Desafios brasileiros
Os presidenciáveis e a política externa
Campanha de Dilma foi a única que não citou os direitos humanos
Site da revista Veja, 3/09/2010
Durante esta semana, o site de VEJA apresentou reportagens e entrevistas sobre os principais desafios que o próximo governo deverá enfrentar na área das relações exteriores. Encerrando a série, apresentamos as propostas dos três principais candidatos à Presidência da República, que, a partir de 2011, terão a missão de comandar a política externa do país e ditar novos rumos. As informações apresentadas a seguir foram fornecidas pela coordenação de campanha dos candidatos Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV).
Chama a atenção o destaque dado por Serra e Marina à promoção dos direitos humanos na relação com outras nações. O tema foi debatido em reportagem da série devido ao fato de o governo Lula haver mantido uma postura leniente em relação a abusos cometidos por colegas - como Hugo Chávez, na Venezuela, e a ditadura castrista de Cuba. [postado in fine]
A campanha de Serra ressalta que, em um eventual governo tucano, as posições a serem defendidas pelo Brasil no tocante aos direitos humanos e à democracia "refletirão os valores que defendemos internamente e não afinidades ideológicas". Marina, por sua vez, diz que o Brasil, sob um eventual governo verde, deveria adora uma postura firme diante de violações dos direitos humanos e democráticos. "Nesse sentido, (o país) deve adotar, considerando sempre o princípio da não intervenção, uma postura crítica com relação a países que violem os direitos humanos e, ao contrário do que tem acontecido, o país não deve relativizar esses princípios em suas relações de estado".
A equipe de Dilma afirma que o atual governo manteve a "estabilidade macroeconômica, reduzindo nossa vulnerabilidade externa (...) num ambiente de aprofundamento da democracia". Contudo, não explica como poderia lidar com a questão dos direitos humanos em um eventual governo da petista. Deixa apenas uma certeza: não haverá mudanças em relação à atual política externa.
Vizinhança - Um ponto em comum entre as propostas de Serra, Marina e Dilma é relativa à integração regional. "Ao Brasil interessa que todos os seus vizinhos cresçam e prosperem. Como maior economia da região, o Brasil dará todo o apoio, de forma realista e sem arroubos de generosidade, para que esse objetivo seja alcançado", diz o texto do tucano. A campanha de Dilma explica que a candidata "seguirá valorizando uma agenda positiva com nossos vizinhos, promovendo a integração física, energética, produtiva, social e política da América do Sul".
Referindo-se especificamente aos destinos do Mercosul, Marina Silva propõe um comércio mais livre, justo e sustentável. "O Brasil deve ter um papel ativo na eliminação das barreiras e distorções que prejudicam o livre comércio. Para isso, deve se valer dos instrumentos que a globalização jurídica lhe oferece, seja no âmbito multilateral (OMC), seja no âmbito regional (Mercosul)", diz a proposta.
Serra promete continuar mantendo o apoio ao bloco, como processo que levará a uma crescente integração comercial dos países do Cone Sul, a médio e longo prazo. O tucano, porém, aponta que será preciso introduzir inovações no grupo. "Para beneficio de todos os países membros, contudo, algumas regras terão de ser flexibilizadas, permitindo que cada país possa negociar individualmente e que o mecanismo de solução de controvérsias seja efetivo". Dilma também apoia o aprofundamente do Mercosul. Mas afirma que, se eleita, trabalharia pelo avanço das negociações com União Européia e "outros blocos".
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Desafios brasileiros
Diplomacia brasileira: muitas embaixadas e afagos a ditadores
Revista Veja, 30/08/2010 - 20:49
[Foto] O chanceler Celso Amorim e o presidente Lula comemoram acordo assinado com o Irã, em maio de 2010 (AFP)
Sob a batuta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Ministério das Relações Exteriores inaugurou 62 representações diplomáticas e consulares pelo mundo - outras 17 estão em processo de abertura. Atualmente, o país conta com 212 postos. Muitos deles não têm qualquer relevância no cenário político e econômico internacional. Mas fazem parte de uma estratégia deste governo, que tem priorizado as relações com nações africanas e emergentes. Nos últimos oito anos, por exemplo, Lula visitou 27 nações da África, contra três de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. Analistas acreditam que o método pode estar ligado ao desejo brasileiro de conseguir uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Uma segunda característica da política externa da atual gestão é a pretensão de mediar conflitos em regiões distantes. Em julho, o chanceler Celso Amorim foi ao Oriente Médio, onde envolveu-se em conversações sobre o processo de paz. Meses antes, palestinos e israelenses já haviam dispensado a intromissão brasileira no complicadíssimo conflito. O Irã também entrou na agenda brasileira. Na contra-mão do que pedia a comunidade internacional, o Brasil queimou parte sua credibilidade ao respaldar um acordo que pretendia garantir aos aiatolás o acesso a urânio enriquecido para fins medicinais. Nenhuma nação, exceto a Turquia, aceitou o tratado, que fracassou: os líderes mundiais sabem que o sonho do radical Mahmoud Ahmadinejad é destruir Israel - e o caminho para isso são as armas atômicas.
Em outro momento, Lula deixou de repreender o opressor governante iraniano em questões relacionadas aos direitos humanos. Foi o caso da condenação por apedrejamento da iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani, acusada de adultério. Esquivando-se de censurar publicamente o colega, Lula apenas ofereceu refúgio a Sakineh. Teerã se negou a entregá-la, dizendo que "não havia necessidade de criar problemas ao presidente brasileiro". Acrescentou ainda que "Lula tem um temperamento muito humano e emotivo e provavelmente não recebeu informações suficientes sobre este caso".
Não foi a primeira vez em que Lula preferiu afagar colegas ditadores a zelar pelos direitos humanos. Em fevereiro, o presidente recebeu uma carta de 50 dos 75 presos políticos cubanos detidos na onda de repressão que ficou conhecida como Primavera Negra. Os dissidentes pediam que o governo brasileiro advogasse em favor de sua libertação e, principalmente, falasse sobre a situação de Orlando Zapata, que estava em greve de fome havia mais de 80 dias. Nada disso foi feito. Zapata morreu. E Lula ainda comparou os perseguidos pelo regime castrista a criminosos comuns detidos em prisões brasileiras.
Além dos irmãos Castro e Ahmadinejad, Lula encerra o seu mandato com uma lista de pelo menos outros sete ditadores-amigos. O último agraciado com o título foi Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, presidente de Guiné Equatorial, durante visita oficial em julho. O conjunto da obra faz mal à imagem do Brasil.
Há ainda outras questões relevantes a discutir. É o caso dos rumos do comércio exterior. O Brasil deve seguir financiando projetos em nações vizinhas e até em Cuba? E os grandes acordos comerciais, devemos retomar negociações com blocos regionais? Qual a atual situação do Mercosul e também as suas perspectivas?
Este é um breve panorama das questões mais polêmicas ligadas à atual política externa do governo brasileiro. Durante esta semana, VEJA.com vai analisá-las, ouvindo especialistas e as campanhas presidenciais, para saber que linha o Itamaraty deve adotar no próximo governo. Você também pode participar, dizendo o que pensa sobre o assunto. Deixe sua opinião na área de comentários desta página e participe da enquete a seguir.
[http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/diplomacia-brasileira-muitas-embaixadas-e-afagos-a-ditadores]
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
sábado, 4 de setembro de 2010
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
Pausa para um servico de utilidade pública...
Eu sempre me surpreendo com a inventividade do brasileiro. Mas como sou ingênuo: um país com tantos problemas, ainda consegue ser um país de otimistas incuráveis, dispostos a ratificar e confirmar tudo aquilo que provoca esses mesmos problemas é mesmo de surpreender qualquer um.
Não é que recebo, em minha caixa do site, uma oferta imperdível?
Dispenso a publicidade do nome e local, mas me permito citar por completo os serviços oferecidos, como a seguir:
Mensagem: Meu nome é [SICRANO DE TAL], sou consultor NOTÓRIO SABER EM NEGOCIAÇÃO DE DÍVIDAS, escritor e instrutor de palestras.
Venho apresentar proposta de parceria, você divulga aos seus clientes nosso livro e serviços, com base nos negócios fechados terá uma excelente participação.
Nossos serviços à disposição de são:
-Evitamos busca apreensão de veículos
-Reduzimos as prestações
-Garantimos acordos para quitação total do financiamento bastante favorável.
-Pendências com Bancos, Cartões de crédito, etc.
-Reduzimos os valores significativamente e baixamos serasa e spc legalmente.
-Cursos, palestras para funcionários de empresas que estão com problemas e sem rumo.
Aceitamos outras sugestões de parceria.
Positivamente,
[SICRANO DE TAL]
site, e-mail, etc...
Comovente a mensagem do cidadão de notório saber. Deve ser um discípulo de Rui Barbosa, no mínimo.
