Durante anos fomos encantados com a genialidade do governo, "assegurando o crescimento da economia". Resulta que a economia mundial estava em expansão e o mundo comprava do Brasil, não o Brasil vendia ao mundo.
As coisas podem mudar, como sempre ocorre. Melhor o governo estar preparado. Estará?
Paulo Roberto de Almeida
Caminhando com o vento
Alexandre Schwartsman
Blog A Mão Visível, 06/01/11
Há algumas semanas fui pedalar na ciclovia às margens do Rio Pinheiros. Depois de Jurubatuba (para os não-paulistanos, é muito, muito longe mesmo) eu e um amigo nos congratulamos pelo estupendo preparo: pedalávamos a 37 km/h, sem o menor sinal de cansaço. Claro que, na volta, agora contra o vento que ajudara na ida, a média mal passou dos 20 km/h, e cheguei à minha casa à beira da exaustão. Enquanto ofegava e maldizia a ventania, refletia (o que mais me restava a fazer?) como é fácil atribuir o desempenho favorável aos nossos méritos e as dificuldades a fatores externos, embora, a bem da verdade, o vento tenha soprado na mesma direção o tempo todo.
No caso do Brasil, ventos externos têm sido – à exceção do final de 2008 e começo de 2009 – bastante favoráveis. Preços de commodities começaram a subir a partir do último trimestre de 2001 e, ao final de 2010, haviam aumentado nada menos do que 75%, já deduzida a inflação. Como o Brasil é um exportador líquido de commodities, a elevação dos seus preços traduziu-se também numa melhora expressiva dos termos de troca, isto é, da relação entre o preço das coisas que o Brasil exporta e o dos bens que importa. Nesse mesmo período (do quarto trimestre de 2001 ao quarto de 2010), esta variável teve uma melhora de 34%, como mostrado no gráfico.
Posta dessa forma, todavia, a afirmação fica algo abstrata. Certo, os termos de troca melhoraram, mas como mesmo isto beneficia o país? No que segue tentamos uma resposta (aproximada) a esta pergunta.
Para começar, precisamos de um marco de referência para aquela variável, isto é, um padrão contra o qual possamos medir os valores observados. A este respeito, a evidência empírica sugere (sujeita a dúvidas, porém) que os termos de troca no Brasil tendem a retornar à sua média, embora a uma velocidade glacial (são necessários cerca de dois anos para andar metade do caminho de volta). Esta característica permite que usemos a média como nosso padrão de referência.
Tomando, pois, esse padrão e considerando as quantidades observadas de bens exportados e importados, é possível estimar qual teria sido o valor do saldo da balança comercial caso os termos de troca tivessem se mantido na média, ao invés dos valores efetivamente observados.
Diga-se desde já, há uma simplificação considerável neste cálculo. Com efeito, caso os termos de troca observados sejam melhores do que a média histórica, a taxa de câmbio real deveria também se apreciar, o que se traduziria numa redução das quantidades exportadas e aumento das importadas em relação à situação hipotética de termos de troca iguais à média. Em nome da simplicidade, porém, ignoramos este efeito.
Feitas as contas, estimamos que a balança comercial – que nos 12 meses até novembro de 2010 apresentou superávit de US$ 17 bilhões – teria registrado um déficit de US$ 35 bilhões caso os termos de troca estivessem no seu valor médio. Houve, sob esta ótica, um ganho a favor do Brasil da ordem de US$ 52 bilhões, equivalente a 2,6% do PIB.
No gráfico traçamos as estimativas de ganhos e perdas associados ao desvio dos termos de troca relativamente à média. Assim, quando esses registravam seu pior momento no período (nos 12 meses terminados em agosto de 2003), calculamos que o país sofria uma perda equivalente a 1,3% do PIB, enquanto o maior ganho da série teria sido observado precisamente em novembro passado (os 2,6% do PIB já mencionados). Em outras palavras, a melhora dos termos de troca, decorrência do aumento do preço de commodities, implicou um ganho próximo a 4% do PIB nos últimos 7 anos.
Isto permitiria que a demanda doméstica crescesse em torno de 0,5% ao ano mais rápido do que o PIB no período mantendo a balança comercial inalterada. Como o crescimento da demanda interna relativamente ao PIB foi algo maior (em torno de 0,7% ao ano), houve alguma redução no saldo comercial relativamente ao observado em meados de 2003.
Concretamente, pois, os ganhos de termos de troca permitiram que a demanda doméstica assumisse a liderança do crescimento, expressa numa taxa de expansão média pouco inferior a 5% ao ano, revertendo, na prática, o padrão observado no período anterior, marcado pela deterioração expressiva dos daquela variável.
Tais estimativas, ainda que aproximadas, têm implicações claras para a política doméstica. A menos que se espere, ao contrário de toda experiência, que o ciclo positivo de commodities seja infinito, o país deveria se preparar desde já para a possibilidade de reversão, em particular aproveitando o momento favorável de crescimento para deixar as contas fiscais em ordem. Ou então, quando o vento mudar, veremos que o preparo não é o que imaginávamos, e que o risco de exaustão está bastante presente.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
Um emprego público melhor do que passar em concurso: membro de conselho de estatais
Empregando a companheirada: governo Lula inchou conselhos de estatais
Reinaldo Azevedo, 17/01/11
Uma lei aprovada nos últimos dias do governo de Luiz Inácio Lula da Silva vai aumentar ainda mais o total de cargos e gastos com conselheiros de administração de empresas estatais. Alvo da cobiça de partidos, cerca de 240 cargos em 40 estatais complementam a renda de ministros e funcionários do segundo escalão, além de fornecer acesso a informações estratégicas de algumas das principais empresas do país. Levantamento feito pela Folha (por Cirilo Junior e Janaína Lage) mostra que os gastos com a remuneração de conselheiros somam cerca de R$ 9 milhões por ano para o pagamento de funções que exigem a presença do conselheiro de quatro a, no máximo, 12 vezes por ano. O valor contabiliza apenas a remuneração direta dos conselheiros e não inclui os valores com passagens e hospedagens, por exemplo.
No dia 29 de dezembro foi publicada a lei 12.353/2010, que prevê a criação de vagas para um representante dos funcionários de empresas públicas nos conselhos de administração. A medida é associada a boas práticas de gestão e foi comemorada entre os sindicatos, mas, além das vagas para os empregados, a lei abre uma brecha para a criação de um número maior de cargos.
Reinaldo Azevedo, 17/01/11
Uma lei aprovada nos últimos dias do governo de Luiz Inácio Lula da Silva vai aumentar ainda mais o total de cargos e gastos com conselheiros de administração de empresas estatais. Alvo da cobiça de partidos, cerca de 240 cargos em 40 estatais complementam a renda de ministros e funcionários do segundo escalão, além de fornecer acesso a informações estratégicas de algumas das principais empresas do país. Levantamento feito pela Folha (por Cirilo Junior e Janaína Lage) mostra que os gastos com a remuneração de conselheiros somam cerca de R$ 9 milhões por ano para o pagamento de funções que exigem a presença do conselheiro de quatro a, no máximo, 12 vezes por ano. O valor contabiliza apenas a remuneração direta dos conselheiros e não inclui os valores com passagens e hospedagens, por exemplo.
No dia 29 de dezembro foi publicada a lei 12.353/2010, que prevê a criação de vagas para um representante dos funcionários de empresas públicas nos conselhos de administração. A medida é associada a boas práticas de gestão e foi comemorada entre os sindicatos, mas, além das vagas para os empregados, a lei abre uma brecha para a criação de um número maior de cargos.
A falacia do salario minimo como promotor do crescimento e nivelador das desigualdades
O debate do Salário Mínimo
Blog do Mansueto Almeida
16/01/2011
Acho que vale a pena ler o artigo de autoria do presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil, Antônio Neto, publicado no dia 15 de janeiro na Folha de São Paulo, no qual defende um aumento do mínimo superior a R$ 540. Quando digo que “vale a pena” é porque os argumentos que ele utiliza para defender um salário mínimo maior estão, na minha opnião, equivocados. Vamos aos argumentos e aos contra-argumentos.
(1) “A valorização do salário mínimo foi o principal instrumento que desencadeou o processo de ascensão social no Brasil”.
Bom, acho que isso não é verdade. De 2003 a 2008, 75% do crescimento da renda média do brasileiro vem da renda do trabalho que foi afetada pelo esforço de universalização de educação que fizemos nos anos da década de 1990. Essa mão de obra de maior escolaridade encontrou emprego a partir do boom da criação do emprego formal depois de 2003, quando passamos a gerar mais do que o dobro de empregos formais por ano quando comparado com 2000-2003. O salario mínimo não foi o fator mais importante por trás da ascensão social do Brasil. (ver Neri, 2010)
(2) “O aumento justo do mínimo cria o círculo virtuoso que move a economia do país. Embora com os avanços significativos, o salário está muito aquém do ideal”.
O salario mínimo tem sim um efeito demanda, mas o outro lado dessa politica é uma carga tributária crescente, já que o mínimo tem um elevado custo fiscal. Segundo as projeções oficiais do governo no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), cada R$ 1 de aumento do mínimo tem um impacto fiscal de (líquido da receita previdenciária adicional) de R$ 286,4 milhões. Assim, cada R$ 10 a mais de aumento do mínimo traz um impacto de R$ 2,8 bilhões.
(3) “As centrais apoiam a determinação da presidente de priorizar a erradicação da pobreza. Por esse motivo, defendem o aumento do mínimo para R$ 580, fator estratégico para essa finalidade.”
Essa afirmação também está errada. Estudo do economista do IPEA Ricardo Paes de Barros (ver Barros, 2007) mostra que R$ 1 a mais de bolsa-família tem efeito muito superior ao aumento correspondente do salario mínimo para reduzir a extrema pobreza, pobreza e desigualdade de renda. A diferença é grande. Para os 10% mais pobres, por exemplo o efeito do bolsa-família (no aumento da renda) é mais de dez vezes superior ao mesmo aumento do salário-mínimo.
Nesses dias publico artigo no Valor Econômico onde detalho melhor esses contra-argumentos. Mas para aqueles que querem duas boas leituras sobre o assunto, recomendo os dois textos abaixo:
Barros, R. P. (2007). A Efetividade do Salário Mínimo em Comparação à do Programa Bolsa Família como Instrumento de Redução da Pobreza e da Desigualdade. Desigualdade de Renda no Brasil: uma análise da queda recente (volume 2). R. P. Barros, M. N. Foguel and G. Ulyssea. Rio de Janeiro, IPEA. II: 507-549.
Neri, M. C. (2010). The decade of falling income inequality and formal employment generation in Brazil. Tackling Inequalities in Brazil, China, India and South Africa – The Role of Labour Market and Social Policies. OECD. Geneve, OECD: 57-107.
Blog do Mansueto Almeida
16/01/2011
Acho que vale a pena ler o artigo de autoria do presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil, Antônio Neto, publicado no dia 15 de janeiro na Folha de São Paulo, no qual defende um aumento do mínimo superior a R$ 540. Quando digo que “vale a pena” é porque os argumentos que ele utiliza para defender um salário mínimo maior estão, na minha opnião, equivocados. Vamos aos argumentos e aos contra-argumentos.
(1) “A valorização do salário mínimo foi o principal instrumento que desencadeou o processo de ascensão social no Brasil”.
Bom, acho que isso não é verdade. De 2003 a 2008, 75% do crescimento da renda média do brasileiro vem da renda do trabalho que foi afetada pelo esforço de universalização de educação que fizemos nos anos da década de 1990. Essa mão de obra de maior escolaridade encontrou emprego a partir do boom da criação do emprego formal depois de 2003, quando passamos a gerar mais do que o dobro de empregos formais por ano quando comparado com 2000-2003. O salario mínimo não foi o fator mais importante por trás da ascensão social do Brasil. (ver Neri, 2010)
(2) “O aumento justo do mínimo cria o círculo virtuoso que move a economia do país. Embora com os avanços significativos, o salário está muito aquém do ideal”.
O salario mínimo tem sim um efeito demanda, mas o outro lado dessa politica é uma carga tributária crescente, já que o mínimo tem um elevado custo fiscal. Segundo as projeções oficiais do governo no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), cada R$ 1 de aumento do mínimo tem um impacto fiscal de (líquido da receita previdenciária adicional) de R$ 286,4 milhões. Assim, cada R$ 10 a mais de aumento do mínimo traz um impacto de R$ 2,8 bilhões.
(3) “As centrais apoiam a determinação da presidente de priorizar a erradicação da pobreza. Por esse motivo, defendem o aumento do mínimo para R$ 580, fator estratégico para essa finalidade.”
Essa afirmação também está errada. Estudo do economista do IPEA Ricardo Paes de Barros (ver Barros, 2007) mostra que R$ 1 a mais de bolsa-família tem efeito muito superior ao aumento correspondente do salario mínimo para reduzir a extrema pobreza, pobreza e desigualdade de renda. A diferença é grande. Para os 10% mais pobres, por exemplo o efeito do bolsa-família (no aumento da renda) é mais de dez vezes superior ao mesmo aumento do salário-mínimo.
Nesses dias publico artigo no Valor Econômico onde detalho melhor esses contra-argumentos. Mas para aqueles que querem duas boas leituras sobre o assunto, recomendo os dois textos abaixo:
Barros, R. P. (2007). A Efetividade do Salário Mínimo em Comparação à do Programa Bolsa Família como Instrumento de Redução da Pobreza e da Desigualdade. Desigualdade de Renda no Brasil: uma análise da queda recente (volume 2). R. P. Barros, M. N. Foguel and G. Ulyssea. Rio de Janeiro, IPEA. II: 507-549.
