseminação de fake news negacionistas, de sentido antivacina e a favor de medicações contra a covid-19 sem amparo em evidências (Lópes-Medina; Lópes; Hurtado et al, 2021; World Health Organization, 2021; The Recovery Collaborative Group, 2021; Mainoli, Machado & Duarte, 2021). Tal situação, assinale-se, é ainda mais grave pelos possíveis efeitos iatrogênicos já observados e pela evidente redução de cuidados preventivos que costuma se associar à crença em remédios milagrosos.
As palavras costumam indicar movimentos mais profundos e não há violência política que se efetive sem ser anunciada com antecedência. O discurso violento é, por isso, sempre uma promessa e, em muitos casos, aquilo que Robert K. Merton chamou de “profecia que se auto cumpre” (self-fulfilling prophecy). O Holocausto não seria possível sem a ampliação do antissemitismo por um discurso que associava os judeus a insetos; o Gulag não seria realidade sem a ideia, proferida milhares de vezes, de que os dissidentes eram “inimigos do povo” ou “gusanos” (vermes) como prefere a ditadura cubana; tampouco o massacre de Ruanda ocorreria sem que os Tutsi fossem chamados de “baratas” pelos Hutus durante décadas.
Nunca em nossa história, um presidente foi capaz de produzir um discurso com tamanha intolerância e ódio quanto o tem feito Jair Bolsonaro. Esse fato, por si só, já seria temerário, mas há uma situação muito mais preocupante sintetizada, recentemente, pelo ministro Edson Fachin nos termos de sete ameaças à democracia: 1) a remilitarização do governo civil, 2) as intimidações e proposições de fechamento dos demais Poderes; 3) declarações acintosas de depreciação do voto; 4) atentados à liberdade de imprensa; 5) incentivo ao armamento geral; 6) recusa antecipada do resultado eleitoral e 7) naturalização da corrupção dos agentes administrativos.
O ponto central a discutir é que essas ameaças não decorrem da saúde, mas de um projeto político que não guarda com a democracia qualquer laço de pertinência, ainda que surja por dentro dela. Parece que estamos diante do fenômeno da erosão incremental da democracia conforme assinala Adam Przeworski analisando países como Turquia, Polônia, Hungria e Venezuela aos quais o Brasil sob Bolsonaro é frequentemente comparado. No caso brasileiro, as ameaças atingem a democracia e já significam o retrocesso em diversos direitos que o país ampliou como a inserção de mulheres no mercado de trabalho, proteção ambiental e educação entre outros. Perdem-se décadas de avanços que buscavam corrigir as injustiças e desigualdades históricas e uma noite ou mais noites de obscurantismo e violência voltam a assombrar nosso futuro próximo.

O agravamento da pandemia no Brasil é marcado pela posição negacionista do presidente e por sua determinação em permitir que o vírus circulasse amplamente para, assim, se alcançar a imunidade de rebanho. Essa estratégia infame foi demonstrada pelo estudo do Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário da Faculdade de Saúde Pública da USP e da Conectas que analisou mais de 3.000 atos normativos do Governo Federal durante a pandemia. Nesse trágico caminho, chegamos ao ponto do risco de não retorno em termos de possibilidades futuras.

Além de tudo o que já perdemos pela negligência, despreparo, irresponsabilidade e estratégia do gestor federal e de muitos outros governantes e políticos que se comportam zelando tão somente por suas perspectivas eleitorais, corremos agora o risco de tornarmos a covid-19 endêmica, com mais de 90 cepas do coronavírus já identificadas no país; o que, somado à destruição do sistema de proteção ambiental, consolidará a imagem do Brasil como uma ameaça ao planeta. Os impactos desse processo na economia aumentam os riscos de produção do caos social e de ações violentas, o que poderá ser utilizado para a justificativa de medidas de exceção e para inviabilizar as próximas eleições presidenciais.

Esse parece ser um roteiro definido para uma ruptura institucional. É preciso saber se as instituições democráticas serão capazes de barrá-la; se a sociedade civil irá se mobilizar de modo a sublinhar seu desacordo com as políticas do Governo Federal e defender os direitos fundamentais; se os partidos políticos comprometidos com valores democráticos conseguirão, diante da gravidade das ameaças, relevar suas diferenças e se portar responsavelmente e se saberemos construir uma saída para a crise sanitária e econômica com base na Ciência.

Marcos Rolim é doutor em Sociologia (UFRGS) e professor do programa de pós graduação em Direitos Humanos da UniRitter (RS). Monika Dowbor é doutora em Ciência Política (USP), coordenadora do programa de pós graduação em Ciências Sociais da Unisinos (RS). Ana Severo é economista, consultora em gestão de políticas públicas.


quarta-feira, 28 de abril de 2021

O desmonte do Estado brasileiro - Felipe Salto

Destaco um trecho: "Mais um exemplo da situação crítica das despesas de custeio e manutenção da máquina e de programas essenciais está no Ministério das Relações Exteriores. Após os cortes e bloqueios, o Itamaraty contará com despesas discricionárias de R$ 551 milhões. Em 2016, o orçamento foi quase três vezes maior (R$ 1,5 bilhão)."

A verdade é que o MRE, para o governo, vale menos que o aluguel de carros para a presidência e as benesses para a família presidencial.

