quarta-feira, 26 de abril de 2023

Os motivos para a brutal declaração de Lula sobre a guerra na Ucrânia - Clarín Online - Argentina

Os motivos para a brutal declaração de Lula sobre a guerra na Ucrânia
Clarín Online - Argentina | BR
25 de abril de 2023
Os motivos para a brutal declaração de Lula sobre a guerra na Ucrânia Após seus primeiros cem dias de governo, a guerra na Ucrânia se tornou uma das construções identitárias centrais de Lula.

Para muitos analistas, não fica claro se essa decisão foi resultado de uma extraordinária imperícia diplomática ou produto de uma ingenuidade. Ou ambos.

É o que sugere The Economist para tentar explicar por que o recém-começado terceiro governo do líder do PT embarcou nesse conflito, pendendo para a narrativa da Rússia.

A ambição de Lula é devolver o Brasil ao lugar que ocupava na agenda internacional há 20 anos, na época de seus dois primeiros mandatos. Era um mundo diferente, e o brilho saudosista talvez o impeça de detectar os caminhos escabrosos deste presente.

Essa visão é ofuscada ainda mais pelas complicações internas que o governo enfrenta. O petista ganhou de Jair Bolsonaro por uma margem estreita de votos, que se reflete na falta de poder no Congresso e na construção de um gabinete do centro à direita, conectado com o país que ele tem que governar.

Um Brasil com um eleitorado de classe média que o escolheu, em grande parte, para não apoiar a misoginia e o fanatismo iliberal do candidato de extrema-direita. Ou seja, que optou pelo candidato que, na comparação, era mais liberal, não mais esquerdista -conceito que Lula, longe do folclore dos anos 70, talvez tenha enterrado para sempre nesta campanha-.

Esse é um espaço em que o presidente se sente à vontade. Nos seus dois governos anteriores, Lula jogou nas duas pontas do espectro. Promoveu uma política econômica ortodoxa que monitorava rigorosamente os gastos públicos, os lucros empresariais e os superávits gêmeos, ao mesmo tempo em que ele abraçava os Castro cubanos, conversava de igual para igual com Hugo Chávez, com o nicaraguense Ortega e com os Kirchner da Argentina.

Era um atalho para dissolver o risco de conflitos internos. Mas tudo mudou e esses players, os que ainda estão, já não têm o mesmo protagonismo. A guerra pode ter funcionado então como uma tentação para exibir essas rebeldias.

Tudo indica que essa guinada controversa, nos moldes dos parâmetros Leste-Oeste do século passado, foi aconselhada pelo veterano assessor internacional de Lula, Celso Amorim.

Essa visão, comum no chamado progressismo regional, concebe o drama ucraniano como a ponta de lança dos EUA contra a Rússia que, apesar de não ser mais a lendária União Soviética, mantém um enfrentamento com os Estados Unidos, o odiado império da Guerra Fria.

O principal prato chinês Mas não é a Rússia, e sim a China, que atrai especialmente o líder do PT, menos motivado ideologicamente por uma necessidade de crescimento que resolva uma realidade econômica limitada.

As autoridades brasileiras ouvem as críticas dos EUA sobre essas mutações, mas acusam Washington de falar muito e mostrar pouca consistência prática.

A recente viagem de Lula à China resultou em 10 bilhões de dólares em investimentos. Algumas semanas antes, o encontro com Joe Biden na Casa Branca teve como saldo zero compromissos monetários. Pior ainda, há um persistente êxodo de investidores americanos do Brasil.

Um dado paradigmático desse ciclo é a montadora Ford, que saiu do país há dois anos e agora está vendendo sua enorme fábrica na Bahia para a chinesa BYD que, segundo a Bloomberg, a usará para fabricar carros elétricos.

A intenção de Lula e sua equipe, dizem fontes diplomáticas a este cronista, é impulsionar as decisões de investimento com uma multiplicação de fábricas, acordos tecnológicos, negociações nas moedas nacionais e uma aliança econômica quase total com a China.

Esse passo pragmático é fácil de entender. Não assim a derrapagem sobre a Ucrânia. É difícil que tenham pedido a Lula uma contraprestação tão grande. No fim da sua viagem à China, o petista surpreendeu ao insistir em equiparar Kiev a Moscou na responsabilidade pela guerra. Ele confundiu a vítima com o criminoso.

Essa é uma noção grave que Lula já havia ensaiado em uma entrevista em maio do ano passado à revista Time, antes da eleição, na qual afirmou livremente que o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky "queria a guerra. Se ele não quisesse, teria negociado um pouco mais. É isso". Como assim? Negociado?!!

Essa visão polêmica ignora o fato de que não se trata de um conflito clássico com exércitos lutando nas fronteiras. A Rússia invadiu a Ucrânia e há um ano vem demolindo o país, massacrando civis, casas, hospitais e escolas para demonstrar um suposto direito do Kremlin de mandar em todo o território que fazia parte da URSS. Não é só a Ucrânia.

É por isso que o mundo assiste a esse cenário com horror, repudiando Moscou e se solidarizando com Kiev. Vale lembrar que a Ucrânia não é o Vietnã nem a Coreia.

Lula entrou nesse drama com o pé esquerdo, desgastando desnecessariamente a imagem do Brasil como defensor dos direitos humanos e afugentando o público europeu que o tinha recebido com aplausos.