Neri, M. C. (2010). The decade of falling income inequality and formal employment generation in Brazil. Tackling Inequalities in Brazil, China, India and South Africa – The Role of Labour Market and Social Policies. OECD. Geneve, OECD: 57-107.
Socorros bancários: ajudando bancos falidos e desaprendendo a história
Em 1873, Walter Bagehot (1826-1877), um jornalista econômico britânico e editorialista da revista Economist, escreveu um texto sobre o perigo de um governo imiscuir-se no setor bancário e sobretudo de utilizar o dinheiro público para salvar um banco mal gerido.
A lição continua atual ainda hoje:
Still less should it [the government] give peculiar favour to any one [bank], and by entrusting it with the Government account secure to it a mischievous supremacy above all other banks. The skill of a financier in such an age is to equalise the receipt of taxation, and the outgoing of expenditure; it should be a principal care with him to make sure that more should not be locked up at a particular moment in the Government coffers than is usually locked up there. If the amount of dead capital so buried in the Treasury does not at any time much exceed the common average, the evil so caused is inconsiderable: it is only the loss of interest on a certain sum of money, which would not be much of a burden on the whole nation; the additional taxation it would cause would be inconsiderable. Such an evil is nothing in comparison with that of losing the money necessary for inevitable expense by entrusting it to a bad bank, or that of recovering this money by identifying the national credit with the bad bank and so propping it up and perpetuating it. So long as the security of the Money Market is not entirely to be relied on, the Government of a country had much better leave it to itself and keep its own money. If the banks are bad, they will certainly continue bad and will probably become worse if the Government sustains and encourages them. The cardinal maxim is, that any aid to a present bad bank is the surest mode of preventing the establishment of a future good bank.
Retirado da biblioteca Online Library of Liberty.
A lição continua atual ainda hoje:
Still less should it [the government] give peculiar favour to any one [bank], and by entrusting it with the Government account secure to it a mischievous supremacy above all other banks. The skill of a financier in such an age is to equalise the receipt of taxation, and the outgoing of expenditure; it should be a principal care with him to make sure that more should not be locked up at a particular moment in the Government coffers than is usually locked up there. If the amount of dead capital so buried in the Treasury does not at any time much exceed the common average, the evil so caused is inconsiderable: it is only the loss of interest on a certain sum of money, which would not be much of a burden on the whole nation; the additional taxation it would cause would be inconsiderable. Such an evil is nothing in comparison with that of losing the money necessary for inevitable expense by entrusting it to a bad bank, or that of recovering this money by identifying the national credit with the bad bank and so propping it up and perpetuating it. So long as the security of the Money Market is not entirely to be relied on, the Government of a country had much better leave it to itself and keep its own money. If the banks are bad, they will certainly continue bad and will probably become worse if the Government sustains and encourages them. The cardinal maxim is, that any aid to a present bad bank is the surest mode of preventing the establishment of a future good bank.
Retirado da biblioteca Online Library of Liberty.
Previsoes Imprevisiveis para 2011: um exercício contrarianista
Meu artigo contrariando o senso comum, de previsões pouco astrológicas para 2011, foi publicado em Via Política.
Previsões imprevisíveis para o Brasil em 2011
Resoluções para o novo governo à maneira de Benjamin Franklin
Por Paulo Roberto de Almeida
www.pralmeida.org
Via Política, 17/01.2011
Benjamin Franklin, por Amir Taqi
Todo começo de ano tenho por hábito estabelecer minha pequena lista de previsões imprevisíveis, que são aquelas que, à diferença das generosas promessas dos astrólogos, não correm nenhum risco de acontecer. Como já fiz no passado, vou buscar inspiração num homem que deixou sua marca na vida de todos nós, uma vez que ele figura nas notas de 100 dólares, provavelmente o bilhete mais transacionado da história monetária mundial. Refiro-me, claro, a Benjamin Franklin, sobre quem já li a biografia do historiador H. W. Brands, The First American: The Life and Times of Benjamin Franklin (New York: Anchor Books, 2000), aliás, uma das melhores no mercado.
Percorrendo o livro em busca de “curiosidades intelectuais” sobre o biografado, constatei que Benjamim Franklin estabeleceu para si mesmo, ainda muito jovem, todo um programa de aperfeiçoamento de sua vida pessoal, que ele chamou de “vigoroso e árduo projeto de alcançar a perfeição moral”. Ele primeiro concebeu e redigiu 12 “virtudes cardeais”, às quais agregou, mais tarde, uma 13a (por acaso um número tabu para os americanos, a ponto de poucos edifícios terem o 13º andar). Vão aqui transcritas a título de informação sobre como Franklin pretendia levar uma vida virtuosa:
1. Temperança: Não coma em excesso. Não beba a ponto de perder os sentidos.
2. Silêncio: Só fale o que puder beneficiar os outros ou a si mesmo. Evite conversas vazias.
3. Ordem: Faça com que cada coisa tenha o seu lugar. Faça com que cada parte de suas atividades tenha o seu tempo.
4. Resolução: Decida cumprir aquilo que deve ser feito. Realize sem falhas aquilo que você decidiu fazer.
5. Frugalidade: Faça unicamente despesas que resultem em benefício dos outros ou de si mesmo. Não desperdice nada.
6. Indústria: Não perca tempo. Esteja sempre ocupado com alguma coisa útil. Elimine todas as ações desnecessárias.
7. Sinceridade: Não decepcione ninguém. Pense de maneira inocente e justa, e se você falar, seja consistente.
8. Justiça: Não prejudique ninguém, cometendo ofensas ou omitindo ações que constituem suas obrigações.
9. Moderação: Evite os extremos. Abstenha-se o quanto puder de sentir-se ofendido.
10. Limpeza: Não tolere falta de limpeza pessoal, em suas roupas ou lar.
11. Tranquilidade: Não fique perturbado com coisas menores ou com acidentes comuns ou inevitáveis.
12. Castidade: Recorra ao intercâmbio sexual para manter a saúde ou procriar – nunca em excesso, por fraqueza ou em prejuízo da reputação ou paz de alguém ou de si mesmo.
13. Humildade: Imite Jesus e Sócrates.
(Fonte: Brands, Benjamin Franklin, op. cit., p. 97-98; tradução-adaptação: PRA)
Benjamin Franklin
Pois bem, não creio que possamos seguir, atualmente, todas as regras de Franklin em busca de uma vida virtuosa, sobretudo se pensarmos na esfera política, que é o objeto deste pequeno ensaio. (Por falar nisso, existem políticos virtuosos?) Creio, em todo caso, que esses princípios morais podem servir de inspiração para estabelecermos nossas “previsões imprevisíveis” para 2011. Ou seja: tomando como base o modelo de Benjamin Franklin – que, irônica e involuntariamente, estabeleceu o número mágico de 13 promessas de “bom comportamento” – podemos especular sobre como o governo vai enfrentar suas próprias “resoluções morais”, em termos de gestão pública, a partir de 1º de janeiro de 2011.
Meu desejo sincero é a de o governo siga, mais ou menos fielmente, a maior parte das “recomendações” do jovem Benjamin Franklin, adaptadas, obviamente, à ação dessa entidade coletiva sustentada por todos nós, contribuintes. (Franklin, por acaso, também é o autor daquela famosa frase: “Só existem duas certezas na vida: a morte e os impostos”.) O mais provável, porém, e consoante o espírito desta série, é aquilo que pode não ocorrer, que é justamente o objetivo implícito a estas minhas previsões imprevisíveis (dotadas, alguém poderia dizer, de certo espírito “contrarianista”).
Vejamos, em qualquer hipótese, o que, depois dos exageros do “nunca antes”, o novo governo poderia oferecer, em termos de “virtudes morais”, aos brasileiros contribuintes que todos somos.
1. Temperança (ou, autocontenção)
A recomendação não tem tanto a ver com excessos gastronômicos ou etílicos, e sim com a contenção dos gastos, em especial dos gastos exagerados da máquina pública, que são os que vêm crescendo enormemente nos últimos oito anos. O problema fiscal é, de longe, o mais grave da macroeconomia brasileira, já que o governo vive maquiando suas contas para esconder a diminuição do superávit primário e o aumento da dívida pública, ou seja, o volume de dinheiro que ele deverá pagar em juros e amortizações (o que recairá, na verdade, sobre todos nós, sobrando ainda para nossos filhos e netos).
Como a base de apoio do governo é irremediavelmente gastadora, sobretudo consigo própria – e não em investimentos, como seria desejável – minha previsão pouco imprevisível é a de que não existe nenhuma chance dessa recomendação ser cumprida. Inclusive e principalmente porque os novos donos do poder apreciam sumamente seus gastos privados com dinheiro público. Se não fosse isso, haveria qualquer justificativa moral – para não falar simplesmente de legitimidade ou legalidade política – em que os gastos com cartões corporativos da Presidência da República sejam classificados como “secretos”, como se isso fosse afetar a segurança nacional?
2. Silêncio
Ufa! Desde 2 de janeiro de 2011 estamos livres de três discursos por dia e de um ou dois palanques por semana. Sem exageros: nunca antes na história deste país o ministério da propaganda, o cerimonial do Estado, o pessoal da segurança e todo aquele povo que vive em volta de cerimônias oficiais foram tão mobilizados quanto nos últimos anos para servir de claque obrigatória às perorações infinitas, despejadas sobre todos nós durante oito anos seguidos. Ainda que esses discursos não tenham sido tão longos quanto os de Fidel Castro – que deixava os cubanos ao sol durante seis horas seguidas –, eles foram muito mais numerosos e intensos, repetitivos mesmo. Pode-se apostar que se discursou mais no Brasil, em oito anos, do que na Cuba de Fidel em 50 anos de comunismo.
Nesse particular, pode-se presumir que a “lei do silêncio” tem chances de ser cumprida, pelo menos nos meios oficiais (já que o imitador de Fidel continuará falando pelos cotovelos, como se diz). Melhor seria, na verdade, suprimir completamente o ministério da propaganda, com o que ficaríamos pelo menos livres de toda essa poluição sonora e visual paga com o nosso dinheiro, mas aí a previsão já sai do terreno do imprevisível para o do impossível: poucos governantes dispensam suas máquinas publicitárias (algumas Orwellianas, inclusive).
3. Ordem
Depende do que se entende por ordem. Geralmente se refere, no plano governamental, a um processo decisório bem ordenado, com propostas de políticas setoriais ou de medidas tópicas sendo examinadas cuidadosamente na esfera técnica, com estudos de impacto e previsões de efeitos econômicos ou de outros tipos, enfim, uma análise detida de cada assunto que deva ser objeto de decisão de governo, até que o chefe de Estado (e de governo) se decida por implementá-la, com eventual passagem pelo Legislativo, para discussão, eventuais mudanças e aprovação, antes da sanção presidencial, promulgação e entrada em vigor. Desse ponto de vista, nunca antes neste país tivemos tantas medidas provisórias – com desvio dos requisitos de urgência e relevância nacional – e tantas decisões efetivas sendo adotadas por impulso.
Qualquer que seja o grau de cumprimento desta resolução, impossível não haver uma melhora nos processos, deliberações e debates nos diversos níveis de governo, antes que uma decisão seja efetivamente tomada e implementada. Será um enorme progresso; a menos, claro, que o ministério por cotas, as indicações partidárias e, sobretudo, o “dedaço” carismático contribuam para atribuir a esta previsão o mesmo grau de imprevisibilidade que possuem quase todas as outras.
4. Resolução
Muito simples: todo líder político deve cumprir aquilo com o que se comprometeu publicamente, ainda que não formalmente. Por exemplo: durante a campanha, ocorreram declarações explícitas de bom comportamento tributário, desmentindo a criação de novos impostos e prometendo a não elevação dos existentes. Como cidadãos pagadores de impostos (e como!), vamos constatar se essas declarações, que deveriam valer como resoluções, se mantêm nessa categoria, ou se elas serão, mais uma vez, sepultadas no cemitério das “necessidades inadiáveis” (a pretexto de “melhorar a saúde” ou qualquer outra justificativa esfarrapada).
Mas capacidade de resolução também tem a ver com diversos outros aspectos da vida pública; por exemplo: funcionários públicos dispõem de estabilidade, e são pagos para trabalhar. Seria interessante saber se essa resolução vem sendo cumprida em todas as esferas do poder público. Minha previsão é a de que faltará resolução, nos próximos anos, para empreender o conjunto de reformas de que o Brasil necessita para ter crescimento sustentado e melhorar seus índices de prosperidade social. Espero ser derrotado nesta minha previsão.
5. Frugalidade
Tem a ver, obviamente, com o respeito ao dinheiro do contribuinte, fazendo com que ele seja gasto preferencialmente mais nos fins – isto é, políticas públicas – do que nos meios, ou seja, no próprio governo. Mas isso é difícil de saber atualmente (e talvez no futuro, também), pois até o menu oficial, ou seja, a lista do que se come nas mais altas esferas, é tido como questão de segurança nacional. A julgar, porém, pelo nítido aumento de peso de certos responsáveis políticos – ou seja, o tamanho da cintura – a frugalidade não foi exatamente uma virtude cultivada nos últimos anos.
