sexta-feira, 22 de junho de 2012

O futuro do Mercosul, do fundo das catacumbas (1998) - PRAlmeida

Procurando um outro trabalho sobre o Mercosul, tropecei, literalmente, ou virtualmente, com o trabalho abaixo, sobre o "futuro" do Mercosul, elaborado em meados de 1998, ou seja, antes do deslanchar das crises do Brasil, em 1999, e da Argentina, em 2000-2001, que redundaram, igualmente, na mais importante crise vivida pelo Mercosul, e da qual ele não parece ter emergido até agora.
Ainda era questão da Alca, que não tinha sido formalmente implodida pelos companheiros no poder.
Talvez tenha algum valor analítico, ainda, mas sinceramente não sei. Vai aqui postado apenas para satisfazer os curiosos e estudiosos de arqueologia -- talvez até geologia -- da integração.
Não o reli, para não ficar com vontade de "consertar" coisas aqui e ali.
Ele reflete uma época e o meu pensamento sobre o Mercosul, praticamente 15 anos atrás. Quem sabe ele ainda tem alguma coisa válida?
Em todo caso, o Mercosul não vai acabar, mas anda muito transformado, quase definhando.
Vou reler, mas apenas depois de escrever um novo trabalho sobre o futuro do Mercosul, para comparar minhas análises separadas por três lustros de distância temporal.
Paulo Roberto de Almeida 

O BRASIL E O FUTURO DO MERCOSUL: DILEMAS E OPÇÕES

Paulo Roberto de Almeida *
Doutor em Ciências Sociais, diplomata
Editor Adjunto da Revista Brasileira de Política Internacional
Autor dos livros O Mercosul no contexto regional e internacional
(São Paulo: Aduaneiras, 1993) e
Mercosul: fundamentos e perspectivas (São Paulo: LTr, 1998).
Artigo publicado in: Paulo Borba Casella (coord.),
MERCOSUL: integração regional e globalização
(Rio de Janeiro: Renovar, 2000), pp. 13-38.

Resumo: Análise do itinerário futuro do MERCOSUL, de uma perspectiva brasileira, em função de seu desenvolvimento interno e dos desafios colocados pelo processo de integração hemisférica. São enfatizadas a agenda institucional, as negociações da ALCA, a conformação da ALCSA, uma eventual rodada multilateral de negociações comerciais, sob a égide da OMC, bem como o relacionamento com a União Européia. Entre a consolidação completa de um mercado comum acabado ou sua diluição numa vasta zona de livre-comércio hemisférica, que seriam possibilidades extremas, otimista e pessimista, respectivamente, o ensaio considera como factíveis o aprofundamento interno da união aduaneira, inclusive do ponto de vista institucional, e sua convivência com uma rede de outras obrigações externas, seja no âmbito propriamente regional ­ acordos de associação para o conjunto da América do Sul ­, seja no contexto hemisférico ou nos cenários extra-regional e multilateral, representados respectivamente pela negociações da ALCA, de um futuro acordo de liberalização de comércio com a União Européia e no prosseguimento da abertura de mercados patrocinada pela Organização Mundial de Comércio.

Introdução
Este artigo constitui um exercício de análise prospectiva sobre o itinerário futuro do MERCOSUL, com base numa discussão não exaustiva dos principais problemas que se colocam para sua evolução política e econômica, tanto do ponto de vista interno como externo. A despeito de um enfoque o mais possível "desnacionalizado" e tendencialmente "objetivo", o autor considera inevitável que uma perspectiva propriamente brasileira insinue-se no decorrer do ensaio, o que deve ser honestamente assumido como decorrência natural do estudo desses problemas a partir da realidade brasileira, assim como, compreensivelmente, do exame de outras análises conduzidas em sua maior parte em seu país de origem. O mesmo ocorreria, mutatis mutandis, no caso de uma discussão efetuada a partir da Argentina, por uma analista que operasse sua própria seleção de problemas e oferecesse uma visão de futuro com base na "percepção" dos temas "prioritários" do processo de integração tal como visto no âmbito de sua própria "economia política" doméstica.
Independentemente, porém, da margem do Prata a partir da qual o analista instale sua luneta de observador, parece claro que qualquer exercício de "futurologia" em torno do MERCOSUL deve, antes de mais nada, delimitar as opções econômicas e comerciais em jogo e as propostas políticas disponíveis em termos de organização institucional, do ponto de vista de seu desenvolvimento interno. Caberia considerar, em seguida, os elementos do relacionamento externo do esquema integracionista, notadamente no que se refere ao processo hemisférico e à continuidade do processo de aproximação com a União Européia, para poder projetar, finalmente, os cenários possíveis ou prováveis da evolução futura do MERCOSUL. Do ponto de vista deste observador, mas respeitando-se igualmente o caráter "objetivo" dos números relativos e das "relações de força" em jogo, parece evidente, em qualquer hipótese, que o itinerário de médio e longo prazo do MERCOSUL dependerá, em grande medida, das escolhas que faça seu mais importante protagonista, a saber, o Brasil. A propósito, uma análise operada a partir da outra margem do Prata poderia observar que, sem a colaboração e a cooperação ativas de seus demais sócios no empreendimento, o Brasil não poderia levar o MERCOSUL a nenhum destino diverso daquele a ser decidido de comum acordo, uma vez que os atuais mecanismos decisórios podem, de fato, obstar a qualquer itinerário estabelecido unilateralmente. Não obstante essa realidade, do ponto de vista de suas possibilidades efetivas e potenciais de desenvolvimento, não se poderia recusar o fato de que o Brasil detém, de fato, a chave estratégica do itinerário político e econômico do MERCOSUL no século XXI, mesmo considerando-se que esse país não ostenta, objetivamente, nenhum comportamento econômico "imperial" e que ele se tenha despido de qualquer veleidade política unilateralista ao engajar-se decisivamente no projeto integracionista com a Argentina a partir de meados dos anos 80.
Adotando-se uma espécie de "futurologia do bom senso", caberia examinar, assim, as opções extremas que se oferecem ao MERCOSUL para tentar delimitar, mais adiante, as propostas razoáveis abertas a seu desenvolvimento político e institucional. Deve-se advertir que, de um ponto de vista metodológico, tais "opções" e "propostas" não são consideradas como o resultado de simples medidas tópicas de administração da união aduaneira em formação adotadas pelos dirigentes e "executivos" do MERCOSUL, mas como possíveis vias de evolução futura, a partir de tendências imanentes e de forças "estruturais" determinadas a partir do próprio processo de integração, em suas "linhas profundas" de desenvolvimento. (1)
Sem inclinar-se para qualquer tipo de análise conjuntural, pode-se no entanto reconhecer que, no curto prazo, o MERCOSUL não parece politicamente ameaçado por alguma catástrofe política irreversível, nem por algum conflito econômico de grandes proporções, a não ser por suas próprias escaramuças "verbais" e comerciais, de pouca magnitude intrínseca, aliás. No que se refere às primeiras, elas parecem derivar do confronto de uma retórica ideologicamente livre-cambista para consumo externo e de algumas práticas internas, abertas ou veladas, de protecionismo explícito ou implícito, para contentar ou apaziguar setores específicos da economia "doméstica" ameaçados de deslocamento pelo ritmo da integração. A necessidade de proteção dos empregos nacionais nos setores sob risco é, evidentemente, uma mola propulsora dessas contradições entre o programa doutrinário da integração ­ ao qual todos aderem sem restrições ­ e o pragmatismo mais discreto da proteção (justificada a título de "exceções").
Quanto às disputas comerciais por acesso recíproco aos mercados dos países membros e as acusações mútuas de "comércio desleal" entre parceiros ­ a começar pela própria magnitude da TEC ou pela "legitimidade" de algumas barreiras não-tarifárias, remanescentes ou "construídas" durante ou após o período de transição ­, elas são inevitáveis, na medida em que correspondem a uma situação de abertura progressiva num contexto de indefinição de normas estritas de competição e de ausência parcial ou total da "harmonização das políticas macroeconômicas", objeto, como se sabe, do Artigo 1º do Tratado de Assunção. Ao não ter sido realizada essa harmonização, torna-se evidente o potencial de desentendimentos entre os membros nos mais diversos campos: níveis da TEC, exceções aceitáveis, ritmo da convergência, barreiras ao intercâmbio, normas industriais e regulamentos técnicos, padrões e formas de proteção à propriedade intelectual, medidas de defesa comercial, regras aplicadas aos setores ditos "sensíveis", enfim, questões próprias a toda e qualquer união aduaneira em formação. O contexto fin-de-siècle de crise financeira internacional ou as preocupações no Brasil e na Argentina com o desequilíbrio das transações correntes não ajudam, por certo, no desmantelamento de alguns dos obstáculos nacionais erigidos no caminho da consolidação dessa união aduaneira, mas os elementos centrais desta análise devem ser as "tendências pesadas" do processo de integração, não seus elementos passageiros.
Quais seriam, nesse sentido, as alternativas dicotômicas colocadas como promessa ou como ameaça no futuro do MERCOSUL? Eles parecem conformar duas perspetivas bem definidas, ainda que aparentemente pouco factíveis, de desenvolvimento político-institucional. Por um lado, na vertente "otimista", a realização plena do projeto integracionista original, ou seja, um mercado comum caracterizado pela "livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos", consoante os objetivos do Artigo 1° do Tratado de Assunção, ainda não realizados, diga-se de passagem. Por outro lado, no extremo "pessimista", a diluição do MERCOSUL numa vasta zona de livre-comércio hemisférica, do tipo da ALCA, de conformidade com o programa traçado em Miami em dezembro de 1994 e confirmado em Santiago em abril de 1998.
Antes de discutir se tais opções extremas seriam factíveis, realizáveis no curto ou médio prazo ou mesmo credíveis no atual contexto político-diplomático e econômico da região, vejamos o que significaria o desenvolvimento de uma estratégia intermediária de menor custo político e econômico para o Mercosul, que seria representada por uma zona de livre-comércio geograficamente menos ambiciosa, como a proposta Área de Livre-Comércio Sul-Americana (ALCSA). Esse espaço de liberalização comercial de âmbito exclusivamente sul-americano não tinha recebido, até os mais recentes progressos da ALCA, a continuidade esperada pelos seus proponentes originais e parecia até há pouco colocado numa espécie de limbo político pelos negociadores da integração. Para registro histórico, lembre-se que esse projeto tinha sido apresentado no Governo Itamar Franco como "Iniciativa Amazônica" pelo então chanceler Fernando Henrique Cardoso, depois ampliado em escala continental pelo Chanceler Celso Amorim. Nas duas modalidades, se previa a negociação, diretamente pelo MERCOSUL e sua ulterior protocolização pela ALADI, de amplos acordos de liberalização comercial e de complementação econômica entre os países do MERCOSUL e os demais países do continente. Tal como apresentado pelo Brasil, ele não despertou entusiasmo nos demais parceiros do MERCOSUL, na medida em que reduzia o impacto do acesso preferencial ao mercado brasileiro por parte desses países e introduzia um difícil processo de negociações "triangulares" que tinha de levar em conta não apenas o chamado "patrimônio histórico" da ALADI, mas ainda acordos de alcance parcial que os países do MERCOSUL e seus associados pudessem manter individualmente com outros países latino-americanos membros de outros esquemas integracionistas (caso do México e do NAFTA).
A conclusão, em 16 de abril de 1998, de um acordo quadro de liberalização do comércio entre os países do MERCOSUL e a Comunidade Andina vem recolocar num novo patamar os esforços de consolidação de uma zona de livre-comércio na América do Sul. A ALCSA representa uma opção de médio escopo hemisférico, servindo para reforçar o esquema liberalizador no âmbito geográfico da América do Sul. Seu pleno desenvolvimento representa uma estratégia de grande importância na conformação de um projeto econômico próprio para a região, independentemente da vontade política do principal parceiro hemisférico. A despeito das enormes dificuldades negociais ­ inclusive internas aos quatro membros do MERCOSUL ­ em torno de concessões recíprocas e da recuperação do "patrimônio histórico" da ALADI, as duas uniões aduaneiras em consolidação pareciam dispostas a ultimar as negociações no decorrer de 1999, com vistas a implementar a área de livre-comércio bi-zonal a partir do ano 2000, mesmo se alguns produtos sejam de fato excluídos da liberalização ou recebam esquemas bastante prolongados de desgravamento tarifário.
Caberia observar, finalmente, em relação a essa "terceira via" da integração regional sul-americana, que ela não atende, está claro, às necessidades de investimentos e de tecnologia dos países-membros do MERCOSUL, nem tampouco a um incremento significativo de suas exportações de maior valor agregado, podendo representar, ao contrário, uma via de acesso ampliado aos mercados do Cone Sul por parte das economias setentrionais da região. Por último, nenhum esquema integracionista ampliado ao continente sul-americano pode resolver os conflitos internos próprios ao MERCOSUL, tanto os de natureza econômica como os de caráter político-institucional, nem eludir a necessidade intrínseca de se lograr, até 2005 previsivelmente, uma maior coesão interna do bloco em face dos desafios que se projetam nos planos hemisférico e multilateral.