Enfim, parece esses anúncios que proclamam a solução de problemas com o Fisco, como veiculado na coluna de Carlos Brickmann:
Veja este anúncio que circula na Internet:
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O preço pode ser ainda mais baixo, conforme outro anúncio. "Está com o nome sujo? Então limpe ele em apenas 10 dias! Volte a usar cartões de crédito e talões de cheque! Pode voltar a pagar parcelado! Não tem que pagar sua dívida! Você NÃO precisa de advogados!" Sai por R$ 39. Polícia e Receita, com toda a certeza, também recebem essas mensagens. Mas parece que trabalhar cansa.
Mas, quem é que precisa de serviços especializados para "arreglar" algumas coisas na Receita? Dispondo dos canais apropriados, a própria Receita faz o serviço...
Não é que recebo, em minha caixa do site, uma oferta imperdível?
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Aceitamos outras sugestões de parceria.
Positivamente,
[SICRANO DE TAL]
site, e-mail, etc...
Comovente a mensagem do cidadão de notório saber. Deve ser um discípulo de Rui Barbosa, no mínimo.
Enfim, parece esses anúncios que proclamam a solução de problemas com o Fisco, como veiculado na coluna de Carlos Brickmann:
Veja este anúncio que circula na Internet:
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O preço pode ser ainda mais baixo, conforme outro anúncio. "Está com o nome sujo? Então limpe ele em apenas 10 dias! Volte a usar cartões de crédito e talões de cheque! Pode voltar a pagar parcelado! Não tem que pagar sua dívida! Você NÃO precisa de advogados!" Sai por R$ 39. Polícia e Receita, com toda a certeza, também recebem essas mensagens. Mas parece que trabalhar cansa.
Mas, quem é que precisa de serviços especializados para "arreglar" algumas coisas na Receita? Dispondo dos canais apropriados, a própria Receita faz o serviço...
A frase da semana, talvez da campanha eleitoral...
Sem fantasia
Chega de intermediários: em vez de perder aquele tempo todo na Internet, entregue sua declaração de imposto de renda ao petista mais próximo.
Carlos Brickmann, 3/09/2010
(Coluna de domingo, 5 de setembro)
Chega de intermediários: em vez de perder aquele tempo todo na Internet, entregue sua declaração de imposto de renda ao petista mais próximo.
Carlos Brickmann, 3/09/2010
(Coluna de domingo, 5 de setembro)
Republica Mafiosa do Brasil (13): virando tambem republica da bagunca...
Eis o substantivo que faltava: bagunça.
Bem, sabemos que o Brasil era uma bagunça desde antes de Cabral, com todos aqueles índios se comendo uns aos outros -- literalmente, quero dizer -- sem sequer frequentar restaurantes canibais.
Mas depois de Cabral a bagunça melhorou muito, quero dizer, se avacalhou bastante.
Chegou, por assim dizer, ao estado da arte, do nunca antes neste país. A bagunça, que sempre foi cantada em prosa e verso, mas apenas nos meios não oficiais, era, por assim dizer, o apanágio de malandros e heróis, chegou agora ao seu ponto máximo, alcançando, como diria Mário de Andrade, "heróis sem nenhum caráter", personagens macunaímicos, seja lá o que isso signifique (sem querer ofender Mario de Andrade ou o verdadeira Macunaíma, que pelo menos tinha alguma graça...).
A crônica de costumes policiais abaixo reproduzida dá uma idéia da extensão da bagunça, ou da avacalhação da bagunça, como talvez prefiram alguns...
Paulo Roberto de Almeida
Misto de baguncismo e estado policial se revela em cada detalhe
Reinaldo Azevedo, 3.09.2010
A mistura de estado policial com baguncismo se revela em cada detalhe, da agenda da PF à linguagem de pessoas que deveriam zelar pelo estado de direito. Leiam este texto de Flávio Ferreira e Silvio Navarro, na Folha Online. Volto em seguida:
*
A Polícia Federal pretende ouvir Veronica Serra, filha do presidenciável tucano José Serra, ainda hoje no inquérito aberto para apurar os responsáveis pela quebra de sigilo fiscal de pelo menos cinco pessoas ligadas ao PSDB ou ao candidato.
O inquérito é de responsabilidade da PF em Brasília, mas os depoimentos são tomados em São Paulo por carta precatória. O contador Antonio Carlos Atella Ferreira, responsável por apresentar a procuração falsa para ter acesso aos dados de Veronica, depôs hoje na superintendência da Polícia Federal em São Paulo, na Lapa. Depois de quase cinco horas de depoimento, Atella não foi indiciado.
Ele deixou o prédio por uma saída alternativa, driblando os jornalistas que o aguardavam na saída da sede da PF. A Receita confirmou que a declaração de renda de Verônica referente aos exercícios de 2007 e 2009 foi acessada em 30 de setembro do ano passado na delegacia do fisco em Santo André (SP). O documento falso solicitando os dados foi entregue por Atella, que se apresentou como procurador da filha de Serra –o que não é verdade.
Ontem à tarde, o presidente Lula determinou que a Polícia Federal assuma a “totalidade” da investigação sobre o escândalo na Receita Federal. O pedido chegou ao diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, e ao ministro Luiz Paulo Barreto (Justiça). Na prática, a investigação não muda em nada, já que a PF tinha aberto, desde junho, um inquérito na superintendência de Brasília para apurar a quebra de sigilo bancário e fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge.
Segundo a informação do governo, esta investigação, que será mantida, vai ser ampliada. “O presidente pediu que a polícia assuma todo o caso de maneira célere, punindo todos os que têm envolvimento direto com o caso, e que dê uma resposta rápida ao governo e ao Brasil sobre os crimes ocorridos”, disse o ministro da Justiça. Em nota divulgada ontem, o Ministério Público Federal afirmou que não vai descartar nenhuma linha de investigação e que, no devido tempo, vai denunciar todos os eventuais culpados no episódio.
Comento [Reinaldo Azevedo]:
O BAGUNCISMO DA PF. A PF quer ouvir Verônica Serra antes de ouvir Otacílio Cartaxo? Por quê? Que informação relevante eles esperam que ela forneça? Talvez algo assim: “Olhe, enquanto eu cuidava da minha vida, trabalhava, como qualquer brasileiro que não mama nas tetas do estado, o meu sigilo foi violado, e os blogs canalhas, que mamam, usavam informações sigilosas a serviço de uma candidatura”. A PF precisa dela para isso? O que espera que ela diga?
Antes de Verônica, quem tem de depor é Cartaxo; antes de Verônica, quem tem de depor é o corregedor-geral da Receita. Antes de Verônica, quem tem de depor é aquele outro contador, ou coisa do gênero, que também participou da lambança. Os indícios de conspirata para tentar encobrir o crime político são evidentes. Parece que tem gente apostando no baguncismo também nesse particular: filha de candidato depondo na PF, para milhões que ainda não entenderam da missa a metade, parece ser coisa muito boa para… a candidata Dilma Rousseff.
O BAGUNCISMO DE LULA. Como é? Lula determinou que a PF assuma A TOTALIDADE da investigação? Por quê? Se ele não determinasse, então o órgão iria prevaricar? O que quer dizer “a totalidade da investigação”? Haveria o risco de assumi-la, sei lá, pela metade? Em matéria de dossiês e safadezas políticas, o histórico da PF é ruim.
O BAGUNCISMO DO MINISTRO DA JUSTIÇA. Além de endossar a tolice de que Lula determinou que a PF assuma “todo o caso”, diz que a ordem é para que a polícia puna os responsáveis. Quem pune é a Justiça, como sabe o ministro da… Justiça. Essa bagunça também conceitual não é por acaso. É preciso criar um rebuliço retórico para passar a impressão de que não sobrará um só culpado impune. Os aloprados todos, muito bem-instalados no PT, alguns deles até enriqueceram, conhecem esse “rigor” de perto.
Bem, sabemos que o Brasil era uma bagunça desde antes de Cabral, com todos aqueles índios se comendo uns aos outros -- literalmente, quero dizer -- sem sequer frequentar restaurantes canibais.
Mas depois de Cabral a bagunça melhorou muito, quero dizer, se avacalhou bastante.
Chegou, por assim dizer, ao estado da arte, do nunca antes neste país. A bagunça, que sempre foi cantada em prosa e verso, mas apenas nos meios não oficiais, era, por assim dizer, o apanágio de malandros e heróis, chegou agora ao seu ponto máximo, alcançando, como diria Mário de Andrade, "heróis sem nenhum caráter", personagens macunaímicos, seja lá o que isso signifique (sem querer ofender Mario de Andrade ou o verdadeira Macunaíma, que pelo menos tinha alguma graça...).
