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sexta-feira, 22 de junho de 2012

O futuro do Mercosul, do fundo das catacumbas (1998) - PRAlmeida

Procurando um outro trabalho sobre o Mercosul, tropecei, literalmente, ou virtualmente, com o trabalho abaixo, sobre o "futuro" do Mercosul, elaborado em meados de 1998, ou seja, antes do deslanchar das crises do Brasil, em 1999, e da Argentina, em 2000-2001, que redundaram, igualmente, na mais importante crise vivida pelo Mercosul, e da qual ele não parece ter emergido até agora.
Ainda era questão da Alca, que não tinha sido formalmente implodida pelos companheiros no poder.
Talvez tenha algum valor analítico, ainda, mas sinceramente não sei. Vai aqui postado apenas para satisfazer os curiosos e estudiosos de arqueologia -- talvez até geologia -- da integração.
Não o reli, para não ficar com vontade de "consertar" coisas aqui e ali.
Ele reflete uma época e o meu pensamento sobre o Mercosul, praticamente 15 anos atrás. Quem sabe ele ainda tem alguma coisa válida?
Em todo caso, o Mercosul não vai acabar, mas anda muito transformado, quase definhando.
Vou reler, mas apenas depois de escrever um novo trabalho sobre o futuro do Mercosul, para comparar minhas análises separadas por três lustros de distância temporal.
Paulo Roberto de Almeida 

O BRASIL E O FUTURO DO MERCOSUL: DILEMAS E OPÇÕES

Paulo Roberto de Almeida *
Doutor em Ciências Sociais, diplomata
Editor Adjunto da Revista Brasileira de Política Internacional
Autor dos livros O Mercosul no contexto regional e internacional
(São Paulo: Aduaneiras, 1993) e
Mercosul: fundamentos e perspectivas (São Paulo: LTr, 1998).
Artigo publicado in: Paulo Borba Casella (coord.),
MERCOSUL: integração regional e globalização
(Rio de Janeiro: Renovar, 2000), pp. 13-38.

Resumo: Análise do itinerário futuro do MERCOSUL, de uma perspectiva brasileira, em função de seu desenvolvimento interno e dos desafios colocados pelo processo de integração hemisférica. São enfatizadas a agenda institucional, as negociações da ALCA, a conformação da ALCSA, uma eventual rodada multilateral de negociações comerciais, sob a égide da OMC, bem como o relacionamento com a União Européia. Entre a consolidação completa de um mercado comum acabado ou sua diluição numa vasta zona de livre-comércio hemisférica, que seriam possibilidades extremas, otimista e pessimista, respectivamente, o ensaio considera como factíveis o aprofundamento interno da união aduaneira, inclusive do ponto de vista institucional, e sua convivência com uma rede de outras obrigações externas, seja no âmbito propriamente regional ­ acordos de associação para o conjunto da América do Sul ­, seja no contexto hemisférico ou nos cenários extra-regional e multilateral, representados respectivamente pela negociações da ALCA, de um futuro acordo de liberalização de comércio com a União Européia e no prosseguimento da abertura de mercados patrocinada pela Organização Mundial de Comércio.

Introdução
Este artigo constitui um exercício de análise prospectiva sobre o itinerário futuro do MERCOSUL, com base numa discussão não exaustiva dos principais problemas que se colocam para sua evolução política e econômica, tanto do ponto de vista interno como externo. A despeito de um enfoque o mais possível "desnacionalizado" e tendencialmente "objetivo", o autor considera inevitável que uma perspectiva propriamente brasileira insinue-se no decorrer do ensaio, o que deve ser honestamente assumido como decorrência natural do estudo desses problemas a partir da realidade brasileira, assim como, compreensivelmente, do exame de outras análises conduzidas em sua maior parte em seu país de origem. O mesmo ocorreria, mutatis mutandis, no caso de uma discussão efetuada a partir da Argentina, por uma analista que operasse sua própria seleção de problemas e oferecesse uma visão de futuro com base na "percepção" dos temas "prioritários" do processo de integração tal como visto no âmbito de sua própria "economia política" doméstica.
Independentemente, porém, da margem do Prata a partir da qual o analista instale sua luneta de observador, parece claro que qualquer exercício de "futurologia" em torno do MERCOSUL deve, antes de mais nada, delimitar as opções econômicas e comerciais em jogo e as propostas políticas disponíveis em termos de organização institucional, do ponto de vista de seu desenvolvimento interno. Caberia considerar, em seguida, os elementos do relacionamento externo do esquema integracionista, notadamente no que se refere ao processo hemisférico e à continuidade do processo de aproximação com a União Européia, para poder projetar, finalmente, os cenários possíveis ou prováveis da evolução futura do MERCOSUL. Do ponto de vista deste observador, mas respeitando-se igualmente o caráter "objetivo" dos números relativos e das "relações de força" em jogo, parece evidente, em qualquer hipótese, que o itinerário de médio e longo prazo do MERCOSUL dependerá, em grande medida, das escolhas que faça seu mais importante protagonista, a saber, o Brasil. A propósito, uma análise operada a partir da outra margem do Prata poderia observar que, sem a colaboração e a cooperação ativas de seus demais sócios no empreendimento, o Brasil não poderia levar o MERCOSUL a nenhum destino diverso daquele a ser decidido de comum acordo, uma vez que os atuais mecanismos decisórios podem, de fato, obstar a qualquer itinerário estabelecido unilateralmente. Não obstante essa realidade, do ponto de vista de suas possibilidades efetivas e potenciais de desenvolvimento, não se poderia recusar o fato de que o Brasil detém, de fato, a chave estratégica do itinerário político e econômico do MERCOSUL no século XXI, mesmo considerando-se que esse país não ostenta, objetivamente, nenhum comportamento econômico "imperial" e que ele se tenha despido de qualquer veleidade política unilateralista ao engajar-se decisivamente no projeto integracionista com a Argentina a partir de meados dos anos 80.
Adotando-se uma espécie de "futurologia do bom senso", caberia examinar, assim, as opções extremas que se oferecem ao MERCOSUL para tentar delimitar, mais adiante, as propostas razoáveis abertas a seu desenvolvimento político e institucional. Deve-se advertir que, de um ponto de vista metodológico, tais "opções" e "propostas" não são consideradas como o resultado de simples medidas tópicas de administração da união aduaneira em formação adotadas pelos dirigentes e "executivos" do MERCOSUL, mas como possíveis vias de evolução futura, a partir de tendências imanentes e de forças "estruturais" determinadas a partir do próprio processo de integração, em suas "linhas profundas" de desenvolvimento. (1)
Sem inclinar-se para qualquer tipo de análise conjuntural, pode-se no entanto reconhecer que, no curto prazo, o MERCOSUL não parece politicamente ameaçado por alguma catástrofe política irreversível, nem por algum conflito econômico de grandes proporções, a não ser por suas próprias escaramuças "verbais" e comerciais, de pouca magnitude intrínseca, aliás. No que se refere às primeiras, elas parecem derivar do confronto de uma retórica ideologicamente livre-cambista para consumo externo e de algumas práticas internas, abertas ou veladas, de protecionismo explícito ou implícito, para contentar ou apaziguar setores específicos da economia "doméstica" ameaçados de deslocamento pelo ritmo da integração. A necessidade de proteção dos empregos nacionais nos setores sob risco é, evidentemente, uma mola propulsora dessas contradições entre o programa doutrinário da integração ­ ao qual todos aderem sem restrições ­ e o pragmatismo mais discreto da proteção (justificada a título de "exceções").
