quarta-feira, 18 de julho de 2012

Etanol deixa o governo bebado - Andre Meloni Nassar

Na verdade, o governo fica bêbado com várias outras combinações, não exatamente por beber demais, mas por viver desorientado, e sem conseguir fazer um 4 sem se apoiar em maior extração fiscal sobre empresas e indivíduos.
Já era o governo das energias alternativas: agora é o governo das arrecadações recorrentes, e de políticas hesitantes, em ziguezag, como um bêbado, enfim...


A Obra e o Artista
* André Meloni Nassar
O Estado de S.Paulo, 18/07/2012
Não se julga uma obra pela vida do artista. Não são poucos os casos de artistas que fizeram grandes obras, mas tiveram vida pessoal conturbada, que não serviria de exemplo para a maioria das pessoas. Obras de arte falam por si mesmas. É claro que entender o contexto histórico em que o artista vivia, os rumos escolhidos por ele até chegar à obra fina, e até mesmo as experiências vividas pelo artista são fundamentais para se conhecer mais a fundo a obra de arte. No entanto, as influências, as escolhas pessoais, a vida amorosa, os amigos, as relações com a sociedade e até quem financiava o artista não são informações relevantes para se atribuir qualidade, inovação, sofisticação e profundidade a uma obra de arte.
É largamente aceito que Van Gogh se tenha suicidado. A vida sexual de Leonardo da Vinci sempre foi motivo de especulação. Diego Rivera foi famoso por suas inúmeras incursões na infidelidade. Cantores como Cazuza, Cássia Eller e Renato Russo viveram com tamanha intensidade que eu, embora os ouvisse o tempo todo, não recomendaria à minha filha conhecer mais a fundo a vida deles.
Quando vejo, no entanto, uma réplica de Quarto em Arles e da Mona Lisa, uma foto do mural no Palácio Nacional na Cidade do México, ou quando ouço O Nosso Amor a Gente Inventa, O Segundo Sol e Que País é Esse?, não fico pensando nos artistas, apenas nas suas obras.
Será que podemos extrapolar a máxima de que não se deve punir uma obra de arte porque se julga inadequada a vida do autor? Seria correto um governo punir um produto com evidentes benefícios sociais e ambientais porque não está satisfeito com os empresários que atuam no seu mercado? É isso que está acontecendo com o etanol de cana-de-açúcar no Brasil.
Existe uma posição consolidada em setores do governo brasileiro que julgam que o problema da escassez de cana-de-açúcar no País e, consequentemente, da baixa oferta de etanol hidratado são fruto da escolha dos empresários do setor, que, oportunisticamente, investem aquém do necessário, à espera de benesses políticas. Essa visão levou o governo - diante de uma crise que já se desenhava em 2009 e atingiu seu ápice no ano passado - a esticar ao máximo a capacidade de resistência do hidratado no mercado de combustíveis líquidos.
A última decisão foi eliminar a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) que incidia sobre a gasolina, o único incentivo tributário que ainda conferia ao etanol hidratado alguma capacidade de competir nos postos com o combustível fóssil. No mínimo, deixando de lado os benefícios ambientais do etanol, o incentivo tributário deveria existir para equilibrar o diferencial de energia, uma vez que o consumo do hidratado é maior que o da gasolina no motor dos automóveis.
Os carros flex foram lançados no Brasil em 2003. Na ocasião havia uma certa divisão de opiniões no setor quanto aos reais impactos dessa tecnologia na produção futura de etanol e no crescimento da indústria sucroenergética. No lançamento dos carros flex, a experiência do setor era de estagnação da produção por vários anos, já que os carros 100% movidos a etanol hidratado praticamente haviam desaparecido das vendas. Não havia dúvidas de que os carros flex criariam um novo mercado para o hidratado, mas os riscos de produzi-lo e vendê-lo para automóveis flexíveis eram percebidos como mais altos do que vendê-lo para carros dedicados. Embora as perspectivas de demanda fossem favoráveis, o setor sabia que o acesso a esse novo mercado implicaria competir diretamente com a gasolina.
De 2003 até hoje muita coisa mudou. A partir de 2005 o preço da gasolina nos postos ficou praticamente constante em termos nominais, a Cide efetiva sobre a gasolina caiu de um patamar de R$ 0,28 por litro para zero e os custos da produção de etanol aumentaram entre 40% e 50%, também termos nominais. Se no passado o hidratado conseguia chegar aos postos a preços 70% inferiores aos da gasolina, e ainda remunerar os investimentos e pagar os custos de produção, essa situação inexiste na realidade de hoje.
Com a chegada dos carros flex, o consumo de etanol atingiu seu pico no mercado de veículos de ciclo Otto (movidos a gasolina ou etanol) em 2008 e 2009, com participação de 41% (descontando o menor conteúdo energético do etanol). Mas desde 2010 essa participação passou a despencar e deverá chegar ao fundo do poço este ano, com 29%, ou seja, voltando aos níveis do início das vendas de carros flex, embora a frota de veículos flexíveis seja hoje 55% do total. Boa parte dessa redução é explicada por dois anos de queda na produção de cana-de-açúcar, reduzindo fortemente a oferta dos seus produtos finais (açúcar e etanol).
Não há dúvida de que faltam investimentos no setor para permitir uma rápida recuperação da produção de cana, dado que este ano vamos produzir, grosso modo, o mesmo que se produziu em 2008. Mas atribuir esse fato unicamente ao comportamento oportunista dos empresários revela que este governo esqueceu que o etanol é mais importante do que os empresários que o produzem.
Os governos passados, pelo menos, entendiam que o etanol é importante para garantir Link no Glossário segurança energética. Os volumes crescentes de importações de gasolina e etanol indicam que a insegurança parece não incomodar mais nossos políticos. Nem os passados nem os presentes entenderam que o etanol é o único produto capaz de reduzir consideravelmente as emissões de gases de Link no Glossário efeito estufa no setor de transportes. Além disso, o etanol de cana é a grande alavanca para tornar viável a enorme fronteira de novas tecnologias de produção de Link no Glossário energia renovável, que para se desenvolverem no Brasil precisam de um setor sucroenergético em crescimento. Pelos benefícios ambientais e pelos efeitos em cadeia da inovação no mundo dos combustíveis do futuro, o governo deveria ter mais cuidado com o etanol.
* DIRETOR-GERAL DO ICONE (WWW.ICONEBRASIL.ORG.BR)

