Ibn Khaldun: Uma explicação do funcionamento da sociedade humana
Por Beatriz Bissio
Correio do Instituto de Cultura Árabe, ano 5, n. 221, de 30.10 a 5.11.2009
O Magreb do século XIV, que deu ao mundo uma personalidade como o historiador Ibn Khaldun (Túnis, 1332- Cairo, 1406), um dos mais brilhantes exemplos do pensamento islâmico de todas as épocas, não era nem foi nunca o coração dos domínios muçulmanos, e sim uma região periférica. Porém, Ibn Khaldun teve oportunidade de conhecer e morar nos grandes centros de poder, que também eram os polos de efervescência cultural, notadamente o Cairo, sob controle mameluco, onde exerceu a função de cádi (juiz) e lecionou na Universidade de al-Azhar.
No período compreendido entre os séculos XIII e XIV, as fronteiras do mundo muçulmano mudaram substancialmente. Na área oriental, uma dinastia mongol, vinda da Ásia Oriental, conquistou o Irã e o Iraque, e colocou um fim ao califado abássida em Bagdá, em 1258. Convertidos ao Islã, os mongóis foram freados na sua tentativa de marchar para o oeste pelo exército egípcio formado por escravos militares (mamelucos). Oriunda do Cáucaso e da Ásia Central, a elite militar mameluca governou o Egito por mais de dois séculos (1250-1517); também governou a Síria a partir de 1260, e controlou as cidades santas da Península Arábica. Na parte ocidental, o declínio da dinastia almôada deu lugar a vários estados; no Magreb, entre eles, o dos marínidas no Marrocos (1196-1465) e o dos hafsidas, na Tunísia (1228-1574). A maior parte de Al-Andalus, a Península Ibérica muçulmana, de onde provinha a família dos Beni Khaldun, caiu nas mãos dos reinos cristãos do Norte e, em meados do século XIV, do antigo esplendor muçulmano só restava o reino de Granada, no sul.
As guerras e lutas internas que caracterizaram todo o século XIV provocaram a ruína de muitos centros urbanos e o empobrecimento das finanças públicas no mundo islâmico. Mas, no Magreb nesse século se consolida uma identidade cultural, com características singulares dentro do mundo islâmico. Afastado longos anos da sua terra natal, à qual nunca regressou depois de partir num auto-exílio, Ibn Khaldun cultivou até o fim da vida as raízes magrebinas e, sempre que possível, mostrou orgulho em pertencer ao entorno geopolítico e cultural forjado sob a influência de al-Andalus, terra de seus antepassados.
Abdesselam Cheddadi, responsável pela mais recente e completa tradução comentada da obra do sábio muçulmano para o francês, afirma que Ibn Khaldun foi testemunho de uma época de transição, na qual os países muçulmanos trataram de preservar o conhecimento do período clássico nos planos jurídico e religioso, assim como nos domínios científico, artístico e literário. Nesse momento histórico, o Islã estava mais voltado para o passado do que para o futuro.
Quando Ibn Khaldun assume a tarefa de sistematizar todo seu conhecimento e sua experiência em um livro – missão que se impõe durante quatro anos de reclusão em uma fortaleza do interior da Argélia, como destaca na sua autobiografia – ele busca dar uma resposta radical ao desafio vivido pelo Islã: fazia-se necessária uma nova ciência, que fornecesse leis universais capazes de explicar o funcionamento das sociedades humanas. É essa ciência que ele pretende fundar com sua mais importante obra, a Muqaddimah, pela qual passou à posteridade. O esforço não foi em vão: esse livro – na verdade os Prolegómenos a uma História Universal em vários volumes - é considerado há mais de um século uma obra clássica do pensamento histórico, a primeira tentativa conhecida de criar uma ciência das sociedades independente da teologia e da filosofia. Afastando-se da tradição, Ibn Khaldun chegava aos limites possíveis, na época, da independência de pensamento.
Islã: Divisão política, unidade cultural e religiosa
Se o mundo islâmico apresentava no século XIV um cenário convulsionado, com a economia e a política em fase crítica, a instabilidade nesses terrenos não conseguiu destruir a unidade cultural; ao contrário, ela tornava-se mais profunda à medida que novos contingentes humanos se convertiam à fé muçulmana. De fato, a essa altura, seguindo o vale do rio Nilo e a costa oriental africana, a religião islâmica continuava a sua expansão, ao longo das rotas comerciais, levada muitas vezes pelos próprios mercadores e indiferente aos conflitos políticos e militares. O avanço continuou pelo Sahel e pela margem sul do deserto do Saara, chegando ao coração da África.
Ibn Khaldun não observa a conflitiva situação do Magreb e do mundo islâmico com a perspectiva de um progresso linear, mas no contexto de uma evolução cíclica: uma fase negativa que põe fim a um ciclo do poder será seguida necessariamente de uma fase positiva, de reconstrução. Assim, o século XIV se apresentaria como um período de espera de um novo ciclo da civilização (umram) sob a égide de um novo povo – que ele identifica, perto do fim da sua vida, com os turcos. É alicerçado nessa concepção da história que Ibn Khaldun, apesar das dificuldades e desafios desse momento – incluindo os horrores da devastadora peste negra, que vitimou seus pais e seus primeiros mestres e dizimou a população do mundo árabe-islâmico tanto quanto a da Cristandade - não desenvolve uma visão pessimista. Na verdade, ele acredita que a ordem humana, uma vez atingida a maturidade, é essencialmente estável, quase imutável. E, na sua avaliação, essa maturidade tinha sido atingida pela civilização islâmica.
Esta é uma versão editada do artigo. Para ler o texto completo, clique aqui.
Beatriz Bissio é jornalista, socióloga e Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense. Foi fundadora e diretora da revista “Cadernos do Terceiro Mundo”.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
sábado, 31 de outubro de 2009
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
1460) Concurso para o Itamaraty: 108 vagas
108 vagas para diplomatas
Leticia Nobre
Correio Braziliense, 30/10/09
Seleção será feita em quatro etapas. O salário pode chegar a R$ 17 mil
O Instituto Rio Branco divulgou as normas que vão nortear o concurso para diplomatas do próximo ano. Serão oferecidas 108 vagas, três a mais do que as previstas no edital de 2009. A seleção será feita em quatro fases e as disciplinas cobradas não foram alteradas.