Quanto às disputas comerciais por acesso recíproco aos mercados dos países membros e as acusações mútuas de "comércio desleal" entre parceiros ­ a começar pela própria magnitude da TEC ou pela "legitimidade" de algumas barreiras não-tarifárias, remanescentes ou "construídas" durante ou após o período de transição ­, elas são inevitáveis, na medida em que correspondem a uma situação de abertura progressiva num contexto de indefinição de normas estritas de competição e de ausência parcial ou total da "harmonização das políticas macroeconômicas", objeto, como se sabe, do Artigo 1º do Tratado de Assunção. Ao não ter sido realizada essa harmonização, torna-se evidente o potencial de desentendimentos entre os membros nos mais diversos campos: níveis da TEC, exceções aceitáveis, ritmo da convergência, barreiras ao intercâmbio, normas industriais e regulamentos técnicos, padrões e formas de proteção à propriedade intelectual, medidas de defesa comercial, regras aplicadas aos setores ditos "sensíveis", enfim, questões próprias a toda e qualquer união aduaneira em formação. O contexto fin-de-siècle de crise financeira internacional ou as preocupações no Brasil e na Argentina com o desequilíbrio das transações correntes não ajudam, por certo, no desmantelamento de alguns dos obstáculos nacionais erigidos no caminho da consolidação dessa união aduaneira, mas os elementos centrais desta análise devem ser as "tendências pesadas" do processo de integração, não seus elementos passageiros.
Quais seriam, nesse sentido, as alternativas dicotômicas colocadas como promessa ou como ameaça no futuro do MERCOSUL? Eles parecem conformar duas perspetivas bem definidas, ainda que aparentemente pouco factíveis, de desenvolvimento político-institucional. Por um lado, na vertente "otimista", a realização plena do projeto integracionista original, ou seja, um mercado comum caracterizado pela "livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos", consoante os objetivos do Artigo 1° do Tratado de Assunção, ainda não realizados, diga-se de passagem. Por outro lado, no extremo "pessimista", a diluição do MERCOSUL numa vasta zona de livre-comércio hemisférica, do tipo da ALCA, de conformidade com o programa traçado em Miami em dezembro de 1994 e confirmado em Santiago em abril de 1998.
Antes de discutir se tais opções extremas seriam factíveis, realizáveis no curto ou médio prazo ou mesmo credíveis no atual contexto político-diplomático e econômico da região, vejamos o que significaria o desenvolvimento de uma estratégia intermediária de menor custo político e econômico para o Mercosul, que seria representada por uma zona de livre-comércio geograficamente menos ambiciosa, como a proposta Área de Livre-Comércio Sul-Americana (ALCSA). Esse espaço de liberalização comercial de âmbito exclusivamente sul-americano não tinha recebido, até os mais recentes progressos da ALCA, a continuidade esperada pelos seus proponentes originais e parecia até há pouco colocado numa espécie de limbo político pelos negociadores da integração. Para registro histórico, lembre-se que esse projeto tinha sido apresentado no Governo Itamar Franco como "Iniciativa Amazônica" pelo então chanceler Fernando Henrique Cardoso, depois ampliado em escala continental pelo Chanceler Celso Amorim. Nas duas modalidades, se previa a negociação, diretamente pelo MERCOSUL e sua ulterior protocolização pela ALADI, de amplos acordos de liberalização comercial e de complementação econômica entre os países do MERCOSUL e os demais países do continente. Tal como apresentado pelo Brasil, ele não despertou entusiasmo nos demais parceiros do MERCOSUL, na medida em que reduzia o impacto do acesso preferencial ao mercado brasileiro por parte desses países e introduzia um difícil processo de negociações "triangulares" que tinha de levar em conta não apenas o chamado "patrimônio histórico" da ALADI, mas ainda acordos de alcance parcial que os países do MERCOSUL e seus associados pudessem manter individualmente com outros países latino-americanos membros de outros esquemas integracionistas (caso do México e do NAFTA).
A conclusão, em 16 de abril de 1998, de um acordo quadro de liberalização do comércio entre os países do MERCOSUL e a Comunidade Andina vem recolocar num novo patamar os esforços de consolidação de uma zona de livre-comércio na América do Sul. A ALCSA representa uma opção de médio escopo hemisférico, servindo para reforçar o esquema liberalizador no âmbito geográfico da América do Sul. Seu pleno desenvolvimento representa uma estratégia de grande importância na conformação de um projeto econômico próprio para a região, independentemente da vontade política do principal parceiro hemisférico. A despeito das enormes dificuldades negociais ­ inclusive internas aos quatro membros do MERCOSUL ­ em torno de concessões recíprocas e da recuperação do "patrimônio histórico" da ALADI, as duas uniões aduaneiras em consolidação pareciam dispostas a ultimar as negociações no decorrer de 1999, com vistas a implementar a área de livre-comércio bi-zonal a partir do ano 2000, mesmo se alguns produtos sejam de fato excluídos da liberalização ou recebam esquemas bastante prolongados de desgravamento tarifário.
Caberia observar, finalmente, em relação a essa "terceira via" da integração regional sul-americana, que ela não atende, está claro, às necessidades de investimentos e de tecnologia dos países-membros do MERCOSUL, nem tampouco a um incremento significativo de suas exportações de maior valor agregado, podendo representar, ao contrário, uma via de acesso ampliado aos mercados do Cone Sul por parte das economias setentrionais da região. Por último, nenhum esquema integracionista ampliado ao continente sul-americano pode resolver os conflitos internos próprios ao MERCOSUL, tanto os de natureza econômica como os de caráter político-institucional, nem eludir a necessidade intrínseca de se lograr, até 2005 previsivelmente, uma maior coesão interna do bloco em face dos desafios que se projetam nos planos hemisférico e multilateral.

 
Opções extremas: entre um mercado comum completo e a ALCA
No que se refere aos cenários extremos, comecemos agora por examinar a "hipótese" em função da qual foi elaborado o próprio projeto do MERCOSUL, ou seja, a realização do mercado comum sub-regional. A terem sido cumpridos os objetivos fixados no Artigo 1º do Tratado de Assunção, o mercado comum previsto deveria ter entrado em funcionamento no dia 1º de janeiro de 1995, o que obviamente não foi o caso. Segundo uma leitura otimista desse instrumento diplomático e do próprio processo de integração, esses objetivos serão cumpridos nesta etapa complementar, que denominamos de "segunda transição", observados os prazos fixados no regime de convergência estabelecido para os diferentes setores definidos como "sensíveis" e cumpridos os requisitos mínimos desse mercado comum. Isto significaria, entre outros efeitos, a implementação efetiva da Tarifa Externa Comum e a conformação eventual, se necessário, de exceções verdadeiramente "comuns" a essa pauta aduaneira, e não listas nacionais de exceções como hoje se contempla. Idealmente, todas as barreiras não-tarifárias e medidas de efeito equivalente deveriam ter sido suprimidas. A coordenação de políticas macroeconômicas, nessa perspectiva, supõe igualmente que os países membros deveriam ter delimitado todas as áreas cruciais de cooperação em vista da necessária abertura recíproca de seus mercados a todos os bens e serviços dos países membros, inclusive no que se refere à oferta transfronteiriça de serviços e ao mútuo reconhecimento de normas e regulamentos técnicos específicos.