Um ciclo maior dessa deterioração foi a crítica do brasileiro aos EUA e à Europa por fornecerem ajuda militar à Ucrânia e sancionarem a Rússia. Mas Lula sabe que, sem essas duas ferramentas, Putin teria vencido a guerra imediatamente.

Há alguns dias, Amorim conversou pelo telefone com o assessor de segurança nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, para esclarecer o que chamou de mal-entendidos e afirmar que o Brasil não apoia a visão chinesa da guerra e muito menos a da Rússia. Mas essas palavras se chocam com os gestos.

É interessante lembrar que o líder do PT chegou à presidência do Brasil com grande entusiasmo da Casa Branca, incomodada com Bolsonaro e com sua relação estreita com Putin, que o então presidente visitou dias antes do início desta guerra que nunca condenou.

Joe Biden foi um dos primeiros a parabenizar Lula após a vitória, desfazendo assim as acusações de fraude eleitoral que Bolsonaro lançava.

Após esse sinal, uma delegação chefiada por Sullivan viajou imediatamente a Brasília para convidar o presidente eleito para uma reunião em Washington. Esse encontro ocorreu neste ano, após a posse de Lula, e nele os dois presidentes condenaram a guerra e Moscou.

Naquela época nasceu um acordo entre as duas maiores economias do hemisfério, que compartilham a preocupação com a crise de representação que está dilacerando a região. Além disso, existe o interesse evidente dos EUA em construir uma aliança que modere o firme avanço da China e, em menor escala, da Rússia na América Central e do Sul. Essa parceria de confiança foi quebrada. É claro que, se houve ingenuidade, não foi apenas de Lula.

Submarinos e centrais atômicas Os laços do Brasil com a China são imparáveis. Até a tecnologia da China, o 5G da Huawei em vigor aqui desde 2021, visa inundar a estrutura de comunicações e os rudimentos da Internet das Coisas do gigante sul-americano.

A Huawei já tem duas fábricas de equipamentos de telecomunicações em São Paulo. Uma delas é uma fábrica inteligente inaugurada em março de 2022.

Do lado russo, há outros aspectos pouco abordados pela mídia que prometem um embate ainda mais acentuado com Washington. Lula, alinhado nesse aspecto com as negociações de Bolsonaro com Moscou, busca o apoio do setor de energia atômica russo para o fornecimento de combustível para o reator do submarino de propulsão nuclear brasileiro, que entrará em operação na próxima década.

Conforme lembrou a Folha de S.Paulo, o presidente quer manter contato com a Rosatom, estatal russa que lidera o mercado mundial de reatores, para a retomada da construção da central nuclear Angra 3, a maior das três de mesmo nome. Angra 1 e Angra 2 já estão em funcionamento.

A empresa russa já apresentou uma proposta com algumas garantias para esse projeto, concorrendo com a americana Westinghouse, a chinesa CNNC e a francesa EDF. As obras da central nuclear estão paralisadas desde 2015 devido a denúncias de corrupção na estatal brasileira Eletronuclear durante o fracassado governo petista de Dilma Rousseff, na época da Lava Jato.

Essas questões, e não apenas o destino da guerra na Ucrânia, foram tratadas na reunião do dia 17 deste mês, em Brasília, entre o chanceler russo, Sergei Lavrov, seu par brasileiro, Mauro Vieira, e o próprio presidente Lula.

Visita que ocorreu em meio ao repúdio internacional a essa presença, recebida com honras pelo governo brasileiro e que proclamou sua satisfação pelos múltiplos interesses comuns que unem os dois países.

Deve o Brasil aderir à ideia de uma nova ordem mundial, ao lado da Rússia e da China? - Paulo Roberto de Almeida

 Lula tem certeza de que seria uma boa ideia colocar o Brasil do lado da Rússia e da China na construção de uma nova ordem mundial?

Paulo Roberto de Almeida


“Só haverá paz na Ucrânia com uma nova ordem mundial.” (Sergey Lavrov, chanceler russo)


Aproximadamente um mês antes de visitar o Brasil, em 17 de abril de 2023, o chanceler russo Sergey Lavrov condicionou qualquer negociação de paz no quadro da guerra de agressão que seu país conduz contra o país e o povo da Ucrânia ao estabelecimento de uma “nova ordem mundial”, o que pode parecer um exagero, tendo em vista que se trata de um conflito regionalmente localizado entre o principal país herdeiro do finado império soviético, a Federação Russa, e uma das antigas repúblicas integrantes da mal chamada União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a vizinha Ucrânia. Considerando, entretanto, que a Rússia afirma estar lutando contra o expansionismo da Otan – a Organização do Tratado do Atlântico Norte, fundada em 1949 para justamente constituir uma defesa dos países da Europa ocidental contra uma possível ameaça de invasão do Exército Vermelho –, talvez a afirmação não seja de todo despropositada. 

A Rússia do neoczar Vladimir Putin (desde 2000 no poder, sucedendo a Ieltsin, com uma potencial permanência até 2036, mais do que o antigo ditador Stalin) está visivelmente empenhada em restabelecer sua centenária dominação e influência sobre todos os países vizinhos que antigamente pertenceram ao antigo império czarista, ou depois, ao seu sucessor expansionista, o império soviético, a saber: ao Norte: Finlândia e países bálticos, ex-integrante do império czarista; a Oeste: domínios do antigos impérios austríaco e prussiano da Europa central e oriental, passando pelos Cárpatos e planícies da Hungria; e ao Sul, em direção dos Balcãs, do Ararat, no entorno do mar Cáspio, e em direção das ex-satrapias soviéticas da antiga Rota da Seda da Ásia central, e até quase a Pérsia, sem esquecer as aventuras no Afeganistão e na Síria. 