Na primeira etapa, os aspirantes a diplomatas respondem a 80 questões objetivas de português, história do Brasil, história mundial, geografia, política internacional, inglês, noções de economia, noções de direito e de direito internacional público. Na fase seguinte, os 300 mais bem classificados terão cinco horas para redigir uma redação de 600 a 650 palavras e dois exercícios de interpretação, de análise ou de comentário de textos baseados na bibliografia indicada para prova de português.
Cada disciplina abordada na prova objetiva — exceto história mundial — voltará a ser avaliada em questões discursivas. São seis dias de provas com duração de quatro horas cada. Nesse prazo devem ser resolvidas seis questões com valor total de 100 pontos. Os exames de inglês e francês, quarta e última fase, são classificatórios e somente os candidatos com, no mínimo, 360 pontos na etapa anterior, serão convocados.
O cargo exige graduação em qualquer área de formação e amplo conhecimento em assuntos gerais. Os aprovados ingressam na carreira como terceiros secretários e se matriculam no curso de formação que começa cerca de 30 dias depois do término do processo seletivo e tem duração de mais ou menos 20 semanas. A remuneração dos diplomatas é em parcela única (sem desagregação entre vencimento e gratificações), chamada de subsídio, cujo valor inicial é de R$ 12.413,03. Ao longo da carreira essa quantia pode chegar a R$ 17.347.
Último concurso
As datas do concurso serão divulgadas em breve, sendo que o Cespe foi responsável pelas duas últimas seleções. Na deste ano, a taxa de participação cobrada foi de R$ 110. As inscrições ocorreram entre janeiro e fevereiro e a primeira fase das provas foi aplicada em março em Brasília, Belém, Belo Horizonte, Campo Grande, Cuiabá, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Luís, São Paulo e Vitória. Os aprovados foram nomeados em 11 de agosto.
» Leia íntegra do edital do último concurso
Leticia Nobre
Correio Braziliense, 30/10/09
Seleção será feita em quatro etapas. O salário pode chegar a R$ 17 mil
O Instituto Rio Branco divulgou as normas que vão nortear o concurso para diplomatas do próximo ano. Serão oferecidas 108 vagas, três a mais do que as previstas no edital de 2009. A seleção será feita em quatro fases e as disciplinas cobradas não foram alteradas.
Na primeira etapa, os aspirantes a diplomatas respondem a 80 questões objetivas de português, história do Brasil, história mundial, geografia, política internacional, inglês, noções de economia, noções de direito e de direito internacional público. Na fase seguinte, os 300 mais bem classificados terão cinco horas para redigir uma redação de 600 a 650 palavras e dois exercícios de interpretação, de análise ou de comentário de textos baseados na bibliografia indicada para prova de português.
Cada disciplina abordada na prova objetiva — exceto história mundial — voltará a ser avaliada em questões discursivas. São seis dias de provas com duração de quatro horas cada. Nesse prazo devem ser resolvidas seis questões com valor total de 100 pontos. Os exames de inglês e francês, quarta e última fase, são classificatórios e somente os candidatos com, no mínimo, 360 pontos na etapa anterior, serão convocados.
O cargo exige graduação em qualquer área de formação e amplo conhecimento em assuntos gerais. Os aprovados ingressam na carreira como terceiros secretários e se matriculam no curso de formação que começa cerca de 30 dias depois do término do processo seletivo e tem duração de mais ou menos 20 semanas. A remuneração dos diplomatas é em parcela única (sem desagregação entre vencimento e gratificações), chamada de subsídio, cujo valor inicial é de R$ 12.413,03. Ao longo da carreira essa quantia pode chegar a R$ 17.347.
Último concurso
As datas do concurso serão divulgadas em breve, sendo que o Cespe foi responsável pelas duas últimas seleções. Na deste ano, a taxa de participação cobrada foi de R$ 110. As inscrições ocorreram entre janeiro e fevereiro e a primeira fase das provas foi aplicada em março em Brasília, Belém, Belo Horizonte, Campo Grande, Cuiabá, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Luís, São Paulo e Vitória. Os aprovados foram nomeados em 11 de agosto.
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1459) Livro sobre a Queda do Muro de Berlim: dia 9 em FLorianopolis

No dia 9/11/2009, ocorrerá, na Livraria Livros & Livros, no centro de Florianopolis, o lançamento do livro organizado pelos professores
Nilzo Ivo Ladwig e Rogério Santos da Costa
Vinte anos após a queda do muro de Berlim: um debate interdisciplinar
(Palhoça-SC: Editora da Unisul, 2009; ISBN: 978-85-86870-910).
sobre os 20 anos da derrubada do muro de Berlim, do qual participo com um capitulo:
O Brasil e as relações internacionais no pós-Guerra Fria
Dia 9 é o exato dia da derrubada ou da "abertura" do muro em Berlim.
1458) Ricupero sobre Venezuela no Mercosul: "É UM LAMENTÁVEL FATO CONSUMADO"!
A questão comercial era o unico ponto passível de ser considerado no ingresso da Venezuela no Mercosul. A questão da democracia era algo inaplicável no caso do Tratado de Assunção e mesmo do Protocolo de Ushuaia. Creio que eu já tratei deste tema num dos posts anteriores, que reproduzo aqui abaixo, logo depois do artigo do Embaixador Ricupero.
Creio que estamos transformando o Mercosul num organismo político, o que é, a todos os títulos, lamentável.
-------------
Paulo Roberto de Almeida
VENEZUELA NO MERCOSUL: "É UM LAMENTÁVEL FATO CONSUMADO"!
Rubens Ricupero
O Estado de S. Paulo, 30/10/2009
O ingresso da Venezuela no Mercosul é um lamentável fato consumado. Um fato mal conduzido desde suas origens. Ele não deveria ter sido tratado como um caso político, mas sim como um caso de integração comercial, da mesma forma que acontece na Organização Mundial de Comércio (OMC), nos acordos de livre comércio e nas uniões aduaneiras. Em todos esses lugares, antes que o país ingresse é preciso completar as negociações das concessões tarifárias - o que não ocorreu aqui.