Na ausência de progressos mais evidentes nessas áreas, se esperava que os países pudessem ter definido, pelo menos, um sistema de paridades cambiais com faixas mínimas de variação, se alguma, entre as moedas respectivas, bem como a harmonização dos aspectos mais relevantes de suas legislações nacionais relativas a acesso a mercados. Estes são os requisitos mínimos para a conformação de um amplo espaço econômico conjunto no território comum aos países do MERCOSUL, a partir do qual se poderia caminhar para a consolidação progressiva e o aprofundamento do processo de integração, em direção de fases mais avançadas do relacionamento recíproco nos campos econômico, político e social.
Ainda que esse cenário razoável não se concretize, como parece previsível, nos primeiros anos do próximo século, seu desdobramento faz parte da lógica interna do MERCOSUL. Em todo caso, ele resultaria num MERCOSUL muito próximo do padrão de integração apresentado pelo mercado comum europeu em finais dos anos 60, isto é, após terem os signatários originais do Tratado de Roma completado sua união aduaneira e definido uma espécie de "coexistência pacífica" entre uma pretendida vocação comunitária ­ encarnada na Comissão, mas freada pelos representantes dos países-membros nos conselhos ministeriais ­ e um monitoramento de tipo intergovernamental, consubstanciado no papel político atribuído ao COREPER, o Comitê de Representantes Permanentes, não previsto no primeiro esquema institucional. (2) Em outros termos, mesmo a mais "comunitária" das experiências integracionistas, sempre foi temperada por um necessário controle intergovernamental ou, melhor dizendo, nacional. No caso específico do MERCOSUL, as dúvidas ou obstáculos levantados em relação ao aprofundamento do processo de integração não parecem derivar de reações epidermicamente "soberanistas" ou mesquinhamente nacionalistas ­ ou até mesmo "chovinistas", como parecem acreditar alguns ­ mas de determinadas forças políticas ou de correntes de pensamento, para não falar de interesses setoriais "ameaçados", que logram "congelar" o inevitável avanço para a liberalização comercial ampliada entre os membros. Tais tendências não são necessariamente nacionalmente definidas, mas existem ao interior de cada um dos países envolvidos no processo.
Quanto à outra hipótese extrema, a diluição ­ ou dissolução, prefeririam alguns setores norte-americanos ­ do MERCOSUL na ALCA, ela apenas poderia resultar de uma opção consentida e desejada pelos próprios países membros, a menos que se admita uma deterioração sensível da "solidariedade mercosuliana" nos anos finais da segunda fase de transição. Considera-se aqui, como hipótese "realista" de trabalho, que a ALCA terá seguimento e conclusão exitosos, escapando à sua implosão por forças internas ­ sindicais e congressuais ­ dos Estados Unidos ou à sua própria "diluição" no caso de uma nova rodada abrangente de negociações comerciais multilaterais que signifique eventualmente sua inocuidade por efeito de incorporação de sua pauta negocial substantiva.
A hipótese da diluição do MERCOSUL na ALCA não pode ser excluída de todo, a julgar pelas assimetrias persistentes e por uma certa busca de "vantagens" unilaterais, como parece ser a tentativa do Paraguai de preservar os aspectos mais distorcivos de sua atual condição de "entreposto aduaneiro" da produção eletrônica de baixa qualidade que é despejada em seu território a partir de países asiáticos emergentes. Num caso consolidação do MERCOSUL ­ como no outro ­ começo da implantação da ALCA ­, a data fatídica de 2005 aparece como um verdadeiro marco divisor, um "antes" e um "depois" num processo de escolhas cruciais que estarão sendo colocadas para os países do MERCOSUL nos primeiros anos do século XXI. Os estadistas do Brasil e da Argentina, em primeiro lugar, não poderão furtar-se a essas opções dramáticas e da qualidade das respostas dadas por suas respectivas diplomacias econômicas a alternativas por vezes contraditórias dependerá o futuro do MERCOSUL.
Os pressupostos formais e substantivos da ALCA são, evidentemente, inferiores em escala integracionista aos do MERCOSUL, muito embora a agenda econômica da liberalização hemisférica, tal como pretendida pelos Estados Unidos, compreenda bem mais do que os componentes elementares de uma "simples" zona de livre-comércio. Com efeito, tal como definido em Miami, em dezembro de 1994, aprofundado sucessivamente nos encontros ministeriais de Denver (junho de 1995), em Cartagena de Índias (março de 1996) em Belo Horizonte (maio de 1997) e em San José (março de 1998), e confirmado na segunda cúpula hemisférica (Santiago, abril de 1998), o programa da ALCA pretende ser algo mais do que um mero exercício de rebaixamento tarifário e de concessões recíprocas de ordem não-tarifária, cobrindo ainda, de forma abrangente, campos como os de serviços, investimentos, propriedade intelectual, concorrência e compras governamentais.
Conscientes do projeto ambicioso impulsionado pelos Estados Unidos, assim como de suas próprias fragilidades estruturais no confronto com a supremacia competitiva do Big Brother do Norte, os países-membros do MERCOSUL buscaram refrear o ímpeto inicial de, nos termos da Declaração de Miami, se "começar imediatamente a construir a ALCA", logrando afastar, na reunião ministerial de Belo Horizonte (maio de 1997), a ameaça de que se deva, "até o fim deste século [obter] progresso concreto para a realização deste objetivo". O MERCOSUL adotou uma postura essencialmente crítica em relação à ALCA, quando não um posicionamento cético à consecução de alguns dos ­ senão todos ­ objetivos fixados na Declaração de Miami, com exceção da própria meta geral de se empreender a construção de uma "zona de livre-comércio hemisférica".
Uma das primeiras conquistas do MERCOSUL no processo preparatório às negociações foi consagrar o princípio dos "building blocks", pelo qual a construção da ALCA se faria não pela adesão de cada país individualmente ao NAFTA, como pretendiam os norte-americanos, mas pela conjunção oportuna dos diversos esquemas sub-regionais de liberalização e de integração. A outra vitória foi afastar o espectro da "early harvest", a perspectiva de resultados antecipados até o ano 2000, adicionalmente ao princípio do "single undertaking", pelo qual se deve esperar um entendimento global sobre todos os benefícios e vantagens antes da implementação de qualquer acordo setorial que porventura se obtenha. O sucesso foi consagrado nas últimas reuniões do processo hemisférico, quando, ao definir responsabilidades partilhadas em termos das sucessivas presidências do processo negociador e de desenvolvimento dos trabalhos dos grupos setoriais, se logrou obter, a partir de San José, resultados equilibrados do ponto de vista do MERCOSUL e do Brasil. Este país assegurará, juntamente com os Estados Unidos, a co-presidência do processo negociador durante a última � e mais crucial � fase de definição do perfil da futura zona de livre-comércio hemisférica.
O que, afinal, assusta tanto os negociadores do MERCOSUL na projetada ALCA? Existem fatores tanto de ordem estrutural quanto elementos conjunturais que podem explicar as reticências brasileiras em relação a esse projeto. Em primeiro lugar, aparece o evidente diferencial de competitividade e de base produtiva (economias de escala) entre os dois maiores parceiros hemisféricos. Os Estados Unidos compõem uma economia de 7 trilhões de dólares, voltada atualmente para os aspectos mais dinâmicos da nova economia de serviços, ao passo que o MERCOSUL apresenta-se como uma economia inferior a um trilhão, considerada globalmente, e um PIB per capita proporcionalmente menor. O maior integrante do MERCOSUL, o Brasil ­ detentor de um PIB equivalente a menos do décimo do norte-americano ­, tenta consolidar seu processo industrializador em meio aos desafios derivados da implementação da Rodada Uruguai e de seu próprio programa unilateral de abertura comercial, não considerando o processo ainda não concluído de estabilização macroeconômica.