Pronto: voltaram os bandidos analfabetos...

Ufa!
Pensei que os bandidos estavam se refinando, defendendo teses de "pêagádês" como certo ministro da (des)educação, preparando golpes bem montados, num portuguêis escorreito, mas eis que eles reincidem nos erros primários, que nos fazem desejar que o MEC continue exatamente como está fazendo, colaborando para a analfabetização do Brasil, cada vez em níveis crescentemente superiores, em dimensão, escopo, alcance, extensão e profundidade, se é que vocês me entendem.
Enfim, para os que não cairam ainda no golpe abaixo, fica o alerta, mas atenção, é o SERPRO, ou SEPRO, que avisa...
Paulo Roberto de Almeida 
(PS: o negrito é meu, mas sem qualquer intenção racista, claro...)

From: Rogério Pereira <receita@federal.gov>
Subject: Andamento de Sua Declaração de Imposto de Renda 2012
Date: 18 de julho de 2012 16:16:25 BRT
To: Paulo R. Almeida - Mac <pralmeida@xxxx.xxx>

RECEITA FEDERAL - DECLARAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA 2012

A SERPRO juntamente com a receita federal analisaram sua declaração de imposto de renda (2011) e dados históridos apontam divengência em sua declaração, acarretando a inclusão de seu CPF em malha fiscal, este sistema tem como objetivo efeturar a consulta e retificação das divergências encontradas, lembrando que caso essa operação não seja realizada poderá acarretar a invalidação do seu CPF.
[link]
Anteciosamente,
Rogério Pereira - SEPRO

Sindicato de professores universitarios querem obter "titulo" do Ministro da Educação

Retiro este trecho de uma matéria da imprensa sobre a greve dos professores, atualmente em curso (o "ascenção" é do jornalista): 

O ministro ressaltou, no entanto, que o governo não vai abrir mão da titulação como mecanismo de ascenção [sic] na carreira. Titulação é a exigência de títulos, como mestrado e doutorado, para ascensão na carreira. Alguns sindicatos de professores têm reclamado do critério. ” Não vamos recuar em tirar a titulação para fazer acordo sindical”, afirmou o ministro. Para Mercadante, a titulação é garantia de “universidade de excelência”.

