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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quinta-feira, 14 de abril de 2022

Grandes etapas da política externa brasileira desde 1945: apresentação-palestra para o curso Ubique - Paulo Roberto de Almeida

GRANDES ETAPAS DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA DESDE 1945 

Nesta quarta-feira, 13/04/2022, efetuei palestra para candidatos à carreira diplomática, como abaixo registrado, com o PP reproduzido em formato pdf já divulgado.

A palestra pode ser acessada no YT: https://www.youtube.com/watch?v=xpMbR6cQxWo

4129. “Grandes etapas da política externa brasileira desde 1945”, São Paulo, 13 abril 2022, 20 slides. Apresentação reproduzindo o texto dos trabalhos 4103 e 4106, com completação dada pelos anexos enviados. Divulgado na plataforma Academia.edu (https://www.academia.edu/76375339/4129_Grandes_etapas_da_politica_externa_brasileira_desde_1945_Palestra_Curso_Ubique_2022_).

Várias perguntas adicionais ficaram sem resposta no momento da palestra, que ultrapassou, ao que parece, 2hs, o que fiz neste complemento de informação a partir das perguntas enviadas ao final do evento.

Questões colocadas por alunos do Curso Ubique

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com) 

 

No dia 13 de abril, prejudicado por uma conexão muito precária de internet, a partir de um hotel de passagem no estado de S. Paulo, a caminho de Brasília, fiz uma palestra para alunos inscritos no curso Ubique, candidatos à carreira diplomática. A despeito das condições péssimas de conexão (falei praticamente sem vídeo, depois me conectei por celular, com problemas de sonorização e novamente por computador, mas sem vídeo), creio que consegui transmitir o essencial de meus argumentos numa palestra entrecortada por interrupções, com a ajuda dos coordenadores do Curso Ubique, a quem cumprimento na pessoa de meu colega diplomata e amigo Paulo Fernando Pinheiro Machado. Aproveito para informar que coloquei minha apresentação utilizada na palestra oral na plataforma Academia.edu (no link: https://www.academia.edu/76375339/4129_Grandes_etapas_da_politica_externa_brasileira_desde_1945_Palestra_Curso_Ubique_2022_). Nessa apresentação eu listei o material suplementar, informativo, documental e bibliográfico, que ofereci previamente aos alunos, constando de cronologias sobre a política internacional, sobre o contexto regional e a diplomacia brasileira, acompanhada de listagem seletiva da produção acadêmica em relações internacionais e em política externa do Brasil, no período de 1945 a 2022, ademais de uma relação completa dos livros publicados pela Funag (muitos já disponíveis livremente).

A despeito de ter respondido inúmeras perguntas oralmente no tempo que se seguiu à palestra inicial – o que poderá ser conferido pelo vídeo do evento, a despeito das diversas imperfeições da gravação, por culpa de minha conexão – faltou tempo para responder a todas elas, tendo eu solicitado a transcrição daqueles que permaneceram sem comentários. Tendo recebido estas poucas questões, vou tentar responder concisamente a cada uma delas, para poder atender aos alunos que não foram contemplados com respostas minhas às suas demandas. Havendo outros poderia igualmente responder.

 

Gabriel Perez: 

1. Embaixador, poderia falar um pouco, por favor, sobre a política externa do Brasil com a China, Rússia e EUA e se o Brasil conseguirá ficar no muro, tentando agradar a gregos e troianos?

 

PRA: Não creio que ajudaria muito os candidatos à carreira diplomática se eu transmitisse a minha opinião pessoal sobre essa questão, pois tenho uma postura muito firme a esse respeito, aliás embasada nas tradições diplomáticas brasileiras.

Posso, em contrapartida, repetir as alegações oficiais que devem ser “repetidas”, como bons alunos enquadrados na versão oficial, sobre o que responder, se questões desse teor vierem a ser objeto de questionamento no concurso.

O que vale, como posição oficial da diplomacia brasileira, são os pronunciamentos e discursos feitos pelos representantes brasileiros no Conselho de Segurança, na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, e no Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, e convido TODOS os candidatos a lerem esses pronunciamentos oficiais, integralmente, tal como disponíveis no site do Itamaraty, e a se guiarem pelos conceitos e cada umas das justificativas ali registrados. Os países membros da comunidade internacional, não se guiam pelas declarações do presidente, feitas de maneira informal a seus admiradores congregados nas cercanias do Palácio da Alvorada, uma vez que tais declarações NÃO EXPRESSAM a posição oficial do governo. O mundo e os meios de comunicações devem se pautar pelas declarações oficiais contidas nos pronunciamentos e notas que o Brasil formulou oficialmente na ONU. O que foi dito no cercadinho da Alvorada não é oficial.

Basicamente o que o Brasil vem dizendo é essencialmente o seguinte. O Brasil “lamenta as hostilidades” e vem incessantemente instando as “partes em conflito a cessarem as hostilidades”, assim como disse que qualquer solução para o conflito passa pela “consideração das preocupações de segurança de todas as partes”. O Brasil aderiu às declarações submetidas e apoiadas pela grande maioria dos membros da ONU, mas se absteve de aderir às sanções anunciadas e aplicadas por parte da comunidade internacional, pelo fato de terem sido adotadas e implementadas unilateralmente, à revelia de uma decisão formal a esse respeito pelo CSNU e também se posicionou contrariamente ao fornecimento de armas à Ucrânia. As justificativas fornecidas foram as de que as sanções não resolveriam nada e só provocariam o agravamento da crise mundial trazida pela guerra e pelas próprias sanções; o fornecimento de armas à Ucrânia, por sua vez, “provocariam mais mortes e mais sofrimentos na população civil”.

Essencialmente, portanto, o Brasil continuou do lado do Direito Internacional, ao mesmo tempo em que não seguiu diretamente e expressamente os métodos utilizados pelos EUA e pela UE, que foram insistentes numa tomada de posição mais vigorosa do Brasil, pelo fato de se pautar exclusivamente por regras de consenso por parte da comunidade internacional, que neste caso se revelaram impossíveis de serem adotadas.