Ainda assim, os argumentos a favor ou contra a ALCA podem ser utilizados num ou noutro sentido, em função da postura que se adote em relação aos ganhos esperados de uma ampliação de mercados não mais limitada em escala sub-regional, mas estendida a todo o hemisfério. Como já tivemos a oportunidade de salientar em relação a uma eventual adesão ao NAFTA, (3) os que encaram positivamente essa opção, não deixam de ressaltar o maior potencial de mercado e a superior qualidade da parceria tecnológica que podem derivar de uma "relação especial" no continente norte-americano, particularmente com os Estados Unidos, comparativamente à modéstia do poder de compra e as menores possibilidades tecnológicas oferecidas no Cone Sul. (4) Aqueles que por sua vez privilegiam os laços sub-regionais tampouco deixar de sublinhar, como parece claro, o desnível de poder negociatório com o Big Brother do Norte, o que condenaria o MERCOSUL a fazer muito mais concessões do que as que obteria em troca em termos de acesso ao mercado dos Estados Unidos.
Em segundo lugar, precisamente, e no seguimento deste último argumento, um outro fator de temor pode ser encontrado na também evidente assimetria de concessões e benefícios esperados de mais um processo de liberalização conduzido apenas em escala hemisférica, quando o perfil geográfico do comércio exterior brasileiro ­ consoante seu perfil tantas vezes afirmado de global trader ­ e seu relacionamento econômico-financeiro e tecnológico apontam para uma diversificação bem mais ampla de parcerias, com algumas áreas tradicionais de concentração, a começar pelo continente europeu. A União Européia é, e continuará sendo no futuro previsível, o mais importante mercado comercial e um dos principais provedores de investimentos para a economia brasileira, assim como a implementação do euro trará efeitos positivos para o Brasil e para o MERCOSUL em termos de comércio, finanças e diversificação de reservas. Ainda que não se conceba uma "preferência hemisférica" no terreno dos investimentos diretos, uma liberalização comercial conduzida apenas nesta parte do planeta poderia desestabilizar um quadro de parcerias comerciais e de estratégias empresariais ­ descontando-se a vertente agrícola, está claro, na qual a UE apresenta-se ainda como irredutivelmente protecionista ­ que promete muito mais em termos de inserção econômica internacional para o Brasil e para o MERCOSUL do que um pretendido acesso "privilegiado" ao mercado norte-americano.
Em terceiro, e mais importante, lugar, pode-se considerar o espectro do eventual abandono de um projeto regional de construção de um espaço econômico próprio, no qual, a despeito de todas as suas aparentes fragilidades, o Brasil assume um nítido papel hegemônico, em favor de um esquema não controlado de liberalização à outrance, na qual este País se veria atribuir, se tanto, uma função secundária. Em outros termos, a questão essencial ligada à ALCA não se refere, na verdade, a seus aspectos comerciais ou mesmo econômicos, mas sim, inquestionavelmente, a um projeto de poder. Compreende-se, dessa maneira, que o projeto ALCA constitui uma "opção extrema" não apenas em relação ao MERCOSUL, mas principalmente em relação à agenda geoestratégica, ainda que "inconsciente", do Estado brasileiro. Com efeito, não há, nem nunca houve, na doutrina geopolítica brasileira ­ subjacente e jamais explicitada em sua história diplomática ­ o equivalente de um "manifesto destino". Não se pode negar, entretanto, a existência latente de uma concepção própria quanto aos cenários possíveis ou desejáveis para o desenvolvimento do País no contexto sul-americano, podendo afirmar-se que a implementação concreta dessa concepção passa pela conformação de um espaço econômico integrado no hemisfério americano meridional.
Esses são, em resumo, os temores explícitos ou implícitos que suscita o projeto da ALCA e as razões, ipso facto, pelas quais a diplomacia brasileira se mobilizou para diminuir seu impacto ou neutralizar seus efeitos. Deve-se recordar, en passant, que o projeto da ALCA pode ser também "implodido", não por ações concretas que possam ser adotadas pelo MERCOSUL ou pelo Brasil em particular, mas por avanços sensíveis que possam ser registrados no plano do sistema multilateral de comércio, mais concretamente a partir do lançamento de uma esperada Rodada do Milênio envolvendo quase todos, senão todos, os temas atualmente em discussão no âmbito hemisférico. Com efeito, que sentido teria, por um lado, conduzir negociações simultâneas de escopo comercial e não-tarifário em foros distintos e paralelos, ainda que não antagônicos, e como seria possível compatibilizar, por outro lado, exigências e demandas de dois conjuntos heteróclitos de parceiros econômicos?
Mesmo que se pretenda criar uma dinâmica regional, ou hemisférica, que sustente negociações de escopo mais amplo, ainda que razoavelmente mais "equilibradas", no foro da Organização Mundial de Comércio, o início de mais uma rodada abrangente de negociações multilaterais em âmbito universal inviabilizaria, na prática, a continuidade desse exercício em escala hemisférica. Por outro lado, o fato de o Brasil e os Estados Unidos assumirem, na última fase de negociações da ALCA, a co-presidência do processo parece ser uma espécie de garantia de sua conclusão exitosa, comprometendo de fato o principal parceiro do MERCOSUL ­ no que seria a "síndrome da cumplicidade" ­ com os objetivos estratégicos de grande politique dos Estados Unidos na consecução do projeto de Miami. Não se pode descurar, todavia, os ímpetos protecionistas e mesmo essencialmente paroquiais do Congresso ­ independentemente da força política dominante ­ e dos setores trabalhistas da potência norte-americana no que poderia ser chamado de "auto-implosão" da ALCA, hipótese que ­ com base nas dificuldades iniciais para a obtenção de um mandato negociador para o Executivo, o famoso "fast track" ­ não pode ser descartada in limine. Tendo em vista, porém, o caráter parcialmente autônomo do processo negociador ­ isto é, em relação às sociedades civis respectivas ­ e mesmo sua "inércia" relativa até os momentos decisivos do fechamento do "single undertaking", entre 2003 e 2005, a variável ALCA continuará a "pesar" sobre os destinos do MERCOSUL até o acabamento de sua "segunda fase de transição" e sua definição como união aduaneira plena.

Opções de Realpolitik: a grande estratégia do MERCOSUL
Quais seriam, em contrapartida, as opções razoáveis, ou as mais prováveis, que se apresentam para o desenvolvimento futuro do MERCOSUL? Elas se situam, claramente, no campo de seu aprofundamento interno, em primeiro lugar nos terrenos econômico e comercial, no âmbito de sua extensão regional, no reforço das ligações extra-regionais (em primeiro lugar com a União Européia) e, finalmente, mas não menos importante, no apoio que o MERCOSUL pode e deve buscar no multilateralismo comercial como condição de seu sucesso regional e internacional enquanto exercício de diplomacia geoeconômica.
