O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 30 de junho de 2012

Os Brics e seu futuro economico - Paulo Roberto de Almeida


O futuro econômico dos Brics (se existe um...)

Paulo Roberto de Almeida
Respostas a questionário de jornalista

Recebi, de um jornalista de uma rede de comunicações, que havia lido um trabalho anterior meu sobre o Brics – até então apenas Bric – uma série de questões para uma entrevista formal. Apenas como forma de organizar meu pensamento, alinho abaixo alguns comentários que podem servir de guia para a entrevista oral.

1) O Brics já está em um período de estagnação ou ainda não pode ser considerado um grupo que já produziu o seu melhor?

PRA: Existe uma profunda incompreensão de certa parte da mídia – o termo cobre os meios de comunicação de forma geral, com destaque para a imprensa escrita – com respeito ao que é, realmente, esse grupo chamado Brics, que parece ter assumido uma estatura de grupo formal e de entidade dotada de poderes próprios, quando nada disso se aplica no terreno da realidade.
A sigla designa uma assemblagem arbitrária de países, dotados de certas características externas aparentemente semelhantes, mas que nada representa a não ser o que estava implícito em seu significado original, feito por um economista de um banco de investimentos: quatro (agora cinco, embora este seja bem menor, e tenha entrado por razões políticas, não econômicas) grandes economias em desenvolvimento, não pertencentes ao bloco de grandes potências econômicas ocidentais (inclusive o Japão), que são tradicionais democracias de mercado. Os quatro originais nada mais eram do que grandes promessas de crescimento econômico – por uma série de razões próprias a eles, mas isoladamente, e não como grupo – e que por isso foram identificados como grandes oportunidades de investimento, pelas promessas de ganhos de mercado que representam: grandes territórios e populações, boa dotação em recursos naturais, por vezes humanos, também, crescimento razoável e crescente inserção nos circuitos da economia global.
Nada mais do que isso, ponto. A partir dessa adjunção voluntária, arbitrária e totalmente oportunista de quatro países sumamente diferentes feita por um indivíduo interessado apenas em ganhos de mercado, dirigentes desses países resolveram, dado o bom acolhimento e o charme pouco discreto da sigla, formalizar uma suposta união para perseguir objetivos alegadamente comuns. Quais são esses objetivos? Cabe aos dirigentes desses países, que promoveram seus encontros ministeriais e de cúpula, dizerem, com suas próprias palavras, o que eles, como grupo, pretendem fazer em relação aos grandes problemas da agenda mundial: crescimento, meio ambiente, segurança, direitos humanos, democracia, criminalidade internacional, e muitos outros temas que ocupam a agenda da ONU, do G7 e de outras organizações intergovernamentais.
Por causa disso, os Brics, ou o Brics, constituem um grupo econômico? Nada mais longe da realidade. Quando se fala de um grupo econômico, se entende um grupo de países integrados comercialmente, produtivamente, com intenso intercâmbio entre eles, com base num conjunto de regras comuns, e tendencialmente apontado para a convergência de políticas econômicas. Os Brics não exibem essa condição; não são, portanto, um grupo econômico, a não ser arbitrariamente, como declaração própria, mas isso não é comprovado pelos fatos.
Não se pode, portanto, falar em crescimento ou estagnação conjuntos: cada um dos fenômenos econômicos dos Brics serão, essencialmente, constituídos de processos exclusivamente nacionais, independentes, autônomos, não correlacionados entre si. Não existe uma base comum, políticas comuns, apenas intercâmbio, o que se dá com quaisquer outros ajuntamentos heteróclitos de países que se faça.
Porque falar dos Brics e esquecer, por exemplo, um grupo chamado CIMT? Não existe? Pois acabo de criar: Coréia (do Sul, obviamente), Indonésia, México e Turquia. Ainda não se reuniram? Pois é: estão perdendo a oportunidade de serem conhecidos. Mas eles não têm nada em comum? Engano! Exibem tantas características comuns quanto os Brics possuem entre si. Não são tão grandes? Não tem importância: podem ter maior crescimento e ser tecnologicamente mais avançados...

