sexta-feira, 16 de outubro de 2020

A China comunista, os liberais puros e a eliminação da pobreza - Paulo Roberto de Almeida

A China comunista, os liberais puros e a eliminação da pobreza 

Paulo Roberto de Almeida

Almas cândidas, como diria Raymond Aron, exibem em círculos conservadores (e até liberais) do Brasil uma absoluta ojeriza para com a China, pelo fato dela ter um governo comunista e ser uma ditadura. A esses conservadores e liberais sinceros é indiferente o fato de o comunismo dominar apenas 70 anos de uma história milenar absolutamente extraordinária em matéria de realizações materiais, científicas, culturais e artísticas. Também lhes é indiferente o fato de a China ter retirado de uma miséria abjeta algo como 800 milhões de pessoas, levando-as a uma situação de pobreza “aceitável”  e, agora, retirando-as da pobreza, tudo isso em menos de duas gerações. 

O que ocorreu na China, depois que o PCC abandonou o socialismo, para todos os efeitos práticos, e criou a maior economia capitalista do planeta?

Simples: a China permanece um ditadura no plano político, mas o regime econômico é muito mais livre do que em países supostamente capitalistas como o Brasil ou a França.

O Estado chinês — não importa se ditadura ou autocrático no seu funcionamento— criou um bom ambiente de negócios para a livre expressão da tremenda capacidade empreendedora do povo chinês, propiciou estabilidade macroeconômica (fiscal, monetária e cambial), adotou políticas setoriais adequadas para um esforço investidor extraordinário (visando tanto mercados externos como internos), criou um regime de governança econômica focado no crescimento rápido, proveu uma excelente infraestrutura de comunicações, habitação, energia e transportes, resolveu os problemas de saneamento básico (água potável e esgoto para comunidades recuadas), deu títulos de propriedade e mercados livres aos cidadãos, cuidou de forma extremada do capital humano, em todos os níveis, e abriu-se ao comércio exterior e aos investimentos estrangeiros. 

De fato, o Estado comunista chinês estabeleceu as grandes regras, o resto ele deixou que próprio povo chinês criasse a sua riqueza, arrecadando uma parte relativamente pequena dessa riqueza (1/5 do total, aproximadamente). 

Isso tudo o Estado comunista fez, mas foi muito pouco: ele mexeu basicamente na superestrutura e na infraestrutura, e todo o resto, o centro das forças produtivas e das relações de produção— para usar uma linguagem marxista —, foi feito pelo povo chinês. 

Teria sido IMPOSSÍVEL ao Estado comunista arrancar 800 milhões de pessoas de uma miséria abjeta, e depois de uma pobreza disseminada, pela via assistencialista, inclusive porque o Estado chinês arrecadava menos de 18% do PIB. Tudo isso foi feito pelas mãos dos chineses em regime de mercado e no livre comércio. 

Ter feito isso no espaço de menos de duas gerações é algo extraordinário. Os países hoje ricos partiram de condições bem mais avançadas e demoraram mais de três gerações para vencer a pobreza, desde a primeira Revolução industrial. Na saída da guerra civil, mais da metade dos americanos não tinham água potável, e a eletricidade veio muito depois. A liberdade construiu um país imensamente rico e avançado, mas importando braços e cérebros de todo o mundo , aliás até hoje, a despeito de um presidente idiota que quer extinguir esse sorvedouro de ideias livres que fluem de todo o mundo para a América.

A China está de parabéns por ter eliminado a pobreza; no momento oportuno, ela também eliminará a autocracia (um sistema milenar) e essa epiderme passageira, superficial, que se chama “comunismo” (o mais capitalista de todos).

Lênin e Mao eram grandes líderes políticos, mas economicamente estúpidos, e seres absolutamente degradantes no plano da dignidade humana. 

Deng e Xi são autocratas inteligentes. Eles são comunistas? Duvido muito. Mesmo que fossem, isso não tem a menor importância para a história da China e para a história da humanidade. 

Como é aquela história de fazer omelete?

A omelete leninista e a maoista foi a mesma de 9/10 da história humana: regime de escravidão, total desprezo pela vida humana. Parece que Deng e Xi aperfeiçoaram a maneira de fazer omelete.

Teria sido melhor num regime de plenas liberdades democráticas? 

Infinitamente melhor.

Mas quais são as forças sociais capazes de moldar processos humanos, econômicos e políticos, envolvendo milhões de pessoas numa determinada sociedade?

Alguém tem a receita?

Os liberais — brasileiros ou não — podem oferecer respostas tentativas a esta questão...

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 16/10/2020

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Como e por que sou professor (2004) - Paulo Roberto de Almeida

Um texto pertinente à data, elaborado em 2004, e reproduzido em dois blogs meus, em 2009 e 2015, creio que ainda válido em seus argumentos principais: 

1345. “A caminho de Ítaca”, Brasília, 18 de outubro de 2004, 7 p. Ensaio sobre como e por que sou professor, de caráter autobiográfico. Postado no blog DiplomataZ (23.11.2009; link: http://diplomataz.blogspot.com/2009/11/24-por-que-sou-professor-uma-reflexao.html); republicado no blog Diplomatizzando (15/10/2015; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2015/10/a-caminho-de-itaca-como-e-por-que-sou.html).