Benjamin Franklin, aliás, não seria um bom exemplo de sua própria promessa de juventude: enviado como representante das colônias americanas ao parlamento britânico e, depois, como embaixador da nova república na corte francesa, ele adquiriu aquele perfil mais rechonchudo que costuma ser visto nos retratos da maturidade. Em todo caso, minha previsão imprevisível quanto à “frugalidade” brasileira (ou falta de) é a de que ela tampouco será observada nos próximos anos, a julgar pela promessa de compra de mais um avião de luxo, de criação de mais ministérios, de mais cargos públicos, de expansão disso e daquilo, etc. Essa vou acertar em cheio (a conferir dentro de um ano...).
6. Indústria
Benjamin Franklin não se referia à indústria no sentido clássico da palavra, ou seja, um empreendimento manufatureiro, produzindo mercadorias para o consumo de massa. Ele se referia às ocupações individuais, num sentido que poderíamos aproximar da chamada ética protestante no trabalho, tão popularizada por Max Weber (aliás, um leitor de Benjamin Franklin). Creio, sinceramente, que essa ética, hoje, está em baixa, muito em baixa, quase desaparecendo. E isso não tem tanto a ver com as esferas políticas, embora sejam elas que aprovem a criação de feriados em volumes inacreditáveis, sem contar com as pontes que os funcionários públicos organizam, enforcando segundas e sextas sem sequer se dar ao trabalho de compensar os dias parados.
Digamos que o Brasil não é exatamente uma nação de trabalhadores incansáveis, embora no setor privado se trabalhe bastante. Minha previsão é que o Brasil está se “desindustrializando” também do ponto de vista da ética do trabalho. Melhor não contar, portanto, com qualquer evolução positiva neste quesito.
7. Sinceridade
Nunca antes neste país, se abusou tanto da apropriação indébita de realizações de terceiros, de planos econômicos, de mecanismos de ajuste, de programas governamentais, até da própria história. Nunca antes tantas mentiras foram ditas a respeito das heranças malditas de antecessores e das próprias glórias usurpadas. Cabe esperar coisa melhor? Sim, certamente, pois nem todo mundo tem essa compulsão pela incorporação de feitos alheios e pelo falso engrandecimento dos seus próprios, pelo menos não sem corar. Enfim, tem quem consegue, mas não é fácil para os que não cultivam a compulsão pelo panegírico em causa própria.
Minha previsão é a de que a inimputabilidade terminou, mas isso não quer dizer que a sinceridade venha a pautar os procedimentos e declarações políticas, muito ao contrário. Haverá necessidade de fazer “mais e melhor”, como já se ouviu em certas esferas. Como alcançar a perfeição, sem falsear um pouco a realidade? Caberia em todo caso, começar por desmantelar a máquina da propaganda oficial: alguém acredita que isso será feito? Previsão imprevisível, portanto, com 150% de certeza...
8. Justiça
Tem tanto a ver com o funcionamento da própria, estrito senso, como com o tratamento equânime de todos os brasileiros, sem distinções de “raça, cor e religião”, como se diz – e de time de futebol, embora eu tenha a impressão de que os corintianos foram privilegiados nos últimos anos – e sem políticas que pretendam colocar alguns brasileiros contra os outros, como por exemplo atribuir todos os males do povo a elites malvadas ou inconscientes – que de resto não são identificadas, sendo que todas elas estão mesmo é grudadas no poder atual.
Desse ponto de vista, não tenho a menor hesitação em fazer uma previsão de que existe enorme imprevisibilidade nesta resolução também. Hoje, a Justiça, por exemplo, demora mais de oito anos para julgar um caso em seus trâmites finais, o que significa que, tipicamente, um caso pode levar de um mínimo de quatro a um máximo teórico de 16 anos (mas sempre soubemos que na prática a teoria é outra). Tampouco ouso prever o tratamento não discriminatório dos brasileiros, com tantas políticas racialistas sendo implementadas (o que deve, previsivelmente, aumentar muito nos anos à frente).
Também ouso fazer uma previsão ainda mais pessimista do que o racismo oficial: a Lei da Ficha Limpa não vai pegar, ou só pegará parcialmente... Acho que o Judiciário está muito ocupado em aumentar seus próprios salários e em construir palácios de mármore e vidro para se ocupar de coisas realmente importantes.
9. Moderação
O novo governo prometeu ser moderado na edição de novas medidas provisórias? Não me lembro de ter ouvido algo a respeito. Aliás, alguém acredita nisso? A única falta de moderação admissível numa democracia moderna seria o comprometimento com a verdade, com a honestidade intelectual, com a liberdade de imprensa. O governo também precisaria ser moderado no recolhimento do nosso dinheiro para fins de receitas públicas (e de despesas inúteis). Mas alguém acredita nesse tipo de moderação?
Minha previsão é a de que a única moderação a ser observada, nos próximos anos, é a da capacidade e da vontade governamentais na resolução dos problemas da segurança, da falta de infra-estrutura, da tributação excessiva, etc. Alguém quer apostar?
10. Limpeza
Benjamin Franklin se referia à limpeza pessoal, mas creio que possamos estender o conceito à limpeza pública. Não, ela não tem nada a ver com o asseio das ruas e a falta de rabiscos nos monumentos públicos e nas paredes em geral. Ela tem a ver com a podridão que se instala progressivamente no setor público. Atualmente, parece que já não é mais vergonha ser pego roubando, diretamente ou através de ONGs e de fundações supostamente beneméritas. Imediatamente, o político em questão diz que o que aconteceu foi um “erro” de seu assessor, ou que ele “quebrou” sua confiança; assim, continuamos a conviver com a cara de pau desses nossos “representantes”. Até quando?
Minha previsão é a de que o panorama tem tudo para piorar nos próximos anos. Eliminar a corrupção e a roubalheira no setor público equivale a um trabalho hercúleo, do tipo que o herói da mitologia grega se empenhou quando pediram-lhe que limpasse as escuderias de Augias: Hércules teve de desviar um rio inteiro para conseguir cumprir a tarefa, mas o fez. No caso do Brasil, mesmo o desvio de rios, supostamente para “dar água a quem tem sede”, dá lugar a desvio de recursos públicos, provavelmente em volume superior aos metros cúbicos de água canalizada, sob a forma de mais dinheiro para os bolsos dos espertalhões. Infelizmente, não dá para prever o surgimento de algum Hércules da moralidade pública. Continuaremos a viver no mundo da mitologia...
11. Tranquilidade
Essa é uma característica dificilmente presente na esfera governamental, pois os problemas são reconhecidamente imensos, o dinheiro é sempre curto e as vontades humanas infinitas. Minha previsão, que faço tranquilamente, é a de que teremos vários chiliques, ataques de fúria, desesperança e ameaças, no futuro previsível. Dependerá muito da capacidade do ministério da propaganda em propagar tranquilidade, justamente. Minha previsão é a de que não conseguirá, mas ainda assim gastará rios de dinheiro tentando: a tal de propaganda governamental, que na verdade deveria ser completamente extinta. Alguém ainda acha que governo precisa fazer publicidade de si mesmo?
12. Castidade
Não, não é abstinência, como pareceria recomendar Benjamin Franklin, ou seja, de só adentrar naquele tipo de interação para a procriação, algo que nem a Igreja é capaz de assegurar. Aqui se trata de evitar promiscuidade com políticos ladrões, com empresários ávidos por algum dinheiro público facilitado, de eliminar no ato e até na intenção qualquer proposta indecorosa, ou pornográfica, para o uso seletivo do dinheiro público (em benefício de privilegiados e amigos do poder, está claro), enfim, abster-se de qualquer relação que se aproxime da versão vulgar daquilo que Franklin concebia para o seu objetivo virtuoso e casto.
Mas o governo poderia se abster de aumentar impostos, por exemplo, seja diretamente, isto é, por meio de novos tributos, seja indiretamente, por meio do aumento da pressão fiscal e da exação tributária. Minha modesta previsão é a de que não conseguiremos desfrutar desse tipo de castidade governamental. Em outros termos: preparem-se para cenas explícitas de gastança pública e de hipocrisia governamental em 2011 (e mais além). Cada vez que um empresário ou promotor de “ações sociais” visitar a esplanada dos ministérios ou até o palácio das “necessidades”, pode ter certeza de que se estará assistindo algum assalto contra o dinheiro público, que na verdade é o de todos os contribuintes compulsórios, como eu e você.
13. Humildade
Tudo o que não tivemos nos últimos anos, quando as comparações, não com Sócrates, mas com Jesus Cristo eram inevitáveis, até recorrentes. Vaidade pouca é bobagem, mas acredito que depois da experiência recente, todo e qualquer comportamento autocongratulatório será necessariamente humilde e recatado, por comparação, claro. Assim, metade da previsão já está automaticamente garantida, sendo que a outra metade dependerá das bolsas Hermès, dos novos modelos de iPad, dos figurinos famosos que se apresentaram e dos bajuladores de sempre.
Minha previsão imprevisível é a de uma humildade falsamente cultivada, o que talvez já seja um progresso em relação ao “nunca antes” servido em excesso nos últimos tempos. Só isso já será um alivio...
Bom 2011 a todos e a todas, sobretudo aos destinatários destas resoluções de ano novo.
Paulo Roberto de Almeida
15/1/2011
Fonte: ViaPolítica/O autor
Ensaios preparados para OrdemLivre.org
Paulo Roberto de Almeida é Doutor em Ciências Sociais e diplomata de carreira.
Da série Volta ao Mundo em 25 Ensaios, leia também em ViaPolítica:
“Distribuição de renda: melhor fazer pelo mercado ou pela ação do Estado?”
“Por que o Brasil avança tão pouco? Sumário das explicações possíveis”
“Por que a América Latina não decola: alguma explicação plausível?”
“Preeminência, hegemonia, dominação, exploração: realidades ou mitos?”
“Países ou pessoas ricas o são devido a que os pobres são pobres?”
“Orçamentos públicos devem ser sempre equilibrados?”
“Competição e monopólios (naturais ou não). Como definir e decidir?”
“Políticas ativas pelos Estados funcionam? Se sim, sob quais condições?”
“Duas tradições no campo da filosofia social, o liberalismo e o marxismo”
“Individualismo e interesses coletivos: qual a balança exata?”
“Como organizar a economia para o maior (e melhor) bem-estar possível”
Mais sobre Paulo Roberto de Almeida
Previsões imprevisíveis para o Brasil em 2011
Resoluções para o novo governo à maneira de Benjamin Franklin
Por Paulo Roberto de Almeida
www.pralmeida.org
Via Política, 17/01.2011
Benjamin Franklin, por Amir Taqi
Todo começo de ano tenho por hábito estabelecer minha pequena lista de previsões imprevisíveis, que são aquelas que, à diferença das generosas promessas dos astrólogos, não correm nenhum risco de acontecer. Como já fiz no passado, vou buscar inspiração num homem que deixou sua marca na vida de todos nós, uma vez que ele figura nas notas de 100 dólares, provavelmente o bilhete mais transacionado da história monetária mundial. Refiro-me, claro, a Benjamin Franklin, sobre quem já li a biografia do historiador H. W. Brands, The First American: The Life and Times of Benjamin Franklin (New York: Anchor Books, 2000), aliás, uma das melhores no mercado.
Percorrendo o livro em busca de “curiosidades intelectuais” sobre o biografado, constatei que Benjamim Franklin estabeleceu para si mesmo, ainda muito jovem, todo um programa de aperfeiçoamento de sua vida pessoal, que ele chamou de “vigoroso e árduo projeto de alcançar a perfeição moral”. Ele primeiro concebeu e redigiu 12 “virtudes cardeais”, às quais agregou, mais tarde, uma 13a (por acaso um número tabu para os americanos, a ponto de poucos edifícios terem o 13º andar). Vão aqui transcritas a título de informação sobre como Franklin pretendia levar uma vida virtuosa:
1. Temperança: Não coma em excesso. Não beba a ponto de perder os sentidos.
2. Silêncio: Só fale o que puder beneficiar os outros ou a si mesmo. Evite conversas vazias.
3. Ordem: Faça com que cada coisa tenha o seu lugar. Faça com que cada parte de suas atividades tenha o seu tempo.
4. Resolução: Decida cumprir aquilo que deve ser feito. Realize sem falhas aquilo que você decidiu fazer.
5. Frugalidade: Faça unicamente despesas que resultem em benefício dos outros ou de si mesmo. Não desperdice nada.
6. Indústria: Não perca tempo. Esteja sempre ocupado com alguma coisa útil. Elimine todas as ações desnecessárias.
7. Sinceridade: Não decepcione ninguém. Pense de maneira inocente e justa, e se você falar, seja consistente.
8. Justiça: Não prejudique ninguém, cometendo ofensas ou omitindo ações que constituem suas obrigações.
9. Moderação: Evite os extremos. Abstenha-se o quanto puder de sentir-se ofendido.
10. Limpeza: Não tolere falta de limpeza pessoal, em suas roupas ou lar.
11. Tranquilidade: Não fique perturbado com coisas menores ou com acidentes comuns ou inevitáveis.
12. Castidade: Recorra ao intercâmbio sexual para manter a saúde ou procriar – nunca em excesso, por fraqueza ou em prejuízo da reputação ou paz de alguém ou de si mesmo.