 
Opções extremas: entre um mercado comum completo e a ALCA
No que se refere aos cenários extremos, comecemos agora por examinar a "hipótese" em função da qual foi elaborado o próprio projeto do MERCOSUL, ou seja, a realização do mercado comum sub-regional. A terem sido cumpridos os objetivos fixados no Artigo 1º do Tratado de Assunção, o mercado comum previsto deveria ter entrado em funcionamento no dia 1º de janeiro de 1995, o que obviamente não foi o caso. Segundo uma leitura otimista desse instrumento diplomático e do próprio processo de integração, esses objetivos serão cumpridos nesta etapa complementar, que denominamos de "segunda transição", observados os prazos fixados no regime de convergência estabelecido para os diferentes setores definidos como "sensíveis" e cumpridos os requisitos mínimos desse mercado comum. Isto significaria, entre outros efeitos, a implementação efetiva da Tarifa Externa Comum e a conformação eventual, se necessário, de exceções verdadeiramente "comuns" a essa pauta aduaneira, e não listas nacionais de exceções como hoje se contempla. Idealmente, todas as barreiras não-tarifárias e medidas de efeito equivalente deveriam ter sido suprimidas. A coordenação de políticas macroeconômicas, nessa perspectiva, supõe igualmente que os países membros deveriam ter delimitado todas as áreas cruciais de cooperação em vista da necessária abertura recíproca de seus mercados a todos os bens e serviços dos países membros, inclusive no que se refere à oferta transfronteiriça de serviços e ao mútuo reconhecimento de normas e regulamentos técnicos específicos.
Na ausência de progressos mais evidentes nessas áreas, se esperava que os países pudessem ter definido, pelo menos, um sistema de paridades cambiais com faixas mínimas de variação, se alguma, entre as moedas respectivas, bem como a harmonização dos aspectos mais relevantes de suas legislações nacionais relativas a acesso a mercados. Estes são os requisitos mínimos para a conformação de um amplo espaço econômico conjunto no território comum aos países do MERCOSUL, a partir do qual se poderia caminhar para a consolidação progressiva e o aprofundamento do processo de integração, em direção de fases mais avançadas do relacionamento recíproco nos campos econômico, político e social.
Ainda que esse cenário razoável não se concretize, como parece previsível, nos primeiros anos do próximo século, seu desdobramento faz parte da lógica interna do MERCOSUL. Em todo caso, ele resultaria num MERCOSUL muito próximo do padrão de integração apresentado pelo mercado comum europeu em finais dos anos 60, isto é, após terem os signatários originais do Tratado de Roma completado sua união aduaneira e definido uma espécie de "coexistência pacífica" entre uma pretendida vocação comunitária ­ encarnada na Comissão, mas freada pelos representantes dos países-membros nos conselhos ministeriais ­ e um monitoramento de tipo intergovernamental, consubstanciado no papel político atribuído ao COREPER, o Comitê de Representantes Permanentes, não previsto no primeiro esquema institucional. (2) Em outros termos, mesmo a mais "comunitária" das experiências integracionistas, sempre foi temperada por um necessário controle intergovernamental ou, melhor dizendo, nacional. No caso específico do MERCOSUL, as dúvidas ou obstáculos levantados em relação ao aprofundamento do processo de integração não parecem derivar de reações epidermicamente "soberanistas" ou mesquinhamente nacionalistas ­ ou até mesmo "chovinistas", como parecem acreditar alguns ­ mas de determinadas forças políticas ou de correntes de pensamento, para não falar de interesses setoriais "ameaçados", que logram "congelar" o inevitável avanço para a liberalização comercial ampliada entre os membros. Tais tendências não são necessariamente nacionalmente definidas, mas existem ao interior de cada um dos países envolvidos no processo.
Quanto à outra hipótese extrema, a diluição ­ ou dissolução, prefeririam alguns setores norte-americanos ­ do MERCOSUL na ALCA, ela apenas poderia resultar de uma opção consentida e desejada pelos próprios países membros, a menos que se admita uma deterioração sensível da "solidariedade mercosuliana" nos anos finais da segunda fase de transição. Considera-se aqui, como hipótese "realista" de trabalho, que a ALCA terá seguimento e conclusão exitosos, escapando à sua implosão por forças internas ­ sindicais e congressuais ­ dos Estados Unidos ou à sua própria "diluição" no caso de uma nova rodada abrangente de negociações comerciais multilaterais que signifique eventualmente sua inocuidade por efeito de incorporação de sua pauta negocial substantiva.
A hipótese da diluição do MERCOSUL na ALCA não pode ser excluída de todo, a julgar pelas assimetrias persistentes e por uma certa busca de "vantagens" unilaterais, como parece ser a tentativa do Paraguai de preservar os aspectos mais distorcivos de sua atual condição de "entreposto aduaneiro" da produção eletrônica de baixa qualidade que é despejada em seu território a partir de países asiáticos emergentes. Num caso consolidação do MERCOSUL ­ como no outro ­ começo da implantação da ALCA ­, a data fatídica de 2005 aparece como um verdadeiro marco divisor, um "antes" e um "depois" num processo de escolhas cruciais que estarão sendo colocadas para os países do MERCOSUL nos primeiros anos do século XXI. Os estadistas do Brasil e da Argentina, em primeiro lugar, não poderão furtar-se a essas opções dramáticas e da qualidade das respostas dadas por suas respectivas diplomacias econômicas a alternativas por vezes contraditórias dependerá o futuro do MERCOSUL.
Os pressupostos formais e substantivos da ALCA são, evidentemente, inferiores em escala integracionista aos do MERCOSUL, muito embora a agenda econômica da liberalização hemisférica, tal como pretendida pelos Estados Unidos, compreenda bem mais do que os componentes elementares de uma "simples" zona de livre-comércio. Com efeito, tal como definido em Miami, em dezembro de 1994, aprofundado sucessivamente nos encontros ministeriais de Denver (junho de 1995), em Cartagena de Índias (março de 1996) em Belo Horizonte (maio de 1997) e em San José (março de 1998), e confirmado na segunda cúpula hemisférica (Santiago, abril de 1998), o programa da ALCA pretende ser algo mais do que um mero exercício de rebaixamento tarifário e de concessões recíprocas de ordem não-tarifária, cobrindo ainda, de forma abrangente, campos como os de serviços, investimentos, propriedade intelectual, concorrência e compras governamentais.
Conscientes do projeto ambicioso impulsionado pelos Estados Unidos, assim como de suas próprias fragilidades estruturais no confronto com a supremacia competitiva do Big Brother do Norte, os países-membros do MERCOSUL buscaram refrear o ímpeto inicial de, nos termos da Declaração de Miami, se "começar imediatamente a construir a ALCA", logrando afastar, na reunião ministerial de Belo Horizonte (maio de 1997), a ameaça de que se deva, "até o fim deste século [obter] progresso concreto para a realização deste objetivo". O MERCOSUL adotou uma postura essencialmente crítica em relação à ALCA, quando não um posicionamento cético à consecução de alguns dos ­ senão todos ­ objetivos fixados na Declaração de Miami, com exceção da própria meta geral de se empreender a construção de uma "zona de livre-comércio hemisférica".
Uma das primeiras conquistas do MERCOSUL no processo preparatório às negociações foi consagrar o princípio dos "building blocks", pelo qual a construção da ALCA se faria não pela adesão de cada país individualmente ao NAFTA, como pretendiam os norte-americanos, mas pela conjunção oportuna dos diversos esquemas sub-regionais de liberalização e de integração. A outra vitória foi afastar o espectro da "early harvest", a perspectiva de resultados antecipados até o ano 2000, adicionalmente ao princípio do "single undertaking", pelo qual se deve esperar um entendimento global sobre todos os benefícios e vantagens antes da implementação de qualquer acordo setorial que porventura se obtenha. O sucesso foi consagrado nas últimas reuniões do processo hemisférico, quando, ao definir responsabilidades partilhadas em termos das sucessivas presidências do processo negociador e de desenvolvimento dos trabalhos dos grupos setoriais, se logrou obter, a partir de San José, resultados equilibrados do ponto de vista do MERCOSUL e do Brasil. Este país assegurará, juntamente com os Estados Unidos, a co-presidência do processo negociador durante a última � e mais crucial � fase de definição do perfil da futura zona de livre-comércio hemisférica.
O que, afinal, assusta tanto os negociadores do MERCOSUL na projetada ALCA? Existem fatores tanto de ordem estrutural quanto elementos conjunturais que podem explicar as reticências brasileiras em relação a esse projeto. Em primeiro lugar, aparece o evidente diferencial de competitividade e de base produtiva (economias de escala) entre os dois maiores parceiros hemisféricos. Os Estados Unidos compõem uma economia de 7 trilhões de dólares, voltada atualmente para os aspectos mais dinâmicos da nova economia de serviços, ao passo que o MERCOSUL apresenta-se como uma economia inferior a um trilhão, considerada globalmente, e um PIB per capita proporcionalmente menor. O maior integrante do MERCOSUL, o Brasil ­ detentor de um PIB equivalente a menos do décimo do norte-americano ­, tenta consolidar seu processo industrializador em meio aos desafios derivados da implementação da Rodada Uruguai e de seu próprio programa unilateral de abertura comercial, não considerando o processo ainda não concluído de estabilização macroeconômica.
Ainda assim, os argumentos a favor ou contra a ALCA podem ser utilizados num ou noutro sentido, em função da postura que se adote em relação aos ganhos esperados de uma ampliação de mercados não mais limitada em escala sub-regional, mas estendida a todo o hemisfério. Como já tivemos a oportunidade de salientar em relação a uma eventual adesão ao NAFTA, (3) os que encaram positivamente essa opção, não deixam de ressaltar o maior potencial de mercado e a superior qualidade da parceria tecnológica que podem derivar de uma "relação especial" no continente norte-americano, particularmente com os Estados Unidos, comparativamente à modéstia do poder de compra e as menores possibilidades tecnológicas oferecidas no Cone Sul. (4) Aqueles que por sua vez privilegiam os laços sub-regionais tampouco deixar de sublinhar, como parece claro, o desnível de poder negociatório com o Big Brother do Norte, o que condenaria o MERCOSUL a fazer muito mais concessões do que as que obteria em troca em termos de acesso ao mercado dos Estados Unidos.
Em segundo lugar, precisamente, e no seguimento deste último argumento, um outro fator de temor pode ser encontrado na também evidente assimetria de concessões e benefícios esperados de mais um processo de liberalização conduzido apenas em escala hemisférica, quando o perfil geográfico do comércio exterior brasileiro ­ consoante seu perfil tantas vezes afirmado de global trader ­ e seu relacionamento econômico-financeiro e tecnológico apontam para uma diversificação bem mais ampla de parcerias, com algumas áreas tradicionais de concentração, a começar pelo continente europeu. A União Européia é, e continuará sendo no futuro previsível, o mais importante mercado comercial e um dos principais provedores de investimentos para a economia brasileira, assim como a implementação do euro trará efeitos positivos para o Brasil e para o MERCOSUL em termos de comércio, finanças e diversificação de reservas. Ainda que não se conceba uma "preferência hemisférica" no terreno dos investimentos diretos, uma liberalização comercial conduzida apenas nesta parte do planeta poderia desestabilizar um quadro de parcerias comerciais e de estratégias empresariais ­ descontando-se a vertente agrícola, está claro, na qual a UE apresenta-se ainda como irredutivelmente protecionista ­ que promete muito mais em termos de inserção econômica internacional para o Brasil e para o MERCOSUL do que um pretendido acesso "privilegiado" ao mercado norte-americano.
Em terceiro, e mais importante, lugar, pode-se considerar o espectro do eventual abandono de um projeto regional de construção de um espaço econômico próprio, no qual, a despeito de todas as suas aparentes fragilidades, o Brasil assume um nítido papel hegemônico, em favor de um esquema não controlado de liberalização à outrance, na qual este País se veria atribuir, se tanto, uma função secundária. Em outros termos, a questão essencial ligada à ALCA não se refere, na verdade, a seus aspectos comerciais ou mesmo econômicos, mas sim, inquestionavelmente, a um projeto de poder. Compreende-se, dessa maneira, que o projeto ALCA constitui uma "opção extrema" não apenas em relação ao MERCOSUL, mas principalmente em relação à agenda geoestratégica, ainda que "inconsciente", do Estado brasileiro. Com efeito, não há, nem nunca houve, na doutrina geopolítica brasileira ­ subjacente e jamais explicitada em sua história diplomática ­ o equivalente de um "manifesto destino". Não se pode negar, entretanto, a existência latente de uma concepção própria quanto aos cenários possíveis ou desejáveis para o desenvolvimento do País no contexto sul-americano, podendo afirmar-se que a implementação concreta dessa concepção passa pela conformação de um espaço econômico integrado no hemisfério americano meridional.
Esses são, em resumo, os temores explícitos ou implícitos que suscita o projeto da ALCA e as razões, ipso facto, pelas quais a diplomacia brasileira se mobilizou para diminuir seu impacto ou neutralizar seus efeitos. Deve-se recordar, en passant, que o projeto da ALCA pode ser também "implodido", não por ações concretas que possam ser adotadas pelo MERCOSUL ou pelo Brasil em particular, mas por avanços sensíveis que possam ser registrados no plano do sistema multilateral de comércio, mais concretamente a partir do lançamento de uma esperada Rodada do Milênio envolvendo quase todos, senão todos, os temas atualmente em discussão no âmbito hemisférico. Com efeito, que sentido teria, por um lado, conduzir negociações simultâneas de escopo comercial e não-tarifário em foros distintos e paralelos, ainda que não antagônicos, e como seria possível compatibilizar, por outro lado, exigências e demandas de dois conjuntos heteróclitos de parceiros econômicos?
Mesmo que se pretenda criar uma dinâmica regional, ou hemisférica, que sustente negociações de escopo mais amplo, ainda que razoavelmente mais "equilibradas", no foro da Organização Mundial de Comércio, o início de mais uma rodada abrangente de negociações multilaterais em âmbito universal inviabilizaria, na prática, a continuidade desse exercício em escala hemisférica. Por outro lado, o fato de o Brasil e os Estados Unidos assumirem, na última fase de negociações da ALCA, a co-presidência do processo parece ser uma espécie de garantia de sua conclusão exitosa, comprometendo de fato o principal parceiro do MERCOSUL ­ no que seria a "síndrome da cumplicidade" ­ com os objetivos estratégicos de grande politique dos Estados Unidos na consecução do projeto de Miami. Não se pode descurar, todavia, os ímpetos protecionistas e mesmo essencialmente paroquiais do Congresso ­ independentemente da força política dominante ­ e dos setores trabalhistas da potência norte-americana no que poderia ser chamado de "auto-implosão" da ALCA, hipótese que ­ com base nas dificuldades iniciais para a obtenção de um mandato negociador para o Executivo, o famoso "fast track" ­ não pode ser descartada in limine. Tendo em vista, porém, o caráter parcialmente autônomo do processo negociador ­ isto é, em relação às sociedades civis respectivas ­ e mesmo sua "inércia" relativa até os momentos decisivos do fechamento do "single undertaking", entre 2003 e 2005, a variável ALCA continuará a "pesar" sobre os destinos do MERCOSUL até o acabamento de sua "segunda fase de transição" e sua definição como união aduaneira plena.