A caminho de Ítaca...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 18 de outubro de 2004 

 

         De todas as ocupações que fui dado até agora exercer, numa vida nômade e aventurosa da qual guardo não poucos momentos de orgulho, a que mais prezo e valorizo, obviamente, é a de professor, ou melhor de orientador de ensino, uma vez que não sou professor em tempo integral, nem retiro meu principal ganha-pão dessa nobre função de “mestre de artes e letras”. Não sei, aliás, se tenho o direito de me considerar professor, no sentido estrito do termo, já que nunca fui treinado para tanto, desconheço as mais elementares noções de pedagogia e não tenho certeza, de fato, se ao exercer esse nobre ofício minha real intenção é a de tentar ensinar algo a outras pessoas ou, como parece mais provável, faço de tudo isso uma grande “figuração” e estou, de verdade, aprendendo algo novo cada vez que me ocupo dessa absorvente atividade.

         Antes que alguém pense que sou, apenas e tão somente, um grande "embromador", utilizando-me de inocentes alunos para, constantemente, ensinar “algo” a mim mesmo, desejo retificar minhas palavras, e corrigir essa sensação de improvisação no trato com o corpo discente. Acredito ter realmente algumas coisas úteis a ensinar a outras pessoas, mais por desejo de transmitir “coisas novas”, que venho aprendendo desde muitos anos, ao longo de constantes e intensas leituras, do que propriamente por “necessidade” de ter uma segunda profissão (ainda que, de fato, eu a considere a minha “primeira” e “eterna” ocupação, ao lado desta mais formal que exerço temporariamente de “diplomata”). Com efeito, não retiro, como disse, meu sustento dessa atividade que muitos julgam paralela e exercida como uma espécie de “hobby” ou para “complemento de salário”. Longe disso, pois que nunca o fiz, pelo menos desde que ingressei no serviço exterior brasileiro, pensando nos retornos pecuniários que retiraria dessa dupla jornada de trabalho, muitas vezes estafante e exercida contra meu lazer pessoal ou dedicação à família, ou em detrimento da ainda mais prazeirosa ocupação de simples leitor e escrevinhador de coisas várias. 

         Nunca pensei em ser professor, achando que eu tinha, de fato, qualquer coisa de “extraordinário” para ensinar a “mentes inocentes”, ou que essa minha atividade temporária e fortuita iria fazer alguma diferença na futura capacitação profissional daqueles temporariamente colocados sob minha responsabilidade docente. O que de fato sempre me motivou a ensinar, ou pelo menos a “transmitir conhecimentos”, foi uma espécie de motivação interior, algo como uma compulsão inata que me impele a sistematizar o meu próprio "conhecimento" e tentar repassar aquela maçaroca de ideias e conceitos sob uma forma minimamente organizada, de forma a satisfazer minhas próprias necessidades em termos de racionalização do saber adquirido nos livros (e também na observação honesta da realidade) e de “atingimento” de uma nova “síntese” a partir desses conhecimentos dispersos na “natureza”. Estou parecendo muito “dialético”?

         Não importa, desejo confirmar e reafirmar que o que me impele a ser “professor” é mais uma força interna do que uma necessidade externa, quaisquer que sejam as outras motivações aparentemente altruísticas geralmente invocadas nessas circunstâncias (compromisso com o “saber”, transmissão de “conhecimento”, desejo de "formar os mais jovens", atendimento de uma “vocação” e outras escusas do gênero). Sou professor porque eu mesmo “preciso” disso, não porque outros possam eventualmente "precisar" de minhas competências gerais ou habilidades específicas. Se desejar, você pode considerar isso altamente “egoísta” ou profundamente “narcisista”: não me importo com as classificações externas, pois minha motivação interior não vai mudar porque se descobriu, aparentemente, algum motivo menos “nobre”, ou passavelmente “autocentrado” nesta principal “ocupação secundária”.  

         É esta motivação interna, não necessariamente “espiritual”, que me leva a desviar-me de outras atividades, talvez mais prazeirosas – como o próprio lazer pessoal, a convivência familiar ou o simples tempo alocado à minha outra compulsão não tão secreta que é o hábito da leitura –,  para dedicar-me a essas práticas docentes com uma certa regularidade e constância. Nem por isso desprovidas de algum retorno pecuniário: a despeito de já ter aceito dar aulas de mestrado gratuitas em universidade pública – e de dar incontáveis palestras sem nunca ter sequer invocado alguma remuneração em contrapartida, por vezes mesmo tendo incorrido em despesas pessoais de deslocamentos a outras cidades –, o essencial das minhas atividades docentes se faz segundo tradicionais práticas contratuais. Nem poderia ser de outro modo: se eu deixo de ler ou de escrever para dar aulas, que o “desvio” de ocupação me permita ao menos alimentar esse terrível vício da compra de novos livros e periódicos.