Para se ter uma ideia do que estou dizendo, vale recordar que a China demorou 12 anos para concluir o processo de negociações na OMC. O caso da Rússia é muito mais dramático: ela ainda não concluiu as negociações, que já duram 19 anos.
Em qualquer organismo baseado na ideia de concessões comerciais o país interessado em ingressar precisa pagar um preço - e o preço estabelecido é a redução de suas barreiras. São negociações extremamente difíceis, que envolvem, além dos tratados coletivos, acertos bilaterais, com cada um dos membros. No caso da OMC eles chegam a 130.
Quando se trata de uma união aduaneira, como o Mercosul, o processo fica ainda mais complicado. Enquanto num acordo de livre comércio, como o Nafta, que reúne Estados Unidos, México e Canadá, os acordos envolvem o fim das restrições entre eles, no caso da união aduaneira abrangem também as relações comerciais com o resto do mundo - o que significa que nenhum integrante da união pode negociar sozinho acordos bilaterais. O Brasil não pode oferecer aos Estados Unidos a redução de barreiras para determinado produto eletrônico, porque isso violaria seus compromissos no Mercosul.
No caso da Venezuela, o carro foi colocado na frente dos bois. O país assinou um instrumento de adesão antes das negociações de redução tarifária. É algo inédito. Não conheço nada parecido em nenhum acordo comercial.
O extraordinário é que nem o governo nem a oposição souberam debater esse problema fundamental. Os outros temas envolvidos, como democracia e direitos humanos, são importantes, mas não têm a ver diretamente com o Mercosul, que não pretende ser uma união política, como a União Europeia. O Mercosul é uma união aduaneira.
O governo brasileiro não agiu dessa maneira por desconhecimento. O ministro Celso Amorim foi embaixador em Genebra e conhece perfeitamente as regras. Pode-se argumentar que foram razões políticas que levaram a esse desfecho. Essas mesmas razões mostram, no entanto, que aqueles que agem dessa forma estão, no fundo, comprometendo o Mercosul, estão mostrando que eles mesmos não levam a sério o caráter de integração comercial proposto.
Esse debate não é ideológico nem político. Estamos falando de uma questão pragmática. O governo brasileiro cometeu um grave erro.
=============
Paulo Roberto de Almeida sobre o ingresso da Venezuela no Mercosul:
O Mercosul possui poucas regras, dotadas de alguma ambiguidade, sobre a adesão ou aceitação de novos membros. O assunto está regulado no Tratado de Assunção e em algumas poucas decisões do Conselho de Mercosul, todas elas requerendo a aceitação plena de seus principais instrumentos e mecanismos constitutivos para que o ingresso de um novo membro se concretize.
O que diz o Tratado de Assunção sobre a adesão de novos membros? O capítulo IV, em seu artigo 20, relativo à adesão é muito simples:
“O presente Tratado estará aberto á adesão, mediante negociação, dos demais países membros da Associação Latino-Americana de Integração, cujas solicitações poderão ser examinadas pelos Estados Partes depois de cinco anos de vigência deste Tratado. Não obstante, poderão ser consideradas antes do referido prazo as solicitações apresentadas por países membros da Associação Latino-Americana de Integração que não façam parte de esquemas de integração subregional ou de uma associação extra-regional. A aprovação das solicitações será objeto de decisão unânime dos Estados Partes.”
Algumas decisões do Conselho condicionam esse ingresso à aceitação de todos os instrumentos constitutivos do Mercosul – inclusive do Protocolo de Ushuaia, relativo à cláusula democrática no Mercosul – e suas principais normas de liberalização e de ordenamento comercial, entre elas a Tarifa Externa Comum, que constitui o dispositivo essencial de uma união aduaneira, o que o Mercosul pretende ser.
As regras são algo vagas, mas existem, e a Venezuela, ou qualquer outro candidato ao ingresso no bloco, deveria fazer o seu dever de casa, antes de poder ingressar no Mercosul.
Uma simples observação da realidade, com base em fatos objetivos e em declarações do próprio presidente da Veneuzeula, Hugo Chávez, confirma que a Venezuela não se encontra preparada, nem está sendo preparada, para ingressar no Mercosul, com base unicamente nos dispositivos de caráter econômico-comercial e não necessariamente aplicando o Protocolo de Ushuaia sobre vigência da democracia, que na verdade se aplica apenas às rupturas democráticas – ou seja, golpe de Estado e eventos do gênero – não a derrocadas plebiscitárias do regime democrático no país.
O presidente Chávez declarou publicamente, no momento em que decidia incorporar a Venezuela ao bloco, que achava este muito conservador ou liberal, e que pretendia transformá-lo em algo mais próximo de seus ideais, que como sobejamente conhecido é algo chamado “socialismo do século 21”. Em todo caso, ele não parece comprometido a cumprir os requisitos da liberalização comercial dentro do bloco e o da aceitação da TEC para fora do bloco, o que inviabiliza, ipso facto, o ingresso pleno da Venezuela no Mercosul.
Indo direto ao ponto, se pode dizer que o ingresso da Venezuela, nessas condições – de não cumprimento efetivo de clausulas fundamentais constantes de seus instrumentos constitutivos – pode fragilizar a arquitetura institucional do Mercosul, fazê-lo perder credibilidade política – do ponto do respeito a regras de caráter legal – e inviabilizar o seu funcionamento futuro enquanto união aduaneira e projeto de mercado comum.
É óbvio que um mercado comum, ou mesmo uma simples união aduaneira, requer a plena liberalização interna dos fluxos comerciais de bens e serviços e a aceitação, para fins externos, das regras de política comercial acordadas pelo bloco, das quais a TEC é a mais importante. Se a Venezuela não cumpre esses requisitos mínimos parece evidente que seu ingresso no Mercosul só pode ser feito em detrimento de sua estrutura jurídica, seus compromissos políticos e de sua respeitabilidade internacional.