Parece evidente que, a despeito de dificuldades pontuais e de obstáculos setoriais, a marcha da integração econômica não poderá ser detida pelas lideranças políticas que, nos próximos cinco ou dez anos, se sucederão ou se alternarão nos quatro países membros e nos demais associados. Tendo resultado de uma decisão essencialmente política, de "diplomacia presidencial" como já se afirmou, o MERCOSUL econômico não poderá ser freado senão por uma decisão igualmente política: ora, afigura-se patente que o processo de integração possui um valor simbólico ao qual nenhuma força política nacional tem a pretensão de opor-se. Daí se conclui que os impasses comerciais, mesmo os mais difíceis, tenderão a ser equacionados ou contornados politicamente e levados a uma "solução" de mútua e recíproca conveniência num espaço de tempo algo mais delongado do que poderiam supor os adeptos de rígidos cronogramas econômicos. Nesse sentido, o MERCOSUL não é obra de doutrinários ortodoxos, mas de líderes pragmáticos.
Assim, sem entrar na questão do cumprimento estrito do programa de convergência ou no problema da compatibilização de medidas setoriais nacionais, tudo leva a crer que a futura arquitetura do MERCOSUL econômico não seguirá processos rigorosamente definidos de "aprofundamento" inter e intra-setoriais, dotados de uma racionalidade econômica supostamente superior, mas tenderá a seguir esquemas "adaptativos" e instrumentos ad hoc essencialmente criativos, seguindo linhas de menor resistência já identificadas pragmaticamente. Se o edifício parecer singularmente "heteróclito" aos olhos dos cultores dos esquemas integracionistas pode-se argumentar, em linha de princípio, que o itinerário do MERCOSUL econômico não precisa seguir, aprioristicamente, nenhum padrão de "beleza estética" ou de "pureza teórica" no campo da integração. Em qualquer hipótese, o MERCOSUL não está sendo construído para conformar-se a padrões organizacionais previamente definidos em manuais universitários de direito comunitário, mas para atender a requisitos econômicos e políticos de natureza objetiva, que escapam ­ e assim deve ser ­ a qualquer definição teórica ou pretensa coerência metodológica.
No que se refere à questão do aprofundamento interno, político e institucional do MERCOSUL, eventualmente inclusive no terreno militar, não se pode deixar de sublinhar, uma vez mais, as dificuldades inerentes ­ e as demandas inevitáveis, pelos protagonistas já identificados ­ vinculadas ao problema da supranacionalidade, constantemente agitado, como uma espécie de "espantalho acadêmico", sobre a mesa de trabalho de "mercocratas insensíveis". Não se poderia excluir, a esse respeito, a evolução progressiva do atual principal opositor a qualquer "renúncia de soberania" no âmbito do MERCOSUL, o Brasil, em direção de uma posição mais próxima, intelectualmente falando, dos demais países-membros ­ seja os declaradamente "supranacionais", como Uruguai e Paraguai, seja a Argentina moderada, isto é, em favor de uma combinação de instituições intergovernamentais e comunitárias ­, muito embora tal questão esteja em conexão direta com a definição de um outro tipo, ponderado, de sistema decisório interno à união aduaneira.
Nenhum desses cenários "razoáveis" tem, como nos casos anteriores, sobretudo no exercício da ALCA, a data fatídica de 2005 como fator político de mutação estratégica. Eles se situam mais no terreno da continuidade do que no da ruptura, ainda que alguns "choques" internos tenham de ocorrer para tornar verdadeiramente possíveis, ou prováveis, alguns dos desenvolvimentos aqui considerados. É bem verdade que, no caso dos prazos finais de convergência intra-MERCOSUL, o ano de 2005 ­ e, antes dele, o ano 2000 para a liberalização completa da maior parte das exceções tarifárias ­ aparece como uma espécie de "ponto de não retorno" no cenário da integração sub-regional, mas ele também pode ser visto como um "ponto de fuga", após o qual os países membros, ainda a braços com processos delongados de estabilização macroeconômica e confrontados a difíceis escolhas no terreno de suas políticas econômicas nacionais, continuariam afastando diante de si ou ­ para usar um verbo dotado de conotação positiva ­ buscando ativamente a "implementação" da união aduaneira projetada.
Aceitando-se que tanto a ALCA como uma hipotética "Rodada do Milênio" na OMC, ambos sob o signo de um "GATT-plus", poderão servir de aguilhões para a implementação efetiva dessa união aduaneira, tem-se que antes ou a partir de 2005 os países-membros estarão avançando desta vez no caminho do mercado comum. As dificuldades derivadas da abertura comercial brasileira efetuada em princípios dos anos 90 e das turbulências financeiras do final da década já terão sido provavelmente absorvidas e restaria apenas consolidar as bases de um novo modelo de crescimento econômico e de integração à economia mundial. Nessa fase, com toda probabilidades, estaremos assistindo à consolidação de novas configurações industriais na sub-região e no Brasil em particular, com um crescimento extraordinário do comércio intra-industrial e intra-firmas. (5) Tem-se como certa, igualmente, a continuidade do processo de internacionalização da economia brasileira, em ambos os sentidos, ou seja, não apenas a recepção de um volume cada vez maior de capitais estrangeiros nos diversos setores da economia, com destaque para o terciário, mas igualmente a exportação ampliada de capitais brasileiros para dentro e fora da região. Com efeito, o Brasil é também, crescentemente, um país "exportador" de capitais, mesmo se os estados federados ainda lutam desesperadamente, inclusive por mecanismos espúrios de incentivos e de "guerra fiscal", para atrair investimentos diretos estrangeiros.
Nesse sentido, o MERCOSUL se consolidará como "plataforma" industrial de uma vasta região geoeconômica, mas se converterá igualmente em grande exportador mundial de commodities e sobretudo de bens industriais, o que ele hoje faz em escala muito modesta. Seria ainda prematuro debater a questão da "moeda comum", mas não se poderia excluir tampouco essa hipótese, via adoção prévia de um sistema qualquer de paridades correlacionadas entre suas principais moedas. Este cenário pareceria estar vinculado ao abandono, pela Argentina, do sistema de paridade fixa, assim como à aceitação, pelo Brasil de um mecanismo compartilhado de gestão cambial, mas afigura-se ainda precoce especular sobre os caminhos certamente originais que podem, também neste caso, conduzir a um padrão monetário unificado ­ que pode até mesmo significar preservação das moedas nacionais ­ no futuro mercado comum. A própria adoção efetiva da moeda única européia, entre 1999 e 2002, que poderá "sugerir" o afastamento da referência exclusiva ao dólar, ainda hoje básica, nas operações de comércio exterior e de finanças internacionais dos países-membros, contribuirá certamente para alimentar o debate interno em torno da questão. Não se vislumbra, entretanto, além de exercícios acadêmicos obviamente inevitáveis e alguns debates preliminares de certa forma bem-vindos, qualquer definição de calendário e de compromissos nesta área antes de uma "terceira fase de transição", a partir de 2006. Mas, mesmo um MERCOSUL minimalista até lá não poderá eludir o problema da coordenação cambial como condição essencial de avanços ulteriores nos demais terrenos da construção do mercado comum.
Em outros termos, quaisquer que sejam as dificuldades eventuais, o MERCOSUL terá de avançar no terreno econômico-comercial como condição prévia à preservação de sua identidade política, regional e internacional, em face dos desafios hemisférico e multilateral que se apresentarão nos primeiros anos do século XXI. As demandas não são apenas externas, na medida em que se conhece o apetite ­ e mesmo a necessidade ­ argentina pela coordenação de políticas macroeconômicas, bem como a reiterada insistência do Uruguai, e com menor ênfase do Paraguai, por instituições supranacionais. Este aspecto é, porém, mais retórico do que efetivo, sendo bem mais importantes, no caso argentino, o problema da descoordenação cambial ­ de fato a ameaça de desvalorização por parte do Brasil ­ e, para todos os demais países, a questão do acesso continuado e desimpedido ao mercado interno da principal economia sul-americana.