13. Humildade: Imite Jesus e Sócrates.
(Fonte: Brands, Benjamin Franklin, op. cit., p. 97-98; tradução-adaptação: PRA)
Benjamin Franklin
Pois bem, não creio que possamos seguir, atualmente, todas as regras de Franklin em busca de uma vida virtuosa, sobretudo se pensarmos na esfera política, que é o objeto deste pequeno ensaio. (Por falar nisso, existem políticos virtuosos?) Creio, em todo caso, que esses princípios morais podem servir de inspiração para estabelecermos nossas “previsões imprevisíveis” para 2011. Ou seja: tomando como base o modelo de Benjamin Franklin – que, irônica e involuntariamente, estabeleceu o número mágico de 13 promessas de “bom comportamento” – podemos especular sobre como o governo vai enfrentar suas próprias “resoluções morais”, em termos de gestão pública, a partir de 1º de janeiro de 2011.
Meu desejo sincero é a de o governo siga, mais ou menos fielmente, a maior parte das “recomendações” do jovem Benjamin Franklin, adaptadas, obviamente, à ação dessa entidade coletiva sustentada por todos nós, contribuintes. (Franklin, por acaso, também é o autor daquela famosa frase: “Só existem duas certezas na vida: a morte e os impostos”.) O mais provável, porém, e consoante o espírito desta série, é aquilo que pode não ocorrer, que é justamente o objetivo implícito a estas minhas previsões imprevisíveis (dotadas, alguém poderia dizer, de certo espírito “contrarianista”).
Vejamos, em qualquer hipótese, o que, depois dos exageros do “nunca antes”, o novo governo poderia oferecer, em termos de “virtudes morais”, aos brasileiros contribuintes que todos somos.
1. Temperança (ou, autocontenção)
A recomendação não tem tanto a ver com excessos gastronômicos ou etílicos, e sim com a contenção dos gastos, em especial dos gastos exagerados da máquina pública, que são os que vêm crescendo enormemente nos últimos oito anos. O problema fiscal é, de longe, o mais grave da macroeconomia brasileira, já que o governo vive maquiando suas contas para esconder a diminuição do superávit primário e o aumento da dívida pública, ou seja, o volume de dinheiro que ele deverá pagar em juros e amortizações (o que recairá, na verdade, sobre todos nós, sobrando ainda para nossos filhos e netos).
Como a base de apoio do governo é irremediavelmente gastadora, sobretudo consigo própria – e não em investimentos, como seria desejável – minha previsão pouco imprevisível é a de que não existe nenhuma chance dessa recomendação ser cumprida. Inclusive e principalmente porque os novos donos do poder apreciam sumamente seus gastos privados com dinheiro público. Se não fosse isso, haveria qualquer justificativa moral – para não falar simplesmente de legitimidade ou legalidade política – em que os gastos com cartões corporativos da Presidência da República sejam classificados como “secretos”, como se isso fosse afetar a segurança nacional?
2. Silêncio
Ufa! Desde 2 de janeiro de 2011 estamos livres de três discursos por dia e de um ou dois palanques por semana. Sem exageros: nunca antes na história deste país o ministério da propaganda, o cerimonial do Estado, o pessoal da segurança e todo aquele povo que vive em volta de cerimônias oficiais foram tão mobilizados quanto nos últimos anos para servir de claque obrigatória às perorações infinitas, despejadas sobre todos nós durante oito anos seguidos. Ainda que esses discursos não tenham sido tão longos quanto os de Fidel Castro – que deixava os cubanos ao sol durante seis horas seguidas –, eles foram muito mais numerosos e intensos, repetitivos mesmo. Pode-se apostar que se discursou mais no Brasil, em oito anos, do que na Cuba de Fidel em 50 anos de comunismo.
Nesse particular, pode-se presumir que a “lei do silêncio” tem chances de ser cumprida, pelo menos nos meios oficiais (já que o imitador de Fidel continuará falando pelos cotovelos, como se diz). Melhor seria, na verdade, suprimir completamente o ministério da propaganda, com o que ficaríamos pelo menos livres de toda essa poluição sonora e visual paga com o nosso dinheiro, mas aí a previsão já sai do terreno do imprevisível para o do impossível: poucos governantes dispensam suas máquinas publicitárias (algumas Orwellianas, inclusive).
3. Ordem
Depende do que se entende por ordem. Geralmente se refere, no plano governamental, a um processo decisório bem ordenado, com propostas de políticas setoriais ou de medidas tópicas sendo examinadas cuidadosamente na esfera técnica, com estudos de impacto e previsões de efeitos econômicos ou de outros tipos, enfim, uma análise detida de cada assunto que deva ser objeto de decisão de governo, até que o chefe de Estado (e de governo) se decida por implementá-la, com eventual passagem pelo Legislativo, para discussão, eventuais mudanças e aprovação, antes da sanção presidencial, promulgação e entrada em vigor. Desse ponto de vista, nunca antes neste país tivemos tantas medidas provisórias – com desvio dos requisitos de urgência e relevância nacional – e tantas decisões efetivas sendo adotadas por impulso.
Qualquer que seja o grau de cumprimento desta resolução, impossível não haver uma melhora nos processos, deliberações e debates nos diversos níveis de governo, antes que uma decisão seja efetivamente tomada e implementada. Será um enorme progresso; a menos, claro, que o ministério por cotas, as indicações partidárias e, sobretudo, o “dedaço” carismático contribuam para atribuir a esta previsão o mesmo grau de imprevisibilidade que possuem quase todas as outras.
4. Resolução
Muito simples: todo líder político deve cumprir aquilo com o que se comprometeu publicamente, ainda que não formalmente. Por exemplo: durante a campanha, ocorreram declarações explícitas de bom comportamento tributário, desmentindo a criação de novos impostos e prometendo a não elevação dos existentes. Como cidadãos pagadores de impostos (e como!), vamos constatar se essas declarações, que deveriam valer como resoluções, se mantêm nessa categoria, ou se elas serão, mais uma vez, sepultadas no cemitério das “necessidades inadiáveis” (a pretexto de “melhorar a saúde” ou qualquer outra justificativa esfarrapada).
Mas capacidade de resolução também tem a ver com diversos outros aspectos da vida pública; por exemplo: funcionários públicos dispõem de estabilidade, e são pagos para trabalhar. Seria interessante saber se essa resolução vem sendo cumprida em todas as esferas do poder público. Minha previsão é a de que faltará resolução, nos próximos anos, para empreender o conjunto de reformas de que o Brasil necessita para ter crescimento sustentado e melhorar seus índices de prosperidade social. Espero ser derrotado nesta minha previsão.
5. Frugalidade
Tem a ver, obviamente, com o respeito ao dinheiro do contribuinte, fazendo com que ele seja gasto preferencialmente mais nos fins – isto é, políticas públicas – do que nos meios, ou seja, no próprio governo. Mas isso é difícil de saber atualmente (e talvez no futuro, também), pois até o menu oficial, ou seja, a lista do que se come nas mais altas esferas, é tido como questão de segurança nacional. A julgar, porém, pelo nítido aumento de peso de certos responsáveis políticos – ou seja, o tamanho da cintura – a frugalidade não foi exatamente uma virtude cultivada nos últimos anos.
Benjamin Franklin, aliás, não seria um bom exemplo de sua própria promessa de juventude: enviado como representante das colônias americanas ao parlamento britânico e, depois, como embaixador da nova república na corte francesa, ele adquiriu aquele perfil mais rechonchudo que costuma ser visto nos retratos da maturidade. Em todo caso, minha previsão imprevisível quanto à “frugalidade” brasileira (ou falta de) é a de que ela tampouco será observada nos próximos anos, a julgar pela promessa de compra de mais um avião de luxo, de criação de mais ministérios, de mais cargos públicos, de expansão disso e daquilo, etc. Essa vou acertar em cheio (a conferir dentro de um ano...).
6. Indústria
Benjamin Franklin não se referia à indústria no sentido clássico da palavra, ou seja, um empreendimento manufatureiro, produzindo mercadorias para o consumo de massa. Ele se referia às ocupações individuais, num sentido que poderíamos aproximar da chamada ética protestante no trabalho, tão popularizada por Max Weber (aliás, um leitor de Benjamin Franklin). Creio, sinceramente, que essa ética, hoje, está em baixa, muito em baixa, quase desaparecendo. E isso não tem tanto a ver com as esferas políticas, embora sejam elas que aprovem a criação de feriados em volumes inacreditáveis, sem contar com as pontes que os funcionários públicos organizam, enforcando segundas e sextas sem sequer se dar ao trabalho de compensar os dias parados.
Digamos que o Brasil não é exatamente uma nação de trabalhadores incansáveis, embora no setor privado se trabalhe bastante. Minha previsão é que o Brasil está se “desindustrializando” também do ponto de vista da ética do trabalho. Melhor não contar, portanto, com qualquer evolução positiva neste quesito.
7. Sinceridade
Nunca antes neste país, se abusou tanto da apropriação indébita de realizações de terceiros, de planos econômicos, de mecanismos de ajuste, de programas governamentais, até da própria história. Nunca antes tantas mentiras foram ditas a respeito das heranças malditas de antecessores e das próprias glórias usurpadas. Cabe esperar coisa melhor? Sim, certamente, pois nem todo mundo tem essa compulsão pela incorporação de feitos alheios e pelo falso engrandecimento dos seus próprios, pelo menos não sem corar. Enfim, tem quem consegue, mas não é fácil para os que não cultivam a compulsão pelo panegírico em causa própria.
Minha previsão é a de que a inimputabilidade terminou, mas isso não quer dizer que a sinceridade venha a pautar os procedimentos e declarações políticas, muito ao contrário. Haverá necessidade de fazer “mais e melhor”, como já se ouviu em certas esferas. Como alcançar a perfeição, sem falsear um pouco a realidade? Caberia em todo caso, começar por desmantelar a máquina da propaganda oficial: alguém acredita que isso será feito? Previsão imprevisível, portanto, com 150% de certeza...
8. Justiça
Tem tanto a ver com o funcionamento da própria, estrito senso, como com o tratamento equânime de todos os brasileiros, sem distinções de “raça, cor e religião”, como se diz – e de time de futebol, embora eu tenha a impressão de que os corintianos foram privilegiados nos últimos anos – e sem políticas que pretendam colocar alguns brasileiros contra os outros, como por exemplo atribuir todos os males do povo a elites malvadas ou inconscientes – que de resto não são identificadas, sendo que todas elas estão mesmo é grudadas no poder atual.
Desse ponto de vista, não tenho a menor hesitação em fazer uma previsão de que existe enorme imprevisibilidade nesta resolução também. Hoje, a Justiça, por exemplo, demora mais de oito anos para julgar um caso em seus trâmites finais, o que significa que, tipicamente, um caso pode levar de um mínimo de quatro a um máximo teórico de 16 anos (mas sempre soubemos que na prática a teoria é outra). Tampouco ouso prever o tratamento não discriminatório dos brasileiros, com tantas políticas racialistas sendo implementadas (o que deve, previsivelmente, aumentar muito nos anos à frente).
Também ouso fazer uma previsão ainda mais pessimista do que o racismo oficial: a Lei da Ficha Limpa não vai pegar, ou só pegará parcialmente... Acho que o Judiciário está muito ocupado em aumentar seus próprios salários e em construir palácios de mármore e vidro para se ocupar de coisas realmente importantes.
9. Moderação
O novo governo prometeu ser moderado na edição de novas medidas provisórias? Não me lembro de ter ouvido algo a respeito. Aliás, alguém acredita nisso? A única falta de moderação admissível numa democracia moderna seria o comprometimento com a verdade, com a honestidade intelectual, com a liberdade de imprensa. O governo também precisaria ser moderado no recolhimento do nosso dinheiro para fins de receitas públicas (e de despesas inúteis). Mas alguém acredita nesse tipo de moderação?
Minha previsão é a de que a única moderação a ser observada, nos próximos anos, é a da capacidade e da vontade governamentais na resolução dos problemas da segurança, da falta de infra-estrutura, da tributação excessiva, etc. Alguém quer apostar?
10. Limpeza
Benjamin Franklin se referia à limpeza pessoal, mas creio que possamos estender o conceito à limpeza pública. Não, ela não tem nada a ver com o asseio das ruas e a falta de rabiscos nos monumentos públicos e nas paredes em geral. Ela tem a ver com a podridão que se instala progressivamente no setor público. Atualmente, parece que já não é mais vergonha ser pego roubando, diretamente ou através de ONGs e de fundações supostamente beneméritas. Imediatamente, o político em questão diz que o que aconteceu foi um “erro” de seu assessor, ou que ele “quebrou” sua confiança; assim, continuamos a conviver com a cara de pau desses nossos “representantes”. Até quando?
Minha previsão é a de que o panorama tem tudo para piorar nos próximos anos. Eliminar a corrupção e a roubalheira no setor público equivale a um trabalho hercúleo, do tipo que o herói da mitologia grega se empenhou quando pediram-lhe que limpasse as escuderias de Augias: Hércules teve de desviar um rio inteiro para conseguir cumprir a tarefa, mas o fez. No caso do Brasil, mesmo o desvio de rios, supostamente para “dar água a quem tem sede”, dá lugar a desvio de recursos públicos, provavelmente em volume superior aos metros cúbicos de água canalizada, sob a forma de mais dinheiro para os bolsos dos espertalhões. Infelizmente, não dá para prever o surgimento de algum Hércules da moralidade pública. Continuaremos a viver no mundo da mitologia...