Bem, acho que esses professores querem as mesmas facilidades que teve o atual ministro da (des)Educação -- e anteriormente da Ciência e Tecnologia (re-sic) -- para obter o seu "título" (aspas triplas) de "doutor" (ou de pêagádê, como poderia dizer o Millor) na outrora razoável Unicamp: uma "tesinha" improvisada, retirada de artigos de imprensa publicados, ou de discursos no Senado fabricados por assessores do staff congressual, uma banca generosa, para não dizer complacente com a fraude, e uma tolerância digna de outras casas mais tarimbadas no gênero, ao conceder essa defesa contra todos os regulamentos formais do ritual universitário de uma tese, num contexto de montagem de uma cerimônia lamentável para conceder um título de araque para um doutor de araque. 
Bem, tudo isso combina com o estado atual da universidade brasileira, não é mesmo?
Paulo Roberto de Almeida 

Venezuela: bem-vinda no Mercosul? Human Rights Watch

Parece que a Venezuela é um país onde tem democracia "até demais", segundo o especialista em democracias Lula da Silva.
E parece que a cláusula democrática do Mercosul não se aplica à Venezuela, et pour cause: Chávez ainda não conseguiu dar um golpe contra ele mesmo. Ele só aplica golpes contra seus adversários, o que, infelizmente, não está previsto no Protocolo de Ushuaia, que só se aplica se oposicionistas malvados, como os do Paraguai, por exemplo, tentam ou conseguem afastar o presidente constitucionalmente eleito.
Ou seja, Chávez pode continuar aplicando a sua receita de democracia na Venezuela, que isso está perfeito para o Mercosul. 
Não estaria do ponto de vista da cláusula democrática da OEA, mas quem liga para esse "ministério das colônias americanas", não é mesmo? Se trata de uma organização dominada pelo império, da qual convém se afastar, inclusive porque ele não faz nada, mesmo, a não ser gastar dinheiro de Washington em Washington.
Essa não é a opinião, em todo caso, da ONG Human Rights Watch, cujo diretor já foi expulso da Venezuela e foi acusado de estar a serviço do império, segundo Chávez.
Querem apostar que ele vai retomar os mesmos argumentos agora?
Nada é mais previsível do que um caudilho autoritário.
Paulo Roberto de Almeida 

article image
Human Rights Watch diz que a situação dos direitos humanos na Venezuela está ainda mais precária (Reprodução/Internet)

'DEMOCRACIA' VENEZUELANA

ONG denuncia abusos de poder e desrespeito aos direitos humanos na Venezuela

Human Rights Watch acusa Hugo Chávez de censurar juízes, jornalistas e oposição, e limitar a liberdade de expressão