 

Estes são os dados da questão, tal como oficialmente expressos nas instâncias da ONU e alguns de seus órgãos, como o Conselho de Direitos Humanos, por exemplo. Se ouso expressar uma opinião própria sobre o assunto, diria que se a trata de um sutil distanciamento em relação ao que vem sendo dito, de maneira praticamente informal, por responsáveis políticos que já se manifestaram sobre a questão, através da imprensa, por exemplo. Palavras ou declarações de “solidariedade”, depois de “imparcialidade”, ou de “neutralidade”, quando não de “equilíbrio”, podem ter sido expressas com o objetivo de não causar fricções das relações do Brasil com quaisquer partes no conflito ou países mais vocais nesta grave questão. Daí a oposição a determinadas medidas mais duras – sanções, fornecimento de armas, expulsão da Rússia do Conselho de Direitos Humanos – ou a abstenção em determinadas votações. A China, por exemplo, está observando uma discreta postura de apoio à Rússia, mas se abstendo em quase todas as votações feitas no âmbito da ONU.

Em outras oportunidades já expressei mais claramente minha posição em relação ao conflito, que foram divulgadas em meu blog Diplomatizzando, mas que valem apenas como postura pessoal, não convergente necessariamente com as posições oficiais do governo brasileiro ou do Itamaraty.

 

2. Embaixador, o suicídio de Vargas pode ter relação com a pressão dos EUA na política interna do Brasil?

 

PRA: Não, absolutamente. O segundo governo Vargas (1951-54) foi bastante positivo para os EUA, pois o Brasil assinou um Acordo de Assistência Militar bilateral e apoiou os EUA na maior parte das votações da ONU. Mas, o governo Vargas recusou participar da “operação de paz” na Coreia, aprovada por Resolução do CSNU (por cochilo da URSS, que estava sabotando o Conselho, depois que a China de Mao (RPC) não tomou o lugar da ROC, de Chiang Kai-Shek, recém deslocado a Taiwan.

Tanto o suicídio de Vargas, quanto o golpe de 1964 foram típicas crises civil-militares (mais induzidas pelos políticos do que pelos militares) que tiveram sua dinâmica própria, e totalmente nacionais, independentemente dos enfrentamentos globais no quadro da Guerra Fria. Os EUA faziam e fazem pressão quando governos adotam posturas que prejudicam os interesses globais dos EUA e os negócios de suas corporações. Fora isso, eles podem se acomodar com governo direitistas, esquerdistas, centristas, ditaduras de todas as cores, desde que os sacrossantos interesses de segurança e de negócios dos EUA não sejam comprometidos por medidas concretas adotadas por governos. Nesse caso, eles podem fazer pressões discretas ou abertas, dependendo do tipo de interlocutor com que lidam.

 

3. Embaixador, sabemos que daqui a algum tempo a China será a maior economia do mundo. Como o Brasil pode evoluir a ponto de ser menor protecionista e ter possível vantagem neste cenário?

 

PRA: O problema do Brasil é apenas um: vender o mais possível e ter saldos superavitários na balança comercial, condição essencial para um país que tem um déficit crônico na balança de serviços, e assim garantir um mínimo de equilíbrio nas transações correntes. O Brasil é protecionista desde praticamente o nascimento do Estado independente, sendo apenas constrangido pela “tarifa inglesa” saída do tratado comercial de 1810, feita por Portugal e prolongada na independência por pressão inglesa. Desde 1844, somos os mais protecionistas do planeta, tendo sido superados apenas pela Alemanha nazista nos anos 1930 e mais recentemente pela Índia e alguns outros países pobres. O problema da política comercial protecionista está entranhado na mentalidade das elites, e atualmente vem sendo sustentada pela nossa perda de competitividade dado o nível elevado de tributação existente no plano produtivo interno. Isso é um efeito de um Estado extorsivo, pois que dominado por elites atrasadas, um estamento político patrimonialista, corporações de Estado extremamente vorazes na sua sanha prebendalista e de um sistema de redistribuição de renda contra os criadores de riqueza e a favor dos rentistas que vivem do Estado, no Estado e dentro do Estado.

A China consegue ser competitiva no Brasil mesmo a despeito da proteção tarifária e da postura defensiva contra seus produtos – a maior parte dos processos antidumping aplicados pelo sistema de defesa comercial do Brasil é contra a China, e por motivos totalmente protecionista –, pois que ela tem o que o Brasil não tem: baixa carga fiscal, bom ambiente de negócios, inovação contínua, rede comercial extensa e outros atributos que a tornam uma das maiores, senão a maior das, economias de mercado do mundo. Não é só o Brasil que tem uma posição subordinada no comércio bilateral com a China, mas quase todos os demais países também. Quem dá as cartas na relação comercial é a China: ela importa o que quer, quanto quer, e muitas vezes impõe as condições de fornecimento e preço.

 

4. Embaixador, o não assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, sendo o Brasil o 6º membro na criação deste e recebendo como consolo abertura das assembleias, deixa claro que não somos relevantes?

 

PRA: O Brasil NUNCA foi relevante e foram poucos os episódios nos quais o Brasil contou para alguma coisa relevante no mundo: fornecedor de produtos relevantes, sim, mas não exclusivamente, e sua essencialidade só se revelou em períodos de guerra, por rompimento das linhas de suprimento em outros continentes. Tivemos um bom papel no teatro italiano da Segunda Guerra, mas nada que os americanos não tivessem podido resolver, com algum sacrifício adicional de homens, armas e tempo. Na Guerra Fria, não contamos para quase nada, a não ser, justamente, por não apresentar algum foco de insegurança estratégica para os EUA e os ocidentais de maneira geral. Até ajudamos um pouco, ao “neutralizar” alguns regimes esquerdistas na região (Bolívia, Chile, e alguns outros). 

Eugênio Vargas Garcia tem um livro sobre o “6. Membro permanente”, mas isso não estava seriamente na mesa de negociações. Roosevelt queria diminuir o peso do colonialismo europeu, e não via a França com bons olhos, mas não creio que o Brasil teria passado no teste da capacitação militar para alguma necessidade de projeção externa em caso de necessidade.

 

Bruno Lima: 

1. Embaixador, o Senhor pensa que a guerra na Ucrânia fortalece ou enfraquece a balança de poder mundial atual? Poderá haver o fim da Pax americana nessa atual conjuntura ou o fortalecimento da mesma?

 

PRA: Difícil dizer agora: depende das sanções e da nova postura anti-Rússia dos ocidentais ter condições de estrangulá-la economicamente a ponto de convertê-la antes do tempo em colônia econômica da China. Nunca existe uma balança fixa de poder, pois isso depende de estadistas e da dinâmica econômica de cada um dos grandes atores. No momento, estamos num fluxo de processos econômicos cujos contornos definitivos ainda não foram determinados. Uma coisa é certa: a Ucrânia se afastará da Rússia, vai aderir à UE em alguns anos, mas será um Estado falido durante muitos anos, dependendo de muito apoio financeiro para ser reconstruída. Se a Finlândia e a Suécia aderirem à OTAN, podem surgir novos dados para essa futura balança de poder, mas muito também depende da China. 