Em uma palavra: ou a Venezuela aceita o Mercosul como ele é, e cumpre suas normas, ou o Mercosul deixará de funcionar como um bloco homogêneo como pretende ser. O que está em causa, portanto, é a própria sobrevivência do Mercosul.
Creio que estamos transformando o Mercosul num organismo político, o que é, a todos os títulos, lamentável.
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Paulo Roberto de Almeida
VENEZUELA NO MERCOSUL: "É UM LAMENTÁVEL FATO CONSUMADO"!
Rubens Ricupero
O Estado de S. Paulo, 30/10/2009
O ingresso da Venezuela no Mercosul é um lamentável fato consumado. Um fato mal conduzido desde suas origens. Ele não deveria ter sido tratado como um caso político, mas sim como um caso de integração comercial, da mesma forma que acontece na Organização Mundial de Comércio (OMC), nos acordos de livre comércio e nas uniões aduaneiras. Em todos esses lugares, antes que o país ingresse é preciso completar as negociações das concessões tarifárias - o que não ocorreu aqui.
Para se ter uma ideia do que estou dizendo, vale recordar que a China demorou 12 anos para concluir o processo de negociações na OMC. O caso da Rússia é muito mais dramático: ela ainda não concluiu as negociações, que já duram 19 anos.
Em qualquer organismo baseado na ideia de concessões comerciais o país interessado em ingressar precisa pagar um preço - e o preço estabelecido é a redução de suas barreiras. São negociações extremamente difíceis, que envolvem, além dos tratados coletivos, acertos bilaterais, com cada um dos membros. No caso da OMC eles chegam a 130.
Quando se trata de uma união aduaneira, como o Mercosul, o processo fica ainda mais complicado. Enquanto num acordo de livre comércio, como o Nafta, que reúne Estados Unidos, México e Canadá, os acordos envolvem o fim das restrições entre eles, no caso da união aduaneira abrangem também as relações comerciais com o resto do mundo - o que significa que nenhum integrante da união pode negociar sozinho acordos bilaterais. O Brasil não pode oferecer aos Estados Unidos a redução de barreiras para determinado produto eletrônico, porque isso violaria seus compromissos no Mercosul.
No caso da Venezuela, o carro foi colocado na frente dos bois. O país assinou um instrumento de adesão antes das negociações de redução tarifária. É algo inédito. Não conheço nada parecido em nenhum acordo comercial.
O extraordinário é que nem o governo nem a oposição souberam debater esse problema fundamental. Os outros temas envolvidos, como democracia e direitos humanos, são importantes, mas não têm a ver diretamente com o Mercosul, que não pretende ser uma união política, como a União Europeia. O Mercosul é uma união aduaneira.
O governo brasileiro não agiu dessa maneira por desconhecimento. O ministro Celso Amorim foi embaixador em Genebra e conhece perfeitamente as regras. Pode-se argumentar que foram razões políticas que levaram a esse desfecho. Essas mesmas razões mostram, no entanto, que aqueles que agem dessa forma estão, no fundo, comprometendo o Mercosul, estão mostrando que eles mesmos não levam a sério o caráter de integração comercial proposto.
Esse debate não é ideológico nem político. Estamos falando de uma questão pragmática. O governo brasileiro cometeu um grave erro.
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Paulo Roberto de Almeida sobre o ingresso da Venezuela no Mercosul:
O Mercosul possui poucas regras, dotadas de alguma ambiguidade, sobre a adesão ou aceitação de novos membros. O assunto está regulado no Tratado de Assunção e em algumas poucas decisões do Conselho de Mercosul, todas elas requerendo a aceitação plena de seus principais instrumentos e mecanismos constitutivos para que o ingresso de um novo membro se concretize.
O que diz o Tratado de Assunção sobre a adesão de novos membros? O capítulo IV, em seu artigo 20, relativo à adesão é muito simples:
“O presente Tratado estará aberto á adesão, mediante negociação, dos demais países membros da Associação Latino-Americana de Integração, cujas solicitações poderão ser examinadas pelos Estados Partes depois de cinco anos de vigência deste Tratado. Não obstante, poderão ser consideradas antes do referido prazo as solicitações apresentadas por países membros da Associação Latino-Americana de Integração que não façam parte de esquemas de integração subregional ou de uma associação extra-regional. A aprovação das solicitações será objeto de decisão unânime dos Estados Partes.”
Algumas decisões do Conselho condicionam esse ingresso à aceitação de todos os instrumentos constitutivos do Mercosul – inclusive do Protocolo de Ushuaia, relativo à cláusula democrática no Mercosul – e suas principais normas de liberalização e de ordenamento comercial, entre elas a Tarifa Externa Comum, que constitui o dispositivo essencial de uma união aduaneira, o que o Mercosul pretende ser.
As regras são algo vagas, mas existem, e a Venezuela, ou qualquer outro candidato ao ingresso no bloco, deveria fazer o seu dever de casa, antes de poder ingressar no Mercosul.
Uma simples observação da realidade, com base em fatos objetivos e em declarações do próprio presidente da Veneuzeula, Hugo Chávez, confirma que a Venezuela não se encontra preparada, nem está sendo preparada, para ingressar no Mercosul, com base unicamente nos dispositivos de caráter econômico-comercial e não necessariamente aplicando o Protocolo de Ushuaia sobre vigência da democracia, que na verdade se aplica apenas às rupturas democráticas – ou seja, golpe de Estado e eventos do gênero – não a derrocadas plebiscitárias do regime democrático no país.
O presidente Chávez declarou publicamente, no momento em que decidia incorporar a Venezuela ao bloco, que achava este muito conservador ou liberal, e que pretendia transformá-lo em algo mais próximo de seus ideais, que como sobejamente conhecido é algo chamado “socialismo do século 21”. Em todo caso, ele não parece comprometido a cumprir os requisitos da liberalização comercial dentro do bloco e o da aceitação da TEC para fora do bloco, o que inviabiliza, ipso facto, o ingresso pleno da Venezuela no Mercosul.