         Tampouco eu poderia invocar como motivação “nobre” a própria arte do ensino. Sendo eu mesmo um autodidata radical, não me preocupa tanto o que os alunos possam estar aprendendo, como o próprio conteúdo do que estou ensinando, que pretendo seja o mais claro possível, o mais didático e o mais completo dentro daquele campo de conhecimento. Transmito aquilo que sei, aos alunos, depois, o encargo de reter o novo saber, de complementá-lo com as muitas indicações de leitura que não me canso de fazer ou de interrogar-me sobre algum aspecto pouco claro ou solicitar esclarecimentos adicionais sobre “coisas” passavelmente complexas, quando não prolixas (sim: tenho esse péssimo hábito, talvez pelo excesso de leituras, de “complicar inutilmente” a vida de meus alunos, estendendo-me sobre longos períodos históricos, voltando a um passado remoto para encontrar as “causas” de algum processo atual ou supondo um conhecimento geral, sobre o Brasil ou o mundo, que simplesmente não existe mais para a maior parte das gerações mais jovens). Nesse sentido, sou mais “substância” do que “forma”, ao dar uma densidade no mais das vezes dispensável a um conteúdo de aula que a maior parte dos alunos provavelmente preferiria superficial ou no estrito limite do “necessário para fazer a prova”. Mas, como disse, não estou principalmente preocupado com o que os alunos possam "aprender" e sim com o que eu mesmo possa “ensinar”.

         Trata-se, portanto, de uma “má técnica docente”? Talvez, ou quem sabe até, por certo... Minha didática está em “ensinar”, ou transmitir conhecimentos, julgando que os alunos, ou ouvintes de alguma palestra, serão suficiente maduros ou responsáveis para procurar, depois, seu próprio aperfeiçoamento cultural ou intelectual, cultivando as boas práticas do autodidatismo que eu mesmo reputo valiosas para mim mesmo (e assim tem sido desde os tempos remotos em que aprendi a ler, na “tardia” idade de sete anos). Tanto sou motivado pela necessidade interior de ensinar, que procuro estender a tarefa além das quatro paredes da sala de aulas ou de um auditório ou seminário acadêmico. Pela necessidade de “complementar” esse ensino fora do período "normal" de atividade docente, criei e mantenho, praticamente sozinho (sem possuir as técnicas para tanto) um site de informação com motivações essencialmente didáticas. Também tenho produzido material impresso como derivação ou complementação das atividades didáticas: praticamente todos os meus livros – com exceção de um grosso “tijolo” de pesquisa histórica – resultaram de aulas dadas, conferências pronunciadas, palestras proferidas, seminários a convite (sim, nunca me “convidei” para qualquer tipo de atividade externa, tanto porque não conseguiria atender a todas essas oportunidades). 

         Tanto o site como os livros e trabalhos publicados, bem mais até do que as aulas dadas em caráter necessariamente restrito, constituem, obviamente, oportunidades para aparecer em público, me tornar “conhecido”, quem sabe até “famoso” em certos meios. Seria então por um secreto desejo de prestígio pessoal, de reconhecimento público, de notoriedade acadêmica, que me obrigo a todas essas atividades cansativas, que não raro penetram fundo na madrugada e ocupam quase todos os fins de semana, para maior angústia familiar e evidente cansaço cotidiano? Não posso, honestamente, recusar esse aspecto da “necessidade de reconhecimento”, talvez uma demonstração de “desvio de personalidade”, buscando na exposição pública e no aplauso dos demais uma satisfação de alguma necessidade “secreta” que o excesso de timidez me impediria de realizar de outro modo. Não creio, todavia, que esse aspecto seja determinante, tanto porque tenho inúmeros outros trabalhos que permanecem rigorosamente inéditos ou porque mantenho, em paralelo, alguma atividade de correspondente dedicado -- e não apenas em direção dos muitos alunos que me procuram pedindo ajuda em trabalhos ou projetos de estudos -- e algumas colaborações regulares com determinados serviços de informação que não levam necessariamente minha assinatura. 

         A principal motivação, volto a reafirmar, é interna, e deriva dessa minha inclinação pelo estudo, pela sistematização do conhecimento, pela necessidade de eu mesmo “ver claro” no emaranhado de informações que recolho diariamente de livros, jornais e revistas, pelo desejo subsequente de organizar o conhecimento adquirido em uma nova “síntese combinatória” e pela motivação ulterior de tentar alcançar um público mais amplo ao colocar no papel, se possível impresso e publicado, essa massa de conhecimentos que adquiro de forma contínua e de modo interminável. Tanto é assim que acabo aceitando, contra a opinião familiar e contra o que seria sensato do ponto de vista profissional, dar palestras em alguns cantos recuados deste país continente, sem outra motivação aparente (e real) do que a de atender à solicitação de algum grupo de estudantes que acabaram descobrindo, na Internet ou nas bibliografias, algum livro ou trabalho meu que estiveram na origem dos convites.

         Sem pretender dar qualquer conotação de “épico literário” a esse meu ativismo docente, algo de “jornada de Ulisses” pode estar escondida nas minhas aventuras didáticas, no mar revolto das instituições de ensino superior e nas enseadas mais movimentadas dos seminários acadêmicos. Com efeito, minha busca incessante de “complemento professoral” às atividades profissionais normalmente desempenhadas no âmbito da carreira diplomática -- já por si suficientemente absorvente -- pode ter esse sentido de unending quest, de busca incessante de algo mais, ou de itinerário contínuo em direção de algo valorizado, que eu não bem precisar o que seja, exatamente. Na verdade, a comparação pode ser misleading, pois mesmo Ulisses sabia para onde queria ir, e a esse objetivo dedicou todo o tempo da volta de Tróia, ainda que tivesse constantemente desviado de alcançar seu destino final pelas trapaças da sorte e pelos acasos da vida. De minha parte, eu não sei exatamente o que persigo ao me “obrigar”, literalmente, a exercer uma "segunda" -- ou primeira? -- profissão, ao lado daquela que me distingue socialmente, que me define institucionalmente e que me remunera essencialmente. 