 
A agenda institucional do MERCOSUL: a questão da supranacionalidade
Um dos grandes problemas da evolução política futura do MERCOSUL é, precisamente, o "salto" para a adoção integral de instituições comunitárias de tipo supranacional, transição que ocorrerá mais cedo ou mais tarde nos países-membros, considerando-se que o MERCOSUL constitui, efetivamente, o embrião de etapas superiores de integração. Este setor é, obviamente, o de maiores dificuldades intrínsecas, uma vez que combina, como seria de se esperar, preocupações relativas à soberania estatal e ao assim chamado "interesse nacional". A questão principal neste campo refere-se à possibilidade de formação de uma ordem jurídica comunitária no MERCOSUL, que muitos autores consideram automaticamente a partir do conceito similar oriundo do direito comunitário construído a partir da experiência européia de integração econômica e política.
Em outros termos, o MERCOSUL deveria ou precisaria aproximar-se do modelo europeu para receber uma espécie de rótulo comunitário, uma certificação de boa qualidade de origem supranacional? Contra essa perspectiva "européia" são levantados, e não apenas pelos "mercocratas", vários óbices estruturais e sobretudo políticos nos países membros. A despeito de uma aceitação de princípio por parte das elites desses países dos pressupostos da construção comunitária ­ ou seja, a cessão de soberania, a delegação ou transferência de poderes, a limitação da vontade soberana do Estado ­ a internacionalização efetiva de suas economias respectivas ou uma ativa e assumida interdependência entre os países membros do MERCOSUL parece ainda distante. O problema aqui parece ser mais de ordem prática do que teórica: os economistas, que são os que de fato comandam o processo de integração, pelo menos em seus aspectos práticos, não têm o mesmo culto à noção de soberania ­ seja contra ou a favor ­ em que parecem deleitar-se os juristas e os acadêmicos em geral.
Ainda que todos possam concordar em que a soberania nacional pode e deve recuar à medida em que se avança num projeto de mercado comum, não se trata de uma questão em relação à qual os atores relevantes possam ou devam se posicionar simplesmente contra ou a favor, ou, ainda, de uma noção que deva ser encaminhada ou resolvida por um tratado jurídico de qualquer tipo. A soberania, qualquer que seja o seu significado jurídico, não costuma integrar os cálculos de PIB ou as estimativas de (des)equilíbrios de balança comercial. Da mesma forma, ela não se sujeita facilmente à coordenação de políticas macroeconômicas, daí sua irrelevância prática para a condução efetiva do processo integracionista. Ela é, sim, exercida diariamente, na fixação da taxa de câmbio ­ que pode até ser declarada estável ­ ou na determinação do nível de proteção efetiva em situações de baixa intensidade integracionista, que é justamente aquela na qual vivem os países do MERCOSUL (ou, pelo menos, o maior deles, que é também o menos livre-cambista dos quatro). Em outros termos, a "soberania" não é um conceito operacional, a mesmo título que a harmonização de leis ou a padronização de normas técnicas, mas tão simplesmente um "estado de espírito", uma percepção dos resultados prováveis de ações políticas adotadas ­ conscientemente ou não ­ pelos protagonistas de um processo de integração: é algo que se constata ex post, mais do que o resultado de uma planificação ideal do futuro.
Diversos juristas e estudiosos do MERCOSUL têm avançado a idéia de que caberia impulsionar, através da "vontade política", a implementação gradual de um modelo supranacional, indicando o Brasil como o grande responsável pela preservação do caráter intergovernamental da estrutura orgânica mercosuliana pós-Ouro Preto. É verdade, mas neste caso se tratou de obra meritória, na medida em que tal atitude salvou o próprio MERCOSUL de um provável desastre político e de possíveis dificuldades econômicas e sociais. A Realpolitik é sempre a linha de maior racionalidade nas situações de forte incerteza quanto aos resultados de qualquer empreendimento inovador, seja uma batalha militar, seja um salto para a frente nesse modesto Zollverein do Cone Sul.
Dito isto, este articulista pretende deixar claro que não defende uma posição "soberanista" estrita no processo de construção, necessariamente progressivo e gradual, do MERCOSUL. A soberania, como no velho mote sobre o patriotismo, costuma ser o apanágio dos que se atêm à forma em detrimento do conteúdo, à letra em lugar do espírito da lei. Sua afirmação, em caráter peremptório ou irredentista, é geralmente conservadora, podendo mesmo sua defesa exclusivista e principista ser francamente reacionária no confronto com as necessidades inadiáveis de promoção do desenvolvimento econômico e social e do bem-estar dos povos da região. O que, sim, deve ser considerado na aferição qualitativa de um empreendimento tendencialmente supranacional como é o caso do MERCOSUL é em que medida uma renúncia parcial e crescente à soberania por parte dos Estados Partes acrescentaria "valor" ao edifício integracionista e, por via dele, ao bem-estar dos povos integrantes do processo, isto é, como e sob quais condições especificamente uma cessão consentida de soberania contribuiria substantivamente para lograr índices mais elevados de desenvolvimento econômico e social.
O assim chamado interesse nacional ­ tão difícil de ser definido como de ser defendido na prática ­ passa antes pela promoção de ativas políticas desenvolvimentistas do que pela defesa arraigada de uma noção abstrata de soberania. Deve-se colocar o jurisdicismo a serviço da realidade econômica ­ e não o contrário ­ e ter presente que cabe ao Estado colocar-se na dependência dos interesses maiores da comunidade de cidadãos e não servir objetivos imediatos e corporatistas de grupos setoriais ou fechar-se no casulo aparentemente imutável de disposições constitucionais soberanistas. Em certas circunstâncias, pode-se admitir que uma defesa bem orientada do interesse nacional ­ que é a defesa dos interesses gerais dos cidadãos brasileiros e não os particulares do Estado, a defesa dos interesses da Nação, não os do governo ­ passe por um processo de crescente internacionalização, ou de "mercosulização", da economia brasileira. Quando se ouve impunemente dizer que a "defesa do interesse nacional" significa a proteção do "produtor" ou do "produto nacional" poder-se-ía solicitar ao mercocrata de plantão que saque, não o seu revólver, mas a planilha de custos sociais da proteção efetiva à produção nacional (o que envolve também, é claro, o cálculos dos efeitos renda e emprego gerados no País).
A opção continuada dos países membros do MERCOSUL por estruturas de tipo intergovernamental, submetidas a regras de unanimidade, pode portanto ser considerada como a mais adequada na etapa atual do processo integracionista em escala sub-regional, na qual nem a abolição dos entraves à livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, nem a instituição efetiva da tarifa externa comum, nem a integração progressiva das economias nacionais parecem ainda requerer mecanismos e procedimentos supranacionais suscetíveis de engajar a soberania dos Estados. Esses objetivos podem, nesta fase, ser alcançados através da coordenação de medidas administrativas nacionais e da harmonização das legislações individuais. Ainda que os objetivos do MERCOSUL sejam similares aos do Mercado Comum Europeu e, eventualmente, em última instância, aos da União Européia, não há necessidade, para o atingimento dos objetivos que são os seus atualmente, de que o seu sistema jurídico copie, neste momento, o modelo instituído no Tratado de Roma e, numa fase ulterior, o Tratado de Maastricht. Basta atribuir-lhe personalidade de direito internacional e implantar um marco de disciplina coletiva no exercício das respectivas soberanias nacionais.