A Pax Americana vinha se enfraquecendo, mas não se pode excluir uma nova retomada de seu antigo vigor, com somas gigantescas sendo desviadas para investimentos militares, o que vai atrasar mais um pouco o crescimento dos países pobres, que poderiam estar muito melhor numa Chimerica, numa complementaridade natural China-EUA, o que agora parece difícil.

 

Marina Oliveira: 

1. Acredito que um dos maiores desafios da OCDE poderá ser a sustentabilidade. Isso poderá ocorrer?

 

PRA: Sim, já é, o que significa novos investimentos nessa busca do Santo Graal da sustentabilidade. Assim, como muito se fez, no passado, pelo controle da população nos países pobres, muito se fará agora, em prol da sustentabilidade, o que não vai alterar de maneira decisiva a posição e o bem-estar dos países mais pobres, que não possuem tecnologia para honrar os compromissos com essa nova obsessão mundial. Eles vão recolher mais recursos para sustentar florestas do que recebiam antes para ajuda alimentar e assistência social aos seus pobres. O mundo não é necessariamente mais racional; apenas atende a preocupações que estão na agenda das grandes economias. A OCDE será um dos vetores dessa nova obsessão, que é positiva em si, mas não muda o panorama mundial do não-desenvolvimento em grande parte da humanidade. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 1430: 14 abril 2022, 6 p.

 

quarta-feira, 13 de abril de 2022

EUA alertam Bolsonaro contra perturbação das eleições de outubro: Arturo Valenzuela - Rafael Balago (FSP)

 EUA devem reagir de modo sério se Bolsonaro recusar derrota, diz Arturo Valenzuela

Ex-secretário para América Latina no governo Obama considera que fertilizantes não são argumento para se isentar sobre Guerra da Ucrânia

Folha de S. Paulo, 13.abr.2022 às 9h01
Rafael Balago

WASHINGTON - O diplomata americano Arturo Valenzuela diz estar otimista sobre o futuro da democracia no Brasil, apesar das dificuldades atuais, e avalia que uma eventual tentativa de ruptura será levada muito a sério, tanto pelos brasileiros como por países como os Estados Unidos —por ruptura entenda-se uma recusa por parte do presidente Jair Bolsonaro (PL) a aceitar uma eventual derrota nas urnas.

"É preciso haver um esforço constante para fortalecer as instituições. Há certa fragmentação das forças políticas no mundo, falta coesão, mas estou confiante de que vamos ver forças se unindo —e será o caso do Brasil também", avalia.

Valenzuela, 78, foi o principal nome do Departamento de Estado para a América Latina no início do governo Barack Obama e colaborou na campanha do atual presidente, Joe Biden. Hoje, é professor emérito da universidade Georgetown.

O ex-secretário participa nesta quarta (13), às 18h, de um debate virtual sobre as relações entre EUA e Brasil do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais). O centro está lançando um projeto de debates e estudos sobre o relacionamento entre Brasil e Estados Unidos, sob coordenação de Sérgio Amaral, ex-embaixador em Washington.

Como avalia a relação atual entre Brasil e EUA, especialmente frente ao distanciamento entre Biden e Bolsonaro? A relação é muito profunda. Precisamos fazer uma distinção entre o que é a relação entre EUA e Brasil em uma grande variedade de questões e as diferenças que pode haver entre os dois chefes de Estado nesse momento particular.

A relação tem sido muito forte nos tempos recentes: envolve comércio, investimento, tecnologia, mudança climática, educação. A longo prazo, continuará a haver uma relação forte, os dois países têm muita coisa em jogo. O fato de o Brasil comprar fertilizantes da Rússia não se compara com os investimentos extraordinários que o setor privado dos EUA tem no Brasil em uma ampla variedade de áreas.

Espero que possamos voltar para uma agenda na qual falemos sobre interesses comuns em termos de educação, inclusão social, comércio, investimentos, direitos humanos e democracia. O mais importante agora é a paz e a segurança.

A questão não é se o Brasil está se afastando só dos EUA, mas o país está claramente se afastando significativamente de seus aliados tradicionais na Europa. São tempos complicados, não é algo que eu já tenha experimentado. É catastrófico o que acontece na Ucrânia hoje. Não podemos deixar esse tipo de coisa prosseguir, não é um tempo para se equivocar.

Os EUA devem se aproximar mais do Brasil e da América Latina, ao buscar um consenso internacional contra a Rússia? Os EUA não vão dizer algo como "ok, nós discordamos de você, e vamos tentar fazer ajustes". Estamos encarando um momento crítico, no qual você não pode usar um argumento como "bem, veja, precisamos proteger a importação de fertilizantes". Isso inclui o que tem acontecido na ONU, onde a ampla maioria dos países decidiu que era preciso suspender a Rússia do Conselho de Direitos Humanos.

Uma das preocupações no mundo hoje é o avanço de líderes autoritários e populistas, de esquerda ou de direita. É muito revelador que os dois maiores países da América Latina, México e Brasil, se abstiveram na votação para suspender a Rússia do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Os dois têm líderes populistas, um de direita e outro de esquerda.

Abster-se nesse tipo de questão é algo que vai requerer muitos reparos depois. Cabe ao povo brasileiro decidir exatamente o que sua liderança deve ser no futuro, assim como o dos EUA decidiu que o governo anterior era um que não poderia mais ser aceito.

Como os EUA e o Brasil podem se alinhar mais em questões de paz e segurança? Houve vezes em que os EUA, durante a Guerra Fria, criaram relações com os países da América Latina que configuravam esforços para afastar o que era visto como uma ameaça comunista —um dos primeiros golpes de Estado que ocorreram, de fato, foi no Brasil. Mas com o fim da Guerra Fria começou uma nova era, de solidificação das instituições democráticas. Conheço o Brasil bem o suficiente para saber que a maioria apoia isso.

Precisamos deixar claro que não se trata de os EUA darem exemplo para o mundo. Os EUA têm mostrado ter alguns problemas significativos com a própria democracia, e isso requer mudanças e reformas. O Brasil enfrentará o mesmo tipo de coisa. Então, espero que sejamos capazes de voltar a um ponto em que, junto com europeus e a América Latina, possamos colocar o foco em tentar reconstruir as instituições, de modo a ter um mundo mais pacífico.