         Independentemente do destino final, o caminho de Ítaca é ele mesmo toda uma aventura de vida, uma experiência gratificante (por vezes “mortificante”) e, de certa forma, um reconhecimento implícito de uma certa "dívida social" que eu desejaria amortizar da forma mais inconsciente possível. Como seria isso? Sendo eu originário de família modesta, “habitante”, até a adolescência tardia, de uma casa onde eram poucos os materiais de leitura e relativamente raros os “livros sérios”, tendo feito toda a minha educação formal em instituições públicas e tendo tido a chance de poder frequentar, desde muito jovem, uma biblioteca infantil, aprendi a valorizar tremendamente o hábito da leitura e o autoaprendizado. Sou, essencialmente e verdadeiramente, um autodidata, no sentido mais completo e profundo da palavra, algo não necessariamente extraordinário ou excepcional, mas que no meu caso corresponde inteiramente a toda uma realização de vida que devo reconhecer e valorizar honestamente. 

         Mas, onde entra “Ítaca” nessa história de self-made intellectual, de sucesso profissional pelo esforço próprio, de mérito social pelo empenho no estudo e no trabalho? Creio que “Ítaca” é uma espécie de “Santo Graal” intelectual que persigo por simples desencargo de consciência. Como aprendi por mim mesmo, mas também aprendi porque frequentei escolas públicas que num determinado momento eram “boas” – mas que hoje são passavelmente sofríveis, quando não insuficientes para formar qualquer estudante para o ingresso no terceiro ciclo – e sobretudo aprendi porque tive à minha disposição uma biblioteca repleta de livros interessantes, acredito que ao me obrigar a dar aulas eu esteja, talvez inconscientemente, procurando dar aos outros aquilo que eu mesmo tive como “oferta da sociedade”, basicamente uma boa escola pública e uma “grande” biblioteca infantil. São essas instituições que fizeram de mim o que sou hoje -- ademais do esforço próprio no estudo e na leitura, por certo -- e aparentemente eu tenho um certo calling, um certo dever de consciência de contribuir em retorno ao que obtive em priscas eras (com perdão pela horrível expressão “pasteurizada”). Obviamente não estou retribuindo na justa medida, pois que dou aulas e orientação a “marmanjos” do terceiro ciclo, não a “pequenos inocentes” dos dois ciclos anteriores, mas é o que eu posso fazer, com meu singular despreparo para aulas de ensino fundamental, e meu (reconheçamos) excepcional preparo para o ensino especializado, fortemente intelectualizado.

         Voilà, minha ilha de Ítaca é uma espécie de miragem, um ponto não alcançável no horizonte, jamais realizado ou realizável, mas que conforma um objetivo material (e “espiritual”) que me traz imensa satisfação pessoal: a necessidade de ensinar, um desejo (agora não tão secreto) de contribuir para o engrandecimento alheio tomando como ponto de partida os conhecimentos que fui adquirindo ao longo de uma vida razoavelmente feliz, ainda que materialmente difícil, feita de muito estudo, de leituras intensas, de escrituras compulsivas, de perorações infinitas, de um constante navegar em busca de mais conhecimento, de mais informação, de um pouco mais de compreensão (no sentido weberiano da Verstehen).  Não sei, aliás, se chegarei a alguma Ítaca algum dia: a sensação que mais tenho é a de que sempre há uma nova porção de mar para além do horizonte, de que a busca do conhecimento é infindável e propriamente inesgotável. Mas, pelo menos, não busco o conhecimento pelo conhecimento, não me retiro nos prazeres secretos da leitura pela leitura, como esses leitores de Proust que fazem da busca do tempo perdido um exercício de indeclináveis características de "eterno retorno". Eu acredito na “flecha retilínea do tempo” (com os habituais “acidentes de percurso”), acredito que o saber tem um caráter instrumental, de liberação, de capacitação humana, de engrandecimento social, de aperfeiçoamento da humanidade, de busca de valorização do que é belo, do que é útil e, sobretudo, do que é bom. Nesse sentido, não sou relativista, nem agnóstico: acredito que o exercício das paixões humanas – e, no caso, minhas atividades didáticas ou professorais constituem uma “paixão” – podem e devem servir a algo de valorizado socialmente, não para uma mera satisfação pessoal de fundo egoísta.

         Repito: dou aulas ou orientação com um certo sacrifício pessoal e familiar, e de forma nenhuma motivado pela remuneração ou pelo prestígio vinculado a essas atividades. Eu o faço por necessidade interior e motivado por um sentimento que poderia, honestamente, classificar como "nobre". Retiro satisfação social dos encargos docentes autoassumidos, mas sobretudo retiro satisfação pessoal pelo fato de estar ensinando “algo” a mim mesmo: esse algo é a consciência de que pertencemos a uma entidade que nos transcende – sem qualquer espiritualismo aqui -- e que precisa melhorar constantemente para que nós mesmos possamos ter motivos contínuos de satisfação social ou pessoal. Sou perfeitamente “materialista”, mesmo incorrendo no risco de ser incompreendido por esse conceito tão carregado de significados obscuros e supostamente “vulgares”: acredito que a elevação da humanidade se dará por força e empenho pessoal de seus componentes irredutíveis, que são os seres humanos como eu e você, que me está lendo neste momento. Eu procuro, modestamente, contribuir com o meu pequeno esforço para a elevação dos padrões materiais e morais da humanidade. Por isso tenho orgulho em ser professor ou orientador, mesmo não necessitando fazê-lo por razões objetivas ou externas. 