Um outro campo de avanços "virtuais" seria o da cooperação política entre os países membros. É teoricamente possível pensar, no MERCOSUL, em etapas mais caracterizadas de integração política, a exemplo da Europa de Maastricht. Não há contudo, neste momento, a exemplo dos conhecidos mecanismos europeus, uma instância formal de cooperação política e de coordenação entre as chancelarias respectivas para uma atuação conjunta nos foros internacionais, assim como não há uma instância específica do MERCOSUL para assuntos militares e estratégicos (a despeito mesmo da realização, tanto a nível bilateral Brasil-Argentina, como a nível quadrilateral, de diversas reuniões ­ de caráter meramente informativo e com características quase acadêmicas ­ entre representantes militares dos quatro países membros). A prática diplomática, contudo, tem levado a consultas políticas constantes entre os quatro países, sobretudo Brasil e Argentina, tanto a nível presidencial como por meio das chancelarias respectivas. Esses contatos passaram, cada vez mais, a envolver os setores militares respectivos dos países membros. Já, previsivelmente, os Estados Maiores conjuntos das forças armadas nacionais, no Brasil e na Argentina, reduziram ao mínimo, ou pelo menos a proporções insignificantes, os riscos de uma instabilidade político-militar nas relações recíprocas. Isto significa, tão simplesmente que a hipótese de guerra, sempre traçada nas planilhas de planejamento estratégico dos militares, é cada vez mais remota, senão impossível.
No terreno mais concreto dos conflitos comerciais, parece por outro lado evidente que, assim como na experiência européia a existência da Corte de Luxemburgo permitiu desmantelar de fato muitas barreiras não-tarifárias erigidas depois da consecução da união aduaneira, (6) a eventual introdução de uma corte arbitral permanente no MERCOSUL poderia desarmar a maior parte dos impedimentos colocados pelos lobbiessetoriais nacionais à abertura efetiva dos mercados internos à competição dos agentes econômicos dos demais parceiros. Talvez este seja o "primeiro grão" de supranacionalidade e de direito comunitário que caberia, por simples questão de racionalidade econômica, impulsionar no processo de integração.

 
O futuro do MERCOSUL: a work in progress
As fases mais avançadas do processo integracionista no Cone Sul poderão, a exemplo da experiência européia, permitir o estabelecimento de uma cooperação e coordenação política propriamente institucionalizada e poderão até mesmo desembocar, a longo prazo, num processo ao estilo da Europa-92 e envolver as diversas dimensões discutidas e aprovadas por Maastricht, ou seja, união econômica ampliada (moeda e banco central), coordenação da segurança comum e ampliação do capítulo social em matéria de direitos individuais e coletivos. Nesse particular, as centrais sindicais do MERCOSUL vêm demandando, com uma certa insistência, a adoção de uma "Carta Social", com direitos sociais e trabalhistas mínimos a serem respeitados pelos "capitalistas selvagens" do Cone Sul. Ainda que se possa conceber novos avanços no capítulo social do MERCOSUL, é previsível que a orientação econômica predominante neste terreno ­ isto é, tanto empresarial como governamental ­ continuará privilegiando mais a "flexibilidade" dos mercados laborais, ao estilo anglo-saxão, do que uma estrita regulação dos direitos segundo padrões europeus.
No que se refere, finalmente, ao relacionamento externo do MERCOSUL, caberia enfatizar primeiramente o aprofundamento das relações com outros esquemas de integração, a começar obviamente pela União Européia. O MERCOSUL se constituiu no bojo de uma revitalização dos esquemas de regionalização, sobretudo os de base sub-regional. Sua primeira fase de transição coincidiu com a constituição de uma área de livre comércio na América do Norte (NAFTA), entre o México, os EUA e o Canadá, logo seguida pelo próprio desenvolvimento da idéia da "Iniciativa para as Américas" sob a forma de uma zona de livre-comércio hemisférica, a ALCA. Ao mesmo tempo, outros esquemas eram lançados ou se desenvolviam em outros quadrantes do planeta: todos eles obedecem, em princípio, à mesma rationale econômica e comercial, qual seja, o da constituição de blocos comerciais relativamente abertos e interdependentes, integrados aos esquemas multilaterais em vigor.
A União Européia, que levou mais longe esse tipo de experiência, talvez seja o bloco menos aberto de todos, mas é também aquele que apresenta o maior coeficiente de abertura externa e de participação no comércio internacional de todos os demais, sendo ademais o principal parceiro externo do MERCOSUL. A atribuição pelo Conselho Europeu de um mandato negociador à Comissão de Bruxelas, no sentido de ser implementado o programa definido no acordo interregional assinado em dezembro de 1995 em Madri, parece ainda carente de maior definição quanto a seu conteúdo efetivo, em primeiro lugar no que se refere ao problema da liberalização do comércio recíproco de produtos agrícolas, uma das bases inquestionáveis do protecionismo europeu, francês sobretudo.
O MERCOSUL deve relacionar-se amplamente com os diversos esquemas sub-regionais, mas, ao mesmo tempo, preservar seu capital de conquistas no Cone Sul. Em outros termos, a associação, via acordos de livre-comércio, de parceiros individuais (foi o caso do Chile e da Bolívia, a partir de 1996) ou de grupos de países (os da Comunidade Andina, por exemplo), deve obedecer única e exclusivamente aos interesses dos próprios países membros do MERCOSUL, para que os efeitos benéficos do processo de integração sub-regional não sejam diluídos num movimento livre-cambista que apenas desviaria comércio para fora da região. Tal seria o caso, por exemplo, de uma negociação precipitada em prol da ALCA, sem que antes fossem garantidas condições mínimas de consolidação da complementaridade intra-industrial entre Brasil e Argentina e de expansão do comércio em geral no próprio MERCOSUL e no espaço econômico sul-americano em construção.
Um acordo precipitado no âmbito da ALCA introduziria certamente uma demanda excessiva por salvaguardas durante a fase de transição e, sabemos pela experiência do próprio MERCOSUL, que elas devem limitar-se aos ajustes temporários requeridos pelos processos de reconversão ligados à repartição intersetorial dos fluxos comerciais e, em nenhum caso, dificultar ou impedir a marcha da especialização e da interdependência intra-industrial. As regras de origem, por outro lado, que conformam um dos capítulos mais intrincados de qualquer processo de liberalização, poderiam ser indevidamente utilizadas para impedir fluxos de comércio com outras regiões ou investimentos de terceiros países, geralmente europeus ou mesmo asiáticos, reconhecidamente mais dinâmicos em determinados setores de exportação.
A "ameaça" da ALCA incitou presumivelmente os europeus a se decidir por avançar na implementação do acordo de cooperação interregional firmado em Madri. Como registrado nesse instrumento, a liberalização comercial "deverá levar em conta a sensibilidade de certos produtos", o que constitui uma óbvia referência à Política Agrícola Comum, uma das áreas de maior resistência à abertura no ulterior processo de negociação. Não obstante, é de se esperar que por volta de 2005, e coincidindo com avanços similares nos planos hemisférico e multilateral, o MERCOSUL e a União Européia tenham delineado de maneira mais efetiva as bases de um vasto esforço de cooperação e de liberalização recíproca. Uma etapa decisiva no esforço negociador bilateral deverá ser realizada por ocasião da Cimeira Europa-América Latina, a realizar-se no Rio de Janeiro no primeiro semestre de 1999, quando também deverão reunir-se representantes de cúpula do Mercosul e da União Européia com vistas, possivelmente, ao anúncio do início das negociações tendentes a conformar, se não um novo esquema de integração, pelo menos um processo progressivo de liberalização do comércio recíproco dos dois espaços de integração regional. Também aqui, como no caso da ALCA, a possibilidade de resultados exitosos do ponto de vista do MERCOSUL depende em grande medida do grau de coesão interna do grupo, tanto no terreno econômico como político.