A organização de defesa dos direitos humanos, Human Rights Watch (HRW), divulgou um relatório onde classifica como “ainda mais precária” a situação dos direitos humanos na Venezuela, que tem o Judiciário praticamente sob o controle do Executivo.
No relatório de 133 páginas, intitulado Apertando o Cerco: Concentração e Abuso de Poder na Venezuela de Chávez, a organização destaca seis casos considerados pela ONG como flagrante abuso de poder de Chávez e de seus colaboradores e perseguição à mídia, juízes e oposição.
“Para juízes, jornalistas, emissoras e defensores dos direitos humanos, em particular, as ações do governo enviaram uma clara mensagem: o presidente e seus seguidores são capazes e estão dispostos a punir as pessoas que desafiarem ou obstruírem seus objetivos políticos”, relata o documento. O relatório também chama atenção para a autocensura imposta que controla o sistema judiciário e a mídia.
José Miguel Vivanco, diretor da Human Rights Watch para as Américas, define o esquema como um aparato legal de fachada, que funciona a serviço do governo, e comparou o governo de Chávez ao de Alberto Fujimori (1990-2000). “O percussor desse modelo de governo na América Latina foi Fujimori, no Peru, que mantinha uma fachada e usava todo o aparato institucional para seus propósitos políticos. Talvez essa comparação irrite o governo venezuelano”, disse Vivanco.
Arbitrariedade
Um dos casos expostos no relatório da Human Rights Watch é o da juíza María de Loudes Afiuni. Em 2009, a juíza foi punida pelo governo venezuelano por conceder liberdade condicional a um crítico do regime, há três anos sob acusação de corrupção e ainda não julgado.
María de Loudes Afiuni foi atacada por Chávez na TV, sendo qualificada como “bandida” pelo presidente, que pediu à Justiça sua condenação a 30 anos de prisão. Horas depois Afiuni foi detida e permaneceu presa em condições deploráveis, exposta a prisioneiros que antes condenara, e sujeita a ameaças de morte. Desde 2011, a juíza está em prisão domiciliar e ainda aguarda julgamento.
“A Suprema Corte abandonou sua função de servir como contrapeso do Poder Executivo e se converteu em uma instituição a serviço das causas do governo atual. Muitos juízes provavelmente são influenciados pelo caso da juíza Afiuni”, diz Vivanco.
O relatório cita o depoimento de um juiz que não quis se identificar que explica o reflexo do caso Afiuni no Judiciário. “São decisões exemplificadoras que causaram além de temor, terror… Já não há só o risco de ver afetado seu cargo, mas também sua liberdade”, disse o juiz.
Outro caso citado exposto no relatório e o da prisão de Oswaldo Álvarez Paz, político de oposição. Em março de 2010, Álvarez comentou, durante um programa de televisão da emissora Globovisión, a suspeita de aumento do tráfico de drogas na Venezuela e uma investigação de um tribunal espanhol sobre a possível colaboração entre o governo da Venezuela com a guerrilha colombiana e os separatistas bascos. O comentário irritou Chávez, que pediu para seu governo “tomar ações”.  Álvarez foi preso acusado de “falsas acusações” feitas para semear  ”medo na população”.
O relatório da Human Rights Watch também compila um conjunto de leis de mídia que consideradas restritivas, e descreve práticas de pressão continuada contra TVs e rádios que dependem de concessões do governo para funcionar.  É o caso da TV opositora Globovisión, que no mês passado foi punida pela Conatel, conselho considerado alinhado ao governo, e obrigada a pagar uma multa milionária por transmitir a cobertura de uma rebelião penitenciária considera excessiva.
No relatório, a HRW ainda pede o abandono, pelo governo venezuelano, de sua postura agressiva contra as organizações de direitos humanos e da sociedade civil, e o respeito às instituições interamericanas de direitos humanos. Nesse sentido, recomenda ao Congresso emendar o artigo da Lei Orgânica sobre o Controle Social de forma a esclarecer que a obrigação de aderir aos “princípios socialistas” não cabe aos defensores dos direitos humanos e a organizações dessa área.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Camoes e as pequenas e grandes mudanças...


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Luís de Camões

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o Mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem (se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria,
e, enfim, converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não se muda já como soía.