Jair Bolsonaro já sinalizou que pode não aceitar o resultado das eleições de 2022. Como avaliaria que os EUA reagirão nesse caso? Acho que não só os EUA, mas os países pelo mundo que estão preocupados com questões assim vão levar isso muito a sério, assim como muitos brasileiros.

É um erro achar que há um processo que leva do subdesenvolvimento às instituições perfeitamente desenvolvidas. É preciso haver um esforço constante para fortalecer e renovar as instituições. Há certa fragmentação das forças políticas no mundo, falta coesão, mas estou confiante de que vamos ver forças se unindo. E certamente espero que será o caso do Brasil também

Sou otimista. Trabalhei no Brasil como pesquisador acadêmico por muitos anos. Fui convidado para ir ao Brasil quando a democracia foi restabelecida, para discutir como fortalecer as instituições. Estou bem confiante de que esse momento difícil será superado, mas não será fácil. Vemos uma fragmentação das instituições e a falta de partidos fortes e coesos.

Brasil e EUA enfrentam altas na inflação. Os dois países poderiam se ajudar na questão? O problema fundamental é que as cadeias de suprimento foram rompidas, em parte por causa das inseguranças no mundo —há a grande ironia de que a inflação agora é produto do rompimento das cadeias de derivados de petróleo. Biden mencionou várias vezes que precisamos nos mover para além da dependência deles.

Temos que enfrentar essas duas questões gêmeas, da mudança climática e do suprimento de energia. Não será feito da noite para o dia, mas as bases estão colocadas.

Vê espaço para mais parcerias econômicas? São dois grandes países buscando fortalecer seus laços econômicos. Há sempre uma conversa sobre ter ou não um acordo de livre comércio nas Américas, e o Brasil se colocava fora disso. E o Mercosul não é mais o que costumava ser. Os EUA têm relações importantes com os países do hemisfério Ocidental, e todos se beneficiariam disso. Não é uma questão de ser o quintal do Brasil ou dos EUA, esse tipo de mentalidade não é o que precisamos no século 21.

Como avalia a forma com que Biden tem atuado em relação à Venezuela? Todo governo encara uma ampla lista de desafios pelo mundo e não pode resolver todos os problemas. Mas isso não significa que não haja preocupações com uma situação como a da Venezuela.

O que esse governo percebeu, e que não havia sido notado pelo anterior [de Donald Trump] é que não se trata de uma questão de fazer algo como encorajar um golpe militar e isso resolveria a questão. Alguns dos erros do governo anterior tornaram mais difícil dar apoio à oposição na Venezuela, que é dividida. A Venezuela é essencialmente uma economia falida, um Estado falido, que vai requerer muito trabalho. Não víamos um colapso tão grande de um país na América Latina talvez desde o caso do Paraguai depois da guerra com a Tríplice Aliança no século 19. Mas isso não significa que haja negligência, só que as políticas adotadas antes eram incorretas.

O Brasil poderia atuar junto aos EUA no tema? Há um interesse nacional significativo para Brasil e EUA na questão. Quando fui secretário-assistente [de Estado], tive uma relação muito boa com os ministros da Defesa [do Brasil]. Eles estavam tentando ver se a situação na Venezuela poderia ser resolvida e se haveria risco de um potencial conflito entre Venezuela e Colômbia. Havia também preocupação com a crise de migração.

Como avalia a forma com que Biden tem lidado com a questão da imigração? Houve muitos danos às políticas da área no passado, e é difícil reajustá-las. Há uma crise porque muitas pessoas querem deixar seus países. Estamos vendo um país europeu ser bombardeado até a submissão, em que os alvos não são as Forças Armadas, mas as pessoas. Há países com organizações criminosas significativas, tráfico de drogas, questões de regressão econômica.

Os EUA são uma nação de imigrantes e devemos continuar a sê-lo, ter portas abertas. O governo Biden está comprometido com isso, mas você não pode ir de uma coisa à outra tão rápido, essas políticas precisam de muito tempo para serem implantadas.

RAIO-X | ARTURO VALENZUELA, 78
Professor emérito da Universidade Georgetown, com graduação em ciência política e religião pela Universidade Drew e mestrado e doutorado em ciência política pela Universidade Columbia, foi secretário-assistente de Estado dos EUA no governo Barack Obama (2009-2011).

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/04/eua-devem-reagir-de-modo-serio-se-bolsonaro-recusar-derrota-diz-arturo-valenzuela.shtml

terça-feira, 12 de abril de 2022

Populistas de direita estão prosperando - Fareed Zakaria (Washington Post/Estado de SP)

 POPULISTAS DE DIREITA ESTÃO PROSPERANDO!

Fareed Zakaria 
Washington Post/Estado de S.Paulo, 09/04/2022 

Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, inúmeros comentaristas acreditaram que ao menos uma coisa boa decorreria dessa nuvem de catástrofe. O ataque de Vladimir Putin contra a ordem liberal, esperavam eles, exporia e deslegitimaria forças iliberais populistas que têm surgido há anos.

Um deles especulou que a guerra na Ucrânia poria fim à era do populismo. Outro, o acadêmico Francis Fukuyama, considerou o episódio uma oportunidade para as pessoas finalmente rejeitarem o nacionalismo de direita. Contudo, passadas seis semanas do início deste conflito, tais noções parecem ilusões otimistas.

ELEIÇÕES. Na Europa, duas eleições cruciais – na Hungria e na França – revelam a verdade. Até poucos dias atrás, era possível sugerir, como o fez um artigo da Atlantic, que a guerra na Ucrânia estava “agitando a política europeia” ao expor registros iliberais e próPutin da líder francesa de extrema direita Marine Le Pen e do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán.

Esses especialistas foram citados afirmando que Orbán “estava tentando desesperadamente reformular os acontecimentos da guerra” e prevendo que os franceses veriam o presidente, Emmanuel Macron, neste momento, “provavelmente como a única pessoa capaz de liderá-los através desta crise”.

Na realidade, Orbán acaba de ser reeleito – e para o quarto mandato consecutivo – por uma margem conveniente, com sua coalizão obtendo cerca de 53% dos votos e os opositores, aproximadamente 34%. No mesmo dia, eleitores da Sérvia reelegeram um presidente populista, convictamente próPutin, que venceu de lavada.