Mais importante do que qualquer esquema "privilegiado" de âmbito regional é, contudo, o reforço contínuo das instituições multilaterais de comércio, condição essencial para que o MERCOSUL não seja discriminado indevidamente em qualquer área de seu interesse específico, seja como ofertante competitivo de produtos diversos, seja como recipiendário de capitais e tecnologias necessárias. A OMC representa, nesse sentido, um foro primordial de negociações econômicas e, como tal, um terreno comum de entendimento com os diversos esquemas regionais de integração. Essa instituição não constitui, entretanto, um guarda-chuvas tranqüilo e muito menos uma panacéia multilateralista suscetível de preservar os países-membros dos desafios da globalização já em curso: pelo contrário, ela tende a ser, cada vez mais, o próprio foro da globalização, ao lado de suas "irmãs" mais velhas de Bretton Woods, o FMI e o Banco Mundial. Atuando de forma coordenada na OMC, bem como em outros foros relevantes do multilateralismo econômico internacional ­ como a OCDE, a UNCTAD e as instituições de Bretton Woods ­, os países-membros do MERCOSUL logram aumentar seu poder de barganha e ali exercer um talento negociador que os preparará para a fase da "pós-globalização" que já se anuncia.
Em síntese, tendo em vista que o processo de construção do MERCOSUL não obedece tão simplesmente a opções de política comercial ou de modernização econômica ­ ainda que tais objetivos sejam, por si sós, extremamente relevantes do ponto de vista econômico e social de seus países membros ­ ou a meras definições externas e internacionais de caráter "defensivo", mas encontra-se no próprio âmago da estratégia político-diplomática dos respectivos Governos e de certa forma entranhado a suas políticas públicas de construção de um novo Estado-nação na presente conjuntura histórica sub-regional, parece cada vez mais claro que o MERCOSUL está aparentemente "condenado" a reforçar-se continuamente e a afirmar-se cada vez mais nos planos regional e internacional. Nesse sentido, ele deixa de ser um "simples" processo de integração econômica, ainda que dotado de razoável capacidade transformadora do ponto de vista estrutural e sistêmico ­ algo limitado, reconheça-se, para o Brasil enquanto "território ainda em formação", por mais significativo que ele possa ser no quadro dos sistemas econômicos nacionais respectivos dos demais países membros ­, para apresentar-se como uma das etapas historicamente paradigmáticas no itinerário já multissecular das nações platinas e sul-americanas, como uma das opções fundamentais que elas fizeram do ponto de vista de sua inserção econômica internacional e de sua afirmação política mundial na era da globalização. O MERCOSUL é, mais do que nunca, um work in progress.

 
Notas:
(1) A integração pode ser definida como "un proceso multidimensional, cuya intencionalidad excede a la simple reestructuración de mercados en busca de economías de escala, y que incluye tanto la dimensión de la construcción de instituciones, como la gestación de una auténtica cultura de la integración, asentada en el respecto y la convivencia federativa de las culturas nacionales y locales"; cf. Ofelia Stahringer de Caramuti, "Introducción" in Idem (coord.), El Mercosur en el nuevo orden mundial. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1996, p. 15, sublinhado no original.
(2) Não se pode excluir a hipótese de também o MERCOSUL vir a instituir, em Montevidéu, uma espécie de COREPER, mas parece evidente que esse eventual "órgão" informal teria mais a função de assessorar o trâmite de matérias administrativas junto à Secretaria Administrativa ou de facilitar o contato "diário" entre os quatro países do que, como no exemplo original europeu, os objetivos de "controlar" um órgão legitimamente comunitário ­ a Comissão ­, estabelecer-lhe limites no processamento das atividades de "rotina" (definidas em função dos "interesses nacionais") e, também, de acelerar o trâmite de matérias julgadas relevantes pelas capitais. Sua institucionalização requereria uma mera "emenda", por via de decisão ministerial, ao Protocolo de Ouro Preto, mas também parece evidente que seu significado político transcenderia o simples aspecto de um "acabamento" na incipiente estrutura organizacional da união aduaneira.
(3) Paulo Roberto de Almeida, "O Brasil e o Mercosul em Face do NAFTA", Política Externa, São Paulo: vol. 3, nº 1, junho-julho-agosto 1994, pp. 84-96.
(4) De fato, simulações econômicas sobre os efeitos "industriais" da liberalização unilateral e da conformação de "PTAs" (preferential trade arrangements) indicam uma maior relação custo-benefício nos esquemas Norte-Sul do que nos acordos regionais tipicamente Sul-Sul; ver Diego Puga e Anthony J. Venables, "Trading Arrangements and Industrial Development", The World Bank Economic Review, vol. 12, nº 2, may 1998, pp. 221-249.
(5) Na verdade, esse comércio já vinha crescendo a taxas geométricas desde o início do processo de integração; como informado em estudo sobre o processo de constituição da estrutura tarifária no Mercosul, o intercâmbio intrarregional se expandiu, desde a assinatura do Tratado de Assunção, a uma taxa anual de 28,5%, o que representa três vezes mais do que a expansão global do comércio regional (9%) e cerca de cinco vezes a taxa de crescimento do comércio mundial (6%); ver Marcelo Olarreaga e Isidro Soloaga, "Endogenous Tariff Formation: the case of Mercosur", The World Bank Economic Review, vol. 12, nº 2, may 1998, pp. 297-320.
(6) De fato, como indica Carlos Rozo, foi o "ativismo jurídico" da Corte Européia de Justiça que serviu de fator catalizador no processo integrador europeu, sem o que os esforços integradores não teriam sido tão profundos ou permanentes como foram objetivamente; ver o artigo "Juridical Activism and Regional Integration: Lessons from the European Court of Justice", Integration & Trade, vol. 1, nº 2, may-august 1997, pp. 27-45.

Referências:
Almeida, Paulo Roberto de. O Mercosul no contexto regional e internacional. São Paulo: Aduaneiras, 1993
----- "O Brasil e o Mercosul em Face do NAFTA", Política Externa, São Paulo: vol. 3, nº 1, junho-agosto 1994, pp. 84-96
----- Mercosul: fundamentos e perspectivas. São Paulo: LTr, 1998
Caramuti, Ofelia Stahringer de (coord.). El Mercosur en el nuevo orden mundial. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1996
Olarreaga, Marcelo e Soloaga, Isidro. "Endogenous Tariff Formation: the case of Mercosur", The World Bank Economic Review, vol. 12, nº 2, may 1998, pp. 297-320
Puga, Diego e Venables, Anthony J. "Trading Arrangements and Industrial Development", The World Bank Economic Review, vol. 12, nº 2, may 1998, pp. 221-249
Rozo, Carlos. "Juridical Activism and Regional Integration: Lessons from the European Court of Justice", Integration & Trade, vol. 1, nº 2, may-august 1997, pp. 27-45

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1ª versão: 612: 23.04.98
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