11. Tranquilidade
Essa é uma característica dificilmente presente na esfera governamental, pois os problemas são reconhecidamente imensos, o dinheiro é sempre curto e as vontades humanas infinitas. Minha previsão, que faço tranquilamente, é a de que teremos vários chiliques, ataques de fúria, desesperança e ameaças, no futuro previsível. Dependerá muito da capacidade do ministério da propaganda em propagar tranquilidade, justamente. Minha previsão é a de que não conseguirá, mas ainda assim gastará rios de dinheiro tentando: a tal de propaganda governamental, que na verdade deveria ser completamente extinta. Alguém ainda acha que governo precisa fazer publicidade de si mesmo?
12. Castidade
Não, não é abstinência, como pareceria recomendar Benjamin Franklin, ou seja, de só adentrar naquele tipo de interação para a procriação, algo que nem a Igreja é capaz de assegurar. Aqui se trata de evitar promiscuidade com políticos ladrões, com empresários ávidos por algum dinheiro público facilitado, de eliminar no ato e até na intenção qualquer proposta indecorosa, ou pornográfica, para o uso seletivo do dinheiro público (em benefício de privilegiados e amigos do poder, está claro), enfim, abster-se de qualquer relação que se aproxime da versão vulgar daquilo que Franklin concebia para o seu objetivo virtuoso e casto.
Mas o governo poderia se abster de aumentar impostos, por exemplo, seja diretamente, isto é, por meio de novos tributos, seja indiretamente, por meio do aumento da pressão fiscal e da exação tributária. Minha modesta previsão é a de que não conseguiremos desfrutar desse tipo de castidade governamental. Em outros termos: preparem-se para cenas explícitas de gastança pública e de hipocrisia governamental em 2011 (e mais além). Cada vez que um empresário ou promotor de “ações sociais” visitar a esplanada dos ministérios ou até o palácio das “necessidades”, pode ter certeza de que se estará assistindo algum assalto contra o dinheiro público, que na verdade é o de todos os contribuintes compulsórios, como eu e você.
13. Humildade
Tudo o que não tivemos nos últimos anos, quando as comparações, não com Sócrates, mas com Jesus Cristo eram inevitáveis, até recorrentes. Vaidade pouca é bobagem, mas acredito que depois da experiência recente, todo e qualquer comportamento autocongratulatório será necessariamente humilde e recatado, por comparação, claro. Assim, metade da previsão já está automaticamente garantida, sendo que a outra metade dependerá das bolsas Hermès, dos novos modelos de iPad, dos figurinos famosos que se apresentaram e dos bajuladores de sempre.
Minha previsão imprevisível é a de uma humildade falsamente cultivada, o que talvez já seja um progresso em relação ao “nunca antes” servido em excesso nos últimos tempos. Só isso já será um alivio...
Bom 2011 a todos e a todas, sobretudo aos destinatários destas resoluções de ano novo.
Paulo Roberto de Almeida
15/1/2011
Fonte: ViaPolítica/O autor
Ensaios preparados para OrdemLivre.org
Paulo Roberto de Almeida é Doutor em Ciências Sociais e diplomata de carreira.
Da série Volta ao Mundo em 25 Ensaios, leia também em ViaPolítica:
“Distribuição de renda: melhor fazer pelo mercado ou pela ação do Estado?”
“Por que o Brasil avança tão pouco? Sumário das explicações possíveis”
“Por que a América Latina não decola: alguma explicação plausível?”
“Preeminência, hegemonia, dominação, exploração: realidades ou mitos?”
“Países ou pessoas ricas o são devido a que os pobres são pobres?”
“Orçamentos públicos devem ser sempre equilibrados?”
“Competição e monopólios (naturais ou não). Como definir e decidir?”
“Políticas ativas pelos Estados funcionam? Se sim, sob quais condições?”
“Duas tradições no campo da filosofia social, o liberalismo e o marxismo”
“Individualismo e interesses coletivos: qual a balança exata?”
“Como organizar a economia para o maior (e melhor) bem-estar possível”
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Israel-Iran: um virus programado como um ataque aereo
Provavelmente mais efetivo do que um ataque aéreo...
Paulo Roberto de Almeida
Israeli Test on Worm Called Crucial in Iran Nuclear Delay
William J. Broad, John Markoff and David E. Sanger.
The New York Times, January 15, 2011
The Dimona complex in the Negev desert is famous as the heavily guarded heart of Israel’s never-acknowledged nuclear arms program, where neat rows of factories make atomic fuel for the arsenal.
Over the past two years, according to intelligence and military experts familiar with its operations, Dimona has taken on a new, equally secret role — as a critical testing ground in a joint American and Israeli effort to undermine Iran’s efforts to make a bomb of its own.
Behind Dimona’s barbed wire, the experts say, Israel has spun nuclear centrifuges virtually identical to Iran’s at Natanz, where Iranian scientists are struggling to enrich uranium. They say Dimona tested the effectiveness of the Stuxnet computer worm, a destructive program that appears to have wiped out roughly a fifth of Iran’s nuclear centrifuges and helped delay, though not destroy, Tehran’s ability to make its first nuclear arms.
“To check out the worm, you have to know the machines,” said an American expert on nuclear intelligence. “The reason the worm has been effective is that the Israelis tried it out.”
Though American and Israeli officials refuse to talk publicly about what goes on at Dimona, the operations there, as well as related efforts in the United States, are among the newest and strongest clues suggesting that the virus was designed as an American-Israeli project to sabotage the Iranian program.
In recent days, the retiring chief of Israel’s Mossad intelligence agency, Meir Dagan, and Secretary of State Hillary Rodham Clinton separately announced that they believed Iran’s efforts had been set back by several years. Mrs. Clinton cited American-led sanctions, which have hurt Iran’s ability to buy components and do business around the world.
The gruff Mr. Dagan, whose organization has been accused by Iran of being behind the deaths of several Iranian scientists, told the Israeli Knesset in recent days that Iran had run into technological difficulties that could delay a bomb until 2015. That represented a sharp reversal from Israel’s long-held argument that Iran was on the cusp of success.
The biggest single factor in putting time on the nuclear clock appears to be Stuxnet, the most sophisticated cyberweapon ever deployed.
In interviews over the past three months in the United States and Europe, experts who have picked apart the computer worm describe it as far more complex — and ingenious — than anything they had imagined when it began circulating around the world, unexplained, in mid-2009.
Many mysteries remain, chief among them, exactly who constructed a computer worm that appears to have several authors on several continents. But the digital trail is littered with intriguing bits of evidence.
In early 2008 the German company Siemens cooperated with one of the United States’ premier national laboratories, in Idaho, to identify the vulnerabilities of computer controllers that the company sells to operate industrial machinery around the world — and that American intelligence agencies have identified as key equipment in Iran’s enrichment facilities.
Seimens says that program was part of routine efforts to secure its products against cyberattacks. Nonetheless, it gave the Idaho National Laboratory — which is part of the Energy Department, responsible for America’s nuclear arms — the chance to identify well-hidden holes in the Siemens systems that were exploited the next year by Stuxnet.
The worm itself now appears to have included two major components. One was designed to send Iran’s nuclear centrifuges spinning wildly out of control. Another seems right out of the movies: The computer program also secretly recorded what normal operations at the nuclear plant looked like, then played those readings back to plant operators, like a pre-recorded security tape in a bank heist, so that it would appear that everything was operating normally while the centrifuges were actually tearing themselves apart.
The attacks were not fully successful: Some parts of Iran’s operations ground to a halt, while others survived, according to the reports of international nuclear inspectors. Nor is it clear the attacks are over: Some experts who have examined the code believe it contains the seeds for yet more versions and assaults.
“It’s like a playbook,” said Ralph Langner, an independent computer security expert in Hamburg, Germany, who was among the first to decode Stuxnet. “Anyone who looks at it carefully can build something like it.” Mr. Langner is among the experts who expressed fear that the attack had legitimized a new form of industrial warfare, one to which the United States is also highly vulnerable.
Officially, neither American nor Israeli officials will even utter the name of the malicious computer program, much less describe any role in designing it.
But Israeli officials grin widely when asked about its effects. Mr. Obama’s chief strategist for combating weapons of mass destruction, Gary Samore, sidestepped a Stuxnet question at a recent conference about Iran, but added with a smile: “I’m glad to hear they are having troubles with their centrifuge machines, and the U.S. and its allies are doing everything we can to make it more complicated.”
In recent days, American officials who spoke on the condition of anonymity have said in interviews that they believe Iran’s setbacks have been underreported. That may explain why Mrs. Clinton provided her public assessment while traveling in the Middle East last week.
By the accounts of a number of computer scientists, nuclear enrichment experts and former officials, the covert race to create Stuxnet was a joint project between the Americans and the Israelis, with some help, knowing or unknowing, from the Germans and the British.
The project’s political origins can be found in the last months of the Bush administration. In January 2009, The New York Times reported that Mr. Bush authorized a covert program to undermine the electrical and computer systems around Natanz, Iran’s major enrichment center. President Obama, first briefed on the program even before taking office, sped it up, according to officials familiar with the administration’s Iran strategy. So did the Israelis, other officials said. Israel has long been seeking a way to cripple Iran’s capability without triggering the opprobrium, or the war, that might follow an overt military strike of the kind they conducted against nuclear facilities in Iraq in 1981 and Syria in 2007.
Two years ago, when Israel still thought its only solution was a military one and approached Mr. Bush for the bunker-busting bombs and other equipment it believed it would need for an air attack, its officials told the White House that such a strike would set back Iran’s programs by roughly three years. Its request was turned down.
Now, Mr. Dagan’s statement suggests that Israel believes it has gained at least that much time, without mounting an attack. So does the Obama administration.
For years, Washington’s approach to Tehran’s program has been one of attempting “to put time on the clock,” a senior administration official said, even while refusing to discuss Stuxnet. “And now, we have a bit more.”
Finding Weaknesses
Paranoia helped, as it turns out.
Years before the worm hit Iran, Washington had become deeply worried about the vulnerability of the millions of computers that run everything in the United States from bank transactions to the power grid.
Computers known as controllers run all kinds of industrial machinery. By early 2008, the Department of Homeland Security had teamed up with the Idaho National Laboratory to study a widely used Siemens controller known as P.C.S.-7, for Process Control System 7. Its complex software, called Step 7, can run whole symphonies of industrial instruments, sensors and machines.
The vulnerability of the controller to cyberattack was an open secret. In July 2008, the Idaho lab and Siemens teamed up on a PowerPoint presentation on the controller’s vulnerabilities that was made to a conference in Chicago at Navy Pier, a top tourist attraction.
“Goal is for attacker to gain control,” the July paper said in describing the many kinds of maneuvers that could exploit system holes. The paper was 62 pages long, including pictures of the controllers as they were examined and tested in Idaho.
In a statement on Friday, the Idaho National Laboratory confirmed that it formed a partnership with Siemens but said it was one of many with manufacturers to identify cybervulnerabilities. It argued that the report did not detail specific flaws that attackers could exploit. But it also said it could not comment on the laboratory’s classified missions, leaving unanswered the question of whether it passed what it learned about the Siemens systems to other parts of the nation’s intelligence apparatus.
The presentation at the Chicago conference, which recently disappeared from a Siemens Web site, never discussed specific places where the machines were used.
But Washington knew. The controllers were critical to operations at Natanz, a sprawling enrichment site in the desert. “If you look for the weak links in the system,” said one former American official, “this one jumps out.”
Controllers, and the electrical regulators they run, became a focus of sanctions efforts. The trove of State Department cables made public by WikiLeaks describes urgent efforts in April 2009 to stop a shipment of Siemens controllers, contained in 111 boxes at the port of Dubai, in the United Arab Emirates. They were headed for Iran, one cable said, and were meant to control “uranium enrichment cascades” — the term for groups of spinning centrifuges.
Subsequent cables showed that the United Arab Emirates blocked the transfer of the Siemens computers across the Strait of Hormuz to Bandar Abbas, a major Iranian port.
Only months later, in June, Stuxnet began to pop up around the globe. The Symantec Corporation, a maker of computer security software and services based in Silicon Valley, snared it in a global malware collection system. The worm hit primarily inside Iran, Symantec reported, but also in time appeared in India, Indonesia and other countries.
But unlike most malware, it seemed to be doing little harm. It did not slow computer networks or wreak general havoc.
That deepened the mystery.
A ‘Dual Warhead’
No one was more intrigued than Mr. Langner, a former psychologist who runs a small computer security company in a suburb of Hamburg. Eager to design protective software for his clients, he had his five employees focus on picking apart the code and running it on the series of Siemens controllers neatly stacked in racks, their lights blinking.
He quickly discovered that the worm only kicked into gear when it detected the presence of a specific configuration of controllers, running a set of processes that appear to exist only in a centrifuge plant. “The attackers took great care to make sure that only their designated targets were hit,” he said. “It was a marksman’s job.”
For example, one small section of the code appears designed to send commands to 984 machines linked together.
Curiously, when international inspectors visited Natanz in late 2009, they found that the Iranians had taken out of service a total of exactly 984 machines that had been running the previous summer.
But as Mr. Langner kept peeling back the layers, he found more — what he calls the “dual warhead.” One part of the program is designed to lie dormant for long periods, then speed up the machines so that the spinning rotors in the centrifuges wobble and then destroy themselves. Another part, called a “man in the middle” in the computer world, sends out those false sensor signals to make the system believe everything is running smoothly. That prevents a safety system from kicking in, which would shut down the plant before it could self-destruct.
“Code analysis makes it clear that Stuxnet is not about sending a message or proving a concept,” Mr. Langner later wrote. “It is about destroying its targets with utmost determination in military style.”