Paulo Roberto de Almeida

 O desmonte do Estado brasileiro

Felipe Salto

O Estado de S. Paulo, Espaço Aberto, 27 de abril de 2021

Reduz-se cada vez mais a despesa essencial para o funcionamento da máquina pública


É sintomático que o Orçamento de 2021 tenha sido sancionado em bases irrealistas. Os cortes promovidos pelo Poder Executivo devem permitir o cumprimento do teto, mas ao preço de desmontar o Estado brasileiro. Na ausência de mudanças estruturais no gasto obrigatório, reduz-se cada vez mais a despesa essencial para o funcionamento da máquina pública.

O chamado shutdown não acontece da noite para o dia. Na verdade, políticas públicas essenciais estão sendo desidratadas ao longo dos últimos anos. Dada a opção pelo teto de gastos, mas sem avanços para conter a despesa mandatória, a fatura vai recaindo sobre o gasto discricionário (mais exposto à tesoura).

Em 2021, o caso do censo demográfico é emblemático. Em pleno ano de pandemia, quando se processam mudanças sociais e econômicas profundas, o Ministério da Economia anunciou que a pesquisa não será realizada. Motivo? Falta de orçamento.

O último censo realizado foi em 2010 e custou R$ 1,1 bilhão. Atualizado pelo IPCA e pelo aumento do número de domicílios, o orçamento do programa deveria ser de R$ 2,8 bilhões em 2021. O censo fundamenta a análise, o planejamento e a formulação de uma miríade de políticas sociais, econômicas, educacionais, etc. Os cortes anunciados levaram o orçamento dessa pesquisa a cerca de R$ 53 milhões. Na verdade, esse gasto não será sequer suficiente para preparar a realização do censo em 2022.

As despesas discricionárias do Executivo estão orçadas em R$ 74,6 bilhões para 2021. É o menor nível da série. O Ministério da Educação ficou com R$ 8,9 bilhões. Somando as emendas de relator-geral, vai a cerca de R$ 10 bilhões. Em 2016 as despesas discricionárias executadas nessa área totalizaram R$ 21,8 bilhões. Isto é, o valor de 2021 corresponde à metade do observado cinco anos atrás. Isso sem considerar a inflação do período. Isto é, uma redução brutal.

Na pasta da Saúde, as discricionárias do Executivo ficaram em R$ 15,5 bilhões, apenas meio bilhão acima do valor observado em 2016. Somando as emendas de relator-geral remanescentes (após os cortes do presidente da República), esse valor sobe para R$ 23,3 bilhões. Ainda assim, é um patamar muito baixo, sobretudo quando comparado a 2020 (o dobro), que também foi um ano de pandemia.

O governo argumenta que os recursos adicionais necessários à saúde serão executados por meio dos chamados créditos extraordinários, que de fato estão sendo autorizados por medidas provisórias. Aliás, alterou-se o texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias para deixar essas e outras despesas novas de fora da meta fiscal de déficit primário fixada em lei (receitas menos despesas, exceto juros da dívida).

Em benefício da transparência, o ideal seria ter mudado a meta de déficit (R$ 247,1 bilhões). A outra regra fiscal, o teto de gastos, já estaria resolvida, porque todo crédito extraordinário - desde que justificadas a imprevisibilidade e a urgência â não é contabilizado nas despesas sujeitas ao limite constitucional. Estimo, preliminarmente, que o déficit primário efetivo, o que afeta a dívida pública, poderá ficar em torno de R$ 290 bilhões neste ano.

Mais um exemplo da situação crítica das despesas de custeio e manutenção da máquina e de programas essenciais está no Ministério das Relações Exteriores. Após os cortes e bloqueios, o Itamaraty contará com despesas discricionárias de R$ 551 milhões. Em 2016, o orçamento foi quase três vezes maior (R$ 1,5 bilhão).

Na verdade, o remanejamento de verbas promovido via vetos ao Orçamento e bloqueios de despesas por decreto promoveu um corte geral de cerca de R$ 29 bilhões. Esse valor é próximo das contas feitas pela Instituição Fiscal Independente (IFI), R$ 31,9 bilhões, em março. No início da semana passada o governo soltou na imprensa que R$ 20 bilhões seriam suficientes para cumprir o teto de gastos. Errou.

Os cortes realizados mantiveram um orçamento elevado para áreas como Desenvolvimento Regional, cuja discricionária total (Executivo) será de R$ 1,5 bilhão mais R$ 6 bilhões em emendas de relator-geral não atingidas pelos vetos presidenciais. Em 2016 gastou-se R$ 1,3 bilhão e em 2020, R$ 4,4 bilhões.

Se o risco de paralisação de políticas essenciais se materializar, como é provável que continue a ocorrer, o governo sofrerá pressões para desbloquear o que foi tesourado por decreto. Os vetos, vale dizer, só poderiam ser revertidos pelo Congresso. Esses cortes deverão preservar o teto, mas de maneira perigosa e ineficiente.

No ano passado o governo não planejou o Orçamento público de 2021 para um cenário de recrudescimento da crise pandêmica. O plano deveria ser realista e coerente com a responsabilidade fiscal. Já se sabia das dificuldades a serem enfrentadas neste ano, dos riscos de novas ondas da covid19 e da precariedade social, econômica e fiscal.

O "deixa como está para ver como é que fica" custou caro. Após os cortes, pode-se até cumprir o teto, mas não sem um desmonte do Estado brasileiro. Ou isso ou vão acumular uma montanha de contas a pagar para 2022.

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DIRETOR EXECUTIVO DA INSTITUIÇÃO FISCAL INDEPENDENTE (IFI)