Opções de Realpolitik: a grande estratégia do MERCOSUL
Quais seriam, em contrapartida, as opções razoáveis, ou as mais prováveis, que se apresentam para o desenvolvimento futuro do MERCOSUL? Elas se situam, claramente, no campo de seu aprofundamento interno, em primeiro lugar nos terrenos econômico e comercial, no âmbito de sua extensão regional, no reforço das ligações extra-regionais (em primeiro lugar com a União Européia) e, finalmente, mas não menos importante, no apoio que o MERCOSUL pode e deve buscar no multilateralismo comercial como condição de seu sucesso regional e internacional enquanto exercício de diplomacia geoeconômica.
Parece evidente que, a despeito de dificuldades pontuais e de obstáculos setoriais, a marcha da integração econômica não poderá ser detida pelas lideranças políticas que, nos próximos cinco ou dez anos, se sucederão ou se alternarão nos quatro países membros e nos demais associados. Tendo resultado de uma decisão essencialmente política, de "diplomacia presidencial" como já se afirmou, o MERCOSUL econômico não poderá ser freado senão por uma decisão igualmente política: ora, afigura-se patente que o processo de integração possui um valor simbólico ao qual nenhuma força política nacional tem a pretensão de opor-se. Daí se conclui que os impasses comerciais, mesmo os mais difíceis, tenderão a ser equacionados ou contornados politicamente e levados a uma "solução" de mútua e recíproca conveniência num espaço de tempo algo mais delongado do que poderiam supor os adeptos de rígidos cronogramas econômicos. Nesse sentido, o MERCOSUL não é obra de doutrinários ortodoxos, mas de líderes pragmáticos.
Assim, sem entrar na questão do cumprimento estrito do programa de convergência ou no problema da compatibilização de medidas setoriais nacionais, tudo leva a crer que a futura arquitetura do MERCOSUL econômico não seguirá processos rigorosamente definidos de "aprofundamento" inter e intra-setoriais, dotados de uma racionalidade econômica supostamente superior, mas tenderá a seguir esquemas "adaptativos" e instrumentos ad hoc essencialmente criativos, seguindo linhas de menor resistência já identificadas pragmaticamente. Se o edifício parecer singularmente "heteróclito" aos olhos dos cultores dos esquemas integracionistas pode-se argumentar, em linha de princípio, que o itinerário do MERCOSUL econômico não precisa seguir, aprioristicamente, nenhum padrão de "beleza estética" ou de "pureza teórica" no campo da integração. Em qualquer hipótese, o MERCOSUL não está sendo construído para conformar-se a padrões organizacionais previamente definidos em manuais universitários de direito comunitário, mas para atender a requisitos econômicos e políticos de natureza objetiva, que escapam ­ e assim deve ser ­ a qualquer definição teórica ou pretensa coerência metodológica.
No que se refere à questão do aprofundamento interno, político e institucional do MERCOSUL, eventualmente inclusive no terreno militar, não se pode deixar de sublinhar, uma vez mais, as dificuldades inerentes ­ e as demandas inevitáveis, pelos protagonistas já identificados ­ vinculadas ao problema da supranacionalidade, constantemente agitado, como uma espécie de "espantalho acadêmico", sobre a mesa de trabalho de "mercocratas insensíveis". Não se poderia excluir, a esse respeito, a evolução progressiva do atual principal opositor a qualquer "renúncia de soberania" no âmbito do MERCOSUL, o Brasil, em direção de uma posição mais próxima, intelectualmente falando, dos demais países-membros ­ seja os declaradamente "supranacionais", como Uruguai e Paraguai, seja a Argentina moderada, isto é, em favor de uma combinação de instituições intergovernamentais e comunitárias ­, muito embora tal questão esteja em conexão direta com a definição de um outro tipo, ponderado, de sistema decisório interno à união aduaneira.
Nenhum desses cenários "razoáveis" tem, como nos casos anteriores, sobretudo no exercício da ALCA, a data fatídica de 2005 como fator político de mutação estratégica. Eles se situam mais no terreno da continuidade do que no da ruptura, ainda que alguns "choques" internos tenham de ocorrer para tornar verdadeiramente possíveis, ou prováveis, alguns dos desenvolvimentos aqui considerados. É bem verdade que, no caso dos prazos finais de convergência intra-MERCOSUL, o ano de 2005 ­ e, antes dele, o ano 2000 para a liberalização completa da maior parte das exceções tarifárias ­ aparece como uma espécie de "ponto de não retorno" no cenário da integração sub-regional, mas ele também pode ser visto como um "ponto de fuga", após o qual os países membros, ainda a braços com processos delongados de estabilização macroeconômica e confrontados a difíceis escolhas no terreno de suas políticas econômicas nacionais, continuariam afastando diante de si ou ­ para usar um verbo dotado de conotação positiva ­ buscando ativamente a "implementação" da união aduaneira projetada.
Aceitando-se que tanto a ALCA como uma hipotética "Rodada do Milênio" na OMC, ambos sob o signo de um "GATT-plus", poderão servir de aguilhões para a implementação efetiva dessa união aduaneira, tem-se que antes ou a partir de 2005 os países-membros estarão avançando desta vez no caminho do mercado comum. As dificuldades derivadas da abertura comercial brasileira efetuada em princípios dos anos 90 e das turbulências financeiras do final da década já terão sido provavelmente absorvidas e restaria apenas consolidar as bases de um novo modelo de crescimento econômico e de integração à economia mundial. Nessa fase, com toda probabilidades, estaremos assistindo à consolidação de novas configurações industriais na sub-região e no Brasil em particular, com um crescimento extraordinário do comércio intra-industrial e intra-firmas. (5) Tem-se como certa, igualmente, a continuidade do processo de internacionalização da economia brasileira, em ambos os sentidos, ou seja, não apenas a recepção de um volume cada vez maior de capitais estrangeiros nos diversos setores da economia, com destaque para o terciário, mas igualmente a exportação ampliada de capitais brasileiros para dentro e fora da região. Com efeito, o Brasil é também, crescentemente, um país "exportador" de capitais, mesmo se os estados federados ainda lutam desesperadamente, inclusive por mecanismos espúrios de incentivos e de "guerra fiscal", para atrair investimentos diretos estrangeiros.
Nesse sentido, o MERCOSUL se consolidará como "plataforma" industrial de uma vasta região geoeconômica, mas se converterá igualmente em grande exportador mundial de commodities e sobretudo de bens industriais, o que ele hoje faz em escala muito modesta. Seria ainda prematuro debater a questão da "moeda comum", mas não se poderia excluir tampouco essa hipótese, via adoção prévia de um sistema qualquer de paridades correlacionadas entre suas principais moedas. Este cenário pareceria estar vinculado ao abandono, pela Argentina, do sistema de paridade fixa, assim como à aceitação, pelo Brasil de um mecanismo compartilhado de gestão cambial, mas afigura-se ainda precoce especular sobre os caminhos certamente originais que podem, também neste caso, conduzir a um padrão monetário unificado ­ que pode até mesmo significar preservação das moedas nacionais ­ no futuro mercado comum. A própria adoção efetiva da moeda única européia, entre 1999 e 2002, que poderá "sugerir" o afastamento da referência exclusiva ao dólar, ainda hoje básica, nas operações de comércio exterior e de finanças internacionais dos países-membros, contribuirá certamente para alimentar o debate interno em torno da questão. Não se vislumbra, entretanto, além de exercícios acadêmicos obviamente inevitáveis e alguns debates preliminares de certa forma bem-vindos, qualquer definição de calendário e de compromissos nesta área antes de uma "terceira fase de transição", a partir de 2006. Mas, mesmo um MERCOSUL minimalista até lá não poderá eludir o problema da coordenação cambial como condição essencial de avanços ulteriores nos demais terrenos da construção do mercado comum.
Em outros termos, quaisquer que sejam as dificuldades eventuais, o MERCOSUL terá de avançar no terreno econômico-comercial como condição prévia à preservação de sua identidade política, regional e internacional, em face dos desafios hemisférico e multilateral que se apresentarão nos primeiros anos do século XXI. As demandas não são apenas externas, na medida em que se conhece o apetite ­ e mesmo a necessidade ­ argentina pela coordenação de políticas macroeconômicas, bem como a reiterada insistência do Uruguai, e com menor ênfase do Paraguai, por instituições supranacionais. Este aspecto é, porém, mais retórico do que efetivo, sendo bem mais importantes, no caso argentino, o problema da descoordenação cambial ­ de fato a ameaça de desvalorização por parte do Brasil ­ e, para todos os demais países, a questão do acesso continuado e desimpedido ao mercado interno da principal economia sul-americana.