This was not the work of hackers, he quickly concluded. It had to be the work of someone who knew his way around the specific quirks of the Siemens controllers and had an intimate understanding of exactly how the Iranians had designed their enrichment operations.
In fact, the Americans and the Israelis had a pretty good idea.
Testing the Worm
Perhaps the most secretive part of the Stuxnet story centers on how the theory of cyberdestruction was tested on enrichment machines to make sure the malicious software did its intended job.
The account starts in the Netherlands. In the 1970s, the Dutch designed a tall, thin machine for enriching uranium. As is well known, A. Q. Khan, a Pakistani metallurgist working for the Dutch, stole the design and in 1976 fled to Pakistan.
The resulting machine, known as the P-1, for Pakistan’s first-generation centrifuge, helped the country get the bomb. And when Dr. Khan later founded an atomic black market, he illegally sold P-1’s to Iran, Libya, and North Korea.
The P-1 is more than six feet tall. Inside, a rotor of aluminum spins uranium gas to blinding speeds, slowly concentrating the rare part of the uranium that can fuel reactors and bombs.
How and when Israel obtained this kind of first-generation centrifuge remains unclear, whether from Europe, or the Khan network, or by other means. But nuclear experts agree that Dimona came to hold row upon row of spinning centrifuges.
“They’ve long been an important part of the complex,” said Avner Cohen, author of “The Worst-Kept Secret” (2010), a book about the Israeli bomb program, and a senior fellow at the Monterey Institute of International Studies. He added that Israeli intelligence had asked retired senior Dimona personnel to help on the Iranian issue, and that some apparently came from the enrichment program.
“I have no specific knowledge,” Dr. Cohen said of Israel and the Stuxnet worm. “But I see a strong Israeli signature and think that the centrifuge knowledge was critical.”
Another clue involves the United States. It obtained a cache of P-1’s after Libya gave up its nuclear program in late 2003, and the machines were sent to the Oak Ridge National Laboratory in Tennessee, another arm of the Energy Department.
By early 2004, a variety of federal and private nuclear experts assembled by the Central Intelligence Agency were calling for the United States to build a secret plant where scientists could set up the P-1’s and study their vulnerabilities. “The notion of a test bed was really pushed,” a participant at the C.I.A. meeting recalled.
The resulting plant, nuclear experts said last week, may also have played a role in Stuxnet testing.
But the United States and its allies ran into the same problem the Iranians have grappled with: the P-1 is a balky, badly designed machine. When the Tennessee laboratory shipped some of its P-1’s to England, in hopes of working with the British on a program of general P-1 testing, they stumbled, according to nuclear experts.
“They failed hopelessly,” one recalled, saying that the machines proved too crude and temperamental to spin properly.
Dr. Cohen said his sources told him that Israel succeeded — with great difficulty — in mastering the centrifuge technology. And the American expert in nuclear intelligence, who spoke on the condition of anonymity, said the Israelis used machines of the P-1 style to test the effectiveness of Stuxnet.
The expert added that Israel worked in collaboration with the United States in targeting Iran, but that Washington was eager for “plausible deniability.”
In November, the Iranian president, Mahmoud Ahmadinejad, broke the country’s silence about the worm’s impact on its enrichment program, saying a cyberattack had caused “minor problems with some of our centrifuges.” Fortunately, he added, “our experts discovered it.”
The most detailed portrait of the damage comes from the Institute for Science and International Security, a private group in Washington. Last month, it issued a lengthy Stuxnet report that said Iran’s P-1 machines at Natanz suffered a series of failures in mid- to late 2009 that culminated in technicians taking 984 machines out of action.
The report called the failures “a major problem” and identified Stuxnet as the likely culprit.
Stuxnet is not the only blow to Iran. Sanctions have hurt its effort to build more advanced (and less temperamental) centrifuges. And last January, and again in November, two scientists who were believed to be central to the nuclear program were killed in Tehran.
The man widely believed to be responsible for much of Iran’s program, Mohsen Fakrizadeh, a college professor, has been hidden away by the Iranians, who know he is high on the target list.
Publicly, Israeli officials make no explicit ties between Stuxnet and Iran’s problems. But in recent weeks, they have given revised and surprisingly upbeat assessments of Tehran’s nuclear status.
“A number of technological challenges and difficulties” have beset Iran’s program, Moshe Yaalon, Israel’s minister of strategic affairs, told Israeli public radio late last month.
The troubles, he added, “have postponed the timetable.”
Paulo Roberto de Almeida
Israeli Test on Worm Called Crucial in Iran Nuclear Delay
William J. Broad, John Markoff and David E. Sanger.
The New York Times, January 15, 2011
The Dimona complex in the Negev desert is famous as the heavily guarded heart of Israel’s never-acknowledged nuclear arms program, where neat rows of factories make atomic fuel for the arsenal.
Over the past two years, according to intelligence and military experts familiar with its operations, Dimona has taken on a new, equally secret role — as a critical testing ground in a joint American and Israeli effort to undermine Iran’s efforts to make a bomb of its own.
Behind Dimona’s barbed wire, the experts say, Israel has spun nuclear centrifuges virtually identical to Iran’s at Natanz, where Iranian scientists are struggling to enrich uranium. They say Dimona tested the effectiveness of the Stuxnet computer worm, a destructive program that appears to have wiped out roughly a fifth of Iran’s nuclear centrifuges and helped delay, though not destroy, Tehran’s ability to make its first nuclear arms.
“To check out the worm, you have to know the machines,” said an American expert on nuclear intelligence. “The reason the worm has been effective is that the Israelis tried it out.”
Though American and Israeli officials refuse to talk publicly about what goes on at Dimona, the operations there, as well as related efforts in the United States, are among the newest and strongest clues suggesting that the virus was designed as an American-Israeli project to sabotage the Iranian program.
In recent days, the retiring chief of Israel’s Mossad intelligence agency, Meir Dagan, and Secretary of State Hillary Rodham Clinton separately announced that they believed Iran’s efforts had been set back by several years. Mrs. Clinton cited American-led sanctions, which have hurt Iran’s ability to buy components and do business around the world.
The gruff Mr. Dagan, whose organization has been accused by Iran of being behind the deaths of several Iranian scientists, told the Israeli Knesset in recent days that Iran had run into technological difficulties that could delay a bomb until 2015. That represented a sharp reversal from Israel’s long-held argument that Iran was on the cusp of success.
The biggest single factor in putting time on the nuclear clock appears to be Stuxnet, the most sophisticated cyberweapon ever deployed.
In interviews over the past three months in the United States and Europe, experts who have picked apart the computer worm describe it as far more complex — and ingenious — than anything they had imagined when it began circulating around the world, unexplained, in mid-2009.
Many mysteries remain, chief among them, exactly who constructed a computer worm that appears to have several authors on several continents. But the digital trail is littered with intriguing bits of evidence.
In early 2008 the German company Siemens cooperated with one of the United States’ premier national laboratories, in Idaho, to identify the vulnerabilities of computer controllers that the company sells to operate industrial machinery around the world — and that American intelligence agencies have identified as key equipment in Iran’s enrichment facilities.
Seimens says that program was part of routine efforts to secure its products against cyberattacks. Nonetheless, it gave the Idaho National Laboratory — which is part of the Energy Department, responsible for America’s nuclear arms — the chance to identify well-hidden holes in the Siemens systems that were exploited the next year by Stuxnet.
The worm itself now appears to have included two major components. One was designed to send Iran’s nuclear centrifuges spinning wildly out of control. Another seems right out of the movies: The computer program also secretly recorded what normal operations at the nuclear plant looked like, then played those readings back to plant operators, like a pre-recorded security tape in a bank heist, so that it would appear that everything was operating normally while the centrifuges were actually tearing themselves apart.
The attacks were not fully successful: Some parts of Iran’s operations ground to a halt, while others survived, according to the reports of international nuclear inspectors. Nor is it clear the attacks are over: Some experts who have examined the code believe it contains the seeds for yet more versions and assaults.
“It’s like a playbook,” said Ralph Langner, an independent computer security expert in Hamburg, Germany, who was among the first to decode Stuxnet. “Anyone who looks at it carefully can build something like it.” Mr. Langner is among the experts who expressed fear that the attack had legitimized a new form of industrial warfare, one to which the United States is also highly vulnerable.
Officially, neither American nor Israeli officials will even utter the name of the malicious computer program, much less describe any role in designing it.
But Israeli officials grin widely when asked about its effects. Mr. Obama’s chief strategist for combating weapons of mass destruction, Gary Samore, sidestepped a Stuxnet question at a recent conference about Iran, but added with a smile: “I’m glad to hear they are having troubles with their centrifuge machines, and the U.S. and its allies are doing everything we can to make it more complicated.”
In recent days, American officials who spoke on the condition of anonymity have said in interviews that they believe Iran’s setbacks have been underreported. That may explain why Mrs. Clinton provided her public assessment while traveling in the Middle East last week.
By the accounts of a number of computer scientists, nuclear enrichment experts and former officials, the covert race to create Stuxnet was a joint project between the Americans and the Israelis, with some help, knowing or unknowing, from the Germans and the British.
The project’s political origins can be found in the last months of the Bush administration. In January 2009, The New York Times reported that Mr. Bush authorized a covert program to undermine the electrical and computer systems around Natanz, Iran’s major enrichment center. President Obama, first briefed on the program even before taking office, sped it up, according to officials familiar with the administration’s Iran strategy. So did the Israelis, other officials said. Israel has long been seeking a way to cripple Iran’s capability without triggering the opprobrium, or the war, that might follow an overt military strike of the kind they conducted against nuclear facilities in Iraq in 1981 and Syria in 2007.
Two years ago, when Israel still thought its only solution was a military one and approached Mr. Bush for the bunker-busting bombs and other equipment it believed it would need for an air attack, its officials told the White House that such a strike would set back Iran’s programs by roughly three years. Its request was turned down.
Now, Mr. Dagan’s statement suggests that Israel believes it has gained at least that much time, without mounting an attack. So does the Obama administration.
For years, Washington’s approach to Tehran’s program has been one of attempting “to put time on the clock,” a senior administration official said, even while refusing to discuss Stuxnet. “And now, we have a bit more.”
Finding Weaknesses
Paranoia helped, as it turns out.
Years before the worm hit Iran, Washington had become deeply worried about the vulnerability of the millions of computers that run everything in the United States from bank transactions to the power grid.
Computers known as controllers run all kinds of industrial machinery. By early 2008, the Department of Homeland Security had teamed up with the Idaho National Laboratory to study a widely used Siemens controller known as P.C.S.-7, for Process Control System 7. Its complex software, called Step 7, can run whole symphonies of industrial instruments, sensors and machines.
The vulnerability of the controller to cyberattack was an open secret. In July 2008, the Idaho lab and Siemens teamed up on a PowerPoint presentation on the controller’s vulnerabilities that was made to a conference in Chicago at Navy Pier, a top tourist attraction.
“Goal is for attacker to gain control,” the July paper said in describing the many kinds of maneuvers that could exploit system holes. The paper was 62 pages long, including pictures of the controllers as they were examined and tested in Idaho.
In a statement on Friday, the Idaho National Laboratory confirmed that it formed a partnership with Siemens but said it was one of many with manufacturers to identify cybervulnerabilities. It argued that the report did not detail specific flaws that attackers could exploit. But it also said it could not comment on the laboratory’s classified missions, leaving unanswered the question of whether it passed what it learned about the Siemens systems to other parts of the nation’s intelligence apparatus.
The presentation at the Chicago conference, which recently disappeared from a Siemens Web site, never discussed specific places where the machines were used.
But Washington knew. The controllers were critical to operations at Natanz, a sprawling enrichment site in the desert. “If you look for the weak links in the system,” said one former American official, “this one jumps out.”
Controllers, and the electrical regulators they run, became a focus of sanctions efforts. The trove of State Department cables made public by WikiLeaks describes urgent efforts in April 2009 to stop a shipment of Siemens controllers, contained in 111 boxes at the port of Dubai, in the United Arab Emirates. They were headed for Iran, one cable said, and were meant to control “uranium enrichment cascades” — the term for groups of spinning centrifuges.
Subsequent cables showed that the United Arab Emirates blocked the transfer of the Siemens computers across the Strait of Hormuz to Bandar Abbas, a major Iranian port.
Only months later, in June, Stuxnet began to pop up around the globe. The Symantec Corporation, a maker of computer security software and services based in Silicon Valley, snared it in a global malware collection system. The worm hit primarily inside Iran, Symantec reported, but also in time appeared in India, Indonesia and other countries.
But unlike most malware, it seemed to be doing little harm. It did not slow computer networks or wreak general havoc.
That deepened the mystery.
A ‘Dual Warhead’
No one was more intrigued than Mr. Langner, a former psychologist who runs a small computer security company in a suburb of Hamburg. Eager to design protective software for his clients, he had his five employees focus on picking apart the code and running it on the series of Siemens controllers neatly stacked in racks, their lights blinking.
He quickly discovered that the worm only kicked into gear when it detected the presence of a specific configuration of controllers, running a set of processes that appear to exist only in a centrifuge plant. “The attackers took great care to make sure that only their designated targets were hit,” he said. “It was a marksman’s job.”
For example, one small section of the code appears designed to send commands to 984 machines linked together.
Curiously, when international inspectors visited Natanz in late 2009, they found that the Iranians had taken out of service a total of exactly 984 machines that had been running the previous summer.