         Se não me falharem as forças, continuarei a caminho de Ítaca pelo resto de meus dias...

Paulo Roberto de Almeida 

(www.pralmeida.org)

Brasília, 18 de outubro de 2004

 




Resistindo ao Espírito do Tempo: a Confraria PAZ (no RS) - Marcos Rolim et ali (Zero Hora)

Um artigo, publicado no jornal gaúcho Zero Hora, da RBS (Rede Brasil Sul) de Comunicações, a propósito dos quatro anos de criação e operações da Confraria PAZ, à qual tive o prazer, junto com Carmen Lícia Palazzo, de estar associado desde que seu funcionamento passou a ser feito de maneira virtual, em virtude da pandemia, atendendo ao convite de nosso amigo comum, o historiador gaúcho Gunter Axt (com quem eu já havia colaborado anos atrás num livro co-organizado com Fernando Schuler sobre Os Construtores do Brasil, com um capítulo sobre Hipólito da Costa).

Paulo Roberto de Almeida

 Resistindo ao Espírito do Tempo 

Daniela Sallet, Cláudia Laitano, Gunter Axt, Juliano Corbellini e Marcos Rolim

Zero Hora   (Porto Alegre), 15/10/2020

 

Nesse dia 16, terão se passados quatro anos desde a morte de Plínio Alexandre Zalewski. Muito provavelmente, ele não suportou um tipo de ataque que passou a ser comum desde que a intolerância se converteu em paisagem. Plínio havia acumulado uma importante experiência na militância política e se construído como um quadro qualificado na gestão pública. Ao longo de sua vida, se envolveu intensamente com a ideia da renovação ética das práticas políticas, articulando projetos e iniciativas que valorizavam a democracia e a participação cidadã. Leitor apaixonado, era tranquilo, gentil e comprometido em superar as superfícies por onde o autoritarismo constrói a cultura do “cancelamento” e por onde começam todas as ameaças.  

Logo após o trágico evento, um grupo de amigos do Plínio, que prezavam especialmente a disposição pelo debate respeitoso, propuseram a formação de uma confraria, algo como uma associação de homens e mulheres livres. A expressão evoca o convívio fraterno, aquele que se realiza na medida em que reconhecemos no outro a humanidade que nos define. A ideia, tão simples, foi a de aproximar pessoas interessadas em temas relevantes - da política, da cultura, das ciências - independentemente de suas inclinações político-ideológicas, para encontros mensais de debate franco, quase sempre aberto por pessoa convidada, especialista no tema selecionado.  

E para que objetivo tais pessoas deveriam se reunir? Com que propósitos políticos? Nenhum propósito além do prazer em interagir, em transitar por uma zona não marcada por interdições, e deslocar-se pela força de argumentos sólidos. Nenhuma estratégia, salvo a firme determinação de resistir ao “espírito do tempo” (Zeitgeist) e à distopia que vai se tecendo a cada vez que a estupidez é normalizada.

Tomamos, então, as iniciais do nome de nosso amigo ausente, e chamamos nossos encontros de “Confraria Paz”.  A paz pressupõe a lei civil e se traduz, em sua forma mais avançada, na construção desse magnífico artifício que costumamos identificar pelo nome de democracia. Em um Estado Democrático de Direito, como se sabe, todos possuem garantias fundamentais que não podem, aliás, ser suprimidas por maiorias eventuais; compreensão corporificada no instituto das chamadas “cláusulas pétreas” da Constituição Federal (art. 60, § 4º).

Por conta desses direitos, não há “ponta de praia” aos dissidentes, nem metralha para os hereges. Pelo contrário, nos interessa os olhares desviantes, as sensibilidades diversas e, sobretudo, as dúvidas pertinentes já que elas originam o pensamento.  

Com esses pressupostos, temos nos reunido há quatro anos, ouvindo pessoas das mais diversas formações e posicionamentos, todas, claro, dentro do campo civilizatório demarcado pela Constituição Federal de 1988. A experiência tem nos oferecido ensinamentos que emergem da diversidade e permitido, a cada um dos professores, pesquisadores, servidores públicos e profissionais liberais que integram a confraria, o convívio em uma pequena polis – desde o início da pandemia, virtual - onde a reflexão é sempre bem-vinda. 

É preciso reconstruir espaços públicos para que as palavras transitem por sobre os muros que resguardam o poder e a mentira. Nesses espaços, podemos nos reconhecer politicamente como iguais e legitimar a razão dissonante. A Confraria Paz é uma gota em um oceano turbulento cada vez mais avesso ao debate e à razão. Nada impede, entretanto, que experiências como ela se disseminem, semeando o respeito, ao invés do escárnio; as evidências, ao invés dos dogmas; a solidariedade ao invés do egoísmo e a compaixão ao invés da indiferença.  Plinio, por certo, apreciaria muito essa missão. 