Da Arte (pouco nobre) de Inclinar a Coluna - Paulo Roberto de Almeida


Da Arte (pouco nobre) de Inclinar a Coluna

Paulo Roberto de Almeida

A coluna a que eu me refiro aqui não é qualquer uma da arquitetura clássica – como as das ordens conhecidas na Grécia antiga: dórica, jônica e coríntia – ou sequer as da história mitológica, também grega: as famosas colunas de Hércules, o estreito que depois foi batizado com o nome do conquistador árabe que deu início à conquista da península ibérica. Quero falar da mais frequente e usual, aliás, de pleno domínio de cada um de nós, ainda que de forma congenital: a coluna vertebral, também chamada pelos anatomistas de espinha dorsal.
Ao falar da arte de inclinar a coluna, eu me refiro, mais concretamente, a esse bizarro exercício voluntário de dobrar a sua própria, em função de compulsões externas ou de injunções internas. Excluindo a mesura gentil – plenamente integrada aos costumes protocolares de certos povos, ou denotando alguma devoção religiosa, quando não o respeito voluntariamente assumido em face de um soberano do qual se é súdito –, a inclinação de que trato aqui tem a ver, precisamente, com a submissão demonstrada por alguém a uma autoridade qualquer, mesmo quando não se trata exatamente de uma autoridade, ou quando o respeito que essa pessoa deve a si mesma recomendaria não praticar tal gesto.
 Estou consciente de que na vida cotidiana, somos sempre levados, de alguma forma, a praticar esse exercício: metaforicamente falando, nos dobramos à vontade de um chefe no trabalho, aos ditames de um comandante nas forças armadas, às diretrizes de uma real autoridade (o guarda rodoviário, ou o policial do trânsito, por exemplo), às instruções de um mestre-escola (e até ao orientador de tese, por mais absurdas que possam parecer suas inclinações teóricas), quando não, cedo na vida, às ordens de pai e mãe, antes que nos seja dado o direito e o dever de também fazê-lo em direção de nossos filhos, eventualmente rebeldes a alguma recomendação de segurança ou outra qualquer. Nos inclinamos com tão maior rapidez, e o respeito devido, quando tais ordens, emanando de alguém que possui legitimidade para assim proceder (isto é, tendo a lei a seu favor), se destinam a guiar nossas próprias ações, ou representam nossa conformidade a regras comumente acordadas com vistas a um benefício de interesse geral, ou da ordem pública (que não tem nada a ver com uma pretensa “vontade geral”, à la Rousseau). Somos levados a cumprir ordens, ou a obedecer (o que sempre implica alguma inclinação de coluna simbólica), porque assim estão organizadas as sociedades civilizadas, baseadas em regras de interesse comum, antes que na prevalência da força ou da prepotência de uns poucos.
O “inclinar a coluna” aqui visado tem a ver, mais apropriadamente, com o que Étienne De La Boetie já chamou de servidão voluntária, ou seja, a predisposição de certos indivíduos – mas pode ser também uma comunidade inteira, ou um governo – de se dobrar a um poder qualquer, geralmente o do Estado, encarnado no governo de ocasião, ou de certas potências de ocasião, numa total falta de confiança em suas próprias capacidades ou virtudes. A atitude é mais frequente do que se pensa, e não se manifesta apenas naqueles casos de privação extrema, sob o jugo da qual pessoas que poderiam se desempenhar com suas próprias forças, para superar alguma vicissitude temporária, preferem se entregar ao arbítrio de quem proclama poder garantir sua subsistência ou segurança, em troca justamente da servidão aos desígnios e causas do suposto protetor. La Boetie pensava, claro, na situação limite que lhe era dado contemplar em sua época, caracterizada pela existência de camponeses tão miseráveis ao ponto de ter sua sobrevivência ameaçada, e que decidiam se entregar a um tirano qualquer ou aceitar defender suas causas, numa escravidão sem grilhões aparentes e sem título de propriedade.
De fato, a servidão voluntária geralmente se faz sem papeis, e ela é usualmente de caráter mental, antes de se traduzir em um contrato qualquer, no oferecimento de algum posto ou distinção de ofício, quando então a submissão assume todos os contornos da situação descrita pelo pensador francês, amigo de Montaigne. O mais frequente, nesse tipo de situação, é o contexto estamental, ou corporativo, no qual indivíduos que desejam ascender funcionalmente se mostram servis e obsequiosos aos que estão no topo da carreira, esperando, portanto, um empurrão ou até mesmo uma âncora, para poderem se alçar acima da malta.
Não estamos falando de um regime de castas, no qual a “ralé” pretende mudar a sua situação, mas de um “conjuração dos iguais”, na medida em que alguns são sempre “mais iguais” do que outros, e esses outros se conformam ao papel que lhes é atribuído pelos primeiros. É um comportamento mais frequente do que se imagina, como tenho observado, com essas minhas retinas fatigadas, ao longo de algumas décadas de convivência com “iguais” e “mais iguais”.