LE PEN. Na França, onde o primeiro turno da eleição presidencial ocorre amanhã, pesquisas sugerem que a liderança de Macron tem evaporado e Le Pen cresceu significativamente. Conforme afirmou a manchete do New York Times: “Mesmo antes de a França votar, a direita francesa é a grande vencedora”. Na Europa, pelo menos, o populismo de direita continua a prosperar.

Isso não significa que as ações da Rússia na Ucrânia sejam populares, mas elas não dominam a visão de mundo das pessoas. As reputações de políticos pró-putin não sofreram com a guerra da maneira que muitos esperavam.

Frustrado com o líder húngaro se aconchegando com Putin, Volodmir Zelenski apostou num ataque direto a Orbán, afirmando que ele é “virtualmente o único na Europa a apoiar Putin abertamente”. Isso não funcionou.

Nos EUA, é possível observar forças similares em ação, apesar de não serem tão fortes. Nas primeiras semanas da guerra, o Partido Republicano parecia ter revertido sua histórica belicosidade em política externa. Muitos republicanos da velha-guarda são veementemente anti-putin e próUcrânia.

Mas essa posição não descreve as opiniões do homem que continua sendo o líder mais popular do partido: Donald Trump, que tem elogiado Putin desde o início da invasão. O âncora mais graduado da Fox News, Tucker Carlson, que mais de dois anos atrás declarou que estava do lado da Rússia em sua batalha contra a Ucrânia, passou recentemente a repetir propaganda russa a respeito da existência de supostos laboratórios de armas biológicas na Ucrânia.

VANTAGENS. Vale notar alguns matizes. Orbán manipulou a democracia da Hungria de maneiras que lhe proveram vantagens estruturais. Em 2010, ele se movimentou para conceder cidadania a 2,4 milhões de húngaros étnicos que viviam no exterior e se retratou como o único defensor de seus direitos, o que lhe garantiu amplo apoio desses novos eleitores. Ele esmagou quase todos os meios de comunicação independentes.

O governo húngaro promove a imagem de Orbán, distribuindo pôsteres financiados com dinheiro público. Esse tipo de prática levou a Freedom House a classificar a Hungria como o único país da Europa que é “parcialmente livre”.

POPULISMO. Mesmo assim, o populismo de direita é genuinamente popular na Hungria e em outros países. Ainda que Le Pen tenha tirado vantagem da inflação em alta, culpando o governo de Macron por todo e qualquer aumento de preços, o magnetismo fundamental dela emana de seu estridente nacionalismo cultural. Orbán, Le Pen e outras personalidades da direita vociferam constantemente contra imigrantes, multiculturalismo e “lacração”, a nova palavra que aflora na França.

Ao mesmo tempo, esses líderes deixam de lado a economia de livre mercado da velha direita. Le Pen criticou muitas das reformas neoliberais de Macron e abraçou antigas políticas estatizantes da esquerda, como jornada de trabalho de 35 horas e aposentadoria antecipada. Ela especulou publicamente que poderia trazer membros da esquerda que concordem com suas ideias a respeito de protecionismo e política industrial. Orbán tem praticado há muito tempo um tipo de populismo estatizante que distribui generosos subsídios estatais para grupos que seu partido favorece.

Na França, Marine Le Pen, de extrema direita, subiu nas pesquisas às vésperas das eleições

ULTRAJES. Nos EUA, Carlson gasta pouco tempo com a guerra na Ucrânia, preferindo em vez disso colocar o foco de seu programa num cardápio diário de ultrajes contra políticas lacradoras e a cultura do cancelamento. Republicanos proeminentes, como o governador da Flórida, Ron Desantis, fazem o mesmo. Se você ouvisse a direita americana, você acreditaria que os temas mais prementes do mundo atual são diretorias de escolas que doutrinam crianças com ideias de fluidez de gênero.

É verdade que essas ideias atraem apenas parte do eleitorado – especialmente os eleitores mais velhos, mais rurais e menos educados. Mas já deveria estar claro que esses eleitores são numerosos o suficiente e apaixonados o suficiente para vencer eleições – nos dois lados do Atlântico.

Brasil ignora Mercosul na definição de novas tarifas aduaneiras: é o desmantelamento do bloco - Lorenna Rodrigues (OESP)

 À revelia do Mercosul, Brasil quer novo corte de imposto de importação


Ideia é reduzir em mais 10% a alíquota sobre produtos comprados de países que não fazem parte do bloco comercial; equipe econômica defende redução permanente de tarifas
   
Lorenna Rodrigues, O Estado de S.Paulo
12 de abril de 2022 | 05h00

BRASÍLIA - O governo brasileiro estuda uma nova redução nas taxas de importação cobradas pelo País sem ter o aval do Mercosul. Segundo o Estadão/Broadcast apurou, a ideia é cortar em mais 10% as alíquotas do Imposto de Importação de grande parte dos produtos comercializados com países de fora do bloco.

Em novembro do ano passado, os ministérios da Economia e das Relações Exteriores anunciaram a redução em 10% das alíquotas de 87% da pauta comercial, mantendo de fora bens como automóveis e sucroalcooleiros, que já têm um tratamento diferenciado pelo bloco. Um novo corte do mesmo montante e com as mesmas exceções está em estudo.

Pelas regras do Mercosul, a Tarifa Externa Comum (TEC) cobrada na compra de produtos de fora do bloco só pode ser alterada em comum acordo pelos quatro países do bloco – Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Assim como no ano passado, no entanto, o governo brasileiro deve recorrer a um dispositivo que permite a adoção de medidas voltadas à “proteção da vida e da saúde das pessoas”.

Em novembro, o governo brasileiro afirmou que, com a pandemia do coronavírus, houve alta de preços que poderia ser minimizada com um “choque de importação”. Agora, com os preços aumentando ainda mais, especialmente em meio ao conflito no Leste Europeu, uma nova redução temporária nas tarifas alegando a necessidade de combater a inflação está no radar. A diminuição anunciada no ano passado vale até o fim deste ano.

Ao atingir quase toda a pauta de importação do País, o corte é mais amplo do que o já anunciado pelo Ministério da Economia em março no Imposto de Importação de etanol e de seis produtos com peso na inflação: café, margarina, queijo, macarrão, açúcar e óleo de soja.