Indo direto ao ponto, se pode dizer que o ingresso da Venezuela, nessas condições – de não cumprimento efetivo de clausulas fundamentais constantes de seus instrumentos constitutivos – pode fragilizar a arquitetura institucional do Mercosul, fazê-lo perder credibilidade política – do ponto do respeito a regras de caráter legal – e inviabilizar o seu funcionamento futuro enquanto união aduaneira e projeto de mercado comum.
É óbvio que um mercado comum, ou mesmo uma simples união aduaneira, requer a plena liberalização interna dos fluxos comerciais de bens e serviços e a aceitação, para fins externos, das regras de política comercial acordadas pelo bloco, das quais a TEC é a mais importante. Se a Venezuela não cumpre esses requisitos mínimos parece evidente que seu ingresso no Mercosul só pode ser feito em detrimento de sua estrutura jurídica, seus compromissos políticos e de sua respeitabilidade internacional.
Em uma palavra: ou a Venezuela aceita o Mercosul como ele é, e cumpre suas normas, ou o Mercosul deixará de funcionar como um bloco homogêneo como pretende ser. O que está em causa, portanto, é a própria sobrevivência do Mercosul.
1457) Um ajudante de Hitler confirma as ordens para o Holocausto
Essa escória humana foi fiel até a morte ao seu adorado líder e às suas idéias...
Memoirs of Hitler aide could finally end Holocaust claims
By Allan Hall in Berlin
Daily Telegraph, 30 Oct 2009
The memoirs of the last SS adjutant to Adolf Hitler are to be published in a move historians say could cast away the last shred of doubt over his personal involvement in the Holocaust.
Adolf Hitler with Fritz Darges Photo: WALTER FRENZ
Fritz Darges died at the weekend aged 96 with instructions for his manuscript about his time spent at the side of the Führer to be published once he was gone.
Darges was the last surviving member of Hitler's inner circle and was present for all major conferences, social engagements and policy announcements for four years of the war.
Experts say his account of his time as Hitler's direct link to the SS could discount the claims of revisionists who have tried to claim the German leader knew nothing of the extermination programme. Right-wing historians have claimed the planing for the murder of six million Jews was carried out by SS chief Heinrich Himmler.
Mainstream historians believe it inconceivable that Hitler did not issue verbal directives about the mass killings in Darges' presence. Other courtiers, such as armaments minister Albert Speer and propaganda chief Josef Goebbels, had their diaries published post war with no reference to hearing Hitler ordering the "Final Solution".
Darges died on Saturday still believing in the man who engineered the Jewish Holocaust as "the greatest who ever lived." His memoirs will be published now in accordance with his will.
Darges trained as an export clerk but joined the SS in April 1933. His zeal for National Socialism soon earmarked him for great things and by 1936 he was the senior adjutant to Martin Bormann, Hitler's all-powerful secretary.
"I first met the Führer at the Nuremberg party rally in 1934," he said in an interview given to a German newspaper shortly before his death at his home in Celle. "He had a sympathetic look, he was warm-hearted. I rated him from the off."
After serving in the SS panzer division Wiking in France and Russia he was promoted on to the Führer's personal staff in 1940. He rose to the rank of Lt. Col. and was awarded the Knights Cross, the highest gallantry award for bravery in the field.
Much of his time after 1942 was either spent at Hitler's eastern headquarters the 'Wolf's Lair' at Rastenburg, East Prussia, or at his holiday home, the Berghof, on a mountain in Berchtesgaden, Bavaria.
"It was a very familial atmosphere at the Berghof," he recalled. "One time we went off to Italy together with Eva Braun and her sister Gretel in an open-topped car.
"I had to organise all the finances. I had the feeling that Eva's sister was interested in me but I didn't think I should become the brother-in-law of the Fuehrer.
"As adjutant I was responsible for his day-to-day programme. I must, and was, always there for him, at every conference, at every inter-service liaison meeting, at all war conferences.
"I must say I found him a genius."
But Darges misjudged the "warm-hearted" Führer deeply during one conference at Rastenburg on July 18 1944 – two days before a bomb plot nearly succeeded in killing him.
During a strategy conference a fly began buzzing around the room, landing on Hitler's shoulder and on the surface of a map several times.
Irritated, Hitler ordered Darges to "dispatch the nuisance". Darges suggested whimsically that, as it was an "airborne pest" the job should go to the Luftwaffe adjutant, Nicolaus von Below.
Enraged, Hitler dismissed Darges on the spot. "You're for the eastern front!" he yelled. And so he was sent into combat.
But despite the dramatic end to his time with Hitler, he would still hear nothing against "the boss."
"We all dreamed of a greater German empire," he said. "That is why I served him and would do it all again now," said the man who had a career after the war selling cars.
Memoirs of Hitler aide could finally end Holocaust claims
By Allan Hall in Berlin
Daily Telegraph, 30 Oct 2009
The memoirs of the last SS adjutant to Adolf Hitler are to be published in a move historians say could cast away the last shred of doubt over his personal involvement in the Holocaust.
Adolf Hitler with Fritz Darges Photo: WALTER FRENZ
Fritz Darges died at the weekend aged 96 with instructions for his manuscript about his time spent at the side of the Führer to be published once he was gone.
Darges was the last surviving member of Hitler's inner circle and was present for all major conferences, social engagements and policy announcements for four years of the war.
Experts say his account of his time as Hitler's direct link to the SS could discount the claims of revisionists who have tried to claim the German leader knew nothing of the extermination programme. Right-wing historians have claimed the planing for the murder of six million Jews was carried out by SS chief Heinrich Himmler.
Mainstream historians believe it inconceivable that Hitler did not issue verbal directives about the mass killings in Darges' presence. Other courtiers, such as armaments minister Albert Speer and propaganda chief Josef Goebbels, had their diaries published post war with no reference to hearing Hitler ordering the "Final Solution".
Darges died on Saturday still believing in the man who engineered the Jewish Holocaust as "the greatest who ever lived." His memoirs will be published now in accordance with his will.
Darges trained as an export clerk but joined the SS in April 1933. His zeal for National Socialism soon earmarked him for great things and by 1936 he was the senior adjutant to Martin Bormann, Hitler's all-powerful secretary.