 
A agenda institucional do MERCOSUL: a questão da supranacionalidade
Um dos grandes problemas da evolução política futura do MERCOSUL é, precisamente, o "salto" para a adoção integral de instituições comunitárias de tipo supranacional, transição que ocorrerá mais cedo ou mais tarde nos países-membros, considerando-se que o MERCOSUL constitui, efetivamente, o embrião de etapas superiores de integração. Este setor é, obviamente, o de maiores dificuldades intrínsecas, uma vez que combina, como seria de se esperar, preocupações relativas à soberania estatal e ao assim chamado "interesse nacional". A questão principal neste campo refere-se à possibilidade de formação de uma ordem jurídica comunitária no MERCOSUL, que muitos autores consideram automaticamente a partir do conceito similar oriundo do direito comunitário construído a partir da experiência européia de integração econômica e política.
Em outros termos, o MERCOSUL deveria ou precisaria aproximar-se do modelo europeu para receber uma espécie de rótulo comunitário, uma certificação de boa qualidade de origem supranacional? Contra essa perspectiva "européia" são levantados, e não apenas pelos "mercocratas", vários óbices estruturais e sobretudo políticos nos países membros. A despeito de uma aceitação de princípio por parte das elites desses países dos pressupostos da construção comunitária ­ ou seja, a cessão de soberania, a delegação ou transferência de poderes, a limitação da vontade soberana do Estado ­ a internacionalização efetiva de suas economias respectivas ou uma ativa e assumida interdependência entre os países membros do MERCOSUL parece ainda distante. O problema aqui parece ser mais de ordem prática do que teórica: os economistas, que são os que de fato comandam o processo de integração, pelo menos em seus aspectos práticos, não têm o mesmo culto à noção de soberania ­ seja contra ou a favor ­ em que parecem deleitar-se os juristas e os acadêmicos em geral.
Ainda que todos possam concordar em que a soberania nacional pode e deve recuar à medida em que se avança num projeto de mercado comum, não se trata de uma questão em relação à qual os atores relevantes possam ou devam se posicionar simplesmente contra ou a favor, ou, ainda, de uma noção que deva ser encaminhada ou resolvida por um tratado jurídico de qualquer tipo. A soberania, qualquer que seja o seu significado jurídico, não costuma integrar os cálculos de PIB ou as estimativas de (des)equilíbrios de balança comercial. Da mesma forma, ela não se sujeita facilmente à coordenação de políticas macroeconômicas, daí sua irrelevância prática para a condução efetiva do processo integracionista. Ela é, sim, exercida diariamente, na fixação da taxa de câmbio ­ que pode até ser declarada estável ­ ou na determinação do nível de proteção efetiva em situações de baixa intensidade integracionista, que é justamente aquela na qual vivem os países do MERCOSUL (ou, pelo menos, o maior deles, que é também o menos livre-cambista dos quatro). Em outros termos, a "soberania" não é um conceito operacional, a mesmo título que a harmonização de leis ou a padronização de normas técnicas, mas tão simplesmente um "estado de espírito", uma percepção dos resultados prováveis de ações políticas adotadas ­ conscientemente ou não ­ pelos protagonistas de um processo de integração: é algo que se constata ex post, mais do que o resultado de uma planificação ideal do futuro.
Diversos juristas e estudiosos do MERCOSUL têm avançado a idéia de que caberia impulsionar, através da "vontade política", a implementação gradual de um modelo supranacional, indicando o Brasil como o grande responsável pela preservação do caráter intergovernamental da estrutura orgânica mercosuliana pós-Ouro Preto. É verdade, mas neste caso se tratou de obra meritória, na medida em que tal atitude salvou o próprio MERCOSUL de um provável desastre político e de possíveis dificuldades econômicas e sociais. A Realpolitik é sempre a linha de maior racionalidade nas situações de forte incerteza quanto aos resultados de qualquer empreendimento inovador, seja uma batalha militar, seja um salto para a frente nesse modesto Zollverein do Cone Sul.
Dito isto, este articulista pretende deixar claro que não defende uma posição "soberanista" estrita no processo de construção, necessariamente progressivo e gradual, do MERCOSUL. A soberania, como no velho mote sobre o patriotismo, costuma ser o apanágio dos que se atêm à forma em detrimento do conteúdo, à letra em lugar do espírito da lei. Sua afirmação, em caráter peremptório ou irredentista, é geralmente conservadora, podendo mesmo sua defesa exclusivista e principista ser francamente reacionária no confronto com as necessidades inadiáveis de promoção do desenvolvimento econômico e social e do bem-estar dos povos da região. O que, sim, deve ser considerado na aferição qualitativa de um empreendimento tendencialmente supranacional como é o caso do MERCOSUL é em que medida uma renúncia parcial e crescente à soberania por parte dos Estados Partes acrescentaria "valor" ao edifício integracionista e, por via dele, ao bem-estar dos povos integrantes do processo, isto é, como e sob quais condições especificamente uma cessão consentida de soberania contribuiria substantivamente para lograr índices mais elevados de desenvolvimento econômico e social.
O assim chamado interesse nacional ­ tão difícil de ser definido como de ser defendido na prática ­ passa antes pela promoção de ativas políticas desenvolvimentistas do que pela defesa arraigada de uma noção abstrata de soberania. Deve-se colocar o jurisdicismo a serviço da realidade econômica ­ e não o contrário ­ e ter presente que cabe ao Estado colocar-se na dependência dos interesses maiores da comunidade de cidadãos e não servir objetivos imediatos e corporatistas de grupos setoriais ou fechar-se no casulo aparentemente imutável de disposições constitucionais soberanistas. Em certas circunstâncias, pode-se admitir que uma defesa bem orientada do interesse nacional ­ que é a defesa dos interesses gerais dos cidadãos brasileiros e não os particulares do Estado, a defesa dos interesses da Nação, não os do governo ­ passe por um processo de crescente internacionalização, ou de "mercosulização", da economia brasileira. Quando se ouve impunemente dizer que a "defesa do interesse nacional" significa a proteção do "produtor" ou do "produto nacional" poder-se-ía solicitar ao mercocrata de plantão que saque, não o seu revólver, mas a planilha de custos sociais da proteção efetiva à produção nacional (o que envolve também, é claro, o cálculos dos efeitos renda e emprego gerados no País).
A opção continuada dos países membros do MERCOSUL por estruturas de tipo intergovernamental, submetidas a regras de unanimidade, pode portanto ser considerada como a mais adequada na etapa atual do processo integracionista em escala sub-regional, na qual nem a abolição dos entraves à livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, nem a instituição efetiva da tarifa externa comum, nem a integração progressiva das economias nacionais parecem ainda requerer mecanismos e procedimentos supranacionais suscetíveis de engajar a soberania dos Estados. Esses objetivos podem, nesta fase, ser alcançados através da coordenação de medidas administrativas nacionais e da harmonização das legislações individuais. Ainda que os objetivos do MERCOSUL sejam similares aos do Mercado Comum Europeu e, eventualmente, em última instância, aos da União Européia, não há necessidade, para o atingimento dos objetivos que são os seus atualmente, de que o seu sistema jurídico copie, neste momento, o modelo instituído no Tratado de Roma e, numa fase ulterior, o Tratado de Maastricht. Basta atribuir-lhe personalidade de direito internacional e implantar um marco de disciplina coletiva no exercício das respectivas soberanias nacionais.
Um outro campo de avanços "virtuais" seria o da cooperação política entre os países membros. É teoricamente possível pensar, no MERCOSUL, em etapas mais caracterizadas de integração política, a exemplo da Europa de Maastricht. Não há contudo, neste momento, a exemplo dos conhecidos mecanismos europeus, uma instância formal de cooperação política e de coordenação entre as chancelarias respectivas para uma atuação conjunta nos foros internacionais, assim como não há uma instância específica do MERCOSUL para assuntos militares e estratégicos (a despeito mesmo da realização, tanto a nível bilateral Brasil-Argentina, como a nível quadrilateral, de diversas reuniões ­ de caráter meramente informativo e com características quase acadêmicas ­ entre representantes militares dos quatro países membros). A prática diplomática, contudo, tem levado a consultas políticas constantes entre os quatro países, sobretudo Brasil e Argentina, tanto a nível presidencial como por meio das chancelarias respectivas. Esses contatos passaram, cada vez mais, a envolver os setores militares respectivos dos países membros. Já, previsivelmente, os Estados Maiores conjuntos das forças armadas nacionais, no Brasil e na Argentina, reduziram ao mínimo, ou pelo menos a proporções insignificantes, os riscos de uma instabilidade político-militar nas relações recíprocas. Isto significa, tão simplesmente que a hipótese de guerra, sempre traçada nas planilhas de planejamento estratégico dos militares, é cada vez mais remota, senão impossível.
No terreno mais concreto dos conflitos comerciais, parece por outro lado evidente que, assim como na experiência européia a existência da Corte de Luxemburgo permitiu desmantelar de fato muitas barreiras não-tarifárias erigidas depois da consecução da união aduaneira, (6) a eventual introdução de uma corte arbitral permanente no MERCOSUL poderia desarmar a maior parte dos impedimentos colocados pelos lobbiessetoriais nacionais à abertura efetiva dos mercados internos à competição dos agentes econômicos dos demais parceiros. Talvez este seja o "primeiro grão" de supranacionalidade e de direito comunitário que caberia, por simples questão de racionalidade econômica, impulsionar no processo de integração.