Em 2005, numa declaração ao Parlamento russo, Putin afirmou claramente que o colapso da União Soviética tinha sido “a maior catástrofe geopolítica do século” e “uma tragédia para os russos”. Dois anos depois, dirigindo-se diretamente aos países ocidentais na conferência sobre segurança de Munique, em fevereiro de 2007, Putin alertava duramente os países ocidentais com respeito às preocupações de segurança de seu país, antecipando claramente o que estava decidido a empreender, contra a Georgia, em 2008, a Moldávia (ocupação da Transnístria por forças russas) e já contra a Ucrânia, na Crimeia, em 2014, e finalmente pela invasão total do país em fevereiro de 2022.

Não cabem dúvidas, portanto, que existe uma intenção e um projeto do neoczar, num estilo brutal similar ao de Stalin (embora sem Gulag), de não só garantir um glacis, um colchão de segurança nas fronteiras da Rússia ampliada, mas também de estender a influência da Rússia, projetando o seu poder bruto nas cercanias do antigo império czarista e russo, e até mais além, em direção do Oriente Médio e outras paragens que se apresentem. Putin tem um projeto que é exatamente o inverso da antiga proposta kantiana de “paz perpétua”, baseada no Estado de direito e no respeito da soberania, sendo antes uma vontade de “guerra eterna”, ao estilo dos primeiros czares da Moscóvia em formação. A Ucrânia, que esteve justamente na origem cultural e religiosa da Rússia medieval, foi a mais recente vítima dessa ambição desmedida por poder e influência. 

Volto a perguntar: Lula tem certeza de que prefere ver o Brasil associado a tais aventuras de rompimento da ordem mundial estabelecida?


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 26 de abril de 2023.


 

O antissemitismo como arma de guerra midiática: As Mutações da Maldade" - Martim Vasques da Cunha

 As Mutações da Maldade

O antissemitismo é a desculpa perfeita (e perversa) para que a esquerda cometa as suas atrocidades.

O uso exagerado do termo “terrorista”, principalmente entre membros da casta progressista que se opõem a movimentos considerados de “extrema-direita”, esconde um outro problema, extremamente complicado, e que tem repercussões no mundo ocidental: o do antissemitismo.

Para entendermos melhor a conexão entre esses dois temas, tão díspares na superfície, precisamos analisar três eventos.

O primeiro foi o debate acalorado sobre a declaração feita pelo economista Paulo Nogueira Batista (ex-diretor do Fundo Monetário Internacional, o FMI) ao jornalista Luís Nassif (do veículo GGN), a respeito da indicação de outro economista, Ilan Goldfajn, para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BDN). Ele alegou que o sobrenome de Goldfajn era “impronunciável” e que era alguém a serviço dos interesses de Israel. Obviamente, a celeuma se espalhou como rastilho de pólvora. Em pouco tempo, associações judaicas – como a Confederação Israelita do Brasil – condenaram Batista, afirmando que ele fez uma “manifestação de cunho antissemita”. Logo depois, Luís Nassif defendeu o seu entrevistado e afirmou que o rótulo do antissemitismo era uma “cortina de fumaça” fomentada para quem criticava o estado de Israel – o único responsável, segundo o jornalista, por usar o famigerado apartheid como método de governo em relação aos palestinos da região.

O segundo evento foi a omissão deliberada da mídia norte-americana em torno de outra celebridade que fez afirmações claramente antissemitas e que até agora não foi punida (ou “cancelada”) por isso. Estamos falando da atriz Whoopi Goldberg, que, apesar do sobrenome, não é judia, mas sim uma militante convicta do “fascismo de esquerda” que permeia a cultura progressista dos EUA. Ela divulga crenças básicas desse movimento de forma explícita há alguns anos e todas, em maior ou menor grau, envolvem o ódio escancarado ao judaísmo – entre eles, a negação do Holocausto; a defesa da proibição da graphic-novel Maus, de Art Spielgelman, como uma obra de arte que perturbaria os seus leitores por dramatizar a perseguição feita pelos nazistas na Alemanha contra o povo hebreu; e de que os judeus alemães sofreram menos do que os da Europa Oriental durante a Segunda Guerra Mundial. Apesar dos protestos da Liga Anti-Difamação, Goldberg emitiu apenas algumas notas burocráticas de desculpas e, mesmo assim, permaneceu como uma das apresentadoras do programa The View, da TV O abraço do.

A pergunta que se faz sobre as repercussões das polêmicas de Batista e Goldberg é: se eles não fossem progressistas, suas carreiras seriam prejudicadas? Vejam o caso do cantor e compositor Kanye West, por exemplo, que fez pronunciamentos de mesmo teor, e já foi devidamente expulso da mídia, com toda a razão. A diferença é que West não pregou o evangelho da esquerda identitária desde o início da sua conturbada carreira e sempre foi considerado uma “pedra no sapato” no ambiente cultural dos EUA. Já Batista e Goldberg continuam como estão, e até possuem seus apologetas.