A crônica de costumes policiais abaixo reproduzida dá uma idéia da extensão da bagunça, ou da avacalhação da bagunça, como talvez prefiram alguns...
Paulo Roberto de Almeida
Misto de baguncismo e estado policial se revela em cada detalhe
Reinaldo Azevedo, 3.09.2010
A mistura de estado policial com baguncismo se revela em cada detalhe, da agenda da PF à linguagem de pessoas que deveriam zelar pelo estado de direito. Leiam este texto de Flávio Ferreira e Silvio Navarro, na Folha Online. Volto em seguida:
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A Polícia Federal pretende ouvir Veronica Serra, filha do presidenciável tucano José Serra, ainda hoje no inquérito aberto para apurar os responsáveis pela quebra de sigilo fiscal de pelo menos cinco pessoas ligadas ao PSDB ou ao candidato.
O inquérito é de responsabilidade da PF em Brasília, mas os depoimentos são tomados em São Paulo por carta precatória. O contador Antonio Carlos Atella Ferreira, responsável por apresentar a procuração falsa para ter acesso aos dados de Veronica, depôs hoje na superintendência da Polícia Federal em São Paulo, na Lapa. Depois de quase cinco horas de depoimento, Atella não foi indiciado.
Ele deixou o prédio por uma saída alternativa, driblando os jornalistas que o aguardavam na saída da sede da PF. A Receita confirmou que a declaração de renda de Verônica referente aos exercícios de 2007 e 2009 foi acessada em 30 de setembro do ano passado na delegacia do fisco em Santo André (SP). O documento falso solicitando os dados foi entregue por Atella, que se apresentou como procurador da filha de Serra –o que não é verdade.
Ontem à tarde, o presidente Lula determinou que a Polícia Federal assuma a “totalidade” da investigação sobre o escândalo na Receita Federal. O pedido chegou ao diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, e ao ministro Luiz Paulo Barreto (Justiça). Na prática, a investigação não muda em nada, já que a PF tinha aberto, desde junho, um inquérito na superintendência de Brasília para apurar a quebra de sigilo bancário e fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge.
Segundo a informação do governo, esta investigação, que será mantida, vai ser ampliada. “O presidente pediu que a polícia assuma todo o caso de maneira célere, punindo todos os que têm envolvimento direto com o caso, e que dê uma resposta rápida ao governo e ao Brasil sobre os crimes ocorridos”, disse o ministro da Justiça. Em nota divulgada ontem, o Ministério Público Federal afirmou que não vai descartar nenhuma linha de investigação e que, no devido tempo, vai denunciar todos os eventuais culpados no episódio.
Comento [Reinaldo Azevedo]:
O BAGUNCISMO DA PF. A PF quer ouvir Verônica Serra antes de ouvir Otacílio Cartaxo? Por quê? Que informação relevante eles esperam que ela forneça? Talvez algo assim: “Olhe, enquanto eu cuidava da minha vida, trabalhava, como qualquer brasileiro que não mama nas tetas do estado, o meu sigilo foi violado, e os blogs canalhas, que mamam, usavam informações sigilosas a serviço de uma candidatura”. A PF precisa dela para isso? O que espera que ela diga?
Antes de Verônica, quem tem de depor é Cartaxo; antes de Verônica, quem tem de depor é o corregedor-geral da Receita. Antes de Verônica, quem tem de depor é aquele outro contador, ou coisa do gênero, que também participou da lambança. Os indícios de conspirata para tentar encobrir o crime político são evidentes. Parece que tem gente apostando no baguncismo também nesse particular: filha de candidato depondo na PF, para milhões que ainda não entenderam da missa a metade, parece ser coisa muito boa para… a candidata Dilma Rousseff.
O BAGUNCISMO DE LULA. Como é? Lula determinou que a PF assuma A TOTALIDADE da investigação? Por quê? Se ele não determinasse, então o órgão iria prevaricar? O que quer dizer “a totalidade da investigação”? Haveria o risco de assumi-la, sei lá, pela metade? Em matéria de dossiês e safadezas políticas, o histórico da PF é ruim.
O BAGUNCISMO DO MINISTRO DA JUSTIÇA. Além de endossar a tolice de que Lula determinou que a PF assuma “todo o caso”, diz que a ordem é para que a polícia puna os responsáveis. Quem pune é a Justiça, como sabe o ministro da… Justiça. Essa bagunça também conceitual não é por acaso. É preciso criar um rebuliço retórico para passar a impressão de que não sobrará um só culpado impune. Os aloprados todos, muito bem-instalados no PT, alguns deles até enriqueceram, conhecem esse “rigor” de perto.
Republica Mafiosa do Brasil (12): quase chegando no treze...
Leitor habitual dos editoriais do Estadão, desde meus 13 ou 14 anos -- quando eu achava o jornalão conservador um instrumento da reação para impedir o progresso social no Brasil (bem, todo jovem tem direito à sua fase socialista) -- eu não me lembro de ter lido algo tão contundente. Deve ter sido redigido pela mais alta pluma da empresa dos Mesquitas, que recomenda ao seu destinatário que se olhe no espelho.
Espelho meu: haverá no Brasil alguém mais bandido do que eu?
Paulo Roberto de Almeida
O responsável pela bandidagem
Editorial - O Estado de S.Paulo
03 de setembro de 2010
O procedimento dos interessados em ter acesso a declarações de renda da empresária Verônica Serra, filha do candidato tucano ao Planalto, destoa do que, tudo indica, tenha sido o padrão seguido nas violações do sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, e de três outras pessoas ligadas ao ex-governador. Nesses episódios, para obter o que queriam, os predadores da intimidade alheia contavam com afinidades políticas ou a ganância de servidores da agência da Receita em Mauá, na Grande São Paulo - uma verdadeira casa da mãe joana, com senhas individuais expostas e documentos eletrônicos ao alcance das vistas de qualquer um.
No caso de Verônica Serra, que antecedeu os dos demais em cerca de uma semana (de 30 de setembro a 8 de outubro do ano passado), o método seguido foi mais complicado na urdidura e mais simples no trâmite final. Alguém falsificou a assinatura da contribuinte - e o seu reconhecimento num cartório onde ela nem sequer tinha ficha - numa solicitação de cópia de documentos e incumbiu um tipo que habita as cercanias do Código Penal, devidamente identificado no formulário, de apresentá-la à Delegacia da Receita de Santo André. Ali, burocraticamente, a servidora Lúcia de Fátima Gonçalves Milan fez o que lhe era pedido, repassando ao titular da procuração as declarações de Verônica relativas aos exercícios de 2007 a 2009.
Por enquanto, pode-se apenas especular sobre os porquês das diferenças de estratagema. Mas o intuito era claramente o mesmo: recolher material que pudesse ser usado contra Serra na sua futura disputa com a escolhida do presidente Lula, Dilma Rousseff. Àquela altura, no último trimestre de 2009, embora o governador paulista ainda se negasse a assumir a pretensão e o mineiro Aécio Neves ainda não tivesse largado mão da esperança de ser ele o candidato, já não havia dúvidas sobre quais seriam os principais contendores da sucessão. E não passa pela cabeça de ninguém que a turma da pesada do PT fosse esperar a formalização das candidaturas para só então juntar papelório que pudesse comprometer o tucano e seus aliados.
Seria, no mínimo, subestimar a capacidade de iniciativa do "setor de inteligência" petista, como viria a ser conhecido. Principalmente porque os responsáveis pelo trabalho sujo não precisariam gastar tempo e energia para preparar o terreno por excelência de onde escavariam a matéria-prima desejada. O campo da Receita Federal começou a ser aplainado para servir aos interesses do partido quando, em 31 de julho de 2008, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, demitiu o então secretário do órgão, Jorge Rachid, há 5 anos e meio no cargo. Desde então, a isenção e o profissionalismo deram lugar ao aparelhamento e à politização das decisões do Fisco. É o que atesta o escândalo das quebras de sigilo para fins eleitorais.
A contar da denúncia, a Receita levou praticamente duas semanas até anunciar a abertura de inquérito administrativo sobre o vazamento de declarações de renda de Eduardo Jorge, cópias das quais apareceram em mãos de membros do comitê nacional de Dilma Rousseff. Depois, quando vieram a público as demais violações, depois que a Justiça autorizou o vice-presidente do PSDB a ter acesso aos autos da investigação, os hierarcas da Receita, acionados pelo governo, correram a desvincular da campanha eleitoral os ilícitos revelados. Afinal, disseram sem enrubescer, o que havia na agência de Mauá era um "balcão de compra e venda de dados sigilosos", movido a "propina".