Na semana passada, o ministro Paulo Guedes afirmou que uma diminuição na alíquota de 12 produtos com impacto na inflação poderia ser anunciada. Essas reduções pontuais são feitas dentro das normas do Mercosul, que permite que o Brasil reduza tributos sobre a importação de até 100 itens sem ter de negociar com outros países. Já o corte mais abrangente na tarifa externa comum do bloco só pode ser feito com o aval dos outros sócios ou lançando mão de alternativas previstas em lei, como a adotada pelo Brasil para justificar a redução de novembro.

Para o ex-secretário de Comércio Exterior e consultor da BMJ Welber Barral, a medida terá pouco impacto no comércio, já que se trata de uma redução pequena, mas que amplia a diferença entre a tarifa do Brasil e a do Mercosul, o que pode levar inclusive a questionamentos jurídicos sobre a validade da redução. “Acaba distorcendo a tarifa externa comum. Pode haver controvérsia no tribunal do Mercosul e até mesmo a indústria brasileira se sentir afetada pela norma, que não foi acordada no âmbito do bloco”, afirmou.

Procuradas, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) não se manifestaram.

Mudança de foco
Desde que o presidente Jair Bolsonaro assumiu, Guedes tem deixado claro a intenção de cortar a tarifa comum do Mercosul de forma permanente. No início de 2021, ele chegou a dizer a empresários que gostaria de reduzir em 20% a TEC ainda naquele ano.

A tentativa do ministro enfrentou forte resistência dos argentinos – que propunham um corte de 10% –, apesar do apoio inicial do Uruguai. Mas, no decorrer do ano, a situação se inverteu. Os brasileiros conseguiram chegar a um acordo com os argentinos depois de reduzirem o tamanho do corte pretendido e o número de produtos atingidos.

Mas os uruguaios passaram a condicionar o apoio a uma flexibilização de outra regra do Mercosul: a que proíbe a negociação de acordos bilaterais, ou seja, sem a participação de todos os países do bloco. O Brasil é favorável, enquanto a Argentina é contrária à flexibilização da regra.

Tarifa
Como países membros do Mercosul, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai devem cobrar a mesma tarifa na importação de produtos de fora do bloco – a chamada Tarifa Externa Comum (TEC). A alíquota comum é aplicada na maioria das importações, com algumas exceções acordadas com o bloco, como as compras no setor automotivo, brinquedos e bens de informática e capital. A TEC aplicada varia de acordo com o produto importado e é, em média, de cerca de 10%.

Negociações
Desde que assumiu, em 2019, o ministro da Economia, Paulo Guedes, defende uma redução da TEC como forma de abrir o mercado brasileiro e integrar a produção interna a outras cadeias produtivas. Essa redução, no entanto, só pode ser feita de forma permanente com a concordância dos demais  integrantes do Mercosul. A ideia, porém, enfrenta a resistência da Argentina e do Uruguai.

Redução
Sem chegar a um acordo, o Brasil reduziu, sozinho, as tarifas cobradas na importação até o fim deste ano. Um primeiro corte foi anunciado no fim do ano passado, de 10%, para praticamente todas as alíquotas. Para isso, o País recorreu a um dispositivo que permite a adoção de medidas unilaterais voltadas à “proteção da vida e da saúde das pessoas”.

Segundo corte
Um novo corte linear de 10% está em estudo e deve ser anunciado para vigorar também até o fim do ano.

https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,revelia-mercosul-brasil-novo-corte-imposto-importacao,70004036200

Diplomacia ambiental (IRICE) - Rubens Barbosa (OESP)

 Diplomacia ambiental


Trabalho do Irice e de professores da USP oferece informação para que, a partir de 2023, o meio ambiente seja colocado no centro da política externa.
    
Rubens Barbosa, O Estado de S.Paulo
12 de abril de 2022 | 03h00

Professores da Universidade de São Paulo (USP), depois de um intenso trabalho coordenado pelo Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), concluíram um levantamento dos compromissos assumidos pelo Brasil em 18 acordos ambientais e de mudança de clima e o grau de cumprimento pelos sucessivos governos brasileiros desde 1992 até o momento.

Os acordos foram reunidos em quatro grupos: mudanças climáticas (Acordo de Paris, Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio e Protocolo de Montreal); natureza (Comércio e Pesca, Comércio e Biodiversidade e Comércio e Manejo Sustentável e Florestas); químicos (Convenção de Minamata sobre Mercúrio, Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes, Convenção de Roterdã sobre o Procedimento de Consentimento Prévio Informado, PIC, Aplicado a Certos Agrotóxicos e Substâncias Químicas Perigosas Objeto de Comércio Internacional); e resíduos sólidos (Convenção da Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Eliminação).

Este trabalho original é especialmente oportuno, porque o tema do meio ambiente entrou definitivamente na agenda global. Diante das atitudes do atual governo, são crescentes as ameaças de prejuízo ao setor do agronegócio pela possibilidade de boicote de consumidores e pela influência da política ambiental sobre as negociações comerciais. As declarações e algumas políticas oficiais estão acarretando uma rápida deterioração da percepção externa sobre o Brasil. Para esclarecer objetivamente o que está ocorrendo, torna-se importante uma série de ações para permitir que saiamos da atual posição defensiva.

As percepções críticas no exterior têm como foco a Amazônia. Os ilícitos sem efetiva repressão, como as queimadas, o desmatamento e o garimpo, são alvo de condenação no mundo inteiro. Informações recentes sobre autorizações do governo para a exploração de ouro em territórios proibidos, em unidades de conservação e terras indígenas, e sobre a ação de facções criminosas na região mostram o agravamento do problema. As diferenças quanto à gestão do Fundo Amazônico determinaram a suspensão da cooperação internacional com a Alemanha e a Noruega para ajudar no combate desses ilícitos.

Em vista da posição de alguns poucos setores do agronegócio, ainda há acusações de destruição da floresta pela expansão da agricultura e da pecuária na Amazônia. Isso apesar dos esforços da maior parte das empresas do agronegócio pela conservação do meio ambiente, como, por exemplo, no passado, nos compromissos com a soja e a carne, e, mais recentemente, no monitoramento, rastreabilidade e certificação dos produtos agropecuários para indicar o compromisso com a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente.

Desde a Conferência de Estocolmo, em 1972, houve uma proliferação de acordos de gestão de recursos naturais entre países: hoje o meio ambiente já é a segunda área com maior número de acordos internacionais no mundo (atrás apenas de comércio internacional). O acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia inovou, ao incluir capítulo sobre Desenvolvimento Sustentável, com novos compromissos que o Brasil deverá cumprir e que serão verificáveis por nossos parceiros europeus. O descumprimento dos dispositivos do acordo poderá acarretar boicotes e mesmo a restrição de importação de produtos agrícolas nacionais.