O que nos leva ao terceiro evento, que não é tão recente assim, mas que pode nos ajudar a compreender melhor o que está em risco. No maravilhoso livro Can The “Whole World” Be Wrong? (“Pode o ‘mundo todo’ estar errado?”), de autoria do scholar e historiador americano Richard Landes e publicado no final do ano passado, essa relação sombria entre antissemitismo e progressismo pode ter sido acentuada neste começo do século XXI com o assassinato de Muhammed Al Durah.

No dia 30 de setembro de 2000, Al Durah, uma criança de doze anos, acompanhada por seu pai, Jamal, foram filmados pelas câmeras de Talal Abu Rahma no meio de um tiroteio entre as forças de defesa israelenses e as palestinas, em plena Faixa de Gaza. As imagens foram veiculadas pelo canal France 2, com a narração do respeitado jornalista Charles Enderlin, que endossou por completo a suposição de que os tiros que atingiram Al-Durah vieram do lado de Israel. Apesar da comoção jornalística inicial em torno do fato (acompanhada pelo típico exibicionismo moral criado pelos políticos), com o passar do tempo comprovou-se que, na verdade, a filmagem foi editada de uma maneira em que ninguém percebeu que o verdadeiro autor dos disparos era o exército palestino.

Para Landes, a histeria midiática ao redor do affaire Al-Durah foi a “primeira grande fake news” dos anos 2000 – e todo o jornalismo ocidental caiu na armadilha perpetrada pelos jihadistas (aqueles que defendem que o Ocidente infiel deve se render ao Islã). Israel sempre foi considerado o vilão dos conflitos no Oriente Médio desde a sua fundação em 1948, mas agora a sua maldade – comparada ao nazismo – atingia proporções inacreditáveis, segundo esse grupo de iluminados. Não foi por acaso, aliás, que o assassinato de Al-Durah aconteceu um dia após o início da Segunda Intifada, a continuação do período milenarista da luta entre o estado árabe (auto-representado como um pequeno Davi) e o estado judeu (visto como um aterrorizante Golias). Esta foi a base para uma guerrilha cognitiva que manipulou o coração e as mentes das pessoas comuns, incentivando a elite global progressista a acreditar na narrativa de Enderlin e Rahma, o que enfraqueceu as forças de segurança e de inteligência necessárias para elas impedirem aquilo que seria o evento mais horroroso dos nossos tempos – o atentado terrorista contra as Torres Gêmeas do World Trade Center, ocorrido em 11 de setembro de 2001 em Nova York.

É justamente dessa fraqueza que se alimenta a simbiose entre progressismo e antissemitismo. Afinal, o ódio aos judeus sempre existiu desde que o mundo é mundo. O que diferenciaria o desejo pela “limpieza de sangre” (como alegavam os ibéricos na época da Inquisição católica) dessa ideologia que cresce de forma exponencial, mesmo em um período tão supostamente evoluído e tolerante como o nosso, traumatizado pelo que aconteceu com o Holocausto?

O pesquisador Walter Laqueur, no seu livro A Face Mutável do Antissemitismo (publicado recentemente pela É Realizações), afirma que o termo é de 1879, cunhado pelo jornalista alemão Wilhem Marr. Contudo, ele apenas popularizou a palavra, que já existia na boca de alguns luminares da época, como o famoso compositor e maestro Richard Wagner. Quando ocorreu o caso de Alfred Dreyfus na França entre 1894 e 1906 – no qual um jovem oficial do Exército foi acusado de traição, mas depois descobriu-se que o ódio a ele por ser judeu foi fundamental para que fosse condenado injustamente –, o antissemitismo não era mais um assunto para iniciados, e sim um tópico que fazia parte da própria organização do Estado moderno. Havia aqueles que, entre as frestas da burocracia, sabiam em seus corações que a defesa dos judeus era um aspecto civilizacional e havia aqueles que jamais admitiram para si mesmos que este tipo de preconceito era o anúncio de uma verdadeira catástrofe.

Um dos sujeitos que fazia parte deste segundo grupo foi Karl Marx. Laqueur observa que, apesar do avô de Marx ter sido um rabino, o judaísmo era para ele uma vergonha, chamando-a de “a religião da usura”, e seu desejo era se afastar tanto quanto possível daquilo que seus olhos viam como uma tradição desprezível. Em 1844, Marx escreveu o ensaio “Sobre a questão judaica”, no qual ele responsabilizava os judeus, em especial os banqueiros Rothschild, por todos os males estruturais do mundo. “Mais adiante na vida”, escreve Laqueur, “Marx não tocou mais na questão judaica como tal, embora se referisse aos judeus na sua correspondência privada quase sempre em teor negativo”.

A união entre os movimentos totalitários e o antissemitismo se tornou cada vez mais agressiva no século XX, seja com os pogroms russos antes, durante e depois da Revolução de 1917, seja com os campos de concentração nazistas – ou então com as teorias conspiratórias fomentadas pela elite intelectual do Ocidente, todas baseadas na paranoia fajuta de um documento supostamente histórico, mas que era outra gigantesca fake newsOs Protocolos dos Sábios do Sião (publicado em um obscuro jornal francês em 1903).

Walter Laqueur conta que, “embora suas origens ainda sejam obscuras, acredita-se que [o documento] tenha sido criado por agentes da polícia secreta czarista (a Okhrana) na França antes da virada do século XX, mas isso nunca foi provado conclusivamente”. O documento alega que “os judeus usam todos os tipos de organizações secretas, e suas principais ferramentas são a democracia, o liberalismo e o socialismo. Eles estiveram por trás de todos os transtornos da história, apoiando a demanda pela liberdade do indivíduo; também estavam por trás da luta de classes, de todos os assassinatos políticos e de todas as grandes greves. Os conspiradores induzem os trabalhadores a tornarem-se alcoólatras e tentam criar condições caóticas, elevando os preços dos alimentos e disseminando doenças infecciosas”.