 
O futuro do MERCOSUL: a work in progress
As fases mais avançadas do processo integracionista no Cone Sul poderão, a exemplo da experiência européia, permitir o estabelecimento de uma cooperação e coordenação política propriamente institucionalizada e poderão até mesmo desembocar, a longo prazo, num processo ao estilo da Europa-92 e envolver as diversas dimensões discutidas e aprovadas por Maastricht, ou seja, união econômica ampliada (moeda e banco central), coordenação da segurança comum e ampliação do capítulo social em matéria de direitos individuais e coletivos. Nesse particular, as centrais sindicais do MERCOSUL vêm demandando, com uma certa insistência, a adoção de uma "Carta Social", com direitos sociais e trabalhistas mínimos a serem respeitados pelos "capitalistas selvagens" do Cone Sul. Ainda que se possa conceber novos avanços no capítulo social do MERCOSUL, é previsível que a orientação econômica predominante neste terreno ­ isto é, tanto empresarial como governamental ­ continuará privilegiando mais a "flexibilidade" dos mercados laborais, ao estilo anglo-saxão, do que uma estrita regulação dos direitos segundo padrões europeus.
No que se refere, finalmente, ao relacionamento externo do MERCOSUL, caberia enfatizar primeiramente o aprofundamento das relações com outros esquemas de integração, a começar obviamente pela União Européia. O MERCOSUL se constituiu no bojo de uma revitalização dos esquemas de regionalização, sobretudo os de base sub-regional. Sua primeira fase de transição coincidiu com a constituição de uma área de livre comércio na América do Norte (NAFTA), entre o México, os EUA e o Canadá, logo seguida pelo próprio desenvolvimento da idéia da "Iniciativa para as Américas" sob a forma de uma zona de livre-comércio hemisférica, a ALCA. Ao mesmo tempo, outros esquemas eram lançados ou se desenvolviam em outros quadrantes do planeta: todos eles obedecem, em princípio, à mesma rationale econômica e comercial, qual seja, o da constituição de blocos comerciais relativamente abertos e interdependentes, integrados aos esquemas multilaterais em vigor.
A União Européia, que levou mais longe esse tipo de experiência, talvez seja o bloco menos aberto de todos, mas é também aquele que apresenta o maior coeficiente de abertura externa e de participação no comércio internacional de todos os demais, sendo ademais o principal parceiro externo do MERCOSUL. A atribuição pelo Conselho Europeu de um mandato negociador à Comissão de Bruxelas, no sentido de ser implementado o programa definido no acordo interregional assinado em dezembro de 1995 em Madri, parece ainda carente de maior definição quanto a seu conteúdo efetivo, em primeiro lugar no que se refere ao problema da liberalização do comércio recíproco de produtos agrícolas, uma das bases inquestionáveis do protecionismo europeu, francês sobretudo.
O MERCOSUL deve relacionar-se amplamente com os diversos esquemas sub-regionais, mas, ao mesmo tempo, preservar seu capital de conquistas no Cone Sul. Em outros termos, a associação, via acordos de livre-comércio, de parceiros individuais (foi o caso do Chile e da Bolívia, a partir de 1996) ou de grupos de países (os da Comunidade Andina, por exemplo), deve obedecer única e exclusivamente aos interesses dos próprios países membros do MERCOSUL, para que os efeitos benéficos do processo de integração sub-regional não sejam diluídos num movimento livre-cambista que apenas desviaria comércio para fora da região. Tal seria o caso, por exemplo, de uma negociação precipitada em prol da ALCA, sem que antes fossem garantidas condições mínimas de consolidação da complementaridade intra-industrial entre Brasil e Argentina e de expansão do comércio em geral no próprio MERCOSUL e no espaço econômico sul-americano em construção.
Um acordo precipitado no âmbito da ALCA introduziria certamente uma demanda excessiva por salvaguardas durante a fase de transição e, sabemos pela experiência do próprio MERCOSUL, que elas devem limitar-se aos ajustes temporários requeridos pelos processos de reconversão ligados à repartição intersetorial dos fluxos comerciais e, em nenhum caso, dificultar ou impedir a marcha da especialização e da interdependência intra-industrial. As regras de origem, por outro lado, que conformam um dos capítulos mais intrincados de qualquer processo de liberalização, poderiam ser indevidamente utilizadas para impedir fluxos de comércio com outras regiões ou investimentos de terceiros países, geralmente europeus ou mesmo asiáticos, reconhecidamente mais dinâmicos em determinados setores de exportação.
A "ameaça" da ALCA incitou presumivelmente os europeus a se decidir por avançar na implementação do acordo de cooperação interregional firmado em Madri. Como registrado nesse instrumento, a liberalização comercial "deverá levar em conta a sensibilidade de certos produtos", o que constitui uma óbvia referência à Política Agrícola Comum, uma das áreas de maior resistência à abertura no ulterior processo de negociação. Não obstante, é de se esperar que por volta de 2005, e coincidindo com avanços similares nos planos hemisférico e multilateral, o MERCOSUL e a União Européia tenham delineado de maneira mais efetiva as bases de um vasto esforço de cooperação e de liberalização recíproca. Uma etapa decisiva no esforço negociador bilateral deverá ser realizada por ocasião da Cimeira Europa-América Latina, a realizar-se no Rio de Janeiro no primeiro semestre de 1999, quando também deverão reunir-se representantes de cúpula do Mercosul e da União Européia com vistas, possivelmente, ao anúncio do início das negociações tendentes a conformar, se não um novo esquema de integração, pelo menos um processo progressivo de liberalização do comércio recíproco dos dois espaços de integração regional. Também aqui, como no caso da ALCA, a possibilidade de resultados exitosos do ponto de vista do MERCOSUL depende em grande medida do grau de coesão interna do grupo, tanto no terreno econômico como político.
Mais importante do que qualquer esquema "privilegiado" de âmbito regional é, contudo, o reforço contínuo das instituições multilaterais de comércio, condição essencial para que o MERCOSUL não seja discriminado indevidamente em qualquer área de seu interesse específico, seja como ofertante competitivo de produtos diversos, seja como recipiendário de capitais e tecnologias necessárias. A OMC representa, nesse sentido, um foro primordial de negociações econômicas e, como tal, um terreno comum de entendimento com os diversos esquemas regionais de integração. Essa instituição não constitui, entretanto, um guarda-chuvas tranqüilo e muito menos uma panacéia multilateralista suscetível de preservar os países-membros dos desafios da globalização já em curso: pelo contrário, ela tende a ser, cada vez mais, o próprio foro da globalização, ao lado de suas "irmãs" mais velhas de Bretton Woods, o FMI e o Banco Mundial. Atuando de forma coordenada na OMC, bem como em outros foros relevantes do multilateralismo econômico internacional ­ como a OCDE, a UNCTAD e as instituições de Bretton Woods ­, os países-membros do MERCOSUL logram aumentar seu poder de barganha e ali exercer um talento negociador que os preparará para a fase da "pós-globalização" que já se anuncia.
Em síntese, tendo em vista que o processo de construção do MERCOSUL não obedece tão simplesmente a opções de política comercial ou de modernização econômica ­ ainda que tais objetivos sejam, por si sós, extremamente relevantes do ponto de vista econômico e social de seus países membros ­ ou a meras definições externas e internacionais de caráter "defensivo", mas encontra-se no próprio âmago da estratégia político-diplomática dos respectivos Governos e de certa forma entranhado a suas políticas públicas de construção de um novo Estado-nação na presente conjuntura histórica sub-regional, parece cada vez mais claro que o MERCOSUL está aparentemente "condenado" a reforçar-se continuamente e a afirmar-se cada vez mais nos planos regional e internacional. Nesse sentido, ele deixa de ser um "simples" processo de integração econômica, ainda que dotado de razoável capacidade transformadora do ponto de vista estrutural e sistêmico ­ algo limitado, reconheça-se, para o Brasil enquanto "território ainda em formação", por mais significativo que ele possa ser no quadro dos sistemas econômicos nacionais respectivos dos demais países membros ­, para apresentar-se como uma das etapas historicamente paradigmáticas no itinerário já multissecular das nações platinas e sul-americanas, como uma das opções fundamentais que elas fizeram do ponto de vista de sua inserção econômica internacional e de sua afirmação política mundial na era da globalização. O MERCOSUL é, mais do que nunca, um work in progress.

 
Notas:
(1) A integração pode ser definida como "un proceso multidimensional, cuya intencionalidad excede a la simple reestructuración de mercados en busca de economías de escala, y que incluye tanto la dimensión de la construcción de instituciones, como la gestación de una auténtica cultura de la integración, asentada en el respecto y la convivencia federativa de las culturas nacionales y locales"; cf. Ofelia Stahringer de Caramuti, "Introducción" in Idem (coord.), El Mercosur en el nuevo orden mundial. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1996, p. 15, sublinhado no original.
(2) Não se pode excluir a hipótese de também o MERCOSUL vir a instituir, em Montevidéu, uma espécie de COREPER, mas parece evidente que esse eventual "órgão" informal teria mais a função de assessorar o trâmite de matérias administrativas junto à Secretaria Administrativa ou de facilitar o contato "diário" entre os quatro países do que, como no exemplo original europeu, os objetivos de "controlar" um órgão legitimamente comunitário ­ a Comissão ­, estabelecer-lhe limites no processamento das atividades de "rotina" (definidas em função dos "interesses nacionais") e, também, de acelerar o trâmite de matérias julgadas relevantes pelas capitais. Sua institucionalização requereria uma mera "emenda", por via de decisão ministerial, ao Protocolo de Ouro Preto, mas também parece evidente que seu significado político transcenderia o simples aspecto de um "acabamento" na incipiente estrutura organizacional da união aduaneira.
(3) Paulo Roberto de Almeida, "O Brasil e o Mercosul em Face do NAFTA", Política Externa, São Paulo: vol. 3, nº 1, junho-julho-agosto 1994, pp. 84-96.
(4) De fato, simulações econômicas sobre os efeitos "industriais" da liberalização unilateral e da conformação de "PTAs" (preferential trade arrangements) indicam uma maior relação custo-benefício nos esquemas Norte-Sul do que nos acordos regionais tipicamente Sul-Sul; ver Diego Puga e Anthony J. Venables, "Trading Arrangements and Industrial Development", The World Bank Economic Review, vol. 12, nº 2, may 1998, pp. 221-249.
(5) Na verdade, esse comércio já vinha crescendo a taxas geométricas desde o início do processo de integração; como informado em estudo sobre o processo de constituição da estrutura tarifária no Mercosul, o intercâmbio intrarregional se expandiu, desde a assinatura do Tratado de Assunção, a uma taxa anual de 28,5%, o que representa três vezes mais do que a expansão global do comércio regional (9%) e cerca de cinco vezes a taxa de crescimento do comércio mundial (6%); ver Marcelo Olarreaga e Isidro Soloaga, "Endogenous Tariff Formation: the case of Mercosur", The World Bank Economic Review, vol. 12, nº 2, may 1998, pp. 297-320.
(6) De fato, como indica Carlos Rozo, foi o "ativismo jurídico" da Corte Européia de Justiça que serviu de fator catalizador no processo integrador europeu, sem o que os esforços integradores não teriam sido tão profundos ou permanentes como foram objetivamente; ver o artigo "Juridical Activism and Regional Integration: Lessons from the European Court of Justice", Integration & Trade, vol. 1, nº 2, may-august 1997, pp. 27-45.