A falta de uma completa e independente informação interna dos compromissos internacionais assumidos pelos diferentes governos brasileiros nas últimas décadas agrava a percepção externa crescentemente negativa sobre as atuais políticas ambientais e cria uma incerteza adicional para o setor produtivo, em especial o agronegócio.

Neste contexto, o objetivo do trabalho que consumiu dois anos de pesquisa feita pelos professores da USP é oferecer uma análise isenta do cumprimento dos referidos acordos por meio de um rigoroso processo de exame da legislação (leis, decretos, regulamentos) e de políticas com impacto no meio ambiente e na mudança de clima.

O resultado da pesquisa é único no sentido de que nem o governo nem as organizações não governamentais dispõem de um levantamento tão completo e atualizado de tudo o que o Brasil fez ou deixou de fazer nesta área que hoje se transformou numa questão central para muitos governos, como na União Europeia, nos EUA e, cada vez mais, na China.

Segundo refletido no trabalho, o Brasil não está mal na foto e o levantamento poderá ser um instrumento valioso para o governo e para o setor privado na defesa do interesse nacional e na recuperação da credibilidade perdida. Fica muito claro, contudo, que ainda há muito a ser feito para recolocar o Brasil como um protagonista de fato nas discussões bilaterais e nos fóruns internacionais. O trabalho também oferece informação para que, a partir de 2023, o meio ambiente seja colocado no centro da política externa, para demonstrar o comprometimento do Brasil com a questão ambiental. Os resultados deste levantamento estão publicados no site disponível no portal Interesse Nacional (interessenacional.com.br), que acaba de ser lançado, com artigos, entrevistas e análises sobre o lugar do Brasil no mundo.

*

PRESIDENTE DO IRICE, É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,dinheiro-nao-e-capim-acorda-brasil,70004035810

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Museu do Ipiranga conclui obras de restauro de seu edifício-monumento - Adriana Cruz, Adrielly Kilryann (Jornal da USP)

Museu do Ipiranga conclui obras de restauro de seu edifício-monumento

 Jornal da USP, 08/04/2022

https://jornal.usp.br/institucional/museu-do-ipiranga-conclui-obras-de-restauro-de-seu-edificio-monumento/

Juntamente às obras de restauro e ampliação, acontecem os trabalhos de conservação do acervo  - Foto: Reprodução/Concrejato; José Rosael; Helio Nobre

Museu será reinaugurado em setembro com prédio reformado, o dobro da área construída e 12 exposições com itens de acervo inteiramente restaurados

Autor: Conteúdo Comunicação/Colaboração: Adriana Cruz

Arte: Adrielly Kilryann/Jornal da USP

No final do mês de março, foram concluídas as obras de restauro do edifício-monumento do Museu do Ipiranga. Desde outubro de 2019, o prédio, que foi inaugurado em 1890, tem passado por uma reforma total, com reparos em todos os detalhes da arquitetura, incluindo os 7.600 metros quadrados das fachadas, que, pela primeira vez em sua história, passaram por limpeza, decapagem, recuperação dos ornamentos, aplicação de argamassa, tratamento de trincas e pintura.

Para pintar, foi utilizada uma tinta mineral, desenvolvida especialmente para o museu, que permite a troca de umidade entre o prédio de cal e o ambiente. Um estudo estratigráfico [ramo da geologia que estuda as camadas de rochas] e o processo de decapagem também tornaram possível recuperar a cor original da construção do século 19.

Tetos e paredes do interior receberam tratamento similar. Os elementos de marcenaria, como as 450 portas e janelas, foram catalogados, retirados e restaurados em oficinas no canteiro de obras, e recolocados no mesmo lugar, bem como os 1.900 metros quadrados de assoalho que revestem o piso da edificação. Os pisos de ladrilho hidráulico franco-alemão também passaram por restauro. Com a instalação de elevadores, o edifício-monumento será, enfim, totalmente acessível.

Os elementos de marcenaria, como as 450 portas e janelas, foram catalogados, retirados e restaurados em oficinas no canteiro de obras - Foto: Reprodução/Concrejato; José Rosael; Helio Nobre

Outro quesito essencial no projeto são os métodos para prevenção de incêndios. O sistema de sprinklers adotado é do tipo “pré-ação” com tecnologia que antevê alarmes falsos, evitando disparos acidentais. Já o sistema de detecção de fumaça utiliza a técnica de aspersão (sucção do ar em intervalos fixos) para constante análise, podendo identificar partículas de resíduos queimados que podem prenunciar um incêndio. Os sistemas comuns de detecção de fumaça são acionados apenas em caso de muita fumaça, ou seja, após o incêndio ter tomado certa proporção. Dessa forma, com a técnica de aspersão, garante-se a proteção do prédio por meio de um sistema mais efetivo.

Agora, o prédio caminha para a conclusão de sua última etapa de obras antes de sua reabertura em setembro, para a celebração do bicentenário da Independência do Brasil: a de ampliação. Foi realizada uma escavação em frente ao edifício, que abrigará a nova entrada, bilheteria, auditório para 200 pessoas, espaço educativo, café, loja e sala de exposição temporária. Na esplanada, o assentamento do piso em mosaico português da área central avançou e tem previsão de finalização para este mês de abril. Pela primeira vez na história do museu, a instituição estará apta a receber acervos de outras instituições, inclusive internacionais, graças à instalação de ar-condicionado.

O projeto abarca também o Jardim Francês, localizado em frente ao edifício-monumento. Estimada em R$ 19 milhões e custeada pelo governo do Estado, a proposta prevê a restauração de toda a área construída e de paisagismo, além da reforma do espaço da antiga administração para instalação de um restaurante, criação de infraestrutura para food bikes, restauro e modernização da iluminação pública, requalificação das vias de acesso, contemplando também equipamentos de acessibilidade, e a reativação da fonte central. Até o momento, os 14 delfins e cachepôs que adornam as fontes foram restaurados e reinstalados. Os ornamentos tiveram suas trincas reparadas em laboratório com o mesmo material de origem e já foram religados às mangueiras das novas instalações.

 

“Este projeto é superlativo em todas as suas dimensões, pois envolve a preservação, a restauração e a ampliação de um patrimônio histórico brasileiro do século 19. A conclusão desta primeira fase da obra representa um importante passo para que possamos entregar o Novo Museu do Ipiranga para a população em setembro, neste que é um ano emblemático para a história de nosso país”, destaca o reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior.