Tampouco devemos restringir a servidão voluntária, e a submissão consentida, aos comportamentos individuais, o que nos remeteria ao terreno da psicologia, ou talvez até da psiquiatria. Por vezes, comunidades inteiras se submetem ao domínio de um tirano, como ainda assistimos na Alemanha nazista, três gerações atrás. Todo o processo, tanto pela sua essência política, quanto pelas suas implicações econômicas, foi capturado no livro seminal do economista e filósofo austríaco, Friedrich Hayek, chamado justamente A Caminho da Servidão (5a. ed.; Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990; tradução e revisão: Anna Maria Capovilla, José Ítalo Stelle e Liane de Morais Ribeiro; livremente disponível no site do Instituto). Como o próprio Hayek esclarece, em seu capítulo inaugural, o ponto de partida de tudo foi a Alemanha.
Visitando o museu de Nuremberg dedicado ao partido nazista, no mês de junho de 2012, fiquei impressionado pela abundância documental – cartas, jornais, livros, filmes – em torno do fenômeno da captura hipnótica de toda uma população por um tirano medíocre, mas que possuía o dom da palavra, como poucos em sua época. Usando os recursos do rádio e da imprensa, e aproveitando-se da situação caótica, ou de verdadeiro desespero econômico vivido pelo povo alemão, naqueles anos conturbados do pós-Grande Guerra, de hiperinflação na década seguinte e crise econômica dos anos 1930, o megalomaníaco líder racista conseguiu reduzir quase toda a nação a um estado de submissão raramente visto nos anais da história.
 Contemplando os materiais do museu, não deixei de traçar paralelos com outras situações e com outros personagens, mais próximos, talvez, de nossa história, embora seja difícil reproduzir novamente os casos de colossal histeria coletiva, como observados na Alemanha dos anos 1930, até o turbilhão do desastre fatal na década seguinte. Fica, porém, a advertência: messias salvadores, e seu séquito habitual de true believers – alguns deles por mero oportunismo, busca de retornos materiais, ou ambição de poder – são sempre uma via perigosa para um regime de liberdade.
Na verdade, a maior parte dos casos individuais de servidão voluntária, ou de “inclinação da espinha dorsal” se dão mesmo por oportunismo, sede de poder e desejo de glória e prestígio. Em troca da proximidade com o poder, quando não da possibilidade de se exercer algum poder, indivíduos aparentemente normais são capazes dos mais inacreditáveis contorcionismos verbais e comportamentais, numa alteração de personalidade que pode chegar a assustar os amigos e familiares. Sem desejar reproduzir os alertas muito conhecidos de Lord Acton, é um fato que o poder, sobretudo quando é absoluto, pode corromper absolutamente; se juntarmos a isso certa inclinação autoritária, quando não totalitária, temos indivíduos que ascenderam numa corporação “normal” e que de repente se transformam em servos fiéis do poder encarnado pelos “mais iguais”. A submissão é tão forte que o novo súdito voluntário é capaz de “vestir a camisa” de quem está no comando – mesmo quando isso fica um pouco bizarro – e de pretender que todos os demais façam o mesmo.
Quando isso ocorre, o espírito de servidão ultrapassa a dimensão das carreiras individuais para disseminar-se por uma corporação específica do Estado, quem sabe até por todo o governo, comprometendo as posições internas e externas da nação. Como todos sabem, as melhores políticas de bem-estar coletivo são aquelas que resultam de um debate aprofundado na sociedade – que precisa ser absolutamente livre – e da transposição desse debate para os corpos representativos da sociedade, geralmente o parlamento – que também precisa ser autônomo, em relação ao poder executivo – e não as que são oferecidas de cima para baixo, como se a magnanimidade do líder do momento fosse uma garantia de boa qualidade dessas políticas. Fica claro, nesse contexto, que comunidades dotadas de cultura política elementar, quando não privadas de um mínimo de conforto material, podem ser levadas a aderir ao líder da ocasião, que se aproveita dessas condições para assentar um domínio sobre a maioria – que é sempre formada por gente humilde – e que depois se projeta numa espécie de tirania da popularidade (quando esta não é, ela mesma, construída por uma hábil e mistificadora máquina de propaganda).
Espíritos fortes em outras camadas da população podem resistir à vocação autoritária de um messias autoproclamado, mas este sempre encontrará os servos voluntários de que necessita para assentar o seu poder e a continuidade de seu mando. Os oportunistas estão sempre dispostos a servir o poder do momento em troca de vantagens materiais, e do desejo de honra e prestígio, que nada mais são, finalmente, do que “virtudes humanas” muito corriqueiras. Se isso é certo, também é verdade que essas virtudes também podem ser muito ordinárias, como é o próprio ato de dobrar a coluna para servir voluntariamente um candidato a tirano. Assim é o mundo, assim são as pessoas...
Nietzsche, a quem não prezo particularmente, escreveu algo a respeito. Parece que Hitler e Mussolini admiravam esse filósofo. Mas não é preciso sequer saber de sua existência e conhecer a sua obra para exibir o perfil requerido ao cenário aqui traçado. Sempre devemos esperar o melhor das pessoas; mas não custa estar atento para certas vocações desviantes...