Qualquer semelhança com o assassinato fabricado de Muhammed Al Durah pelas supostas forças israelenses não é mera coincidência. É a mesma corrente de notícias falsas que atinge os hebreus – e, consequentemente, o Ocidente. E assim como o caso Al Durah permitiu que os jihadistas ficassem cada vez mais estimulados a praticarem um ataque terrorista contra os EUA, uma vez que a imprensa mundial ficou submissa à narrativa dos palestinos contra Israel, o contágio nocivo das ideias insanas do Protocolo deixou que a Europa se tornasse cada vez mais pusilânime a respeito do ódio contra os judeus e legitimou, com o beneplácito das suas elites, a ascensão de um sujeito como Adolf Hitler.

Assim, a dificuldade de conceituar corretamente o antissemitismo implica no fato de que o próprio Mal assume disfarces surpreendentes para enganar até mesmo as pessoas mais esclarecidas. Por esse mesmo motivo, como bem observou Carl Friedrich, é possível também perceber uma estrutura constante no fenômeno, o qual se encontra na seguinte afirmação: a de que o antissemitismo é “uma manifestação de decadência cultural, isto é, do desgaste da crença fiel em normas éticas; ou, em palavras mais fortes, uma recaída no barbarismo”. E, no caso específico do nazismo (e dos jihadistas que o apoiaram na época da Segunda Guerra Mundial e que depois, no presente, venderam a narrativa do assassinato de Al Durah como se fosse verdadeira para a imprensa contemporânea), era igualmente “uma referência à natureza profundamente anticristã e à sua hostilidade para com a civilização”.

Eis o ponto de contato do “fascismo de esquerda” adotado pelas nossas celebridades tupiniquins e internacionais e o antissemitismo que assola o mundo ocidental: o ódio aos judeus que elas divulgam sem pudor não é apenas um aviso contra as “minorias desprotegidas”, mas principalmente um alerta sobre como há um claro processo de escravizar todo o globo terrestre – e de preferência com a ajuda da mesma elite que supostamente deveria nos proteger disso tudo.

É por isso que se deve tomar muito cuidado quando os progressistas usam e abusam do termo “terrorista”. Na verdade, de acordo com Michael Burleigh em Blood and Rage – A cultural history of terrorism, o uso do terror é uma tática usada por agentes assimétricos, que podem ou não terem relação com algum Estado, coordenados via uma entidade acéfala ou uma organização hierárquica, com o intuito de criar um clima psicológico de medo para compensar o poder político legítimo que não possuem – e com a imposição deste mesmo desejo de poder no mundo todo, de preferência usando como meio a criação de uma comunidade fundada no sofrimento, numa comunhão de vítimas assassinadas ou feridas as quais elas devem sofrer em função de um projeto muito maior: o da libertação da raça humana dos grilhões da escravidão espiritual e material.

Ora, aqui temos a exata definição, sem automatismos verbais, do que acontece entre os jihadistas e a única nação realmente democrática que existe no Oriente Médio: o estado de Israel (e também com os EUA, o país que simboliza a democracia no resto do mundo, o que nos leva a concluir que o antiamericanismo, uma outra doença fomentada pela esquerda, é também mais uma variação do antissemitismo). Não à toa, a elite progressista concorda com a narrativa dos palestinos porque ela também se aproveita da confusão em torno da palavra “democracia”. Para os seus integrantes, a democracia deles seria a da Revolução Francesa, a do Iluminismo que pratica um governo autoritário a guiar o povo de cima para baixo, enquanto Israel, por mais defeitos que possa ter (como qualquer país vibrante), pratica a democracia liberal de fato, cujas decisões são feitas de baixo para cima e sempre respeitando aquilo que Michael Oakeshott chamava de “a dinâmica imprevisível da conduta humana”.

Assim, a cooptação do conceito de “terrorismo” pela esquerda progressista para eventos graves, mas que não chegam à loucura de eliminar a população de um país que representa uma parte importante do gênero humano (como é o caso de Israel), é uma das mutações da maldade que infecta o mundo contemporâneo. O antissemitismo é um problema gravíssimo que envolve a todos nós porque o início da verdadeira democracia não se deu em Paris ou até mesmo na Atenas clássica, como alegam os manuais de política, e sim naquilo que o teólogo Os Guinness chama em A Carta Magna da Liberdadede “a Revolução do Sinai”, quando Moisés recebeu a revelação de que há somente um único Deus e que o povo hebreu se tornou nada mais, nada menos que o representante de toda a humanidade.

Independente do fato de vivermos em um momento histórico completamente diferente do que aconteceu no Êxodo do Egito ou até mesmo na Europa devastada pela Segunda Guerra Mundial, a nossa situação não mudou sob hipótese nenhuma porque o ódio contra os judeus é algo que avilta a própria natureza humana. Como o próprio Guinness reforça, o mundo contemporâneo até pode estar muito distante do mundo com que teve de lidar Moisés, o grande líder hebraico. Afinal de contas, “ele é moderno e avançado, e não tradicional; é urbano, e não rural. Contudo, os princípios expostos no Êxodo e nos primeiros livros da Bíblia são ao mesmo tempo atuais e atemporais. O problema não é que as ideias são obsoletas, e sim, que a nossa geração não se distingue pela análise cuidadosa dos primeiros princípios, pelo seu compromisso com a construção persistente e paciente, ou pelo debate respeitoso dos desafios futuros. Hoje uma afirmação é algo a ser primeiro atacado e só depois avaliado. É a receita das mídias sociais para o preconceito e a loucura”.