Dia do Professor: título que, no meu caso, concorre com o da carreira na burocracia oficial - Paulo Roberto de Almeida

 Quem primeiro me chamou de professor, no Itamaraty, preferencialmente à designação normal do ranking na carreira, foi o chanceler Luiz Felipe Lampreia, seguido depois pelo chanceler Celso Lafer. Creio que FHC, antes disso, quando foi chanceler, também sabia dessa condição, e eu justamente havia feito a minuta de seu pronunciamento por ocasião da posse do então embaixador Lampreia como Secretário Geral do Itamaraty, quando pela primeira vez substitui o conceito tradicional de América Latina pelo inovador de América do Sul, o que depois se refletiria na reunião de Brasília em 2000, dando origem à IIRSA. Lampreia só me chamava de “professor”, o que depois passou a ser adotado pelos demais embaixadores, isso antes mesmo de minha promoção a ministro de segunda classe. Parece que colou e, desde então, é o título, ou condição que prefiro, e vem sendo usado mais extensivamente do que o burocrático da carreira. Estou bem com ele, aliás há muitos anos. Reafirmo o que escrevi nesta minha postagem do ano passado.

Brasília 15/10/2020


O que escrevi um ano atrás:

No Itamaraty, colegas vivem me chamando de professor. 

Esse modesto apelativo me dá mais orgulho e satisfação do que o aparentemente pomposo de embaixador. 

Ser embaixador é apenas um título, para mim anódino, que qualquer amigo do rei, ou do presidente, pode ostentar, com base em conexões e apoios, e até sendo filho de quem decide. Ser reconhecido basicamente, essencialmente, como professor é uma condição que poucos podem exibir, a não ser que encarnem efetivamente esse gênero de atividade.

Feliz dia dos professores — a despeito de nossos tempos sombrios, quando temos um cidadão ignorante como ministro da área [eu me referia ao então ministro Weintraub, literalmente uma cavalgadura]— a todos os que podem ser legitimamente reconhecidos nessa nobre atividade.

Ser embaixador passa.

Ser professor permanece!

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 15/10/2019


quarta-feira, 14 de outubro de 2020

A vertigem da democracia: livro de David Stasavage: The Decline and Rise of Democracy: A Global History from Antiquity to Today - João Pereira Coutinho (FSP)

Um livro que cabe ler com a curiosidade que sempre temos por esse "pior regime político, com a exceção de todos os demais"...

Paulo Roberto de Almeida

João Pereira Coutinho* - A vertigem da democracia

- Folha de S. Paulo (13/10/2020)

O combustível do populismo é real, mesmo que as soluções populistas sejam ilusórias

Existem duas formas de falar em democracia. A primeira é lembrar os poetas que deixaram páginas belíssimas sobre o governo do povo, para o povo e pelo povo.

A segunda é optar pelos realistas, que nos dão uma visão mais desencantada sobre o fenômeno. O cientista político David Stasavage pertence ao segundo grupo, e o seu mais recente livro, The Decline and Rise of Democracy: A Global History from Antiquity to Today (Princeton, 406 págs.), é um dos livros do ano.

Li a obra de um fôlego só, assombrado pela inteligência do homem. Tese: se você pensa que a democracia nasceu na Grécia, foi refinada em Roma, desapareceu na Idade Média, reemergiu na Itália renascentista e foi reinventada pelos “pais fundadores” dos Estados Unidos, você está enganado.

Formas de “democracia primordial” (“early democracy”) encontram-se em variadas regiões, em variadas civilizações, e sempre pelo mesmo motivo: quem governa precisa de ajuda para governar. Precisa de dinheiro —e não é possível cobrar impostos sem o consentimento daqueles que estão dispostos a contribuir. Precisa de soldados —e não é possível ter exércitos sem o consentimento daqueles que estão dispostos a lutar.

A história da democracia é a história de uma troca: se o líder quer o meu dinheiro ou a minha coragem, eu tenho uma palavra a dizer sobre os destinos da comunidade.

Isso foi válido na Atenas do século 5 a.C.. Mas também nas 13 colônias americanas do século 18 ou nos países europeus durante e depois da Primeira Guerra Mundial.

Mesmo o voto feminino se explica por um estado de necessidade: se os homens lutavam no front, era preciso que as mulheres ocupassem os postos de trabalho dos machos para salvar a economia. Com essa emancipação econômica, chegou a emancipação política.

Claro que nem todas as civilizações optaram pela via democrática. Muitas optaram pela via autocrática —e pelos motivos inversos: o poder central não precisava do consentimento dos súditos para nada. Com aparelhos burocráticos e repressivos mais avançados, era possível governar sem perder tempo com consultas ou negociações. O Big Brother observava e sabia tudo.

Essa, aliás, é a grande diferença entre a China e a Europa: a primeira, tecnologicamente mais refinada, conseguiu mapear os solos e as populações com assinalável precocidade histórica; a segunda, pelo menos até a era moderna, sempre se caracterizou por Estados fracos ou insuficientemente burocratizados, obrigando os seus líderes à negociação.

Como afirma David Stasavage com deliciosa ironia, foi o relativo atraso da Europa medieval que deu uma chance à democracia no Ocidente. Primeiro, ao permitir que ela sobrevivesse na sua forma primordial, feita de consulta e consentimento permanentes.

E, depois, ao permitir também a evolução da democracia primordial para a democracia moderna, nascida nos Estados Unidos. Qual a diferença?