Brasília, 2411: 16 julho 2012.

Trapalhadas no Mercosul - Sergio Leo (Valor)

Existem muitos equívocos no que foi feito em Mendoza, e depois.
Eu apenas recomendaria que as pessoas -- aqui incluído o Advogado Geral da União -- lessem os principais instrumentos jurídicos do Mercosul (que a Venezuela jamais ratificou) para constatar onde estão as ilegalidades cometidas em várias etapas deste triste e patético processo.
Paulo Roberto de Almeida 



Por Sergio Leo | De Brasília
Valor Econômico, 17/07/2012

A cerimônia de ingresso da Venezuela no Mercosul, marcada para o dia 31, terá efeito simbólico, e só em agosto os governos do bloco esperam que possa ter efeito legal, de acordo com as regras do protocolo de adesão firmado pelo país em 2006. "Será uma cerimônia política", reconheceu, em conversa com o Valor, o assessor internacional da presidência de República, Marco Aurélio Garcia. Os paraguaios, que não foram ouvidos, contestam até o prazo de agosto, alegando que, sem o voto do Paraguai a incorporação é impossível.
No dia 31, será reativado o grupo de trabalho criado para discutir as condições de entrada da Venezuela no Mercosul, especialmente a adesão dos venezuelanos à Tarifa Externa Comum (TEC) do bloco, que garante imposto de importação idêntico nas transações com terceiros países. A definição sobre a TEC é pré-condição para o ingresso no Mercosul, mas o grupo de trabalho deverá ter um prazo, ainda não estipulado, para definir como a Venezuela adotará esse compromisso. Pelas regras do bloco, essa definição deveria ocorrer antes da incorporação do país.
Os sócios do bloco têm um número limitado de produtos com autorização a ter tarifas diferentes da TEC - são 200 no caso da Argentina e Brasil e mais para os países menores. Os venezuelanos deverão reivindicar também sua lista - há indicações de que querem mais de 200 produtos.
A Venezuela aprovou o protocolo de adesão ao Mercosul em 2006, mas não informou até hoje como pretende cumprir os compromissos do bloco, a começar pela TEC. Até sexta-feira, nem havia registrado nos órgãos do Mercosul a ratificação do protocolo de adesão pelo Congresso. Só na sexta-feira houve o registro, na Secretaria do Mercosul (e não no governo paraguaio, como estava previsto no protocolo). Com o registro, começou a ser contado o prazo de 30 dias antes que se possa oficializar a entrada do novo integrante do Mercosul como membro pleno. Especialistas e o governo paraguaio contestam esse prazo, porque o depósito não foi feito no Paraguai e o país não foi ouvido.
"Está tudo resolvido", diz Garcia, que afirma ter recebido garantias do governo venezuelano de que não haverá retrocesso nos compromissos assumidos e será regularizada a situação do país para entrada no bloco.
Durante as reuniões do grupo de alto nível criado para discutir a entrada da Venezuela, o governo venezuelano chegou a propor adiar a redução de tarifas já prevista no acordo de livre comércio existente entre o país e o Mercosul - que prevê o fim de taxação no comércio até 2014, com uma pequena cesta de produtos "sensíveis" a ser liberalizada só em 2019.
A ideia não foi aceita, mas também não se cumpriu a previsão, inscrita no protocolo de adesão, de livre comércio a partir de janeiro de 2012. A maior parte do comércio, porém, já tem tarifa, atestam especialistas do setor privado.
A maior expectativa do governo brasileiro e do setor privado é a aplicação, na Venezuela, da tarifa externa comum, que implicaria taxação de 35% para automóveis, por exemplo, hoje submetidos a tarifas inferiores. "A maior parte do que a Venezuela consome ainda vem dos EUA. Nesse mercado vai haver mudança importante a nosso favor", avalia Garcia, que conta com a tarifa externa do Mercosul para dar vantagem competitiva a produtos brasileiros, como automóveis e máquinas e equipamentos.
Mesmo com a vantagem da TEC, porém, há restrições a importações na Venezuela, devido à necessidade de divisas estrangeiras para garantir o equilíbrio das contas externas venezuelanas, afetadas com a queda nos preços do petróleo. O governo brasileiro argumenta que a entrada dos venezuelanos no Mercosul dará mais instrumentos, inclusive jurídicos, para negociar o fim de barreiras injustificadas ao comércio - ainda que os problemas tenham aumentado, e não diminuído, com o maior sócio no bloco, a Argentina.

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...