Não que não fosse - outros 140 registros também foram vasculhados ali. Se tivesse uma gota de vergonha, aliás, o secretário Otacílio Cartaxo já teria se demitido. Eis, em suma, o que o governo Lula e a cultura petista fizeram do Fisco: uma repartição em que o livre tráfico de informações presumivelmente seguras sobre os contribuintes brasileiros se entrelaça com o uso da máquina, literalmente, para intuitos eleitorais torpes. O crime comum e o crime político se complementam. Agora, destampada a devassa nas declarações de Verônica Serra, vem o presidente Lula falar em "bandidagem". Se quiser saber quem é o responsável último por essa degenerescência, basta se olhar no espelho.
Espelho meu: haverá no Brasil alguém mais bandido do que eu?
Paulo Roberto de Almeida
O responsável pela bandidagem
Editorial - O Estado de S.Paulo
03 de setembro de 2010
O procedimento dos interessados em ter acesso a declarações de renda da empresária Verônica Serra, filha do candidato tucano ao Planalto, destoa do que, tudo indica, tenha sido o padrão seguido nas violações do sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, e de três outras pessoas ligadas ao ex-governador. Nesses episódios, para obter o que queriam, os predadores da intimidade alheia contavam com afinidades políticas ou a ganância de servidores da agência da Receita em Mauá, na Grande São Paulo - uma verdadeira casa da mãe joana, com senhas individuais expostas e documentos eletrônicos ao alcance das vistas de qualquer um.
No caso de Verônica Serra, que antecedeu os dos demais em cerca de uma semana (de 30 de setembro a 8 de outubro do ano passado), o método seguido foi mais complicado na urdidura e mais simples no trâmite final. Alguém falsificou a assinatura da contribuinte - e o seu reconhecimento num cartório onde ela nem sequer tinha ficha - numa solicitação de cópia de documentos e incumbiu um tipo que habita as cercanias do Código Penal, devidamente identificado no formulário, de apresentá-la à Delegacia da Receita de Santo André. Ali, burocraticamente, a servidora Lúcia de Fátima Gonçalves Milan fez o que lhe era pedido, repassando ao titular da procuração as declarações de Verônica relativas aos exercícios de 2007 a 2009.
Por enquanto, pode-se apenas especular sobre os porquês das diferenças de estratagema. Mas o intuito era claramente o mesmo: recolher material que pudesse ser usado contra Serra na sua futura disputa com a escolhida do presidente Lula, Dilma Rousseff. Àquela altura, no último trimestre de 2009, embora o governador paulista ainda se negasse a assumir a pretensão e o mineiro Aécio Neves ainda não tivesse largado mão da esperança de ser ele o candidato, já não havia dúvidas sobre quais seriam os principais contendores da sucessão. E não passa pela cabeça de ninguém que a turma da pesada do PT fosse esperar a formalização das candidaturas para só então juntar papelório que pudesse comprometer o tucano e seus aliados.
Seria, no mínimo, subestimar a capacidade de iniciativa do "setor de inteligência" petista, como viria a ser conhecido. Principalmente porque os responsáveis pelo trabalho sujo não precisariam gastar tempo e energia para preparar o terreno por excelência de onde escavariam a matéria-prima desejada. O campo da Receita Federal começou a ser aplainado para servir aos interesses do partido quando, em 31 de julho de 2008, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, demitiu o então secretário do órgão, Jorge Rachid, há 5 anos e meio no cargo. Desde então, a isenção e o profissionalismo deram lugar ao aparelhamento e à politização das decisões do Fisco. É o que atesta o escândalo das quebras de sigilo para fins eleitorais.
A contar da denúncia, a Receita levou praticamente duas semanas até anunciar a abertura de inquérito administrativo sobre o vazamento de declarações de renda de Eduardo Jorge, cópias das quais apareceram em mãos de membros do comitê nacional de Dilma Rousseff. Depois, quando vieram a público as demais violações, depois que a Justiça autorizou o vice-presidente do PSDB a ter acesso aos autos da investigação, os hierarcas da Receita, acionados pelo governo, correram a desvincular da campanha eleitoral os ilícitos revelados. Afinal, disseram sem enrubescer, o que havia na agência de Mauá era um "balcão de compra e venda de dados sigilosos", movido a "propina".
Não que não fosse - outros 140 registros também foram vasculhados ali. Se tivesse uma gota de vergonha, aliás, o secretário Otacílio Cartaxo já teria se demitido. Eis, em suma, o que o governo Lula e a cultura petista fizeram do Fisco: uma repartição em que o livre tráfico de informações presumivelmente seguras sobre os contribuintes brasileiros se entrelaça com o uso da máquina, literalmente, para intuitos eleitorais torpes. O crime comum e o crime político se complementam. Agora, destampada a devassa nas declarações de Verônica Serra, vem o presidente Lula falar em "bandidagem". Se quiser saber quem é o responsável último por essa degenerescência, basta se olhar no espelho.
Republica Mafiosa do Brasil (11): quando a mentira parece ter pernas muito longas
O Brasil é mesmo um país que gosta de avacalhar qualquer coisa, segundo a expressão clássica, já consagrada por alta personagem dessa república surrealista. Por exemplo, aquele ditado que diz que a mentira tem pernas curtas não se aplica ao Brasil, ou pelo menos não se aplica mais, não desde nunca, o que já seria um absurdo, mas pelo menos desde pouco tempo para cá, não mais que sete ou oito anos, por exemplo.
É o que se pode deduzir da leitura desta crônica de costumes bizarros. Devo dizer que discordo do título de sua autora: a mentira tem pernas muito longas, inclusive porque aqui ninguém está disposto a acreditar na verdade, ainda que sejam indícios de verdade...
Eu acredito, por exemplo, que tem muita gente que pretende fazer a todos nós de idiotas. E não é que eles conseguem, com a cooperação da chamada "mídia"?
Não existe país nenhum como o Brasil, como diz um antigo hino que ninguém mais sabe cantar... Em nenhum país senão o nosso, pessoas importantes conseguem mentir durante tanto tempo impunemente, e ficar tudo por isso mesmo.
Somos mesmo idiotas...
Paulo Roberto de Almeida
Pernas curtas
Dora Kramer
O Estado de S.Paulo, 03 de setembro de 2010
Se a Receita Federal é confiável como diz o presidente Luiz Inácio da Silva, por mais razão é urgente que as pessoas responsáveis pela instituição - do mais alto ao mais baixo escalão - comecem a falar a verdade e parem de tratar o cidadão brasileiro feito idiota.
A candidata Dilma Rousseff, que se apresenta como parceira de Lula em todas as ações de governo e gerente de toda a máquina pública, também precisa parar de fazer de conta que não está entendendo o que se passa.
Na impossibilidade de contar a verdade, que pelo menos arrume uma versão verossímil para corroborar a tese de que uma coisa é a violação do sigilo fiscal de pessoas ligadas ao candidato da oposição, outra coisa são os interesses político-eleitorais do PT.
Sob pena de carregar o passivo pelo restante dos dias até a eleição.
As teorias em circulação são frágeis e obviamente falsas.
A que passou a ser defendida - com pouquíssima sutileza, diga-se - pelo presidente Lula se assemelha àquela do caixa 2 inventada à época do mensalão para tentar reduzir o estrago jurídico e político das denúncias de fraude, corrupção e peculato.
Na época, a ideia era fugir dos crimes mais graves para assumir o crime eleitoral e socializar o prejuízo na base do "todo mundo faz".
Agora o presidente Lula indignou-se com o falsificador do documento apresentado como sendo uma procuração da filha de José Serra, Verônica, para a retirada de suas declarações na Receita. Disse que, "se ficar provado", foi cometido "um crime grave no Brasil": falsidade ideológica.
Ora, ora. O que se desenha é muito mais do que isso. É a quebra de sigilo para coleta de informações de adversários. Só não está claro se os autores se aproveitaram de esquema pré-existente no ABC ou criaram um disfarce especial para atingir seus alvos dando a impressão de que se tratava de um sistema geral de quebra de sigilo e venda dos dados.
Quando o presidente fazia o discurso da falsidade ideológica, o governo já sabia havia pelo menos dez dias que Verônica Serra tivera a declaração de renda violada e que havia suspeita de fraude e, ainda assim, sustentava a versão de que ela havia assinado uma procuração.
É uma mentira atrás da outra.
Indicativas de que as acusações da oposição têm fundamento. Se não, por que assessores do presidente reclamariam da inabilidade da Receita por ter enviado os documentos relativos a Verônica para o Ministério Público?
Achavam que a Receita poderia ter sido mais companheira e omitido essa parte já que havia a "procuração" como "prova" de licitude.
Ademais, se não sabe o que aconteceu, se é verdade que as investigações ainda estão em curso e por isso não se chegou ao culpado (ou culpados), de onde sai a certeza que não houve uso político, conforme declarou Lula?
A outra mentira da qual poderíamos todos ser poupados é a que aponta falta de interesse do PT em quebrar sigilo "agora" pois está muito à frente nas pesquisas e que a campanha de Dilma não pode ser responsabilizada, pois em 2009, quando ocorreram as violações, a candidatura dela não existia.