Referências:
Almeida, Paulo Roberto de. O Mercosul no contexto regional e internacional. São Paulo: Aduaneiras, 1993
----- "O Brasil e o Mercosul em Face do NAFTA", Política Externa, São Paulo: vol. 3, nº 1, junho-agosto 1994, pp. 84-96
----- Mercosul: fundamentos e perspectivas. São Paulo: LTr, 1998
Caramuti, Ofelia Stahringer de (coord.). El Mercosur en el nuevo orden mundial. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1996
Olarreaga, Marcelo e Soloaga, Isidro. "Endogenous Tariff Formation: the case of Mercosur", The World Bank Economic Review, vol. 12, nº 2, may 1998, pp. 297-320
Puga, Diego e Venables, Anthony J. "Trading Arrangements and Industrial Development", The World Bank Economic Review, vol. 12, nº 2, may 1998, pp. 221-249
Rozo, Carlos. "Juridical Activism and Regional Integration: Lessons from the European Court of Justice", Integration & Trade, vol. 1, nº 2, may-august 1997, pp. 27-45

Paulo Roberto de Almeida
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Vai um engarrafamento ai, doutor? E que tal o preco dos hoteis?

Este é o Brasil que pretende fazer uma copa do mundo de futebol e depois as Olimpíadas.
Será que vai ser assim também?
Os grandes jornais do mundo não estão sendo bondosos com o Brasil.
Et pour cause...

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Financial Times, June 21, 2012 6:44 pm

Snarl-ups deal blow to success of Rio+20

For a city preparing to host the 2016 Olympics and some of the 2014 World Cup games, this week’s UN Rio+20 earth summit has shone a sometimes unflattering light on its hotel and transport networks.
Traffic jams have snarled up the city in spite of the government’s declaration of a school holiday during the event.
Lisa Jackson, one of the most senior members of the US delegation, was due to speak on Tuesday at a conference in Copacabana co-hosted by Eduardo Paes, Rio mayor, and Michael Bloomberg, New York City mayor. Ms Jackson, administrator of the Environmental Protection Agency, got so stuck in the city’s chronic traffic that she missed the event. Her speech was read out by another EPA official.
But the problems began well before the start of the summit. When official delegations went to book rooms for Rio+20 – named because it comes 20 years after Rio hosted the 1992 UN earth summit – they were confronted with hotel price-gouging.
A government-appointed travel agent in charge of bookings told delegations they not only had to pay rates of $600 and more per night but they had to stay for at least 10 days.
A European Parliament delegation decided to cancel, some poorer country leaders shied away and media organisations downscaled their planned coverage.
“They blocked the rooms and started charging outrageous prices,” one summit official with knowledge of the preparations said of the official travel agent. He said bad press eventually forced the Brazilian government to order the travel agent and hotels to lower their prices and promise to reimburse those who had been overcharged.
Such problems may have hurt attendance. Just five weeks ago, the guest list was looking good. The names of 83 heads of state, 44 heads of government and four vice presidents were down for the three-day conference, which ends on Friday.
But internal UN figures seen by the Financial Times show that by Wednesday, that list of 131 leaders had shrunk to just 95, fewer than some had expected for what has been billed as the biggest summit the UN has ever held.
There are no doubt many reasons for why the numbers fell, from the eurozone crisis that kept many European leaders at home, to the US presidential election, to the stalled negotiations on what the conference would actually produce.
Brazilian officials say they are confident the traffic and accommodation problems surrounding Rio+20 will be solved by the time of the Olympics.
“None of the infrastructure plans in Rio were planned for this conference,” said Ambassador André Corrêa do Lago of the foreign ministry, Brazil’s chief negotiator at Rio+20. “It is all planned for 2014 and 2016, so nothing is in place yet.”
No World Cup football games will be played near the RioCentro, an aide added. And Brazil plans to increase the supply of rooms in the hotel industry, which has suffered from a lack of investment in recent decades.
But others warned the government needed to learn from this event. “If this is a kind of learning curve, that’s OK, but they keep saying everything is perfect when it isn`t,” said the senior summit official.
Still, some of the summit’s minor logistical snafus have been entertaining. When Zimbabwe’s Robert Mugabe began to speak at the opening session of the conference, the sometimes erratic English translation on convention centre screens briefly described him as the president of the “Republic of OJ Simpson”.
Copyright The Financial Times Limited 2012.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Vai uma greve ai, doutor? Com musica ou sem musica?

E eu que pensei que a greve do funcionalismo federal fosse uma boa coisa para todos: os grevistas ficariam em casa, em férias remuneradas, antes de obterem o que queriam do governo (quei sempre cede em face da chantagem), os não grevistas poderiam ir tranquilos para o trabalho, com menos carros pelas ruas, estacionamentos mais vazios, corredores silenciosos, enfim, paz e tranquilidade para quem gostaria de aproveitar o ritmo reduzido do serviço público (não faz muita diferença, o ritmo, na verdade), e teríamos um encontro do vazio com a capacidade de pensar...
Que ilusão!
Pensei aproveitar para adiantar alguns trabalhos em silêncio zen, mas fui confrontado com a fúria em decíbeis dos grevistas. Eles colocam aparelhos de som à altura de 250 (qualquer coisa) e ficam tocando aquelas músicas maravilhosas que vocês não deve ouvir mas que existem, sem que a gente jamais suspeitasse dessa existência medíocre.
De vez em quando eles soltam um rojão, e as consignas pelo alto-falante.
Maravilha das maravilhas a democracia: você pode estourar os tímpanos de outrém impunemente, tudo em nome da liberdade de manifestar.
Já não se fazem greves como antigamente...
Eu aliás acho que o serviço público poderia funcionar com 2/3 a menos de gente do que ele tem; atenção, eu disse 2/3. Fica muito mais tranquilo e não parece haver nenhum prejuízo ao serviço. Ao contrário. Parece que as coisas andam mais rápidas, sem muita gente para interferir.
Isso no executivo.
Acredito que no Legislativo se poderia funcionar bem com apenas 2/10 do pessoal empregado. Atenção: eu disse dois décimos, ou seja, 80% do pessoal é redundante, dispensável, literalmente inútil.
No Judiciário, talvez se pudesse, com novas metodologias, reduzir o pessoal em 1/3, eliminando a Justiça trabalhista, por exemplo, uma inutilidade que aumenta, em lugar de diminuir, os conflitos laborais. E acho que o salário poderia ser reduzido, ou não aumentado, para equiparar com outras categorias do serviço público.
Sim, eu também acabaria com a estabilidade, irremovibilidade e outros penduricalhos burocráticos...



Greve no Itamaraty tem mais adesões nesta quarta-feira

Jornal do Brasil
O movimento grevista no Ministério das Relações Exteriores (MRE) cresceu nesta quarta-feira (20). Segundo o Sindicato Nacional dos Servidores do MRE (SindItamaraty) e da Associação Nacional dos Oficiais de Chancelaria do Serviço Exterior Brasileiro (ASOF), 86 postos no exterior, em embaixadas e consulados, já aderiram à paralisação, iniciada na segunda-feira (18). Na terça-feira, ela começou com 75 postos paralisados.   
Entre os servidores das representações brasileiras que se juntaram à greve estão os dos consulados gerais de Londres, Nova York, Paris, Sidney, Houston, Atlanta, Boston, Hartford, São Francisco e Los Angeles, e as embaixadas de Paris, Londres, Washington.
Também se juntaram à greve os trabalhadores locais - servidores contratados nos países onde atuam -, que constituem 70% da força de trabalho das embaixadas e dos consulados. Em carta aos representantes das missões diplomáticas do Brasil no exterior, os advogados da Associação dos Funcionários Servidores Locais do Ministério das Relações Exteriores no Mundo (AFLEX) confirmaram a greve por um dia.
Greve no Itamaraty 
A paralisação atinge as chamadas carreiras típicas de Estado do Serviço Exterior Brasileiro (SEB), que agrupa diplomatas, assistentes de chancelaria e oficiais de chancelaria. O movimento é promovido pela União das Entidades Representativas das Carreiras Típicas de Estado, e busca reajuste salarial para a categoria. No caso do MRE, além da questão salarial, outras demandas, de ordem estrutural e de gestão de pessoas, são reivindicadas. 
“A indefinição das atribuições das três carreiras do SEB faz com que parte dos diplomatas, que deveriam cuidar das formulações da política externa brasileira, na prática exerçam funções técnicas", diz a presidente da ASOS, Soraya Castilho. Segundo ela, estas atribuições seriam "de oficiais de chancelaria, como chefiar a Divisão de Serviços Gerais, responsável por obras, manutenção de infraestrutura e licitações de itens de consumo do Itamaraty – desde o cafezinho até o papel higiênico”.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Iran: uma nova Coreia do Norte? - Wall Street Journal

Com as sanções se aproximando, o Irã pode tornar-se um novo país recluso, introvertido, fechado no seu sistema rígido, tendo como únicas portas para o mundo a China e a Rússia.
A ver...
Sanctions for Iran as Talks Fail

The Wall Street Journal, June 19, 2012


MOSCOW—Sanctions aimed at punishing Iran will begin in two weeks after another round of talks with world powers ended without an agreement by Tehran to curb its nuclear program.
The lead negotiators for both sides said the ball was in the other's court after the end of talks here. Catherine Ashton, the European Union's foreign policy chief, and Saeed Jalili, the lead Iranian negotiator, used similar words, saying that the other had "a choice" to make to get negotiations restarted.
Iran had hoped the talks might forestall the looming sanctions. With new penalties now a certainty, the long-running international dispute has entered an unpredictable new phase that will test past Iranian threats to retaliate, including a vow to choke off a key global oil channel, the Strait of Hormuz.
In the absence of talks, sanctions also may be the last barrier to a possible Israeli strike on Iran's nuclear facilities, a step U.S. officials fear could spark a wider conflict.
Associated Press
Iran's Jalili, center, said the talks were 'a test on whether the West is for or against Iran's scientific progress.'
Iran's economy already is suffering shocks because of a combination of government mismanagement and sanctions that have driven up the cost of staple goods by as much as 50%.
Upcoming penalties will up the ante by targeting Iranian oil exports, its main source of revenue. A European Union embargo on all Iranian oil sales takes effect July 1, a move that could endanger as much as a third of Iran's revenue.
Before that, the White House will impose sanctions on firms doing business with Iran's central bank beginning June 28, another tool to drain Tehran of its oil revenue.
The U.S. Congress is likewise poised to push for more sanctions after the failure of talks in the past two months in Istanbul, Baghdad and now Moscow.
U.S. officials underscored their determination to enforce sanctions with a warning to Venezuela on Tuesday over a plan to cooperate with Iran to develop surveillance drones.
"All countries, including Venezuela, have an obligation to comply with international sanctions against Iran," said State Department spokeswoman Victoria Nuland. "We're committed to ensuring that if we see violations of Iran sanctions, that we will call them out and that we will seek appropriate action."
Iran and the world powers agreed to extend the negotiations by planning some lower-level technical meetings on July 3 in Istanbul.
No higher-level meetings are yet scheduled.
Compounding the setback, Iran recently backed out of a tentative deal with the United Nations' nuclear watchdog to provide its inspectors with greater access to scientists, sites and documents believed to be tied to Tehran's nuclear work.
Underscoring the rising stakes, the U.S. House Armed Services Committee will hold a hearing Wednesday on military options for addressing Iran's nuclear program.
Under the new U.S. sanctions, any foreign state bank processing oil transactions through Iran's central bank, called Bank Markazi, could be punished. Non-state institutions doing business with Bank Markazi could also be hit.
The State Department has granted waivers in recent months from these sanctions to countries that have shown a willingness to reduce their Iran oil purchases.
But China and Singapore could still be targeted after June 28, U.S. officials said.
Additional U.S. sanctions could further target Iranian energy and financial sectors as well as its shipping and insurance businesses, said Sen. Mark Kirk (R., Ill.), who has advanced new sanctions legislation.
"After three rounds of meetings, Iran remains in violation of multiple U.N. Security Council resolutions ordering it to halt all its uranium enrichment activities," Mr. Kirk said.
Diplomats called the two days of talks in Moscow "intense and tough" but said that the two sides remained far apart on how to unwind Iran's uranium enrichment program, which Tehran again Tuesday called an "inalienable right" of the Iranian people.
Western officials had expressed hope that the talks Monday and Tuesday would bear fruit, in part because heightened pressure from the Kremlin, which has traditionally maintained a closer relationship with Iran than most of the other Security Council members that are pressuring Tehran to scale back its nuclear program.
Russian officials dined with the Iranian delegation, and met with members in an effort to push along negotiations.
But U.S. and European officials said the talks remained deadlocked over Iran's program.
As in previous talks in Baghdad last month and in Istanbul before that, Iran demanded a lifting of sanctions before it would back off on its enrichment of uranium to 20% purity, which Western officials call perilously close to weapons grade.
But world powers have insisted that Iran take the first conciliatory step and have been proposing a step-by-step program in which Iran will be rewarded for putting a halt to its high-grade nuclear enrichment, ship out the highly-enriched fuel that it has amassed, and shut down a nuclear facility situated deep in a mountain that is impervious to an airstrike.
Ms. Ashton, the lead negotiator for the six powers in talks, said at the end of two days of meeting Tuesday that "significant gaps" remain between the two sides.
U.S. officials insisted that neither they nor their partners changed their demands in Moscow, or offered any sanctions relief before Iran takes steps to start meeting the international community's demands. In fact, the timing of the July 3 meeting, two days after a ban on Iranian oil purchases goes into effect in Europe, is a sign that Iran hasn't won any easing or postponing of sanctions, they said.
In the weeks leading to the talks, Iran likewise took a tough stance, with Iranian officials reiterating the Islamic Republic's position that enriching uranium is an "absolute right" under the Non-Proliferation Treaty.
Mr. Jalili, the Iranian chief negotiator, told Iranian reporters before entering the talks on Monday that this round of talks was really " a test on whether the West is for or against Iran's scientific progress."
Iran's Supreme Leader Ayatollah Ali Khamenei, who has the last word on all state matters, indirectly made a reference to the nuclear talks in a speech on Monday making it clear where Iran stands on compromise.
"Our enemies should know that arrogance and un-substantiated demands from Iran will lead to nowhere," Mr.Khamenei said, according to official media. He also said Iran's resistance and progress stands as an example of standing up to injustice in the world.
—Farnaz Fassihi and Jay Solomon contributed to this article.
Write to Alan Cullison at alan.cullison@wsj.com
A version of this article appeared June 20, 2012, on page A1 in the U.S. edition of The Wall Street Journal, with the headline: Sanctions for Iran as Talks Fail.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Cambio e governos: uma mistura patetica...