Na democracia moderna, a consulta e a deliberação diretas foram substituidas pela representação política, até por motivos de extensão geográfica: votamos, elegemos os nossos representantes e são eles que decidem em nosso nome.

De certa forma, é nesse estágio que ainda nos encontramos. E se hoje sentimos que a democracia está em crise, isso se explica pelos dois elementos divergentes da democracia moderna: por um lado, a participação política é mais ampla do que na democracia primordial; por outro, essa participação é também mais episódica e pouco convincente. Alguém acredita mesmo que o seu voto é assim tão decisivo?

Sentimos que o poder está mais distante. Mas não só: sentimos também que o poder está mais poderoso —como se o líder, agora auxiliado pela mais avançada burocracia e tecnologia, já não precisasse de nós para nada. Exatamente como se fosse um autocrata.

O que isso gera é desconfiança e ressentimento —a mistura explosiva que o populismo explora. Curioso: o combustível do populismo político é real, e não ilusório, mesmo que as soluções populistas sejam ilusórias, e não reais.

Como resolver o impasse?

Concordo com David Stasavage: temperando as virtudes da democracia moderna com as virtudes da democracia antiga. Descentralizando, devolvendo poder aos cidadãos, limitando o poder de quem governa.

Se isso não acontecer, a história da democracia terá o mesmo fim que a história da autocracia. A única diferença é que demoramos mais tempo para lá chegar.

*João Pereira Coutinho, escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

Quem diria: a relação especial com Trump e os EUA fez chabu: comércio numa baixa histórica em 11 anos - Victor Irajá (Veja)

 Comércio entre Brasil e EUA atinge pior marca em 11 anos

Por Victor Irajá
Veja, 14 out 2020

Relação de Bolsonaro com Trump não se refletiu em números, afetados pela combinação dos efeitos da crise causada pela pandemia e restrições comerciais

Em maio do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro exaltou a parceria comercial com os Estados Unidos, o que definiu como um realinhamento da diplomacia brasileira em relação ao país presidido por Donald Trump. “O Brasil de hoje é amigo dos Estados Unidos, o Brasil de hoje respeita os Estados Unidos e o Brasil de hoje quer o povo americano e os empresários americanos ao nosso lado”, disse o presidente brasileiros antes de de adaptar seu bordão: “Termino com meu chavão de sempre. Brasil e Estados Unidos acima de tudo, Brasil acima de todos”. Os números comprovam que, ao Norte, o negócio não é bem assim. De acordo com um relatório divulgado pela Amcham Brasil, o comércio bilateral entre Brasil e Estados Unidos até o mês de setembro registrou, em 2020, o pior resultado dos últimos 11 anos. Entre janeiro e setembro, os dois países transacionaram 33,4 bilhões de dólares, uma redução de 25,1% em relação ao mesmo período do ano passado. O relatório aponta fatores principais para explicar a forte redução das trocas bilaterais.

O fator mais óbvio é a pandemia, que provocou uma queda expressiva no consumo da população e da necessidade das empresas por produtos oriundos da exportação brasileira. Mas outros fatores provocam uma reflexão sobre as diretrizes do Itamaraty de Ernesto Araújo. A China, atacada de frente por membros do governo, ampliou sua participação no mercado brasileiro como principal parceiro comercial do país. De acordo com o relatório, o país asiático representa 28,8% de todas as transações do Brasil. A queda no preço do petróleo, também graças à Covid-19, também teve impacto significativo nos resultados. O último fator envolve uma política protecionista do mandatário americano, que restringiu a entrada de produtos da siderurgia brasileira para proteger a indústria nacional. Em agosto, já com as eleições de novembro na cabeça, Donald Trump anunciou que cortaria em mais de 80% a importação de aço brasileiro até o fim do ano. O governo Bolsonaro devolveu com complacência: renovou, sem qualquer contrapartida, isenção de tarifa de importação sobre o etanol americano, enfurecendo os produtores locais. 

Segundo a análise, no acumulado do ano, as exportações brasileiras para os EUA caíram 31,5% em comparação com igual intervalo de 2019, alcançando o total de 15,2 bilhões de dólares. É o menor valor para o período desde 2010. Em termos relativos, os EUA foram o mais afetado entre os 10 principais destinos de exportação do Brasil em 2020. Foram sete bilhões de dólares a menos em exportações. A taxa de queda foi quatro vezes maior do que a redução das exportações totais do Brasil para o mundo. Por outro lado, as importações brasileiras vindas dos Estados  Unidos despencaram neste terceiro trimestre, com redução de 41,6% em relação a 2019. Entre janeiro e setembro de 2020, as importações totalizaram 18,3 bilhões de dólares, uma queda de 18,8%. Apesar da forte redução do comércio bilateral, os EUA seguem como o segundo principal parceiro comercial do Brasil. 