"I first met the Führer at the Nuremberg party rally in 1934," he said in an interview given to a German newspaper shortly before his death at his home in Celle. "He had a sympathetic look, he was warm-hearted. I rated him from the off."
After serving in the SS panzer division Wiking in France and Russia he was promoted on to the Führer's personal staff in 1940. He rose to the rank of Lt. Col. and was awarded the Knights Cross, the highest gallantry award for bravery in the field.
Much of his time after 1942 was either spent at Hitler's eastern headquarters the 'Wolf's Lair' at Rastenburg, East Prussia, or at his holiday home, the Berghof, on a mountain in Berchtesgaden, Bavaria.
"It was a very familial atmosphere at the Berghof," he recalled. "One time we went off to Italy together with Eva Braun and her sister Gretel in an open-topped car.
"I had to organise all the finances. I had the feeling that Eva's sister was interested in me but I didn't think I should become the brother-in-law of the Fuehrer.
"As adjutant I was responsible for his day-to-day programme. I must, and was, always there for him, at every conference, at every inter-service liaison meeting, at all war conferences.
"I must say I found him a genius."
But Darges misjudged the "warm-hearted" Führer deeply during one conference at Rastenburg on July 18 1944 – two days before a bomb plot nearly succeeded in killing him.
During a strategy conference a fly began buzzing around the room, landing on Hitler's shoulder and on the surface of a map several times.
Irritated, Hitler ordered Darges to "dispatch the nuisance". Darges suggested whimsically that, as it was an "airborne pest" the job should go to the Luftwaffe adjutant, Nicolaus von Below.
Enraged, Hitler dismissed Darges on the spot. "You're for the eastern front!" he yelled. And so he was sent into combat.
But despite the dramatic end to his time with Hitler, he would still hear nothing against "the boss."
"We all dreamed of a greater German empire," he said. "That is why I served him and would do it all again now," said the man who had a career after the war selling cars.
1456) Arquivos liberados sobre a queda do muro de Berlim
National Security Archive Digest
22 Oct 2009 to 29 Oct 2009 (#2009-47)
George Washington University to Commemorate Fall of Berlin Wall and Collapse of Eastern Bloc
A Different October Revolution: Dismantling the Iron Curtain in Eastern Europe
From: National Security Archive
22 Oct 2009 to 29 Oct 2009 (#2009-47)
George Washington University to Commemorate Fall of Berlin Wall and Collapse of Eastern Bloc
A Different October Revolution: Dismantling the Iron Curtain in Eastern Europe
From: National Security Archive
1455) Relações entre União Européia-Brasil, Rodada de Doha, PAC e Grupo de Cairns
Como no caso do post precedente, estas respostas minhas foram fornecidas a um estudante, mais precisamente uma pesquisadora de pós-graduação, e permaneceram inéditas até o momento. Talvez interesse a alguns os temas tratados. Eis a ficha do trabalho:
1911. “Questionário de Investigação sobre as Relações entre União Européia-Brasil, Rodada de Doha, PAC e Grupo de Cairns”, Niterói, 17 julho 2008, 3 p. Respostas a questões colocadas por pesquisadora, para Master em European Studies da Universidade de Siena, Montpellier e Coimbra.
Questionário de Investigação sobre as Relações entre União Européia - Brasil
Rodada Doha, PAC e Grupo de Cairns
Data e local: 17 de julho de 2008, Niterói, RJ
Nome do entrevistado: Paulo Roberto de Almeida (PRA)
Instituição para qual trabalha: Ministério das Relações Exteriores
Cargo /posição profissional: Ministro da carreira diplomática, professor universitário.
1. As relações comerciais entre a União Européia e o Brasil podem ser entendidas como uma reação do Brasil ao poderio negociador dos Estados Unidos e da ALCA a fim de obter mais poder de barganha nas rodadas de liberalização do comércio internacional? Se sim, como a União Europeia percebe isso? Se não, por quê?
PRA: As relações comerciais entre a UE e o Brasil têm uma longa história atrás de si, uma vez que elas são tradicionais no quadro do relacionamento bilateral entre o Brasil e cada um dos integrantes do esquema de integração europeu, precedendo de muito qualquer arranjo formal de caráter institucional (pois que remontando à própria formação histórica do Estado brasileiro e suas relações comerciais, desde sempre majoritariamente voltadas para a Europa ocidental). No plano histórico mais recente, deve-se registrar que essas relações comerciais precedem, seguem e acompanham quaisquer projetos dos EUA para a negociação de acordos comerciais específicos ao hemisfério americano (em especial a “Iniciativa para as Américas”, de 1990, proposta por George Bush, pai, assim como a Alca, iniciativa de 1994, do presidente Clinton), posto que desde o surgimento do Mercosul, em 1991, a então CE já propunha a intensificação das relações entre os dois blocos, primeiro sob a forma de um acordo de cooperação técnica (1991), firmado entre a Comissão Européia e os países do Mercosul (em sua fase de transição), depois desdobrando essa iniciativa no Protocolo de Madrid (1995), já prevendo a assinatura de um acordo de liberalização comercial e de intensificação das relações entre as duas partes.
Deve-se, portanto, reconhecer que, desde o início (e com inteira concordância do Brasil), a UE buscou intensificar suas relações com o Mercosul, independentemente de qualquer oferta, arranjo ou iniciativa dos EUA, em relação seja ao Mercosul, como bloco, seja em direção de cada um dos países membros do esquema sul-americano. Mas, deve-se reconhecer que a UE, como seria natural em situações de concorrência intensa pela busca de mercados e de oportunidades de negócios para suas empresas, preocupou-se em não permitir o acesso exclusivo dos EUA à possível ampliação dos fluxos de comércio e de investimentos aos países membros do Mercosul em decorrência de eventual acordo preferencial que fosse negociado e concluído entre estes países e os EUA (dentre os quais o Brasil se destaca naturalmente).
