quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

J'accuse (mas não é o Émile Zola): Declaração Pública e Acusação Pessoal contra o chefe presumido da Política Externa e de sua Diplomacia - Paulo Roberto de Almeida

J'accuse (mas não é o Émile Zola):

Declaração Pública e Acusação Pessoal contra o chefe presumido da Política Externa e de sua Diplomacia

Paulo Roberto de Almeida

Tendo servido à diplomacia brasileira desde o regime militar – e publicado artigos sob outros nomes para evitar repressão da ditadura, que já me tinha levado a um autoexílio de sete anos, ante de ingressar na carreira –, tendo escrito incontáveis artigos e muitos livros sobre nossa política externa e nossa história diplomática, além de muitas notas, seminários, debates sobre política internacional e relações internacionais em geral. tendo assistindo a tragédias humanitárias, provocadas por impérios, ou resultando de guerras civis entre países da periferia, e, levando em consideração o valor de meus colegas diplomatas, engajados na defesa dos interesses nacionais, mas tendo de se submeter aos desígnios políticos (alguns partidários) dos dirigentes políticos do momento, nem sempre em acordo com esses interesses nacionais, e os objetivos de desenvolvimento nacional com autonomia e neutralidade em face dos conflitos geopolíticos entre as grandes potência, retomo, tendo em conta tudo o que escrevi até aqui, PARA MIM É INACEITÁVEL QUE O ATUAL GOVERNO DO BRASIL, QUE A DIPLOMACIA PRESIDENCIAL PERSONALISTA DE LULA, SE PERMITA, EM FACE DE TODAS AS BARBARIDADES PERPETRADAS POR PUTIN NA UCRÂNIA, CONTINUAR A APOIAR OBJETIVAMENTE, MATERIALMENTE, ECONOMICAMENTE, O GOVERNO RUSSO EM SUA GUERRA DE AGRESSÃO CONTRA A UCRÂNIA.
REPITO: ISSO NÃO É ACEITÁVEL, e não por eu esteja dizendo. Isso representa uma VIOLAÇÃO DA CARTA DA ONU, das regras mais elementares do Direito Internacional, do espírito e da letra dos princípios e valores da diplomacia brasileira, expressos nas cláusulas de relações internacionais do Artlgo 4 da Constituição de 1998.
LULA ESTÁ SENDO INCONSTITUCIONAL E CONIVENTE COM UM DITADOR BÁRBARO, O TIRANO DE MOSCOU, QUE ESTÁ MATANDO CIVIS INOCENTES UCERANIANOS TODOS OS DIAS.
Muito bem que Lula proteste contra os crimes de guerra de Netanyahu em Gaza e na Cisjordânia, que ele condene o genocidio israelense contra o povo palestino, contra a destruição completa da Faixa de Gaza e partes do Líbano, não importa tudo isso, se ele continua AMIGO DE PUTIN E APOIANDO O ESFORÇO DE GUERRA DE UM CRIMINOSO PROCURADO PELO TPI.
PARA MIM ISSO É UMA VERGONHA PARA O BRASIL E SUA DIPLOMACIA.

Assino embaixo de minhas acusações ao cúmplice de Putin:
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 23 de janeiro de 2025

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

A agenda de Trump - Deirdre Nansen McCloskey Folha de S. Paulo

Trump acaba de provocar uma economista transgênero que não deixará passar o ataque a todos os LGTBQI+, e responderá à altura. PRA


Introdução de Maurício David:
Quando eu vivia em Santiago do Chile no começo dos meus anos de exílio e era um mero estudante de economia na Escola de Economia da Universidade Católica do Chile (berço dos posteriormente famosos “Chicago boys” que viriam a ser o núcleo de economistas neoliberais que formularam as políticas econômicas de Pinochet no Chile pós-golpe militar de 1973), McCloskey era um economista mais ou menos conhecido ( menos do que mais, na verdade, mas não totalmente desconhecido...) nos Estados Unidos (um professor – vejam bem que escrevi professor, e não professora), da qual havia lido alguns artigos interessantes sobre metodologia econômica. Passou-se algum tempo e o professor McCloskey descobriu o seu lado feminino, passou a usar elegantes trajes femininos e cabelos longos cacheados e mudou o seu nome para Deirdre para grande escândalo dos seus colegas à época ( hoje não provocaria muito escândalo, mas lembrem-se que estou falando do final dos anos 60 e começo dos anos 70... Imaginem só o escândalo que ainda provocaria no Brasil de hoje se o presidente Lula de repente descobrisse o seu lado feminino, passasse a usar elegantes roupas femininas e perucas cacheadas e se casasse com o Ministro-sindicalista Luís Marinho... nem a deputada petista trans Erika Hilton aguentaria o baque...). Hoje, esta entrevista da agora professora não provoca escândalo, apenas curiosidade... Mas ela está com medo de perder direitos... Arre !
MD

A agenda de Trump
Deirdre Nansen McCloskey
Folha de S. Paulo, quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Muitas de suas propostas serão contestadas em tribunal, e o Judiciário ainda não está totalmente do seu lado

Eu moro em Washington e nesta segunda a cidade estava bloqueada para a segunda posse de Donald Trump. Serei diretamente afetada pela implementação da sua agenda de usar o poder coercitivo do Estado federal para atacar imigrantes, funcionários públicos federais e gays, porque uma de suas ordens será que o Departamento de Estado emita passaportes e outros documentos conforme o gênero em que você nasceu. Quando o meu for renovado, em janeiro de 2027, ele terá que dizer gênero "masculino" em vez de "feminino". Uma pessoa rica como eu não precisa se preocupar muito. Mas pessoas trans pobres serão as únicas prejudicadas.