Carlos Gilberto Carlotti Junior - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Carlos Gilberto Carlotti Junior - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Rosaria Ono - Foto: Arquivo pessoal

Rosaria Ono - Foto: Arquivo pessoal

“A restauração do edifício-monumento só foi possível graças à equipe multidisciplinar que atua nas obras. O trabalho envolveu desde pesquisa em fotografias e documentos históricos, até estudos e testes in loco, sempre com o acompanhamento de profissionais de restauro e dos órgãos de patrimônio, para que juntos chegássemos - o mais próximo possível - às feições do prédio inaugurado no século 19”, comenta a diretora do Museu Paulista, Rosaria Ono. 

Acervo restaurado e novas exposições

Simultaneamente às obras de restauro e ampliação acontecem os trabalhos de conservação dos itens que estarão expostos na reabertura. São mais de 3 mil objetos do acervo que estão passando ou já passaram por restauração. Dentre eles, encontram-se 122 pinturas e duas maquetes de grande porte. Do número total de peças a serem expostas, 2.800 já tiveram seus restauros finalizados.

 

Todo o acervo artístico do chamado Eixo Monumental, que inclui o Salão Nobre, as escadarias e o saguão do prédio do museu é patrimônio cultural tombado pelos órgãos de preservação - Foto: Reprodução/Helio Nobre

O quadro mais conhecido do acervo do museu – a tela Independência ou Morte, de Pedro Américo – foi um dos primeiros trabalhos a serem restaurados, em 2019. Mas a pesquisa para o restauro do quadro começou ainda em 2017. O restauro foi realizado no Salão Nobre, espaço onde o quadro permaneceu, devido ao seu tamanho. A tela, com dimensões de 415 cm x 760 cm, é maior do que as portas e janelas do salão e foi montada originalmente no local onde está até hoje, sem nunca ter sido retirada. A equipe do museu teve a tarefa de protegê-la dos resíduos do restauro da sala, com um tecido especial que impede a entrada de pó, permitindo que a obra “respire”.

Na inauguração do Novo Museu do Ipiranga, o público terá a oportunidade de visitar 12 exposições – 11 de longa duração e uma mostra temporária. As de longa duração são divididas em dois eixos temáticos: Para entender a sociedade e Para entender o museu. A exposição de curta duração, denominada Memórias da Independência, estará aberta por quatro meses. O tema foi escolhido por estar diretamente relacionado ao ano de reabertura do museu e ao bicentenário da Independência, e trará acervos de outras instituições brasileiras, especialmente do Rio de Janeiro e da Bahia.

Foto: Reprodução/José Rosael

Foto: Reprodução/José Rosal

Foto: Reprodução/Concrejato; José Rosael; Helio Nobre

Foto: Reprodução/Concrejato; José Rosael; Helio Nobre

Foto: Reprodução/Concrejato; José Rosael; Helio Nobre

Foto: Reprodução/Concrejato; José Rosael; Helio Nobre

Foto: Reprodução/Concrejato; José Rosael; Helio Nobre

Foto: Reprodução/Concrejato; José Rosael; Helio Nobre

Foto: Reprodução/Helio Nobre

Foto: Reprodução/Helio Nobre

Foto: Reprodução/Concrejato; José Rosael; Helio Nobre

Foto: Reprodução/Concrejato; José Rosael; Helio Nobre

Foto: Reprodução/José Rosael

Foto: Reprodução/José Rosael

Foto: Reprodução/José Rosael

Foto: Reprodução/José Rosael

Foto: Reprodução/José Rosael

Foto: Reprodução/José Rosael

Foto: Reprodução/José Rosael

Foto: Reprodução/José Rosael

Foto: Reprodução/Concrejato; José Rosael; Helio Nobre

Foto: Reprodução/Concrejato; José Rosael; Helio Nobre

No total, serão expostos 3.058 itens pertencentes ao acervo do museu, 509 itens de outras coleções e 76 reproduções e fac-símiles. A maior parte dos objetos data dos séculos 19 e 20, mas há itens mais antigos, que remontam ao Brasil colonial. São pinturas, esculturas, moedas, documentos textuais, fotografias, objetos em tecido e madeira que foram conservados e preparados para fazer parte do novo projeto expográfico. Outro aspecto importante das novas exposições do museu é a tratativa com a presença de monumentos que homenageiam figuras e situações controversas, como estátuas de bandeirantes e quadros com representações que celebram a destruição de missões e populações indígenas.

Outra das premissas do novo projeto é a acessibilidade. Haverá telas táteis, reproduções em metal, dioramas (maquetes tridimensionais feitas a partir das obras do museu), plantas táteis para localização dos visitantes, dispositivos olfativos, reproduções visuais e táteis (reproduções de imagens com aplicações de texturas para o toque), reproduções 3D e em outros materiais semelhantes aos objetos originais (como pedra e metal), cadernos em braile, amostras de texturas e objetos originais adquiridos especificamente para o manuseio dos visitantes. O processo ainda se completará na programação educativa a ser oferecida, com ações e estratégias de mediação que visam a contemplar distintos perfis de público.

Na esplanada, o assentamento do piso em mosaico português da área central avançou e tem previsão de finalização para este mês de abril - Foto: Reprodução/Helio Nobre

Parceiros e patrocinadores

Fechado desde 2013, o Museu do Ipiranga seguiu em atividade com eventos, cursos, palestras e oficinas em diversos espaços da cidade. As obras de restauro, ampliação e modernização do museu são financiadas via Lei de Incentivo à Cultura e conta com os seguintes parceiros e patrocinadores: BNDES, Fundação Banco do Brasil, Vale, Bradesco, Caterpillar, Comgás, CSN, EDP, EMS, Itaú, Sabesp, Santander, Banco Safra, Honda, Raízen, Postos Ipiranga, Pinheiro Neto Advogados, Atlas Schindler, Novelis, B3, GHT, Nortel, Dimensional, Goldman Sachs, Rede D’Or e Too Seguros. O custo da reforma é estimado em R$ 211 milhões.

A gestão do projeto Novo Museu do Ipiranga é feita de forma compartilhada pelo Comitê Gestor Museu do Ipiranga 2022, pela direção do Museu Paulista e pela Fundação de Apoio à USP (Fusp). Para mais informações sobre o restauro, acesse o site do museu.