O Brasil igualmente – e isto vem praticamente desde a primeira conferência americana de Washington, em 1889-1890 – sempre se preocupou em equilibrar suas relações comerciais com seus parceiros mais importantes, barganhando as melhores vantagens possíveis tanto do lado europeu, tradicional em suas relações econômicas externas, como do lado americano, muito relevante desde o final do século XIX e extremamente importante no que se refere ao acesso de determinados produtos aos mercados consumidores. Cabe, com efeito, registrar igualmente, que o mercado europeu encontra-se concentrado mais nas commodities oferecidas pelo Brasil do que em produtos de maior valor agregado (manufaturados), que comparece de modo mais intenso nas relações comerciais entre o Brasil e os EUA.
O que a UE percebe, pragmaticamente, é que ela não pode deixar os EUA dominarem os mercados dos países da América do Sul de modo tão amplo quanto os EUA já dominam os fluxos com os países da América Central e Caribe, posto que os sul-americanos apresentam enormes oportunidades de intercâmbio e investimentos para as suas empresas. O Brasil e o Mercosul, tanto quanto a UE, percebem esse lado “compensatório” e tentam exercer o seu potencial de barganha, tanto quanto é possível nesse tipo de relacionamento complexo.
2. Quanto Portugal contribuiu e continua contribuindo política e economicamente para ser o promotor da parceria entre o Brasil e a União Européia?
PRA: Por afinidades históricas patentemente reconhecidas por ambas as partes, Portugal e Brasil mantêm um relacionamento muito estreito no que se refere à intensificação possível das relações políticas e econômicas entre este último e a UE. Cabe, no entanto, não exagerar nesse papel, uma vez que a UE é uma construção política e institucional extremamente complexa, dotada de “ferramentas” próprias para negociações econômicas externas – concedidas pelos países membros à Comissão Européia –, com muitos interesses nacionais projetados sobre as instâncias negociadoras de Bruxelas, interesses que são, no conjunto e individualmente superiores ao poder político e econômico do pequeno Portugal. Países como Alemanha, França, Itália e Reino Unido apresentam interesses econômicos tão importantes, ou até mais, no Brasil, do que Portugal, e parecem dispor de condições ainda mais fortes do que Portugal para fazer valer esses interesses na determinação das políticas (comerciais e outras) que serão seguidas pela UE em relação ao Brasil e ao Mercosul. Mas, pode-se dizer que Portugal de fato exerce um papel “patrocinador” dos interesses brasileiros (que são também os de seus nacionais e investidores residentes no Brasil e aqui dispondo de interesses concretos a defender) junto às instâncias comunitárias. O status de “parceiro estratégico” concedido ao Brasil pela UE certamente tem a ver com esse papel.
3. Quanto você acredita que o Brasil esteja disposto a ceder na área de serviços e quanto a União Européia esteja disposta a ceder na área agrícola para o êxito da Rodada de Doha?
PRA: Observando realisticamente o desenvolvimento das negociações comerciais, tanto no plano multilateral (Rodada Doha), quanto no plano birregional (Mercosul-UE) ao longo de mais de uma década de desenvolvimentos sempre frustrantes (desde 1995, praticamente), acredito que, tanto do lado brasileiro quanto do lado europeu, as possibilidades de concessões reais nos terrenos agrícola (do lado europeu) e industrial e de serviços (do lado brasileiro e do Mercosul) são muito modestas, para dizer o mínimo. Nenhum lado parece querer oferecer acesso efetivo aos seus mercados, que parece terem sido colocados num patamar de extrema sensibilidade recíproca, o que é efetivamente uma pena, tendo em vista que esse protecionismo só prejudica os interesses de seus respectivos consumidores.
Ambas partes, como é visível e patente, cedem continuamente aos lobbies setoriais e continuam a manter esses setores sob estrita proteção comercial e fechamento regulatório, concorrendo assim para um possível fracasso (ou resultado extremamente modesto) na Rodada Doha. Minha visão do processo não é muito otimista, uma vez que não vejo nenhuma das partes conduzindo as negociações, nos planos multilateral e bilateral, para a abertura efetiva dos respectivos mercados. Como em muitos outros exercícios negociadores, oportunidades serão perdidas de expandir comércio e abrir novas oportunidades de investimento uma vez que os negociadores políticos não parecem exibir a coragem de resistir aos impulsos e pressões protecionistas vindos de seus setores menos competitivos em escala econômica interna.
Assim, as concessões, se houver alguma, serão mínimas e estritamente condicionadas à necessidade de um acordo restrito no plano multilateral e eventualmente birregional.
Paulo Roberto de Almeida
Niterói, 17 de julho de 2008
1911. “Questionário de Investigação sobre as Relações entre União Européia-Brasil, Rodada de Doha, PAC e Grupo de Cairns”, Niterói, 17 julho 2008, 3 p. Respostas a questões colocadas por pesquisadora, para Master em European Studies da Universidade de Siena, Montpellier e Coimbra.
Questionário de Investigação sobre as Relações entre União Européia - Brasil
Rodada Doha, PAC e Grupo de Cairns
Data e local: 17 de julho de 2008, Niterói, RJ
Nome do entrevistado: Paulo Roberto de Almeida (PRA)
Instituição para qual trabalha: Ministério das Relações Exteriores
Cargo /posição profissional: Ministro da carreira diplomática, professor universitário.
1. As relações comerciais entre a União Européia e o Brasil podem ser entendidas como uma reação do Brasil ao poderio negociador dos Estados Unidos e da ALCA a fim de obter mais poder de barganha nas rodadas de liberalização do comércio internacional? Se sim, como a União Europeia percebe isso? Se não, por quê?