Ele não pode obter tudo o que quer, porque os Estados Unidos ainda são uma nação de leis. Muitas de suas propostas serão contestadas em tribunal, e o Judiciário ainda não está totalmente do lado de Trump. E o Exército, crucialmente, ainda não é político, como sempre foi, surpreendentemente. Vocês, brasileiros, sabem bem como são importantes um Judiciário independente e um Exército apolítico.
É verdade que Trump tem maiorias, embora muito pequenas, em ambas as casas do Congresso. Se ele quiser tornar os servidores federais menos seguros em seus empregos, pode fazê-lo. E os congressistas, especialmente na câmara baixa, estão aterrorizados com as ameaças dele de se opor à reeleição em dois anos de qualquer um que vote contra a sua agenda.

Suas ameaças se tornam verossímeis por dois fatos. Primeiro, a disposição de muitos americanos, embora não seja uma grande maioria, é conservadora, e muitos são populistas trumpistas que agora votam com entusiasmo. E, segundo, o sistema "primário" que cresceu nos últimos 50 anos facilita para os conservadores radicais entrarem na câmara baixa.
Antigamente, os candidatos a cargos de nossos meros dois grandes partidos eram escolhidos como são no Brasil, por políticos profissionais em segredo, em "salas cheias de fumaça", como diz a expressão americana. Os políticos apresentavam candidatos que achavam que venceriam a chamada eleição "geral", aquela que realmente coloca as pessoas no poder.
Mas hoje os candidatos de ambos os partidos enfrentam uma eleição primária anterior, que geralmente é restrita a pessoas que se declararam anteriormente a favor de um dos partidos. Crucialmente, o meio do eleitorado não se preocupa em votar nas primárias. Os extremos sim. Portanto, hoje em dia, os democratas acabam com candidatos de esquerda mais radicais e os republicanos com candidatos mais radicalmente conservadores.

Em 1972, por exemplo, eu ainda era um pouco de esquerda, ainda não como sou hoje, totalmente fora do espectro comum —uma liberal essencial sentada em nossa pequena casa na árvore olhando assustada para os partidos estatistas no espectro. E, como eu era contra a Guerra do Vietnã em curso sob o então presidente Nixon, trabalhei como observadora de votação para o democrata radical antiguerra George McGovern, que tinha saído do sistema primário. Na eleição geral, ele perdeu em cada um dos 50 estados, exceto meu Massachusetts natal.

O presidente dos EUA é importante para os brasileiros, nem preciso dizer. Observem atentamente.

Comércio China-EUA: Pequim é ágil para driblar tarifas - Tej Parikh Valor Econômico

 Pequim é ágil para driblar tarifas

Esforços protecionistas de Trump podem causar menos danos do que se imagina

Tej Parikh

Valor Econômico, 21/01/2025


Bem-vindo de volta. Donald Trump foi empossado como presidente dos Estados

Unidos ontem. Que melhor momento do que este para agitar os ânimos com uma

visão contrária aos planos de sua equipe para pressionar a China no comércio

exterior, indústria e tecnologia?

De forma compreensível, muitos entendem que as tarifas e restrições adicionais

sobre a China serão ruins para sua economia. Os esforços protecionistas de

Trump, contudo, poderiam causar menos dano do que se imagina. Na verdade, a

indústria chinesa pode ser capaz de prosperar apesar deles (ou mesmo por causa

deles). Aqui estão os contra-argumentos.

Comecemos com o impacto econômico direto e imediato das tarifas. A China

diversificou-se e passou a depender menos do mercado americano desde o

primeiro mandato de Trump. Hoje, a demanda total dos EUA por produtos

chineses representa cerca de 2,8% do Produto Interno Bruto (PIB) da China, de

acordo com a firma de análises Capital Economics. Seus cálculos indicam que

um aumento na tarifa efetiva de cerca de 15% para 60% (no cenário extremo) -

como ameaçado por Trump - poderia fazer a economia chinesa encolher apenas

1%. Outros economistas têm conclusões semelhantes.

Esse impacto talvez seja menor do que muitos imaginavam e, além disso, não leva

em conta outros fatores neutralizadores.

A China pode desviar exportações para outros destinos onde a demanda está em

alta. Na esteira das tarifas aplicadas no primeiro mandato de Trump, as

exportações de Pequim para mercados emergentes de rápido crescimento

decolaram. A demanda por produtos chineses no mundo desenvolvido, excluindo

os EUA, também aumentou. Outros países - em particular, os da Iniciativa do

Cinturão e da Rota, também conhecida como Nova Rota da Seda, com os quais a

China passou décadas fortalecendo laços econômicos - desejarão manter o

comércio de baixo custo com Pequim.