2) O crescimento que colocava os quatro países no mesmo grupo já se encerrou ou está sendo apenas afetado pela crise internacional?  

PRA: Crescimento, por si só, não serve de cola: cada país pode crescer por razões diferentes, não conectadas entre si. A natureza do crescimento de cada um dos Brics (na verdade, apenas China e Índia vinham crescendo de maneira consistente nos últimos anos, e aparentemente já vêm enfrentando uma baixa de ritmo, dada a crise das economias norte-americana e europeia) não tem nada a ver com os fatores de crescimento dos demais, uma vez que eles possuem características diversas e se inserem de maneiras distintas na economia mundial, assim como seus intercâmbios recíprocos obedecem a padrões diferenciados, únicos no plano bilateral.
Em outros termos, eles estavam crescendo de maneira completamente descoordenada, cada processo obedecendo a impulsos próprios, sem qualquer base comum. Que eles venham agora a sofrer impactos da estagnação ou depressão nas economias desenvolvidas, isso se fará, também, por canais próprios a cada um, sem qualquer relação estrutural entre si. A crise afeta os países individualmente, não esse grupo um pouco arbitrário chamado Brics.

3) É possível comparar o Brics com os Tigres Asiáticos, que cresceram a taxas altas e depois se estagnaram?

PRA: Não, pela simples razão de que os assim chamados tigres asiáticos JAMAIS constituíram um grupo, ou uma entidade formal. São países de economias dinâmicas do Pacífico asiático que tiveram seus processos de crescimento vinculados à economia mundial capitalista, mas cada qual com políticas próprias, sem coordenação entre eles. Se eles estagnaram – uma vez mais, cada qual segundo características próprias – os fatores podem ter sido os mesmos, atuando de forma independente em cada um deles, ou diversos, a que cada país reagiu de forma independente, com base em políticas nacionais. Taiwan e Coréia do Sul enfrentaram crises, mas não estão estagnados. Vietnã, que nunca foi chamado de tigre, vem crescendo de maneira significativo nos últimos anos; eventualmente enfrentará problemas mais adiante, como ocorre com qualquer economia, mas não se pode atribuir processos independentes a uma única causa ou pelo fato de países integraram, ou não, grupos formais. Alguns dos tigres pertencem a Asean, mas ela é uma entidade flexível, voltada para comércio e cooperação, sem o grau de aprofundamento das políticas econômicas que possui, por exemplo, a UE.

4) O desenvolvimento dos Tigres Asiáticos deixou legados tecnológicos (especialmente na Coreia do Sul) e o modelo de industrialização foi recriado em outros países da região (novos tigres). É possível falar em um modelo semelhante para o Bric?

PRA: A Coréia do Sul teve sucesso tecnológico e industrial devido a políticas absolutamente nacionais, não por ter sido incorporada a um grupo que não existe, ao qual se deu o nome de “tigres asiáticos”. Não existe nenhum modelo dos tigres, a não ser um propósito compartilhado (mas não coordenado) de se integrar mais intensamente à economia mundial, desenvolvendo laços produtivos, acolhendo investimentos diretos e fazendo acordos comerciais com países consumidores. Isso não constitui nenhum modelo, já que os países assim decidiram fazer com base em ferramentas já disponíveis existentes no mercado: abertura a investimentos, a acordos preferenciais de comércio, treinamento de mão-de-obra, ambiente favorável aos negócios internos e externos, nada disso constitui modelo, e sim apenas demonstrações de bom senso.
Assim como nunca existiu um grupo chamado “tigres asiáticos” e nunca existiu um modelo deliberadamente aplicado por esses países, e sim decisões nacionais, não existe um modelo para os Brics, que, sim, decidiram formar um grupo formal, sem que isso, contudo, se tenha traduzido em ferramentas próprias de integração ou de coordenação de políticas econômicas.

5) Já é possível falar em um legado do Bric e o que é possível esperar ainda do grupo?