PRA: As relações comerciais entre a UE e o Brasil têm uma longa história atrás de si, uma vez que elas são tradicionais no quadro do relacionamento bilateral entre o Brasil e cada um dos integrantes do esquema de integração europeu, precedendo de muito qualquer arranjo formal de caráter institucional (pois que remontando à própria formação histórica do Estado brasileiro e suas relações comerciais, desde sempre majoritariamente voltadas para a Europa ocidental). No plano histórico mais recente, deve-se registrar que essas relações comerciais precedem, seguem e acompanham quaisquer projetos dos EUA para a negociação de acordos comerciais específicos ao hemisfério americano (em especial a “Iniciativa para as Américas”, de 1990, proposta por George Bush, pai, assim como a Alca, iniciativa de 1994, do presidente Clinton), posto que desde o surgimento do Mercosul, em 1991, a então CE já propunha a intensificação das relações entre os dois blocos, primeiro sob a forma de um acordo de cooperação técnica (1991), firmado entre a Comissão Européia e os países do Mercosul (em sua fase de transição), depois desdobrando essa iniciativa no Protocolo de Madrid (1995), já prevendo a assinatura de um acordo de liberalização comercial e de intensificação das relações entre as duas partes.
Deve-se, portanto, reconhecer que, desde o início (e com inteira concordância do Brasil), a UE buscou intensificar suas relações com o Mercosul, independentemente de qualquer oferta, arranjo ou iniciativa dos EUA, em relação seja ao Mercosul, como bloco, seja em direção de cada um dos países membros do esquema sul-americano. Mas, deve-se reconhecer que a UE, como seria natural em situações de concorrência intensa pela busca de mercados e de oportunidades de negócios para suas empresas, preocupou-se em não permitir o acesso exclusivo dos EUA à possível ampliação dos fluxos de comércio e de investimentos aos países membros do Mercosul em decorrência de eventual acordo preferencial que fosse negociado e concluído entre estes países e os EUA (dentre os quais o Brasil se destaca naturalmente).
O Brasil igualmente – e isto vem praticamente desde a primeira conferência americana de Washington, em 1889-1890 – sempre se preocupou em equilibrar suas relações comerciais com seus parceiros mais importantes, barganhando as melhores vantagens possíveis tanto do lado europeu, tradicional em suas relações econômicas externas, como do lado americano, muito relevante desde o final do século XIX e extremamente importante no que se refere ao acesso de determinados produtos aos mercados consumidores. Cabe, com efeito, registrar igualmente, que o mercado europeu encontra-se concentrado mais nas commodities oferecidas pelo Brasil do que em produtos de maior valor agregado (manufaturados), que comparece de modo mais intenso nas relações comerciais entre o Brasil e os EUA.
O que a UE percebe, pragmaticamente, é que ela não pode deixar os EUA dominarem os mercados dos países da América do Sul de modo tão amplo quanto os EUA já dominam os fluxos com os países da América Central e Caribe, posto que os sul-americanos apresentam enormes oportunidades de intercâmbio e investimentos para as suas empresas. O Brasil e o Mercosul, tanto quanto a UE, percebem esse lado “compensatório” e tentam exercer o seu potencial de barganha, tanto quanto é possível nesse tipo de relacionamento complexo.
2. Quanto Portugal contribuiu e continua contribuindo política e economicamente para ser o promotor da parceria entre o Brasil e a União Européia?
PRA: Por afinidades históricas patentemente reconhecidas por ambas as partes, Portugal e Brasil mantêm um relacionamento muito estreito no que se refere à intensificação possível das relações políticas e econômicas entre este último e a UE. Cabe, no entanto, não exagerar nesse papel, uma vez que a UE é uma construção política e institucional extremamente complexa, dotada de “ferramentas” próprias para negociações econômicas externas – concedidas pelos países membros à Comissão Européia –, com muitos interesses nacionais projetados sobre as instâncias negociadoras de Bruxelas, interesses que são, no conjunto e individualmente superiores ao poder político e econômico do pequeno Portugal. Países como Alemanha, França, Itália e Reino Unido apresentam interesses econômicos tão importantes, ou até mais, no Brasil, do que Portugal, e parecem dispor de condições ainda mais fortes do que Portugal para fazer valer esses interesses na determinação das políticas (comerciais e outras) que serão seguidas pela UE em relação ao Brasil e ao Mercosul. Mas, pode-se dizer que Portugal de fato exerce um papel “patrocinador” dos interesses brasileiros (que são também os de seus nacionais e investidores residentes no Brasil e aqui dispondo de interesses concretos a defender) junto às instâncias comunitárias. O status de “parceiro estratégico” concedido ao Brasil pela UE certamente tem a ver com esse papel.
3. Quanto você acredita que o Brasil esteja disposto a ceder na área de serviços e quanto a União Européia esteja disposta a ceder na área agrícola para o êxito da Rodada de Doha?
PRA: Observando realisticamente o desenvolvimento das negociações comerciais, tanto no plano multilateral (Rodada Doha), quanto no plano birregional (Mercosul-UE) ao longo de mais de uma década de desenvolvimentos sempre frustrantes (desde 1995, praticamente), acredito que, tanto do lado brasileiro quanto do lado europeu, as possibilidades de concessões reais nos terrenos agrícola (do lado europeu) e industrial e de serviços (do lado brasileiro e do Mercosul) são muito modestas, para dizer o mínimo. Nenhum lado parece querer oferecer acesso efetivo aos seus mercados, que parece terem sido colocados num patamar de extrema sensibilidade recíproca, o que é efetivamente uma pena, tendo em vista que esse protecionismo só prejudica os interesses de seus respectivos consumidores.
Ambas partes, como é visível e patente, cedem continuamente aos lobbies setoriais e continuam a manter esses setores sob estrita proteção comercial e fechamento regulatório, concorrendo assim para um possível fracasso (ou resultado extremamente modesto) na Rodada Doha. Minha visão do processo não é muito otimista, uma vez que não vejo nenhuma das partes conduzindo as negociações, nos planos multilateral e bilateral, para a abertura efetiva dos respectivos mercados. Como em muitos outros exercícios negociadores, oportunidades serão perdidas de expandir comércio e abrir novas oportunidades de investimento uma vez que os negociadores políticos não parecem exibir a coragem de resistir aos impulsos e pressões protecionistas vindos de seus setores menos competitivos em escala econômica interna.
Assim, as concessões, se houver alguma, serão mínimas e estritamente condicionadas à necessidade de um acordo restrito no plano multilateral e eventualmente birregional.
Paulo Roberto de Almeida
Niterói, 17 de julho de 2008
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