Existia tanto quanto a certeza do PT de que em algum momento poderia ser necessário implodir o adversário, então na dianteira nas pesquisas.
É o que se pode deduzir da leitura desta crônica de costumes bizarros. Devo dizer que discordo do título de sua autora: a mentira tem pernas muito longas, inclusive porque aqui ninguém está disposto a acreditar na verdade, ainda que sejam indícios de verdade...
Eu acredito, por exemplo, que tem muita gente que pretende fazer a todos nós de idiotas. E não é que eles conseguem, com a cooperação da chamada "mídia"?
Não existe país nenhum como o Brasil, como diz um antigo hino que ninguém mais sabe cantar... Em nenhum país senão o nosso, pessoas importantes conseguem mentir durante tanto tempo impunemente, e ficar tudo por isso mesmo.
Somos mesmo idiotas...
Paulo Roberto de Almeida
Pernas curtas
Dora Kramer
O Estado de S.Paulo, 03 de setembro de 2010
Se a Receita Federal é confiável como diz o presidente Luiz Inácio da Silva, por mais razão é urgente que as pessoas responsáveis pela instituição - do mais alto ao mais baixo escalão - comecem a falar a verdade e parem de tratar o cidadão brasileiro feito idiota.
A candidata Dilma Rousseff, que se apresenta como parceira de Lula em todas as ações de governo e gerente de toda a máquina pública, também precisa parar de fazer de conta que não está entendendo o que se passa.
Na impossibilidade de contar a verdade, que pelo menos arrume uma versão verossímil para corroborar a tese de que uma coisa é a violação do sigilo fiscal de pessoas ligadas ao candidato da oposição, outra coisa são os interesses político-eleitorais do PT.
Sob pena de carregar o passivo pelo restante dos dias até a eleição.
As teorias em circulação são frágeis e obviamente falsas.
A que passou a ser defendida - com pouquíssima sutileza, diga-se - pelo presidente Lula se assemelha àquela do caixa 2 inventada à época do mensalão para tentar reduzir o estrago jurídico e político das denúncias de fraude, corrupção e peculato.
Na época, a ideia era fugir dos crimes mais graves para assumir o crime eleitoral e socializar o prejuízo na base do "todo mundo faz".
Agora o presidente Lula indignou-se com o falsificador do documento apresentado como sendo uma procuração da filha de José Serra, Verônica, para a retirada de suas declarações na Receita. Disse que, "se ficar provado", foi cometido "um crime grave no Brasil": falsidade ideológica.
Ora, ora. O que se desenha é muito mais do que isso. É a quebra de sigilo para coleta de informações de adversários. Só não está claro se os autores se aproveitaram de esquema pré-existente no ABC ou criaram um disfarce especial para atingir seus alvos dando a impressão de que se tratava de um sistema geral de quebra de sigilo e venda dos dados.
Quando o presidente fazia o discurso da falsidade ideológica, o governo já sabia havia pelo menos dez dias que Verônica Serra tivera a declaração de renda violada e que havia suspeita de fraude e, ainda assim, sustentava a versão de que ela havia assinado uma procuração.
É uma mentira atrás da outra.
Indicativas de que as acusações da oposição têm fundamento. Se não, por que assessores do presidente reclamariam da inabilidade da Receita por ter enviado os documentos relativos a Verônica para o Ministério Público?
Achavam que a Receita poderia ter sido mais companheira e omitido essa parte já que havia a "procuração" como "prova" de licitude.
Ademais, se não sabe o que aconteceu, se é verdade que as investigações ainda estão em curso e por isso não se chegou ao culpado (ou culpados), de onde sai a certeza que não houve uso político, conforme declarou Lula?
A outra mentira da qual poderíamos todos ser poupados é a que aponta falta de interesse do PT em quebrar sigilo "agora" pois está muito à frente nas pesquisas e que a campanha de Dilma não pode ser responsabilizada, pois em 2009, quando ocorreram as violações, a candidatura dela não existia.
Existia tanto quanto a certeza do PT de que em algum momento poderia ser necessário implodir o adversário, então na dianteira nas pesquisas.
Teoria da jabuticaba, II: estudos de casos
Como alertei anteriormente, este meu trabalho é antigo, este aqui de meados de 2006. Desde então, as jabuticabas viraram uma floresta no Brasil, por incrível que pareça, algumas até com patrocínio oficial (eu diria até que as principais dispõem de todo o apoio nas mais altas esferas da República.
Teoria da jabuticaba, II: estudos de casos
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2 julho 2006, 5 p.
Continuidade do exercício iniciado com o trabalho 1488, listando casos dignos de estudos e de serem enquadrados no modelo teórico pretendido.
Em outubro de 2005, retirando das catacumbas de meu pensamento algo que me incomodava desde longos anos, eu finalmente tive a petulância de redigir um pequeno ensaio sobre algumas das idiossincrasias nacionais, ou seja, nossa indesmentível tendência a achar – e oferecer ao resto da humanidade – soluções geniais a alguns dos mais velhos problemas que angustiam essa mesma humanidade. Dei ao pequeno ensaio o título sofisticado de “Teoria da jabuticaba, I: prolegômenos”, mas à época ele estava tão simplesmente apresentado como um conjunto de considerações sobre uma nova teoria em formação. Vejam que modesto, consciente e honesto pesquisador eu sou, sempre preocupado em não vender gato por lebre, nunca pretendendo oferecer aos leitores uma teoria grandiosa, quando eu tinha apenas os rabiscos de uma crítica à razão tupiniquim.
Em sua versão parcial e reconhecidamente incompleta – uma vez que eu não tinha ainda sido capaz de elaborar um verdadeiro tratado filosófico sobre essa nova “teoria da jabuticaba” –, esse texto preliminar foi publicado na revista eletrônica Espaço Acadêmico (nº 54, novembro de 2005; link: http://www.espacoacademico.com.br/054/54almeida.htm) e ficou desde então aguardando complementação. Ou seja, os meus “prolegômenos” deveriam receber elaboração mais sofisticada, tendo em vista sua possível relevância teórica na vida intelectual do país e sua importância prática para a própria organização da nacionalidade.
Explico agora resumidamente do que se trata e volto em seguida ao objeto deste texto que recebe o elegante número romano II, indicando que eu pretendo justamente oferecer case studies, como diriam nossos colegas anglo-saxões, também conhecidos como scholars. Repito aqui o que já disse antes a título de introdução à citada teoria:
“Teoria da jabuticaba é tudo aquilo que só existe no Brasil, como essa saborosa fruta selvagem da respeitada família das mirtáceas (myrciaria jaboticaba). Isso significa pertencer a uma família de ‘explicações sociais’ única e exclusiva neste planeta, situação inédita no plano universal, que consiste em propor, defender e sustentar, contra qualquer outra evidência lógica em sentido contrário, soluções, propostas, medidas práticas, iniciativas teóricas ou mesmo teses (em alguns casos, antíteses) que só existem no Brasil e que só aqui funcionam, como se o mundo tivesse mesmo de se curvar ante nossas soluções inovadoras para velhos problemas humanos e antigos dilemas sociais.” (Apud e copyright, Paulo R. de Almeida, op. cit., p. 1).
Voilà! Creio que a teoria está mais ou menos exposta, segundo o velho princípio de que “para cada problema complexo, existe uma solução simples, em geral equivocada”. Como eu ainda explicava no citado trabalho, a teoria da jabuticaba pertence a essa família das respostas rápidas a problemas complicados que, aparentemente, se conformam ao chamado senso comum, mas que no fundo derivam de concepções equivocadas sobre a origem desses problemas e apontam para soluções mais errôneas ainda. Nem por isso essas soluções “geniais” deixam de ser apresentadas como a mais perfeita resposta “indígena”, isto é autônoma, a problemas supostamente universais, enchendo de justo orgulho patriótico seus formuladores e promotores.
Eu ainda fazia digressões de cunho teórico e metodológico, tentando explicar de modo claro o estatuto da “coisa” e procurando validar seus fundamentos epistemológicos. Eu falei, então, que ela consistia, nitidamente, em uma anomalia lógica (mas que tem toda a aparência de algo normal, ou seja, de solução absolutamente adequada ao problema que tenciona enfrentar), que ela constitui uma contradição nos termos (uma vez que ela consagra o próprio problema que pretende resolver), e que ela, finalmente, é absolutamente indígena (isto é, autóctone, legitimamente nacional, como a fruta que lhe dá o nome, constituindo mais uma dessas nossas contribuições originais para o bem-estar da humanidade, podendo, talvez, rivalizar com o “jeitinho”, a “caipirinha”, a “broa de milho”). Em suma, um “fenômeno”.