Um leitor me envia o seguinte comentário a um post econômico (eles são muitos) deste blog:


Essa semana vi a notícia de que a União Européia comemorou a valorização do Euro sobre o Dólar. Me surgiu uma dúvida e gostaria que se você pudesse me respondesse: Por que a UE comemora a valorização da sua moeda e nos lamentamos?
Outra questão que gostaria de fazer é sobre sua opinião se o governo conseguirá ou não segurar essa desvalorização do real ou o mesmo voltará a se valorizar sobre o dólar. 



Respondi inicialmente o seguinte, em comentário ao post em questão, e prometi um post sobre isso: 


Suas dúvidas são pertinentes, mas não existem respostas econômicas para variações cambiais em que se comprazem ou com as quais se preocupam os governos.
Governos sempre têm preocupações políticas e acham que a economia deveria ajudá-los. Ora, a economia é implacável: ela não existe para contentar governos, e sim para expressar relações da realidade.
Vou fazer um post para tentar responder suas questões.
Paulo Roberto de Almeida


Bem, vamos tentar agora, mas o assunto do câmbio é vastíssimo e a patetice dos governos em matéria cambial é maior ainda. Em todo caso, posso oferecer minha visão do problema, e o que eu acho razoável de se fazer em matéria cambial.


Em tempos recuados, muito antes da brilhantina, câmbio era visto com certo respeito por governos responsáveis. Eram os tempos do padrão ouro (século XIX, até 1913), quando os governos de países sérios emitiam moeda com lastro metálico (ouro ou prata, mas o ouro forneceu o padrão da libra, oficialmente desde o final das guerras napoleônicas, até o início da guerra, quando se suspendeu a conversibilidade, por razões ponderáveis, digamos assim.
Desde então, o mundo nunca mais foi o mesmo, embora se tenham feito tentativas para voltar à "idade do ouro".
Mas, como os governos aprenderam a emitir dinheiro sem lastro nenhum, durante a guerra, os políticos se acostumaram a essa solução fácil de prometer muito, acima dos recursos disponíveis, manipulando emissões e a paridade das moedas, quando assim necessário.
Passo por cima da indescritível bagunça que foram os anos de entre guerras, mas recomendo a você a leitura de Liaquat Ahmed, Lords of Finance, que me parece ter uma edição brasileira, chamada Os Donos do Dinheiro. O essencial está em que nos anos 1930 tudo saltou pelos ares e o mundo viveu o caos econômico e monetário: emissões inflacionistas, manipulações cambiais, protecionismo comercial, controle de capitais, enfim, a descida aos infernos na economia.
A grande tentativa de restaurar certa ordem se deu em Bretton Woods, e aí recomendo a você o livro de Barry Eichengreen, Globalizing Capital, ou A Globalização do Capital, em edição brasileira.
Em Bretton Woods, em 1944, se definiu um padrão ouro-dólar, que funcionou durante certo período (enquanto os EUA garantiram a conversão oficial a 35 dólares por onça de ouro), mas logo nos anos 1960 os desequilíbrios se acumularam e os EUA tiveram dificuldades em honrar os compromissos assumidos em Bretton Woods.
O desenlace fatal se deu em 1971, quando os EUA denunciam unilateralmente o arranjo de Bretton Woods, e o mundo nunca mais voltou a ser o mesmo. Ou seja, as moedas já não tinham mais referência em ouro ou em dólar, e cada governo podia fazer os arranjos que desejasse, pois o FMI deixou, em 1973 oficialmente, de exigir dos países uma declaração de paridade (estável, tanto quanto possível) de suas moedas. Cada um deveria se arranjar por si, ou seja, liberdade cambial. 
Isso quer dizer que um país pode deixar sua moeda amarrada a um valor fixo (expresso em ouro, ou em outra moeda forte, mas esta flutua, na maior parte dos casos), pode preferir uma banda de variação, para evitar tanto o compromisso com um valor fixo (que imporia obrigações muito grandes a sua autoridade do setor), quanto as variações muito fortes, assim como pode simplesmente deixar sua moeda variar em função da velha lei da oferta e da procura, ou seja, ao sabor dos mercados.


Governos de países responsáveis e de economias maduras (o que não quer dizer estáveis, pois isso não existe em economia) adotaram essa solução: abrir seus mercados financeiros e permitir o livre câmbio das suas moedas, ou seja, abolição dos controles de capitais e liberdade cambial, o que quer dizer livre conversibilidade. Por vezes existem flutuações muito importantes, e durante certo tempo, os bancos centrais faziam acordos de empréstimos mútuos para intervenção nos mercados e deixar a moeda em torno de certos valores tidos por desejáveis.
Mas isso é praticamente impossível hoje: a magnitude dos movimentos de capitais é de tal monta que NENHUM governo tem capacidade de intervenção suficiente.
Países menores, ou com dificuldades na liberalização econômica, mantém controles de capitais e ausência de conversibilidade, o que evidentemente penaliza empresas e indivíduos que gostariam de dispor livremente de seus ativos financeiros.
Para se ter uma ideia da ordem de grandeza de que estamos falando, bastar ter em mente estas proporções aproximadas:


60 trilhões de dólares: valor do PIB global anual (sendo que uma espécie de G10 da economia mundial deve ter 90% disso);
220 trilhões de dólares: ativos financeiros intercambiados nos diversos mercados do mundo, sob diferentes modalidades, ou seja, aproximadamente quatro vezes a produção de riquezas;
600 trilhões de dólares: valor total de todos os ativos, incluindo dívidas governamentais, valor das ações, etc.; parte desses valores, parte em fumaça quando das crises, que geralmente correspondem a bolhas acumuladas em algum setor (cambial, imobiliário, ações, etc.).


Pois bem, tendo esse quadro, como interpretar o que você me diz?: 
1) "a União Européia comemorou a valorização do Euro sobre o Dólar"
PRA: Pode até ter comemorado, mas isso não tem muito significado econômico, pois a realidade pode mudar. Num momento de crise, as pessoas, os empresários, os especuladores, se afastam dos países em crise -- como a Europa atualmente -- pois significa que as oportunidades de ganho são mais raras e os riscos maiores. Natural, portanto, a desvalorização do euro, o que quer dizer que os europeus ficam mais pobres em face do resto do mundo. Portanto, se existe uma valorização, isso dá certo alívio nos políticos, mas isso é efêmero e enganoso.
Não tenho certeza de que nós lamentamos isso, mas os fenômenos cambiais sempre tem duas pontas: valorização ou desvalorização são sempre relativas às paridades existentes, e podem ocorrer tanto em função de fatores absolutamente econômicos (a velha lei da oferta e da procura), como por manipulações governamentais, que provocam fluxos e contrafluxos de capitais. O que os governos europeus fazem é patético, pois estão se vangloriando por um movimento absolutamente efêmero, provavelmente no imediato seguimento do plano espanhol (afinal, 100 bilhões de euros sempre é alguma coisa), mas o cenário pode mudar, por qualquer motivo, inclusive por fatores totalmente alheios ao cenário europeu (conjuntura americana, por exemplo).


2) "se o governo [brasileiro] conseguirá ou não segurar essa desvalorização do real ou o mesmo voltará a se valorizar sobre o dólar"
PRA: O governo brasileiro também é patético, pois não sabe o que quer, e comemora coisas que não dependeram dele, diretamente.
Como somos um país economicamente fascista, ou perto disso, no qual o Estado controla um pouco todas as vertentes da atividade econômica, é possível, ainda, influenciar o câmbio, que teoricamente, no Brasil, se situa num status de "flutuação suja", ou seja, o governo diz que o câmbio flutua, mas não deixa de intervir quando pode ou quando quer (comprando ou despejando dólares no mercado).
A valorização inédita ocorrida nos últimos anos, mais importante do que na primeira fase do real (quando os petistas acusavam o governo de fazer "populismo cambial) decorreu de vários fatores, mas sobretudo do afluxo de dólares por: (a) juros altos no Brasil; (b) valorização das commodities brasileiras exportadas; (c) expansão das exportações, sobretudo do setor agropecuário; (d) crescimento econômico e oportunidades de investimento estrangeiro no Brasil; (e) diversos outros fatores residuais, que deixo de mencionar.
Ou seja, o governo pode não ter querido essa valorização, ela ser recusada e denunciada pelos exportadores manufatureiros (que sofrem com o encarecimento em dólar de seus produtos), mas mesmo assim ocorrer. 
Governos, em geral, são hipócritas, pois dizem querer favorecer as exportações, mas "adoram", secretamente, essa valorização, pois isso deixa os cidadãos mais ricos, eles podem ir duas vezes por ano a Miami, passear em Paris, etc. Ou seja, todo governo, ainda que não admita, adora "populismo cambial". Daí a razão de deixarem a moeda se valorizar, por vezes até artificialmente.
Mas, digamos que a pressão dos exportadores se tornou insuportável, e que a balança comercial, ou de serviços, apresente déficits preocupantes, e é preciso proceder a pequena desvalorização. Existem muitos meios para isso, mas também depende da capacidade de fogo do governo. 
A desvalorização ajuda a desafogar balança de transações correntes, mas também torna os cidadãos mais pobres e a classe média não gosta.