But as Mr. Langner kept peeling back the layers, he found more — what he calls the “dual warhead.” One part of the program is designed to lie dormant for long periods, then speed up the machines so that the spinning rotors in the centrifuges wobble and then destroy themselves. Another part, called a “man in the middle” in the computer world, sends out those false sensor signals to make the system believe everything is running smoothly. That prevents a safety system from kicking in, which would shut down the plant before it could self-destruct.
“Code analysis makes it clear that Stuxnet is not about sending a message or proving a concept,” Mr. Langner later wrote. “It is about destroying its targets with utmost determination in military style.”
This was not the work of hackers, he quickly concluded. It had to be the work of someone who knew his way around the specific quirks of the Siemens controllers and had an intimate understanding of exactly how the Iranians had designed their enrichment operations.
In fact, the Americans and the Israelis had a pretty good idea.
Testing the Worm
Perhaps the most secretive part of the Stuxnet story centers on how the theory of cyberdestruction was tested on enrichment machines to make sure the malicious software did its intended job.
The account starts in the Netherlands. In the 1970s, the Dutch designed a tall, thin machine for enriching uranium. As is well known, A. Q. Khan, a Pakistani metallurgist working for the Dutch, stole the design and in 1976 fled to Pakistan.
The resulting machine, known as the P-1, for Pakistan’s first-generation centrifuge, helped the country get the bomb. And when Dr. Khan later founded an atomic black market, he illegally sold P-1’s to Iran, Libya, and North Korea.
The P-1 is more than six feet tall. Inside, a rotor of aluminum spins uranium gas to blinding speeds, slowly concentrating the rare part of the uranium that can fuel reactors and bombs.
How and when Israel obtained this kind of first-generation centrifuge remains unclear, whether from Europe, or the Khan network, or by other means. But nuclear experts agree that Dimona came to hold row upon row of spinning centrifuges.
“They’ve long been an important part of the complex,” said Avner Cohen, author of “The Worst-Kept Secret” (2010), a book about the Israeli bomb program, and a senior fellow at the Monterey Institute of International Studies. He added that Israeli intelligence had asked retired senior Dimona personnel to help on the Iranian issue, and that some apparently came from the enrichment program.
“I have no specific knowledge,” Dr. Cohen said of Israel and the Stuxnet worm. “But I see a strong Israeli signature and think that the centrifuge knowledge was critical.”
Another clue involves the United States. It obtained a cache of P-1’s after Libya gave up its nuclear program in late 2003, and the machines were sent to the Oak Ridge National Laboratory in Tennessee, another arm of the Energy Department.
By early 2004, a variety of federal and private nuclear experts assembled by the Central Intelligence Agency were calling for the United States to build a secret plant where scientists could set up the P-1’s and study their vulnerabilities. “The notion of a test bed was really pushed,” a participant at the C.I.A. meeting recalled.
The resulting plant, nuclear experts said last week, may also have played a role in Stuxnet testing.
But the United States and its allies ran into the same problem the Iranians have grappled with: the P-1 is a balky, badly designed machine. When the Tennessee laboratory shipped some of its P-1’s to England, in hopes of working with the British on a program of general P-1 testing, they stumbled, according to nuclear experts.
“They failed hopelessly,” one recalled, saying that the machines proved too crude and temperamental to spin properly.
Dr. Cohen said his sources told him that Israel succeeded — with great difficulty — in mastering the centrifuge technology. And the American expert in nuclear intelligence, who spoke on the condition of anonymity, said the Israelis used machines of the P-1 style to test the effectiveness of Stuxnet.
The expert added that Israel worked in collaboration with the United States in targeting Iran, but that Washington was eager for “plausible deniability.”
In November, the Iranian president, Mahmoud Ahmadinejad, broke the country’s silence about the worm’s impact on its enrichment program, saying a cyberattack had caused “minor problems with some of our centrifuges.” Fortunately, he added, “our experts discovered it.”
The most detailed portrait of the damage comes from the Institute for Science and International Security, a private group in Washington. Last month, it issued a lengthy Stuxnet report that said Iran’s P-1 machines at Natanz suffered a series of failures in mid- to late 2009 that culminated in technicians taking 984 machines out of action.
The report called the failures “a major problem” and identified Stuxnet as the likely culprit.
Stuxnet is not the only blow to Iran. Sanctions have hurt its effort to build more advanced (and less temperamental) centrifuges. And last January, and again in November, two scientists who were believed to be central to the nuclear program were killed in Tehran.
The man widely believed to be responsible for much of Iran’s program, Mohsen Fakrizadeh, a college professor, has been hidden away by the Iranians, who know he is high on the target list.
Publicly, Israeli officials make no explicit ties between Stuxnet and Iran’s problems. But in recent weeks, they have given revised and surprisingly upbeat assessments of Tehran’s nuclear status.
“A number of technological challenges and difficulties” have beset Iran’s program, Moshe Yaalon, Israel’s minister of strategic affairs, told Israeli public radio late last month.
The troubles, he added, “have postponed the timetable.”
A "nova geografia comercial", finalmente, não deu em nada...
Durante oito anos, para disfarçar um pouco -- mas apenas um pouco -- a forte inclinação anti-ricos e a opção preferencial pelos pobres (entenda-se, países pobres), ou seja a famosa "diplomacia Sul-Sul", inventou-se uma expressão, tirada do bolso do colete, que parecia ajustar-se às maravilhas nas necessidades legitimadoras desse forte penchant pelo Sul e desse desprezo pelo Norte: a expressão era "nova geografia do comércio internacional".
Por trás dessa infeliz trouvaille, estava uma realidade que na verdade era uma miragem, mas que parecia existir na cabeça dos seus proponentes: a mudança nos eixos do poder mundial pela alteração nos fluxos de bens e serviços, do sentido Norte-Sul (e vice-versa, mas com as inevitáveis conotações coloniais), para um sentido Sul-Sul, ou seja, entre países em desenvolvimento. Essa descoberta "genial" só era uma descoberta para os seus proponentes brasileiros, pois no resto do mundo as realidades eram outras.
Por um lado, os países dinâmicos da Ásia oriental, os emergentes exportadores do Pacífico, já tinham feito a sua própria "nova geografia comercial": eles exportavam aceleradamente produtos manufaturados -- primeiro com marcas e tecnologias ocidentais, depois com suas próprias marcas -- para os países desenvolvidos, no sentido Sul-Norte, portanto, aproveitando -- sem qualquer conotação ideológica, como aqui no Brasil se tentou dar -- todas as oportunidades oferecidas por mercados dinâmicos, consumidores vorazes, e solventes, ou seja, sem problemas de linhas de crédito não honradas, calotes bancários ou comerciais, etc.
Por outro lado, os mercados emergentes dinâmicos também passaram a exportar cada vez mais para outros mercados emergentes e mesmo alguns sub-emergentes, enfim, países em desenvolvimento que se integravam cada vez nos circuitos internacionais (também sem qualquer vezo ideológico).
Só o Brasil insistia no seu arsenal de bobagens: desprezou a promoção comercial nos países ricos, e direcionou todos os seus recursos para os países em desenvolvimento, tentado construir a sua tal de "nova geografia".
Ela acabou surgindo, mas não por obra do governo, que em princípio não exporta nada, pois são os empresários que tem de sair a vender.
Mas a nossa "nova geografia", afinal, não tem nada a ver com a política comercial do governo.
Os outros países mais compraram do Brasil do que este vendeu a eles, e esta é uma realidade elementar, bastando olhar a composição e o direcionamento do nosso comércio de exportação: o Brasil foi comprado, não vendeu commodities, que são cotadas internacionalmente e tem compradores onde quer que existam atividades industriais de transformação, que é exatamente o que fazem os asiáticos, que se alimentam com nossos produtos agrícolas e produzem manufaturados com nossos minérios de ferro e outros primários.
Quando se contar a história real -- não a propaganda, como faz o governo -- de todas as políticas implementadas ao longo dos últimos oito anos, com base em dados fiáveis, não em montagens publicitárias, se poderá separar fato da ficção, e assim superar a nuvem de otimismo delirante que foi despejada sobre nós durante todo esse tempo. Estará então na hora de enterrar as bobagens que nos foram servidas impunemente durante tanto tempo, entre outras, a tal de "nova geografia do comércio internacional".
Paulo Roberto de Almeida
O Brasil e o comércio mundial
ALDO FORNAZIERI
O Estado de S.Paulo, 16 de janeiro de 2011
Uma nação adquire condições de se constituir em potência e de ocupar espaços e funções de hegemonia na medida em que se habilita a exportar excedentes. Esses excedentes podem ser de diversas ordens, mas os principais são: militar, comercial, financeiro, político, diplomático, religioso, populacional, cultural, industrial e tecnológico. O excedente religioso já cumpriu um papel importante nos processos expansionistas, mas as duas formas preeminentes foram a militar e a comercial. Com o fim da 2.ª Guerra Mundial, com o equilíbrio nuclear (ex-União Soviética e Estados Unidos da América) e com a afirmação do Direito Internacional, o expansionismo militar ficou cada vez mais comprimido a partir da segunda metade do século 20. O fim da guerra fria e a interdependência econômica relativizaram ainda mais as possibilidades de uso e de êxito do expansionismo militar. Sua função subsidiária de outras formas de expansionismo, contudo, permanece muito relevante. E nada indica que no futuro não possa vir a ser novamente uma forma prioritária de expansionismo.
A forma por excelência de expansionismo que se foi firmando no século 20 e, particularmente, no pós-guerra fria foi a comercial. Essa estratégia já estava inscrita de maneira consciente no processo de fundação dos Estados Unidos como nação independente e foi ratificada de modo eficaz na transição do século 19 para o século 20, com a preparação de uma poderosa diplomacia comercial.
Definido este preâmbulo e tomando como recorte apenas os últimos 20 anos, quando se iniciou a abertura econômica e comercial brasileira, cabe perguntar: o Brasil tem uma estratégia de expansão comercial? A resposta, stricto sensu, é não. Em que pese a triplicação das exportações nos últimos oito anos, nem mesmo no governo Lula foram dados passos significativos para a constituição dessa estratégia.
Durante o governo Lula o Brasil, certamente, ganhou mais peso e relevância internacionais. Isso, contudo, se deveu mais à exportação de um ativismo político-diplomático e à diplomacia presidencial, o que foi muito importante, do que a uma coerente, objetiva e realista política comercial. Mas se fazer uso do protagonismo de um estadista carismático é um instrumento expansionista válido, a força e a grandeza de uma nação perante as outras precisam se fundar na evidência interna e externa de seu poderio. O fato é que, no que tange ao comércio, o Brasil tem pouco peso, estando sua participação global em torno de 1% apenas.
Outro fator que vem projetando relevância do Brasil no mundo é o dinamismo interno de sua economia e a adoção de políticas macroeconômicas prudentes. Mas, tendo em vista que a expansão da economia pelo dinamismo interno não é infinita - ela se define pelo processo de superação da pobreza e ampliação do consumo -, o País não pode negligenciar a ocupação de espaços externos de comércio e de multinacionalização de empresas - que é um fator que o dinamiza. Uma das regras da globalização mostra que os Estados e as economias que não se internacionalizam passam a sofrer impactos estratégicos negativos do sistema interdependente.
Em certo sentido é possível dizer que as exportações brasileiras cresceram, nos últimos anos, apesar da política externa, contaminada por um viés ideológico. O Brasil cresceu como exportador a partir daquilo que a natureza lhe dá como possibilidade imediata de potência: commodities, agricultura, agroindústria. A proporção de produtos exportados de alta, média e baixa intensidade tecnológica vem caindo, o que indica que o País não se está habilitando no que diz respeito à competitividade baseada no conhecimento e na tecnologia.
Em termos comparativos, a China vem se tornando um gigante exportador perfazendo um caminho diverso: adota uma crescente estratégia de inserção global desde o início da década de 1980, vem criando um sistema sino-cêntrico de comércio mundial e exporta produtos com valor agregado, mesmo que sejam intensivos em mão de obra barata. Nesses termos, sabendo que existe um grau de autonomia entre política comercial e política externa, pode-se estabelecer que, se um dos objetivos centrais do Brasil no mundo globalizado deve ser sua expansão comercial, a política externa deve estar a serviço desse objetivo, e não o contrário - a subordinação da política comercial à política externa.
A ausência de uma estratégia de expansão comercial pode ser percebida em outro lugar: a precária infraestrutura e os custos portuários e de logística. Não existem no País plataformas logísticas modernas de exportação. A própria legislação é, em vários casos, um entrave às exportações. E apesar de o Brasil ter sido um dos mais ativos demandantes de investigações na Organização Mundial do Comércio (OMC), é possível dizer que não existe uma sólida política de defesa comercial.
O Brasil não patrocinou tratados de livre-comércio, bilaterais ou multilaterais, nos últimos 20 anos. O nosso vizinho Peru é um caso prolífico e bem-sucedido na aplicação de tratados de livre-comércio. Chama a atenção também a forma pouco prática como o nosso país vem tocando suas relações com a América do Sul e a América Latina. O Mercosul é um ente que se vem arrastando ao longo dos anos, com poucos avanços. Em relação à América do Sul, não há uma aposta efetiva e coordenada no sentido de integrar a região em termos comerciais, energéticos, infraestruturais, de investimentos, serviços e mercado de capitais. Já quanto à América Central e ao México, as relações vão pouco além da declaração de intenções. Com os Estados Unidos passamos à condição de deficitários. O México tem mais de 100 milhões de habitantes e o nosso comércio bilateral gira em torno de apenas US$ 5 bilhões. A América Latina tem mais de 500 milhões de habitantes, o que faz da região um mercado global considerável.