Não sei se fui feliz na minha primeira abordagem do problema – os scholars diriam, nesse first approach –, mas eu ainda não consegui terminar a definição de um “tipo-ideal” de explicação “jabuticabal”, em sintonia com o que se espera de uma verdadeira teoria do conhecimento. Não seja por isso, não vamos ficar por aí nos enrolando em teorias quando a realidade brasileira é muito mais rica, motivadora e despreza solenemente qualquer teoria que não se conforma à prática, como sabem todos os empiristas anglo-saxões. Eu tinha, aliás, deixado de lado os contornos conceituais da teoria da jabuticaba, para oferecer, naquele momento, alguns exemplos práticos de como ela se apresentava no Brasil (e do Brasil para o mundo, como sempre acontece, modestamente, como nossas trouvailles mais geniais).
Pois bem, cessa agora tudo o que a antiga musa canta e vamos passar diretamente ao objeto desde segundo ensaio, que como diz o próprio conceito, é uma tentativa, cheia de erros e enrolações. Faço agora apelo à generosidade dos meus (poucos) leitores, para começar um enunciado de casos representativos da “teoria da jabuticaba”. Vale tudo o que se enquadra, de perto ou de longe, em meus citados critérios de inclusividade: anomalia lógica, contradição nos termos e caráter indígena do fenômeno em questão.
Sei que muitos candidatos a case studies não conseguem passar pelo teste de validação e legitimar-se como representativos da espécie, mas vale a tentativa e o esforço analítico, pois uma vez isolado o caso pode-se depois aplicar a famosa teoria popperiana da falsificabilidade e constatar se ele merece ou não elevação ao museu das jabuticabas. Por exemplo seriam o “caixa 2” e os chamados “recursos não contabilizados” exemplos perfeitos dessa teoria ou simples inovações no campo da ciência política e da contabilidade partidária? Mistério ainda não resolvido, mas tenho certeza de que esses exemplos de “informalidade política” devem deixar boquiabertos de admiração os vizinhos imediatos e outros observadores estrangeiros.
Eu listava, nos meus “prolegômenos”, alguns poucos exemplos que me pareciam suficientemente representativos da “minha” teoria – mas estou disposto a compartilhá-la com outros pesquisadores –, dizendo que eram apenas ilustrativos e prometendo completar o rol em prazo razoável. Entre esses poucos casos encontravam-se os seguintes: “bolsa-escola”, “bolsa-família e a “reserva de mercado para jornalistas” (ou seja, a obrigatoriedade de diploma para o exercício da profissão nas redações dos meios de comunicação).
Pois bem, chegou a hora, caro leitor, de arregaçar as mangas, tirar a poeira da memória e começar a colocar no papel todos os casos possíveis e imagináveis de teoria da jabuticaba que possam acorrer à lembrança. A tarefa, devo confessar, nos é imensamente facilitada pela atualidade política, pois esta sempre traz tudo o que é preciso e humanamente imaginável em matéria de exemplos perfeitos e acabados da “nossa” teoria (eu já a estou considerando uma construção coletiva). Não é que, hoje mesmo, dia 1º de julho de 2006, eu leio nos jornais um exemplo totalmente ilustrativo daquilo que pretendemos? Refiro-me ao projeto do ilustre presidente da Câmara dos Deputados sobre a adição de farinha de mandioca ao pão nosso de cada dia, e é justamente por esse exemplo que eu começo a minha lista de case studies.
1) Mandioca no pão: projeto de lei que torna obrigatória a mistura de derivados de mandioca à farinha de trigo, do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), apresentado em 2001, agora em votação final na Câmara dos Deputados. Corre o risco de ser aprovado, para gáudio dos plantadores de mandioca e outros amigos de tubérculos. Mas, atenção deputado: não vale mais patentear a invenção, pois o critério da confidencialidade já foi há muito rompido. Permanecem, no entanto, o salto inventivo, o chamado “estado da arte”, sua aplicabilidade industrial e o caráter absolutamente nacional da genial inovação para o pão nosso de todo dia; ou seja, tudo o que se requer de uma boa invenção tupiniquim, conforme à teoria.
2) Estudos afro-brasileiros e de história da África nas escolas nacionais: mais uma genial contribuição para resgatar nossa dívida imensa com o continente negro, sobretudo em direção dos alemãezinhos e polacos do sul do país, ou seja os descendentes dos imigrantes europeus, que ainda não sabem o quanto os antecessores dos atuais afro-brasileiros sofreram nas mãos dos feitores e latifundiários perversos que fundaram este Estado desigual e racista. Vale um prêmio Unesco de educação.
3) Obrigatoriedade do ensino de espanhol nas escolas primárias: vai no mesmo sentido de agregar valor aos estudos do ciclo básico, contribuindo para a plena integração dos povos do Mercosul e da Comunidade Sul-Americana de Nações, mesmo se eles, os castelhanos, ainda não agiram conforme a “teoria da reciprocidade” (que, como se sabe, comanda ao fichamento de americanos em nossos portos e aeroportos) e não decidiram, até o momento, introduzir o ensino de português em seus currículos correspondentes. Servirá, pelo menos, para constituir um imenso exército de professores treinados em “portunhol” que, como todo mundo sabe, é uma língua perfeitamente necessária e adaptada aos nossos tempos de globalização assimétrica.
4) Estatuto da Desigualdade Racial: Ops, perdão, eu quis dizer “igualdade”, mas é aquele projeto que vocês conhecem, n° 3.198/2000, do Senador Paulo Paim (PT-RS) que visa, africanamente, separar os brasileiros em afro-descendentes, de um lado, e todo o resto do outro. Será algo como “preto no branco”, excluídos os mulatos e assemelhados, o que permite, portanto, deixar as coisas muito mais claras do que elas são hoje, com todo esse racismo insidioso se infiltrando nos poros da nacionalidade. O senador, que já tem alguns problemas com a aritmética simples – ele está sempre querendo corrigir o salário mínimo por um fator de três, que faria estourar de vez o orçamento das prefeituras e da Previdência –, pretende apenas conferir direitos aos que nunca desfrutaram de um bom apartheid organizado em bases racionais pelo Estado. Prêmio Martin Luther King para o senador.
5) O escritor de carteirinha: Trata-se do projeto de Lei nº 4641, apresentado em setembro de 1998 pelo deputado federal Antônio Carlos Pannunzio (PSDB-SP) e que “dispõe sobre o exercício da profissão de escritor”. A Câmara dos Deputados é realmente pródiga em case studies para a nossa teoria e eu ainda nem fiz uma pesquisa em sua base de dados. Acredito que os exemplos seriam ainda mais surpreendentes nas câmaras de vereadores, mas aí o trabalho teria de ser deslocado para um exército inteiro de pesquisadores pagos. Não é preciso, sequer, descrever o projeto, não é, caros colegas escrevinhadores? Eu só queria saber se o escritor profissional terá de trabalhar 8 horas por dia, se ele descontaria imposto sindical, teria férias remuneradas, FGTS, essas coisas. Com a palavra, o nobre deputado.
6) Sociologia e filosofia no ensino médio: traidor da categoria, me dirão alguns leitores, meus colegas. Pois é, não queria dizer, mas eu também pertenço à “tribo” dos sociólogos, embora nunca tenha exercido legalmente a profissão – esqueci de me inscrever na associação da categoria – e vivo por aí pontificando em sociologuês sem o devido registro na classe. Mas, não seja por isso, não deixo de me manifestar virulentamente contra essa iniciativa que visa apenas criar mais uma reserva de mercado legal para um bando de sociólogos e filósofos sem emprego no mercado, além de servir para infernizar a vida dos pobres estudantes com alguma contrafação do marxismo vulgar, sem que eles consigam aprender direito aquilo que deveriam: português, matemáticas, ciências e estudos sociais (onde deveriam estar normalmente compreendidas essas matérias, junto com história e geografia, que não deixam de ser variações sobre um mesmo tema, inclusive com fortes doses de certa religião política). Alerto que eu não tenho nada contra o ensino das duas matérias em quaisquer anos dos ciclos fundamental e médio, e até da pré-escola, se assim decidirem os defensores da iniciativa, mas o que sou contra é essa “obrigatoriedade” que torna tudo o que é bom uma chatice insuportável. Por que é que o Brasil não pode ser um país normal, no qual as pessoas, as associações de pais e mestres, os educadores geniais, enfim, decidem democraticamente, depois de um bom estudo de “custo-benefício”, o que as escolas vão enfiar ou não na cabeça das crianças, sujeitas as decisões a revisões periódicas em função da experiência adquirida e das vantagens constatadas (if any)? Por que é que tudo tem de ser objeto de uma lei obrigatória? Nossa natureza jabuticabal está sempre nos traindo...