E é o esquecimento dessa aliança sagrada com a qual nossa Civilização de fato começou que se tornou a origem de todas as fake news que dominam a nossa sensibilidade e que acompanham o antissemitismo até hoje, seja com o caso de Muhammad Al Durah, seja com a crença de que Os Protocolos dos Sábios de Sião são verdadeiros. Negar a Revolução do Sinai, como querem os jihadistas e a esquerda progressista, numa união de delírio cognitivo que infelizmente contagiou a maioria da nossa sociedade (em especial, a brasileira), é o único terrorismo que precisa ser combatido. O resto é apenas o ruído de quem ainda não entendeu o que realmente movimenta a memória do mundo.


terça-feira, 25 de abril de 2023

Lista de trabalhos sobre o Mercosul e a integração regional, 1989-2023 (atualizada)

 Lista de trabalhos sobre o Mercosul e a integração regional: 1989-2023

 

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

Lista de trabalhos temáticos a partir da lista geral; revista em 25 de abril de 2023.

Disponível na íntegra na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/99720779/Lista_de_trabalhos_sobre_o_Mercosul_e_a_integracao_regional_1989_2023). 

 

Livros:

 

1) O Mercosul e o regionalismo latino-americano: ensaios selecionados, 1989-2020, Edição Kindle, 453 p.; 1567 KB; ASIN: B08BNHJRQ4; ISBN: 978-65-00-05970-0; disponível neste link da Amazon: https://www.amazon.com/Mercosul-regionalismo-latino-americano-selecionados-Portuguese-ebook/dp/B08BNHJRQ4/ref=sr_1_1?dchild=1&keywords=Mercosul&qid=1593305045&s=digital-text&sr=1-1); Sumário e Prefácio e índice detalhado divulgados no blog Diplomatizzando (23/06/2020; links: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/06/o-mercosul-e-o-regionalismo-latino.html) e https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/06/o-mercosul-e-o-regionalismo-latino_23.html)Relação de Originais n. 3702.

 

2) A ordem econômica mundial e a América Latina: ensaios sobre dois séculos de história econômica, Brasília, 1 julho 2020, 308 p. Livro com textos de história econômica. Sumário no blog Diplomatizzando (link: https://www.academia.edu/43494964/A_ordem_economica_mundial_e_a_America_Latina_ensaios_sobre_dois_seculos_de_historia_economica_2020_). Publicado em Edição Kindle, 363 p.; 2029 KB; ASIN: B08CCFDVM2; ISBN: 978-65-00-05967-0; disponível neste link da Amazon: https://www.amazon.com.br/ordem-econ%C3%B4mica-mundial-Am%C3%A9rica-Latina-ebook/dp/B08CCFDVM2/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=I6QXH0T8I6L4&dchild=1&keywords=paulo+roberto+de+almeida&qid=1593992634&s=digital-text&sprefix=Paulo+Rob%2Caps%2C288&sr=1-1). Relação de Originais n. 3706.

 

3) Integração Regional: uma introdução (São Paulo: Saraiva, 2013, 174 p.; ISBN: 978-85-02-19963-7; Academia.edu: https://www.academia.edu/5550117/19_Integra%C3%A7%C3%A3o_Regional_uma_introdu%C3%A7%C3%A3o_2013_).

 

4) Le Mercosud: un marché commun pour l’Amérique du Sud, Paris: L’Harmattan, 2000, 160 p.; ISBN: 2-7384-9350-5; Academia.edu: https://www.academia.edu/5546907/07_Le_Mercosud_un_march%C3%A9_commun_pour_l_Am%C3%A9rique_du_Sud_2000_). 

 

5) Mercosul: Fundamentos e Perspectivas (São Paulo: Editora LTr, 1998, 160 p.; ISBN: 85-7322-548-3; Academia.edu: https://www.academia.edu/42290608/Mercosul_fundamentos_e_perspectivas_1998_ )

 

6) O Mercosul no contexto regional e internacional (São Paulo: Edições Aduaneiras, 1993, 204 p.; ISBN: 85-7129-098-9; Brasília, 23 março 2020, 143 p. Reformatação completa do livro para fins de livre acesso nas redes de intercâmbio acadêmico. Divulgado em Academia.edu: https://www.academia.edu/42007009/O_Mercosul_no_Contexto_Regional_e_Internacional_1993_) e no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/03/mercosul-fundamentos-e-perspectivas.html);

 

 

Artigos, papers, entrevistas, questionários:

 

4372. “Integração regional: uma perspectiva histórica e tipológica”, Brasília, 24 abril 2023, 5 p. Notas para digressão oral e de apoio a aula sobre essa temática no curso CACD em 28/04/2023. 

 

4371. “Acordos regionais e esquemas de integração: diferentes tipos e medidas correlatas”, Brasília, 24 abril 2023, 1 p. Tabela analítica e cronológica dos diferentes esquemas de integração econômica, com correlação das medidas. Para aula no curso CACD em 28/04/2023. Postado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/100701630/Acordos_regionais_e_esquemas_de_integracao_diferentes_tipos_e_medidas_correlatas_2023_); informado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/04/acordos-regionais-e-esquemas-de.html). 