No início do mês, a Amcham havia traçado cenários para os impactos das eleições americanas para a política externa e as relações comerciais do Brasil. A instituição alerta para um maior caráter de defesa de uma política nacional-desenvolvimentista e protecionista do republicano em relação ao candidato democrata Joe Biden, cujo partido é mais historicamente ligado aos ideais globalistas. Segundo o documento, sob a liderança de Trump, os Estados Unidos se tornaram mais avessos ao multilateralismo e à atuação de organismos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas (ONU).  Trump, aponta o relatório, também tem sido crítico de alguns acordos de livre comércio firmados pelos Estados Unidos (como o NAFTA e a Parceria Transpacífica) e tende a privilegiar negociações bilaterais em detrimento de negociações que envolvam múltiplas partes. Por lá, é Estados Unidos acima de todos. 

https://veja.abril.com.br/economia/comercio-entre-brasil-e-eua-atinge-pior-marca-em-11-anos/

Eleições na Bolívia: a confusão deve continuar - FSP

 

Na Folha de S. Paulo desta quarta, 14/10/2020:

Voltamos à América Latina na edição desta semana. Lembra-se da conturbada eleição na Bolívia no passado? O país finalmente volta às urnas neste domingo (18) para escolher um um substituto para a presidente interina Jeanine Añez.

Evo Morales, claro, não quis ficar de fora, mas nem sempre as coisas acontecem como planejamos. 

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Como sempre, você pode me acompanhar no Twitter (@dianaflott) durante a semana. Adoro receber comentários, dúvidas e sugestões no diana.lott@grupofolha.com.br.

Até a próxima.
Diana Lott
DIANA LOTT
quase um ano depois, a bolívia tem novas eleições
Em novembro do ano passado, as eleições presidenciais na Bolívia descambaram para uma onda de protestos, a renúncia geral de ministros e parlamentares do MAS (Movimento pelo Socialismo) e a fuga do então presidente, Evo Morales, para o México.

A discussão "Teve ou não teve golpe?" dominou a esquerda e a direita (de lá e daqui), e, como contei naquela época, há argumentos para os dois lados. 

(Dica: se você está por fora do que aconteceu, sugiro fortemente a leitura desta edição da Lá Fora.)

Fato é que, por meio de uma manobra interpretativa da Constituição combinada com o regulamento do Senado, a então segunda vice-presidente da Casa, Jeanine Añez, assumiu a Presidência prometendo "convocar eleições o mais cedo possível" —e lá está até hoje. 
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Em manobra, senadora se declara presidente da Bolívia sem votação no Congresso
Opositora Jeanine Añez diz ser a próxima na linha sucessória após renúncia de Evo; Brasil reconhece
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LÁ FORA Teve ou não teve golpe na Bolívia?
Depois de vários adiamentos, o primeiro turno está marcado para este domingo (18). 

Antes, um update sobre as irregularidades nas eleições de 2019.
teve fraude?
As acusações começaram depois que a Justiça eleitoral boliviana parou de contar os votos por 24h, depois mudou de método de contagem e chegou a divulgar resultados parciais conflitantes. 

Para resolver o problema, o governo de Evo aceitou que uma comissão independente da OEA (Organização de Estados Americanos) auditasse a eleição. 

O relatório afirmou ter havido "uma série de operações maliciosas" para alterar os resultados, como comprovantes de votação manipulados e assinaturas falsificadas. Essas práticas teriam comprometido pelo menos 38 mil votos —a diferença entre Evo e o segundo candidato foi de 35 mil. 

Com base nos achados da comissão da OEA, as Forças Armadas pressionaram Evo a renunciar, a oposição aumentou os protestos nas rua, e o ex-líder cocaleiro deixou o poder e o país. 

A partir daí, a Bolívia ficou na expectativa de uma nova eleição. 

Mas, em fevereiro deste ano, o relatório foi posto em xeque por dois pesquisadores do MIT (Massachusetts Institute of Technology). Em um artigo no Washington Post, John Curiel e Jack R. Williams afirmaram não haver "evidência estatística de fraude”.

Em junho, uma segunda análise, desta vez conduzida por especialistas convidados pelo New York Times, também concluiu que não houve fraude na contagem dos votos.  
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'Usamos controles que a OEA não usou', diz cientista que não vê fraude na Bolívia
Pesquisador do MIT estudou eleição no país e discorda de análise da organização sobre irregularidades
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THE NEW YORK TIMES OEA usou dados e métodos incorretos para concluir fraude na Bolívia, dizem pesquisadores
A OEA rebateu as conclusões dos pesquisadores do MIT e disse que "a análise estatística dos resultados é apenas uma das provas" citadas pelo relatório.
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OEA contesta pesquisadores do MIT que descartam fraudes na eleição boliviana
Autores afirmaram que análises estatísticas provam a vitória de Evo
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DIPLOMACIA BRASILEIRA Ernesto chama estudo do MIT de artigo de blog para desestabilizar transição na Bolívia
por que só agora?
Depois que Añez assumiu interinamente a Presidência, no início de novembro, parlamentares pró-Evo e da oposição começaram a negociar um projeto de lei que anulasse a votação e marcasse uma nova data para as eleições. 

Depois da troca de todos os membros do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), em dezembro, o pleito foi finalmente anunciado para o início de maio.

Só que veio a pandemia do novo coronavírus.

Em março, diante da crise sanitária inevitável, o governo de Añez decretou quarentena, e o TSE suspendeu as eleições. A presidente interina foi acusada por apoiadores de Evo de querer adiar indefinidamente a votação e se manter no poder.

Até a definição de 18 de outubro como a data da esperada eleição presidencial, governo, Congresso e TSE remarcaram três vezes a realização do pleito: de maio para agosto, de agosto para setembro, e, enfim, de setembro para outubro

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