Creio que bastam esses casos, por enquanto, mas certamente eles existem em maior número: como, por exemplo, aquele outro projeto de um nobre deputado que pretende limitar o rendimento máximo dos brasileiros, desviando tudo o que ultrapassar um valor limite para uma poupança coletiva nacional. A cooperação de meus leitores não deixará de enriquecer a galeria de candidatos a exemplos puros da teoria da jabuticaba. Não me parecem ainda suficientemente claras as razões desse extraordinário sucesso, no Brasil, da teoria – não da fruta, obviamente – mas pode ter algo a ver com nossas bizarrices institucionais. Afinal de contas, qual é o país que consegue ter, simultaneamente, dois chefes de governo (e de Estado) atuando paralelamente, ambos dotados de plenos poderes para assinar atos legais? Sim, ninguém ainda ouviu dizer que quando o presidente viaja – e fica lá fora, assinando acordos internacionais, ou seja, no pleno exercício de seu mandato – o vice, montado na cadeira presidencial, também assina leis e outros atos de sua potestade imperial? Um país que tem coisas desse gênero, pode ter quaisquer outras coisas, podendo-se daí deduzir que a teoria da jabuticaba ainda tem, em nosso país, brilhantes dias (e anos) pela frente.
Com a ajuda dos leitores, nós vamos mapear todos esses casos, descrevê-los e extrair sua racionalidade intrínseca – sim, eles devem ter alguma, do contrário não se sustentariam no plano da institucionalidade jurídica e não se validariam do ponto de vista da teoria pura – de maneira a oferecer ao mundo mais alguns lampejos de nossa genialidade. Espero, portanto, a colaboração voluntária de todos – e de todas, como convém, agora, segundo um outro projeto de lei, que visa evitar, justamente, discriminações de gênero – nesse esforço jabuticabal de teorizar sobre o inútil e o absurdo. Se por um desses acasos do destino – e num desses exercícios de história virtual –, Kant fosse transplantado de Königsberg para este patropi, jamais teria conseguido escrever seus muitos tratados de filosofia, ou então teria virado um passista de escola de samba, com sua peruca empoada e sua bengala de mestre-sala. Enfim, alguma razão deve haver para tantos exemplos de surrealismo cotidiano em nossa terra. Com sua ajuda, encontraremos a explicação, caro leitor...
Brasília, 2 de julho de 2006
Teoria da jabuticaba, II: estudos de casos
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2 julho 2006, 5 p.
Continuidade do exercício iniciado com o trabalho 1488, listando casos dignos de estudos e de serem enquadrados no modelo teórico pretendido.
Em outubro de 2005, retirando das catacumbas de meu pensamento algo que me incomodava desde longos anos, eu finalmente tive a petulância de redigir um pequeno ensaio sobre algumas das idiossincrasias nacionais, ou seja, nossa indesmentível tendência a achar – e oferecer ao resto da humanidade – soluções geniais a alguns dos mais velhos problemas que angustiam essa mesma humanidade. Dei ao pequeno ensaio o título sofisticado de “Teoria da jabuticaba, I: prolegômenos”, mas à época ele estava tão simplesmente apresentado como um conjunto de considerações sobre uma nova teoria em formação. Vejam que modesto, consciente e honesto pesquisador eu sou, sempre preocupado em não vender gato por lebre, nunca pretendendo oferecer aos leitores uma teoria grandiosa, quando eu tinha apenas os rabiscos de uma crítica à razão tupiniquim.
Em sua versão parcial e reconhecidamente incompleta – uma vez que eu não tinha ainda sido capaz de elaborar um verdadeiro tratado filosófico sobre essa nova “teoria da jabuticaba” –, esse texto preliminar foi publicado na revista eletrônica Espaço Acadêmico (nº 54, novembro de 2005; link: http://www.espacoacademico.com.br/054/54almeida.htm) e ficou desde então aguardando complementação. Ou seja, os meus “prolegômenos” deveriam receber elaboração mais sofisticada, tendo em vista sua possível relevância teórica na vida intelectual do país e sua importância prática para a própria organização da nacionalidade.
Explico agora resumidamente do que se trata e volto em seguida ao objeto deste texto que recebe o elegante número romano II, indicando que eu pretendo justamente oferecer case studies, como diriam nossos colegas anglo-saxões, também conhecidos como scholars. Repito aqui o que já disse antes a título de introdução à citada teoria:
“Teoria da jabuticaba é tudo aquilo que só existe no Brasil, como essa saborosa fruta selvagem da respeitada família das mirtáceas (myrciaria jaboticaba). Isso significa pertencer a uma família de ‘explicações sociais’ única e exclusiva neste planeta, situação inédita no plano universal, que consiste em propor, defender e sustentar, contra qualquer outra evidência lógica em sentido contrário, soluções, propostas, medidas práticas, iniciativas teóricas ou mesmo teses (em alguns casos, antíteses) que só existem no Brasil e que só aqui funcionam, como se o mundo tivesse mesmo de se curvar ante nossas soluções inovadoras para velhos problemas humanos e antigos dilemas sociais.” (Apud e copyright, Paulo R. de Almeida, op. cit., p. 1).
Voilà! Creio que a teoria está mais ou menos exposta, segundo o velho princípio de que “para cada problema complexo, existe uma solução simples, em geral equivocada”. Como eu ainda explicava no citado trabalho, a teoria da jabuticaba pertence a essa família das respostas rápidas a problemas complicados que, aparentemente, se conformam ao chamado senso comum, mas que no fundo derivam de concepções equivocadas sobre a origem desses problemas e apontam para soluções mais errôneas ainda. Nem por isso essas soluções “geniais” deixam de ser apresentadas como a mais perfeita resposta “indígena”, isto é autônoma, a problemas supostamente universais, enchendo de justo orgulho patriótico seus formuladores e promotores.
Eu ainda fazia digressões de cunho teórico e metodológico, tentando explicar de modo claro o estatuto da “coisa” e procurando validar seus fundamentos epistemológicos. Eu falei, então, que ela consistia, nitidamente, em uma anomalia lógica (mas que tem toda a aparência de algo normal, ou seja, de solução absolutamente adequada ao problema que tenciona enfrentar), que ela constitui uma contradição nos termos (uma vez que ela consagra o próprio problema que pretende resolver), e que ela, finalmente, é absolutamente indígena (isto é, autóctone, legitimamente nacional, como a fruta que lhe dá o nome, constituindo mais uma dessas nossas contribuições originais para o bem-estar da humanidade, podendo, talvez, rivalizar com o “jeitinho”, a “caipirinha”, a “broa de milho”). Em suma, um “fenômeno”.
Não sei se fui feliz na minha primeira abordagem do problema – os scholars diriam, nesse first approach –, mas eu ainda não consegui terminar a definição de um “tipo-ideal” de explicação “jabuticabal”, em sintonia com o que se espera de uma verdadeira teoria do conhecimento. Não seja por isso, não vamos ficar por aí nos enrolando em teorias quando a realidade brasileira é muito mais rica, motivadora e despreza solenemente qualquer teoria que não se conforma à prática, como sabem todos os empiristas anglo-saxões. Eu tinha, aliás, deixado de lado os contornos conceituais da teoria da jabuticaba, para oferecer, naquele momento, alguns exemplos práticos de como ela se apresentava no Brasil (e do Brasil para o mundo, como sempre acontece, modestamente, como nossas trouvailles mais geniais).
Pois bem, cessa agora tudo o que a antiga musa canta e vamos passar diretamente ao objeto desde segundo ensaio, que como diz o próprio conceito, é uma tentativa, cheia de erros e enrolações. Faço agora apelo à generosidade dos meus (poucos) leitores, para começar um enunciado de casos representativos da “teoria da jabuticaba”. Vale tudo o que se enquadra, de perto ou de longe, em meus citados critérios de inclusividade: anomalia lógica, contradição nos termos e caráter indígena do fenômeno em questão.
Sei que muitos candidatos a case studies não conseguem passar pelo teste de validação e legitimar-se como representativos da espécie, mas vale a tentativa e o esforço analítico, pois uma vez isolado o caso pode-se depois aplicar a famosa teoria popperiana da falsificabilidade e constatar se ele merece ou não elevação ao museu das jabuticabas. Por exemplo seriam o “caixa 2” e os chamados “recursos não contabilizados” exemplos perfeitos dessa teoria ou simples inovações no campo da ciência política e da contabilidade partidária? Mistério ainda não resolvido, mas tenho certeza de que esses exemplos de “informalidade política” devem deixar boquiabertos de admiração os vizinhos imediatos e outros observadores estrangeiros.