Em todo caso, o mundo ideal, para os governos, seria um em que existissem dois câmbios, um desvalorizado, para exportações, outro valorizado para importações e farra no exterior. Isso é impossível, pelo menos em situações de mercado, mas já tivemos, no passado, taxas múltiplas de câmbio. É um caminho para a corrupção e a desorganização da economia.


Pois bem, termino com a minha opinião sobre o que eu acharia desejável no mundo econômico, e no Brasil.
O ideal para mim seria um cenário em que o governo fosse amputado da capacidade de influenciar juros e câmbio, em que esses elementos importantes da vida econômica fossem regulados pelos mercados, e aí nos adaptaríamos à realidade da vida econômica.
Se fôssemos muito produtivos e competitivos, nossa moeda se valorizaria naturalmente, e seríamos felizes assim (mas para isso é preciso trabalhar como os alemães, digamos assim).
Se fossemos um pouco como os gregos -- o que somos, na verdade -- o desastre viria: essa coisa de viver de sol e mar, esperando turistas, pagando salários fabulosos para um funcionalismo exacerbado, pensões generosas, não costuma dar certo. Aí, a "solução" natural dos mercados é a fuga de capitais, o desinvestimento, a desvalorização, enfim. A tragédia grega foi que eles não podiam desvalorizar. Mas não vamos achar que foram vítimas, isso não: viveram durante anos à sombra dos juros "alemães", importando capital não para investimento, mas para tapar os rombos orçamentários e os buracos de seu balanço de pagamentos, e mais ainda: manipularam e maquiaram suas contas públicas, escondendo vergonhosamente as estatísticas reais.
O governo brasileiro faz um pouco isso, também, manipulando, maquiando, escondendo dívida pública com dinheiro do Tesouro repassado ao BNDES, a um custo fiscal não revelado e não transparente.
Um dia a casa cai.


Qual deve ser a taxa de câmbio no Brasil?
Eu acho que deve ser aquela de equilíbrio, sem manipulações governamentais.
Qual é essa taxa? Eu não sei, só sei que ela corresponderá à dinâmica econômica brasileira: se formos produtivos, competitivos, ela se valorizará naturalmente, e estaremos ricos e felizes.
Se formos improdutivos, os "gregos" da América do Sul, o câmbio vai desabar um dia, e ficaremos mais pobres, como os gregos descobriram agora.


Qual o caminho para evitar esses dissabores?
Bem, se dependesse de mim: juros e câmbio de mercado, ponto.
Quando vamos ter isso?
Não sei, por enquanto vivemos no fascismo econômico.


Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 19 de junho de 2012

Greve no Itamaraty: espaco e tempo para refletir...

Uma greve no Itamaraty pode atrapalhar um bocado brasileiros em viagem, que vão sofrer (um pouco mais) no que se refere ao atendimento consular.
Quanto aos demais serviços internos, pode, sim, atrapalhar a emissão de passaportes oficiais, o pedido de vistos por notas, e até a liberação das bebidas e carros dos diplomatas estrangeiros, se esses serviços não estiverem automatizados.
No mais, não creio que afete a economia do país, o tamanho e o crescimento do PIB, o nível de juros e o déficit público (ao contrário, pode até ser que diminua o déficit público).
Em todo caso, estacionamento e biblioteca estarão mais vazios, o que permitirá aos pesquisadores mais silêncio e tranquilidade (isso se a Biblioteca não fechar, claro).
Espero que ela não feche: é o lado do Itamaraty que mais prezo...
Paulo Roberto de Almeida

Servidores do Itamaraty entram em greve

18/06/2012
Pela primeira vez na sua história, o Itamaraty enfrenta, a partir de hoje, uma greve dos seus servidores. Oficiais de Chancelaria, Assistentes de Chancelaria e, de acordo com o sindicato da categoria, até mesmo alguns diplomatas decidiram pela paralisação nesta segunda, em uma assembleia em Brasília que contou com a participação, via redes sociais, de funcionários de fora do País.
Pelo menos 60 postos no exterior, incluindo o atendimento consular em Paris, Roma, Londres, Nova York, Los Angeles e Washington serão afetados. Às vésperas das férias de julho, o problema pode repercutir diretamente nos milhares de brasileiros que devem viajar para o exterior nos próximos dias e nos estrangeiros que desejem vir ao Brasil.
Uma das poucas atividades que não serão prejudicadas pela greve é a organização da Conferência Rio +20. A decisão da assembleia, tomada nesta segunda, ressalta que o os funcionários que estão na organização do encontro de mais de 150 chefes de Estado, que termina no final dessa semana, será preservado. Nele estão mais de 200 diplomatas, oficiais e assistentes. Dos cerca de 500 que ficaram em Brasília, 300 participaram da assembleia.
Os oficiais e os assistentes de chancelaria são, normalmente, os responsáveis pelas funções administrativas das embaixadas, consulados e também na sede do ministério, em Brasília. Um trabalho que inclui também o atendimento direto ao público, o atendimento telefônico das unidades consulares e até mesmo a emissão de novos passaportes – que, apesar de ser autorizada pelos diplomatas, passa pelas mãos dos oficiais. O Itamaraty admite que durante o período da greve, o trabalho poderá ficar mais lento e terá que ser assumido pelos diplomatas.
De acordo com o SindItamaraty, que representa todas as categorias de servidores do chamado Serviço Exterior Brasileiro, o que os funcionários querem é a equiparação com os salários mais altos das carreiras de Estado. No caso dos diplomatas, os vencimentos subiriam pouco: dos atuais R$ 12.960, em início de carreira, para os R$ 13,6 mil de um auditor fiscal. O salário final passaria de R$ 18.470 para R$ 19.689, os vencimentos de um delegado da Polícia Federal.
Os maiores aumentos seriam para os Oficiais e Assistentes. Os primeiros, que hoje recebem inicialmente R$ 6,3 mil, passariam para a segunda categoria de vencimentos de nível superior do governo federal, R$ 12.960. Os assistentes passariam à primeira categoria dos cargos de ensino médio, saindo de um salário R$ 3,1 mil para R$ 5,8 mil – em valores de hoje, já que a maior parte das categorias classificadas nessas faixas também hoje pede reajustes, que os servidores do Itamaraty também pretendem receber.
Em uma carta enviada ao ministro das Relações Exteriores, Antonio de Aguiar Patriota, no dia 14 deste mês, os servidores informavam sobre a possibilidade de greve e suas reivindicações, que estão sendo negociadas com o Ministério do Planejamento. Até agora, no entanto, não houve nenhum sinal positivo. Os servidores já haviam feito uma paralisação no dia 30 de maio, mas as negociações não avançaram. A greve é por tempo indeterminado, mas uma nova assembleia foi marcada para sexta-feira com a intenção de avaliar alguma proposta do Planejamento, se houver.
Disponível em: http://br.noticias.yahoo.com/servidores-itamaraty-entram-greve-221400152.html

Afundando no protecionismo, e preparando a crise futura...

Brasil e Argentina eram, segundo meus critérios, apenas países reticentes em abrir-se à economia mundial, vagarosos nas reformas e sobretudo temerosos da concorrência estrangeira.
Não mais. Eles estão plenamente engajados em retroceder no tempo, fazendo girar para trás a roda da história, em pelo menos cinquenta anos, enquanto ativos promotores, defensores, estimuladores, entusiastas do protecionismo, como se isso fosse solução para qualquer um dos problemas que suas economias enfrentam.
Parece inacreditável que, depois de todos os ensinamentos da história, dirigentes políticos e responsáveis econômicos ainda acreditem que fechamento econômico e protecionismo comercial ainda sejam respostas para o que quer que seja.
Bem, vamos aguardar os efeitos dessa medida. Aliás, elas já se manifestam rapidamente no plano individual: vamos sentir em nossos bolsos imediatamente, ao ter de pagar mais caro por produtos de menor qualidade. Depois, no plano setorial, as indústrias afetadas (que na verdade demandaram esse insulamento da economia mundial) vão ficar atrasadas, incapazes de competir, em qualquer mercado que se considere. Em terceiro lugar, a "folga" comercial que se obtem no balanço de pagamentos, virá com déficits em outras áreas.
Ou seja, no final, vamos ficar pior do que antes.
É a isso que nos levam as medidas dos dois governos...
Paulo Roberto de Almeida 

Brasil e Argentina vão ampliar protecionismo

Mercosul lança na semana que vem lista de mercadorias que terão alíquota de importação elevada; Brasil fala em 200 produtos, Argentina pede o dobro

Renata Veríssimo
Agência Estado, 18 de junho de 2012
BRASÍLIA - O Mercosul deve aprovar na próxima semana mais uma medida para proteger os mercados locais da concorrência dos importados. Os técnicos do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai discutem a ampliação do número de produtos que terão o Imposto de Importação elevado.
O Brasil defende uma relação com 200 itens, segundo informou ao Estado a secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Tatiana Prazeres. A Argentina quer uma lista com 400 produtos.
No segundo semestre do ano passado, em meio ao agravamento da crise internacional, o bloco anunciou a implementação de uma lista com até 100 itens para cada País que teriam aumento do Imposto de Importação para produtos provenientes de mercados fora do bloco. Nestes casos, o imposto que, em média, é de 12% a 13%, pode chegar a 35%, a alíquota máxima permitida pela Organização Mundial do Comércio (OMC).
Tatiana acredita que a ampliação da lista será aprovada durante a reunião de cúpula do Mercosul, que será realizada entre os dias 26 e 28 de junho na província de Mendoza. Segundo ela, o Brasil concorda chegar a 200 itens, conforme já tinha defendido no passado, quando a criação da lista foi aprovada.
Critério. Outro ponto de discordância com a Argentina é sobre o critério de definição dos produtos. O Brasil defende que cada país tenha autonomia para fazer a própria lista. O governo argentino quer uma lista única, com os mesmos produtos e alíquotas para os sócios do Mercosul.
A medida dá mais fôlego aos setores afetados pela concorrência dos importados, mas é menos radical que a proposta apresentada pela Argentina no mês passado. Buenos Aires defendeu uma elevação generalizada da Tarifa Externa Comum (TEC) até o limite permitido pela OMC. O Brasil foi contra.
A ideia da lista com até 100 produtos foi anunciada em agosto do ano passado, como uma das medidas do Plano Brasil Maior. A ação, no entanto, não foi colocada em prática até hoje. Paraguai e Uruguai ainda não incluíram (internalizaram, no jargão técnico) na legislação local o novo mecanismo, embora o protocolo assinado pelo Mercosul estipulasse um prazo de 60 dias.
Emprego. O coordenador geral de Imigração do Ministério do Trabalho, Paulo Sérgio de Almeida, disse ontem que as barreiras impostas pela Argentina ao comércio bilateral não só prejudicam as exportações, mas também têm reflexo no mercado brasileiro de trabalho.
Segundo ele, que participou de audiência pública no Senado, a indústria de calçados, abate de suínos, fabricação de tratores, caminhões, autopeças, motocicletas e de equipamentos de transportes ampliaram em 29.682 os postos de trabalho de janeiro a maio de 2011.
Em cinco meses, estes setores fecharam 3.892 vagas, sendo que o País continua gerando novos empregos formais. "De maneira geral, todos os setores estão gerando emprego. A indústria também e estes setores têm sofrido prejuízo no emprego", disse.


Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...