(...)

 

186. “Europa e América Latina no rumo da Integração: Desafios do Presente, Promessas do Futuro”, Montevidéu, 29 junho 1990, 16 p. Texto de conferência sobre problemas da Europa e América Latina em perspectiva, preparado para o ex-Presidente José Sarney. Apresentado, em versão modificada, em seminário do IRELA, em Buenos Aires, em 6/07/1990. 

 

176. “América Latina: Entre a Estagnação e a Integração”, Genebra, 26 novembro 1989, 7 p. Ensaio crítico sobre a crise do desenvolvimento na América Latina e possíveis vias alternativas, elaborado com base em agenda de reunião do SELA. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4 abril de 2023; revisão: 25/04/2023.


Ver a íntegra desta lista na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/99720779/Lista_de_trabalhos_sobre_o_Mercosul_e_a_integracao_regional_1989_2023). 


O Estado da Democracia no Mundo - Visual Capitalist

Mapped: The State of Democracy Around the World

Only 8% of the world’s population actually lives in a full, functioning democracy, according to the Economist Intelligence Unit (EIU).

Meanwhile, another 37% of people live in some type of “flawed democracy”, while 55% of the world does not live in democracy at all, based on the EIU’s latest Democracy Index Report.

Events such as the war in Ukraine and restrictive, long-lasting COVID-19 measures, have caused numerous declines to country democracy scores in recent years. Since the source report first began tracking scores in 2006, the global average has fallen from 5.52 to 5.29.

The Methodology

The EIU measures democracy by assessing 60 indicators across five key categories:

  1. Electoral process and pluralism
  2. Political culture
  3. Political participation
  4. Functioning of government
  5. Civil liberties

Each category has a rank of 0-10 based on how the indicators fared, and the overall democracy score is an average of each of the five categories. For example, here’s a look at the U.S.’ scoring out of 10 in each of the overall categories in 2022:

Electoral process and pluralismFunctioning of governmentPolitical participationPolitical cultureCivil liberties
9.176.438.896.258.53

🇺🇸 Total U.S. democracy score = 7.85 / 10

This score defines the U.S. as a flawed democracy and ranks it 30th overall in the world, down four spots from last year’s ranking. “Flawed” in this case simply means there are problems, ranging from poor political culture to governance issues, but flawed democracies are still considered to have free and fair elections, as well as civil liberties.

The World’s Democracies by Region

Below we map out the state of democracy across various regions around the world.


BRICS debate expansão na próxima cúpula na África do Sul - Ana Flávia Castro (Metrópoles)

 O BRICS pode virar uma casa de Mãe Joana, nessa próxima cúpula na África do Sul: 


Brics recebeu 19 pedidos de adesão antes de cúpula na África do Sul
Representante sul-africano no Brics informou que o grupo debate a possibilidade de expandir membros antes da cúpula no país, em agosto
Ana Flávia Castro
Metrópoles, 25/04/2023

Os integrantes do grupo dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) receberam pelo menos 19 pedidos de adesão ao bloco econômico, segundo informou o representante da África do Sul para o Brics, Anil Sooklal. O tema será debatido em reunião com ministros das Relações Exteriores dos países membros, marcada para os dias 2 e 3 de junho na Cidade do Cabo.
A possibilidade de expansão é discutida de forma contundente desde a última cúpula na China, em 2022. O assunto, no entanto, é visto com ressalvas. Apesar de Pequim defender a entrada de outros países, os demais integrantes veem esse movimento com preocupação, pelos riscos envolvidos.

Segundo Sooklal, 13 países fizeram pedidos formais para entrar no grupo, enquanto outros seis realizaram consultas informais sobre o assunto. O Brics criou um grupo de trabalho especificamente para o tema, focado em estabelecer regras e diretrizes para uma eventual expansão.
“O que vai ser discutido é a expansão dos Brics e a forma como isso vai acontecer”, afirmou o diplomata sul-africano, em entrevista à imprensa local nessa segunda-feira (24/4). “Treze países pediram formalmente para aderir, e outros cinco ou seis fizeram consultas informais. Estamos recebendo pedidos todos os dias”, completou.

“Aumentar o número de membros é algo que, a princípio, os nossos líderes concordaram, mas estamos discutindo sobre como e quando isso ocorrerá”, prosseguiu.

A expansão do Brics começou em 201o, com a adesão da África do Sul ao grupo de países emergentes. Entre as nações que formalizaram os pedidos para entrar no bloco estão Irã, Emirados Árabes Unidos e Bahrein, na Ásia, Egito e Argélia, na África, e Argentina, na América Latina.

Impasse com a Rússia
A realização da próxima reunião dos Brics, entre os dias 22 e 24 de agosto na África do Sul, se tornou uma incógnita desde que o Tribunal de Haia emitiu um mandado de prisão contra o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em março deste ano.

Por reconhecer a jurisdição da Corte, a África do Sul teria como obrigação prender e extraditar Putin para a Holanda, onde o líder russo seria julgado pelo Tribunal de Haia.

Com a situação delicada envolvendo o presidente da Rússia, o porta-voz da presidência afirmou que o governo de Cyril Ramaphosa busca “mais compromissos em termos de como isso será gerenciado”, e que assim que as negociações forem concluídas os anúncios necessários serão realizados.