PRA: O único legado acumulado pelos Brics, até o momento, é o registro de suas reuniões formais, em nível ministerial ou de cúpula, e as declarações feitas nessas ocasiões. Não se sabe se isso é legado, ou mero registro de ocorrências. O que eles fizeram, por exemplo, para avançar certos temas da agenda mundial? Ou suas próprias agendas? O Brasil, por acaso, começou a crescer mais rapidamente apenas por fazer parte desse grupo? Altamente duvidoso que isso tenha ocorrido, sobretudo porque as causas do baixo crescimento do Brasil estão no próprio Brasil, não na economia mundial, ou na China, que até favoreceram bastante esse pequeno crescimento, pela demanda de matérias primas e mercados para seus outros produtos.
Para esperar algo desse grupo seria preciso que ele tivesse um poder de alavancagem sobre a economia mundial que ele ainda não tem. E seria preciso que ele oferecesse respostas a problemas comuns que não foram vistas ainda. O Brasil, por sua vez, tem buscado “soluções” (entre aspas) no protecionismo comercial (que visam, aliás, importações de um dos Brics) e no estímulo ao consumo, que não constituem respostas a nenhum dos problemas de produtividade e de competitividade do país. Para fazê-lo crescer – o que não tem nada a ver com os Brics – seria preciso maiores investimentos, obras de infraestrutura, redução da carga tributária e um ambiente geral de negócios favorável a investimentos estrangeiros. Nada disso depende dos Brics, apenas do próprio Brasil e de seu governo.

6) Seria o momento de pensar em uma reformulação?

Só se pode reformular algo quando se dispõe de um diagnóstico preciso sobre a origem de problemas, bem identificados e com prescrição adequada. Como os Brics se reúnem regularmente, talvez eles tenham suas próprias receitas, mas suspeito que as soluções para os problemas de cada um deles não tenha nada a ver com as respostas aos problemas dos demais, a não ser num nível muito alto de generalidade: expansão da economia mundial, abertura comercial e aos investimentos, poupança, crédito, moedas estáveis, bom ambiente de negócios. Isso pode existir, ou não, mas cabe aos governos nacionais transformar as condições existentes em oportunidades de aumento da renda e riqueza nacionais (sempre nacionais), o que deriva da competência de cada um deles, não da existência de um grupo, formal ou não. Aliás, o exemplo da UE demonstra que mesmo com um grupo altamente estruturado, a possibilidade de crises é bem real...
Os Brics não parecem dispor de uma tal identidade de políticas e de propósitos que justifiquem pensar em reformulação, sem que se saiba, primeiramente, do que, exatamente, ou em que direção. Na verdade, não existe diagnóstico comum a respeito de qualquer coisa que se pense fazer em torno dos Brics, uma vez que não existe nenhum coesão formal entre eles. Toda e qualquer especulação em torno dos Brics vale para qualquer outros países, tomados isoladamente ou conjuntamente: ou seja, se trata de exercício meramente retórico, sem argumentos concretos. Os Brics, se continuarem pretendendo assumir políticas comuns, terão um largo caminho pela frente para se apresentar, pelo menos, como grupo, o que eles ainda não são, pelo menos não do ponto de vista econômico.

Paulo Roberto de Almeida (Brasília, 30 de junho de 2012)

4 comentários:

Anônimo disse...

Professor,

Poderia passar algumas referencias sobre o assunto? (Desenvolvimento dos Tigres Asiaticos, estrategias adotadas, etc...)

Obrigado
Abraco,
Felipe Xavier

Paulo Roberto de Almeida disse...

Não tenho referências específicas a dar. Tudo o que eu sei é o resultado de uma vida inteira lendo livros, revistas, jornais, pesquisando na internet, etc.
Faça como eu: comece pesquisando e leia tudo o que encontrar. Metade será bom, e isso basta...
Paulo Roberto de Almeida

Anônimo disse...

Os tigres asiáticos são considerados um bloco econômico, enquanto o Brics não é formalmente um bloco econômico , apesar de indicar o mesmo.

Paulo Roberto de Almeida disse...

REPITO o que já disse no texto: NAO existe NENHUM grupo econômico conhecido como "bloco dos tigres". Isso é bobagem de jornalistas, apenas isso.
Bloco é quando um grupo de países adota regras comuns em determinada área. Isso NUNCA ocorreu com os tigres asiáticos. PONTO.
Paulo Roberto de Almeida