Enquanto a China está cada vez mais presente com objetivos claros nos países da região, não se vê o Brasil fazendo o mesmo.
DIRETOR ACADÊMICO DA FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO (FESPSP)
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Comércio exterior do País depende de cinco produtos
O Estado de S.Paulo, 15 de janeiro de 2011
O jornal Valor mostrou há poucos dias como as exportações do Brasil dependeram de um número reduzido de commodities e também do mercado chinês: cinco commodities (minério de ferro, petróleo bruto, complexo soja, açúcar e complexo carne) representaram no ano passado 43,3% do total das exportações, compradas essencialmente pela China.
O Brasil virou exportador de commodities, enquanto durante muitos anos procurou criar uma indústria capaz de substituir os produtos manufaturados importados - o que, nos últimos anos, parecia uma tentativa bem-sucedida. Ora, o que aparece é um crescimento constante da participação de cinco commodities no total das exportações. Tais produtos, em 2004, eram responsáveis por 20,04% das exportações, e essa participação mais que dobrou até 2010.
O minério de ferro é o grande responsável por essa evolução, e seu preço em dezembro de 2010 era 142,2% maior do que no mesmo mês de 2009, e o volume exportado, 27,2% maior. O mercado chinês é o maior comprador do minério, cuja exportação, que cresceu regularmente nos últimos anos, representou 4,53% das exportações totais em 2004 e 14,3% no ano passado.
Convém notar que a China está comprando minas de minério de ferro ao redor do mundo, para assegurar seu abastecimento, ao mesmo tempo que está constituindo estoques com a perspectiva de forçar uma baixa dos preços dessa commodity no futuro, uma vez que a sua produção de aço deverá se estabilizar em um prazo não muito longo.
Um outro produto que teve forte elevação de preço foi o açúcar, mas com flutuação ao longo do período, indicando que a sua exportação é muito ligada às condições climáticas.
O petróleo bruto também exibiu um forte aumento nas exportações: sua participação no total passou de 2,62% em 2004 para 8,48% no ano passado. Podemos imaginar que essa participação vai aumentar com a exploração do pré-sal, mas é provável que seu preço cairá.
O Brasil apresenta uma diferença dos outros países exportadores de commodities: tinha realizado com sucesso uma política de substituição das importações de produtos manufaturados, mas desde o ano passado a sua produção industrial estagnou, enquanto aumentavam os componentes importados na sua produção, e a participação de manufaturados no total das exportações caía de 44,0%, em 2009, para 39,4%, no ano passado, crescendo apenas 17,7%, para um crescimento total de 31,4%.
Por trás dessa infeliz trouvaille, estava uma realidade que na verdade era uma miragem, mas que parecia existir na cabeça dos seus proponentes: a mudança nos eixos do poder mundial pela alteração nos fluxos de bens e serviços, do sentido Norte-Sul (e vice-versa, mas com as inevitáveis conotações coloniais), para um sentido Sul-Sul, ou seja, entre países em desenvolvimento. Essa descoberta "genial" só era uma descoberta para os seus proponentes brasileiros, pois no resto do mundo as realidades eram outras.
Por um lado, os países dinâmicos da Ásia oriental, os emergentes exportadores do Pacífico, já tinham feito a sua própria "nova geografia comercial": eles exportavam aceleradamente produtos manufaturados -- primeiro com marcas e tecnologias ocidentais, depois com suas próprias marcas -- para os países desenvolvidos, no sentido Sul-Norte, portanto, aproveitando -- sem qualquer conotação ideológica, como aqui no Brasil se tentou dar -- todas as oportunidades oferecidas por mercados dinâmicos, consumidores vorazes, e solventes, ou seja, sem problemas de linhas de crédito não honradas, calotes bancários ou comerciais, etc.
Por outro lado, os mercados emergentes dinâmicos também passaram a exportar cada vez mais para outros mercados emergentes e mesmo alguns sub-emergentes, enfim, países em desenvolvimento que se integravam cada vez nos circuitos internacionais (também sem qualquer vezo ideológico).
Só o Brasil insistia no seu arsenal de bobagens: desprezou a promoção comercial nos países ricos, e direcionou todos os seus recursos para os países em desenvolvimento, tentado construir a sua tal de "nova geografia".
Ela acabou surgindo, mas não por obra do governo, que em princípio não exporta nada, pois são os empresários que tem de sair a vender.
Mas a nossa "nova geografia", afinal, não tem nada a ver com a política comercial do governo.
Os outros países mais compraram do Brasil do que este vendeu a eles, e esta é uma realidade elementar, bastando olhar a composição e o direcionamento do nosso comércio de exportação: o Brasil foi comprado, não vendeu commodities, que são cotadas internacionalmente e tem compradores onde quer que existam atividades industriais de transformação, que é exatamente o que fazem os asiáticos, que se alimentam com nossos produtos agrícolas e produzem manufaturados com nossos minérios de ferro e outros primários.
Quando se contar a história real -- não a propaganda, como faz o governo -- de todas as políticas implementadas ao longo dos últimos oito anos, com base em dados fiáveis, não em montagens publicitárias, se poderá separar fato da ficção, e assim superar a nuvem de otimismo delirante que foi despejada sobre nós durante todo esse tempo. Estará então na hora de enterrar as bobagens que nos foram servidas impunemente durante tanto tempo, entre outras, a tal de "nova geografia do comércio internacional".
Paulo Roberto de Almeida
O Brasil e o comércio mundial
ALDO FORNAZIERI
O Estado de S.Paulo, 16 de janeiro de 2011
Uma nação adquire condições de se constituir em potência e de ocupar espaços e funções de hegemonia na medida em que se habilita a exportar excedentes. Esses excedentes podem ser de diversas ordens, mas os principais são: militar, comercial, financeiro, político, diplomático, religioso, populacional, cultural, industrial e tecnológico. O excedente religioso já cumpriu um papel importante nos processos expansionistas, mas as duas formas preeminentes foram a militar e a comercial. Com o fim da 2.ª Guerra Mundial, com o equilíbrio nuclear (ex-União Soviética e Estados Unidos da América) e com a afirmação do Direito Internacional, o expansionismo militar ficou cada vez mais comprimido a partir da segunda metade do século 20. O fim da guerra fria e a interdependência econômica relativizaram ainda mais as possibilidades de uso e de êxito do expansionismo militar. Sua função subsidiária de outras formas de expansionismo, contudo, permanece muito relevante. E nada indica que no futuro não possa vir a ser novamente uma forma prioritária de expansionismo.
A forma por excelência de expansionismo que se foi firmando no século 20 e, particularmente, no pós-guerra fria foi a comercial. Essa estratégia já estava inscrita de maneira consciente no processo de fundação dos Estados Unidos como nação independente e foi ratificada de modo eficaz na transição do século 19 para o século 20, com a preparação de uma poderosa diplomacia comercial.
Definido este preâmbulo e tomando como recorte apenas os últimos 20 anos, quando se iniciou a abertura econômica e comercial brasileira, cabe perguntar: o Brasil tem uma estratégia de expansão comercial? A resposta, stricto sensu, é não. Em que pese a triplicação das exportações nos últimos oito anos, nem mesmo no governo Lula foram dados passos significativos para a constituição dessa estratégia.
Durante o governo Lula o Brasil, certamente, ganhou mais peso e relevância internacionais. Isso, contudo, se deveu mais à exportação de um ativismo político-diplomático e à diplomacia presidencial, o que foi muito importante, do que a uma coerente, objetiva e realista política comercial. Mas se fazer uso do protagonismo de um estadista carismático é um instrumento expansionista válido, a força e a grandeza de uma nação perante as outras precisam se fundar na evidência interna e externa de seu poderio. O fato é que, no que tange ao comércio, o Brasil tem pouco peso, estando sua participação global em torno de 1% apenas.
Outro fator que vem projetando relevância do Brasil no mundo é o dinamismo interno de sua economia e a adoção de políticas macroeconômicas prudentes. Mas, tendo em vista que a expansão da economia pelo dinamismo interno não é infinita - ela se define pelo processo de superação da pobreza e ampliação do consumo -, o País não pode negligenciar a ocupação de espaços externos de comércio e de multinacionalização de empresas - que é um fator que o dinamiza. Uma das regras da globalização mostra que os Estados e as economias que não se internacionalizam passam a sofrer impactos estratégicos negativos do sistema interdependente.
Em certo sentido é possível dizer que as exportações brasileiras cresceram, nos últimos anos, apesar da política externa, contaminada por um viés ideológico. O Brasil cresceu como exportador a partir daquilo que a natureza lhe dá como possibilidade imediata de potência: commodities, agricultura, agroindústria. A proporção de produtos exportados de alta, média e baixa intensidade tecnológica vem caindo, o que indica que o País não se está habilitando no que diz respeito à competitividade baseada no conhecimento e na tecnologia.
Em termos comparativos, a China vem se tornando um gigante exportador perfazendo um caminho diverso: adota uma crescente estratégia de inserção global desde o início da década de 1980, vem criando um sistema sino-cêntrico de comércio mundial e exporta produtos com valor agregado, mesmo que sejam intensivos em mão de obra barata. Nesses termos, sabendo que existe um grau de autonomia entre política comercial e política externa, pode-se estabelecer que, se um dos objetivos centrais do Brasil no mundo globalizado deve ser sua expansão comercial, a política externa deve estar a serviço desse objetivo, e não o contrário - a subordinação da política comercial à política externa.
A ausência de uma estratégia de expansão comercial pode ser percebida em outro lugar: a precária infraestrutura e os custos portuários e de logística. Não existem no País plataformas logísticas modernas de exportação. A própria legislação é, em vários casos, um entrave às exportações. E apesar de o Brasil ter sido um dos mais ativos demandantes de investigações na Organização Mundial do Comércio (OMC), é possível dizer que não existe uma sólida política de defesa comercial.
O Brasil não patrocinou tratados de livre-comércio, bilaterais ou multilaterais, nos últimos 20 anos. O nosso vizinho Peru é um caso prolífico e bem-sucedido na aplicação de tratados de livre-comércio. Chama a atenção também a forma pouco prática como o nosso país vem tocando suas relações com a América do Sul e a América Latina. O Mercosul é um ente que se vem arrastando ao longo dos anos, com poucos avanços. Em relação à América do Sul, não há uma aposta efetiva e coordenada no sentido de integrar a região em termos comerciais, energéticos, infraestruturais, de investimentos, serviços e mercado de capitais. Já quanto à América Central e ao México, as relações vão pouco além da declaração de intenções. Com os Estados Unidos passamos à condição de deficitários. O México tem mais de 100 milhões de habitantes e o nosso comércio bilateral gira em torno de apenas US$ 5 bilhões. A América Latina tem mais de 500 milhões de habitantes, o que faz da região um mercado global considerável.
Enquanto a China está cada vez mais presente com objetivos claros nos países da região, não se vê o Brasil fazendo o mesmo.
DIRETOR ACADÊMICO DA FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO (FESPSP)
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Comércio exterior do País depende de cinco produtos
O Estado de S.Paulo, 15 de janeiro de 2011
O jornal Valor mostrou há poucos dias como as exportações do Brasil dependeram de um número reduzido de commodities e também do mercado chinês: cinco commodities (minério de ferro, petróleo bruto, complexo soja, açúcar e complexo carne) representaram no ano passado 43,3% do total das exportações, compradas essencialmente pela China.
O Brasil virou exportador de commodities, enquanto durante muitos anos procurou criar uma indústria capaz de substituir os produtos manufaturados importados - o que, nos últimos anos, parecia uma tentativa bem-sucedida. Ora, o que aparece é um crescimento constante da participação de cinco commodities no total das exportações. Tais produtos, em 2004, eram responsáveis por 20,04% das exportações, e essa participação mais que dobrou até 2010.
O minério de ferro é o grande responsável por essa evolução, e seu preço em dezembro de 2010 era 142,2% maior do que no mesmo mês de 2009, e o volume exportado, 27,2% maior. O mercado chinês é o maior comprador do minério, cuja exportação, que cresceu regularmente nos últimos anos, representou 4,53% das exportações totais em 2004 e 14,3% no ano passado.
Convém notar que a China está comprando minas de minério de ferro ao redor do mundo, para assegurar seu abastecimento, ao mesmo tempo que está constituindo estoques com a perspectiva de forçar uma baixa dos preços dessa commodity no futuro, uma vez que a sua produção de aço deverá se estabilizar em um prazo não muito longo.
Um outro produto que teve forte elevação de preço foi o açúcar, mas com flutuação ao longo do período, indicando que a sua exportação é muito ligada às condições climáticas.
O petróleo bruto também exibiu um forte aumento nas exportações: sua participação no total passou de 2,62% em 2004 para 8,48% no ano passado. Podemos imaginar que essa participação vai aumentar com a exploração do pré-sal, mas é provável que seu preço cairá.
O Brasil apresenta uma diferença dos outros países exportadores de commodities: tinha realizado com sucesso uma política de substituição das importações de produtos manufaturados, mas desde o ano passado a sua produção industrial estagnou, enquanto aumentavam os componentes importados na sua produção, e a participação de manufaturados no total das exportações caía de 44,0%, em 2009, para 39,4%, no ano passado, crescendo apenas 17,7%, para um crescimento total de 31,4%.
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