Eu listava, nos meus “prolegômenos”, alguns poucos exemplos que me pareciam suficientemente representativos da “minha” teoria – mas estou disposto a compartilhá-la com outros pesquisadores –, dizendo que eram apenas ilustrativos e prometendo completar o rol em prazo razoável. Entre esses poucos casos encontravam-se os seguintes: “bolsa-escola”, “bolsa-família e a “reserva de mercado para jornalistas” (ou seja, a obrigatoriedade de diploma para o exercício da profissão nas redações dos meios de comunicação).
Pois bem, chegou a hora, caro leitor, de arregaçar as mangas, tirar a poeira da memória e começar a colocar no papel todos os casos possíveis e imagináveis de teoria da jabuticaba que possam acorrer à lembrança. A tarefa, devo confessar, nos é imensamente facilitada pela atualidade política, pois esta sempre traz tudo o que é preciso e humanamente imaginável em matéria de exemplos perfeitos e acabados da “nossa” teoria (eu já a estou considerando uma construção coletiva). Não é que, hoje mesmo, dia 1º de julho de 2006, eu leio nos jornais um exemplo totalmente ilustrativo daquilo que pretendemos? Refiro-me ao projeto do ilustre presidente da Câmara dos Deputados sobre a adição de farinha de mandioca ao pão nosso de cada dia, e é justamente por esse exemplo que eu começo a minha lista de case studies.
1) Mandioca no pão: projeto de lei que torna obrigatória a mistura de derivados de mandioca à farinha de trigo, do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), apresentado em 2001, agora em votação final na Câmara dos Deputados. Corre o risco de ser aprovado, para gáudio dos plantadores de mandioca e outros amigos de tubérculos. Mas, atenção deputado: não vale mais patentear a invenção, pois o critério da confidencialidade já foi há muito rompido. Permanecem, no entanto, o salto inventivo, o chamado “estado da arte”, sua aplicabilidade industrial e o caráter absolutamente nacional da genial inovação para o pão nosso de todo dia; ou seja, tudo o que se requer de uma boa invenção tupiniquim, conforme à teoria.
2) Estudos afro-brasileiros e de história da África nas escolas nacionais: mais uma genial contribuição para resgatar nossa dívida imensa com o continente negro, sobretudo em direção dos alemãezinhos e polacos do sul do país, ou seja os descendentes dos imigrantes europeus, que ainda não sabem o quanto os antecessores dos atuais afro-brasileiros sofreram nas mãos dos feitores e latifundiários perversos que fundaram este Estado desigual e racista. Vale um prêmio Unesco de educação.
3) Obrigatoriedade do ensino de espanhol nas escolas primárias: vai no mesmo sentido de agregar valor aos estudos do ciclo básico, contribuindo para a plena integração dos povos do Mercosul e da Comunidade Sul-Americana de Nações, mesmo se eles, os castelhanos, ainda não agiram conforme a “teoria da reciprocidade” (que, como se sabe, comanda ao fichamento de americanos em nossos portos e aeroportos) e não decidiram, até o momento, introduzir o ensino de português em seus currículos correspondentes. Servirá, pelo menos, para constituir um imenso exército de professores treinados em “portunhol” que, como todo mundo sabe, é uma língua perfeitamente necessária e adaptada aos nossos tempos de globalização assimétrica.
4) Estatuto da Desigualdade Racial: Ops, perdão, eu quis dizer “igualdade”, mas é aquele projeto que vocês conhecem, n° 3.198/2000, do Senador Paulo Paim (PT-RS) que visa, africanamente, separar os brasileiros em afro-descendentes, de um lado, e todo o resto do outro. Será algo como “preto no branco”, excluídos os mulatos e assemelhados, o que permite, portanto, deixar as coisas muito mais claras do que elas são hoje, com todo esse racismo insidioso se infiltrando nos poros da nacionalidade. O senador, que já tem alguns problemas com a aritmética simples – ele está sempre querendo corrigir o salário mínimo por um fator de três, que faria estourar de vez o orçamento das prefeituras e da Previdência –, pretende apenas conferir direitos aos que nunca desfrutaram de um bom apartheid organizado em bases racionais pelo Estado. Prêmio Martin Luther King para o senador.
5) O escritor de carteirinha: Trata-se do projeto de Lei nº 4641, apresentado em setembro de 1998 pelo deputado federal Antônio Carlos Pannunzio (PSDB-SP) e que “dispõe sobre o exercício da profissão de escritor”. A Câmara dos Deputados é realmente pródiga em case studies para a nossa teoria e eu ainda nem fiz uma pesquisa em sua base de dados. Acredito que os exemplos seriam ainda mais surpreendentes nas câmaras de vereadores, mas aí o trabalho teria de ser deslocado para um exército inteiro de pesquisadores pagos. Não é preciso, sequer, descrever o projeto, não é, caros colegas escrevinhadores? Eu só queria saber se o escritor profissional terá de trabalhar 8 horas por dia, se ele descontaria imposto sindical, teria férias remuneradas, FGTS, essas coisas. Com a palavra, o nobre deputado.
6) Sociologia e filosofia no ensino médio: traidor da categoria, me dirão alguns leitores, meus colegas. Pois é, não queria dizer, mas eu também pertenço à “tribo” dos sociólogos, embora nunca tenha exercido legalmente a profissão – esqueci de me inscrever na associação da categoria – e vivo por aí pontificando em sociologuês sem o devido registro na classe. Mas, não seja por isso, não deixo de me manifestar virulentamente contra essa iniciativa que visa apenas criar mais uma reserva de mercado legal para um bando de sociólogos e filósofos sem emprego no mercado, além de servir para infernizar a vida dos pobres estudantes com alguma contrafação do marxismo vulgar, sem que eles consigam aprender direito aquilo que deveriam: português, matemáticas, ciências e estudos sociais (onde deveriam estar normalmente compreendidas essas matérias, junto com história e geografia, que não deixam de ser variações sobre um mesmo tema, inclusive com fortes doses de certa religião política). Alerto que eu não tenho nada contra o ensino das duas matérias em quaisquer anos dos ciclos fundamental e médio, e até da pré-escola, se assim decidirem os defensores da iniciativa, mas o que sou contra é essa “obrigatoriedade” que torna tudo o que é bom uma chatice insuportável. Por que é que o Brasil não pode ser um país normal, no qual as pessoas, as associações de pais e mestres, os educadores geniais, enfim, decidem democraticamente, depois de um bom estudo de “custo-benefício”, o que as escolas vão enfiar ou não na cabeça das crianças, sujeitas as decisões a revisões periódicas em função da experiência adquirida e das vantagens constatadas (if any)? Por que é que tudo tem de ser objeto de uma lei obrigatória? Nossa natureza jabuticabal está sempre nos traindo...
Creio que bastam esses casos, por enquanto, mas certamente eles existem em maior número: como, por exemplo, aquele outro projeto de um nobre deputado que pretende limitar o rendimento máximo dos brasileiros, desviando tudo o que ultrapassar um valor limite para uma poupança coletiva nacional. A cooperação de meus leitores não deixará de enriquecer a galeria de candidatos a exemplos puros da teoria da jabuticaba. Não me parecem ainda suficientemente claras as razões desse extraordinário sucesso, no Brasil, da teoria – não da fruta, obviamente – mas pode ter algo a ver com nossas bizarrices institucionais. Afinal de contas, qual é o país que consegue ter, simultaneamente, dois chefes de governo (e de Estado) atuando paralelamente, ambos dotados de plenos poderes para assinar atos legais? Sim, ninguém ainda ouviu dizer que quando o presidente viaja – e fica lá fora, assinando acordos internacionais, ou seja, no pleno exercício de seu mandato – o vice, montado na cadeira presidencial, também assina leis e outros atos de sua potestade imperial? Um país que tem coisas desse gênero, pode ter quaisquer outras coisas, podendo-se daí deduzir que a teoria da jabuticaba ainda tem, em nosso país, brilhantes dias (e anos) pela frente.
Com a ajuda dos leitores, nós vamos mapear todos esses casos, descrevê-los e extrair sua racionalidade intrínseca – sim, eles devem ter alguma, do contrário não se sustentariam no plano da institucionalidade jurídica e não se validariam do ponto de vista da teoria pura – de maneira a oferecer ao mundo mais alguns lampejos de nossa genialidade. Espero, portanto, a colaboração voluntária de todos – e de todas, como convém, agora, segundo um outro projeto de lei, que visa evitar, justamente, discriminações de gênero – nesse esforço jabuticabal de teorizar sobre o inútil e o absurdo. Se por um desses acasos do destino – e num desses exercícios de história virtual –, Kant fosse transplantado de Königsberg para este patropi, jamais teria conseguido escrever seus muitos tratados de filosofia, ou então teria virado um passista de escola de samba, com sua peruca empoada e sua bengala de mestre-sala. Enfim, alguma razão deve haver para tantos exemplos de surrealismo cotidiano em nossa terra. Com sua ajuda, encontraremos a explicação, caro leitor...
Brasília, 2 de julho de 2006
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