A parceria estratégica com a China - Rubens Barbosa (OESP)

 A PARCERIA ESTRATÉGICA COM A CHINA

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 25/04/2023

 

         O saldo da visita de Lula a China foi positivo, mas, de novo, o marketing foi muito negativo em função dos arroubos verbais presidenciais sobre a guerra na Ucrânia e a parceria estratégica com a China. Apesar de toda sua experiência, Lula está ignorando alguns princípios básicos na diplomacia: saber ficar calado, falar pouco e ter um discurso moderado. Era previsível a repercussão na mídia norte-americana e nacional pelo que foi interpretado como mudança da posição do Brasil e pelas críticas aos EUA. A coincidência da visita do ministro do exterior da Rússia Sergey Lavrov, logo em seguida a visita a Beijing, e a notícia do veto russo `a venda de munição a Alemanha para fornecimento a Ucrânia e possível cooperação nuclear também ajudaram a colocar em dúvida a equidistância brasileira. 

Quando a China propôs uma parceria estratégica com o Brasil na década dos 90, o governo brasileiro apreciou o gesto e proclamou o novo nível do relacionamento bilateral. Acontece que o governo chines havia estudado por muito tempo o que queria dessa parceria e, nos últimos 15 anos, definiu seus interesses e objetivos na área agrícola e mineral. Passados três décadas dessa parceria estratégica, o Brasil ainda não definiu como quer se beneficiar dela.

O comunicado conjunto, publicado ao final da visita, em grande parte incluiu declarações de intenção, que poderiam estabelecer as bases da parceria estratégica, segundo o interesse brasileiro: cooperação nas áreas de economia digital, comércio eletrônico, tecnologia de informação, IA, centro de pesquisa, desenvolvimento e inovação, luz sincroton, cooperação espacial. Caso o governo, o setor privado e a universidade realmente se emprenharem para concretizar essas intenções, tecnologia e inovação poderiam sintetizar o interesse brasileiro na parceria estratégica. Assim, como fez a China nas áreas de seu interesse, cabe ao Brasil tomar as medidas internas necessárias para desenvolver a cooperação em todas essas áreas. O Brasil está atrasado nos avanços científicos e tecnológicos em muitas áreas. Surge a oportunidade de recuperar o tempo perdido e colocar o país na linha de frente da pesquisa e desenvolvimento na inovação, no 5G e na IA. Esse pode ser a longo prazo o principal resultado da visita. Caso a parceria estratégica entre o Brasil e a China se desenvolva e se amplie, será importante dinamizar os mecanismos de cooperação existentes com os EUA, assinar o Acordo com a UE e continuar os entendimentos para a adesão a OCDE ou com quem estiver disposto a colaborar com o Brasil. 

Apesar da retórica da reforma da governança global, o comunicado defende o fortalecimento da ONU e da OMC. A China evitou comprometer-se quanto a candidatura brasileira ao Conselho de Segurança da ONU, quanto a proposta de formação de um grupo da paz para o fim das hostilidades na Ucrânia e a compra de aviões da Embraer. E o Brasil, a aderir `a Rota da Seda. Houve, em separado, uma longa declaração sobre meio ambiente e mudança de clima, acordo do BNDES e Banco chines para empréstimo de US$1,1 bilhão para investimento em infraestrutura, além de acordos comerciais entre empresas e estados.

         Os contrastes e os resultados entre a visita a Washington e a Beijing ficaram evidentes, mas podem ser explicados pela diferente natureza dos encontros com Biden e com Xi Jinping. Nos EUA, a ênfase foi política, com o fortalecimento da democracia e das instituições, além da nova prioridade de meio ambiente e mudança de clima. Na China, foi econômica e comercial, tanto que os aspectos políticos da guerra na Ucrânia, da Rota da Seda, dos semicondutores, da moeda foram minimizados no comunicado conjunto.

         Apesar das críticas, até aqui, não há evidência concreta de que o Brasil esteja abandonando a política, na defesa do interesse nacional, de manter-se equidistante nas tensões entre os EUA e a China, mesmo com a contradição entre princípios e valores e interesses, como de resto ocorre com todos os países, inclusive os EUA e as nações europeias. As declarações presidenciais sobre a guerra na Ucrânia – retificadas no discurso escrito durante a visita do presidente da Romênia e atenuadas ainda mais na visita a Portugal – não devem gerar consequências negativas contra o Brasil, mas podem acelerar o gradual esvaziamento do Itamaraty, como evidenciado na entrevista ao final da visita a Beijing, conduzida por Mercadante e Haddad e não por Mauro Vieira e nas viagens de Amorim a Colômbia, a Rússia e a Ucrânia.

Com a crescente tendência geopolítica de formação de dois polos, repetindo em outras bases a Guerra Fria entre os EUA e a União Soviética, o Brasil tem de definir de forma mais clara seus interesses a fim de sobreviver `a divisão das atuais superpotências. Para manter uma autonomia estratégica na confrontação, não ideológica e militar, mas econômica, comercial e tecnológica, entre as superpotências, e apoiar a multipolaridade, o Brasil tem de manter seu relacionamento com os EUA, a China e a Rússia afastado de considerações partidárias, ideológicas e agora também geopolíticas, que possam, de uma maneira ou de outra, acarretar algum tipo de restrição econômica ou comercial contra interesses concretos brasileiros.

 

 

Rubens Barbosa, presidente do IRICE e membro da Academia Paulista de Letras

 

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