Além disso, os produtos chineses ainda podem chegar aos EUA via reexportação -

envio por meio de um terceiro país - permitindo aos produtores driblarem as

tarifas. Trump já sabe disso e tentará fiscalizar países como México e Vietnã. Isso,

porém, não será fácil nem rápido. As empresas chinesas já vêm se protegendo

contra esse risco ao montar fábricas em outros países.

O yuan provavelmente também se desvalorizará quando as tarifas forem

anunciadas, mantendo as exportações chinesas competitivas. No primeiro

mandato de Trump, a desvalorização do yuan compensou o impacto das tarifas.

Levando em conta todos os fatores, o impacto econômico direto pode ser bem

inferior a 1 %.

As pressões no custo de vida e a urgência das mudanças climáticas fazem com

que a lógica econômica de importar produtos baratos da China (pelo menos fora

dos EUA) continue forte.

A competitividade cie preços da China vem de sua especialização na obtenção de

suprimentos, refino e produção de bens alinhados aos setores globais de alto

crescimento. Uma estratégia industrial de décadas guiada pelo Estado deu à

China um domínio vertical nas cadeias de suprimentos para veículos elétricos,

baterias e fontes de energia renováveis, desde as commodities de terras-raras até

os produtos acabados.

O país fabrica mais de 30% da produção industrial mundial (superando a soma

dos nove maiores produtores seguintes). A China possui vantagens comparativas

em uma ampla gama de produtos: não apenas nos tradicionais brinquedos e

roupas "Made in China", mas também em produtos complexos de alta tecnologia.

De fato, os esforços para restringir o poderio industrial da China costumam

subestimar seu grau de domínio e a capacidade de Pequim de usar o aparato

estatal para respaldar seus produtores. O economista chinês Lisheng Wang, do

Goldman Sachs, sinalizou que "as contínuas políticas de apoio à indústria de alta

tecnologia" e "o afrouxamento fiscal" ajudariam a suavizar o impacto das tarifas.

Pequim poderia usar o crescente protecionismo dos EUA como uma oportunidade

para melhorar relações comerciais com aliados frustrados dos EUA. Também

poderia retaliar vetando o acesso a materiais brutos vitais. A China detém 36%

das reservas mundiais de terras-raras, mas controla 70% da oferta mundial (daí a

obsessão de Trump com a Groenlândia).

Por fim, embora o Ocidente tenha vantagens na inteligência artificial (IA),

semicondutores e computação quântica, o protecionismo nessas áreas pode não

atrapalhar o avanço tecnológico da China tanto quanto se imagina.

Com controle federal sobre seu setor privado, Pequim se vale de subsídios,

diretrizes e incentivos para cumprir o objetivo de Xi Jinping de liderar o mundo em

inovação científica e tecnológica. A estratégia industrial liderada pelo Estado tem

suas falhas, mas a China é melhor do que qualquer outro país em executá-la bem.

Isso significa que os controles dos EUA sobre suas exportações podem motivar as

empresas chinesas - apoiadas por Pequim - a redobrar os esforços de substituição

de importações e de independência tecnológica por meio de soluções criativas,

da colaboração local e até de mercados paralelos. As fabricantes chinesas

enfrentam "competição ferrenha" entre si por apoio estatal.

"Em termos líquidos, as restrições americanas aceleraram o ímpeto chinês de

inovação", disse Dan Wanq, pesquisador no Pau Tsai China Center, da Yale Law

School. "Antes, Huawei e BYD compravam os melhores componentes no

mercado, mas agora seus incentivos estão alinhados aos do governo chinês. O

dinheiro da Huawei agora vai para as firmas locais de semicondutores".

Segundo o Australian Strategic Policy Institute, entre 2003 e 2007, a China liderava

em só 3 entre 64 tecnologias consideradas críticas. Entre 2019 e 2023, o país

tornou-se líder em 57 dessas tecnologias.

Pequim desenvolveu um processo local para impulsionar a inovação científica. O

país tem o maior número de formados do mundo nas áreas conhecidas como

STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) e oferece capital de longo

prazo para pesquisa e desenvolvimento (que, como proporção do PIB, está cada

vez mais próximo ao dos EUA).

Ainda assim, a situação pode não se desenrolar a favor da China. Por exemplo, a

agenda protecionista de Trump poderia gerar uma incerteza internacional

generalizada, o que deprimiria a demanda e amplificaria o impacto das tarifas

sobre a economia chinesa. O resto do mundo também poderia adotar uma

postura mais rigorosa em relação às importações provenientes da China. Além

disso, o modelo de inovação guiado pelo Estado chinês não é uma nenhuma

panaceia. Depende de o governo tomar as decisões corretas na alocação (e na

retirada) cie recursos. Isso pode gerar desperdícios.

A China também se depara com grandes problemas econômicos estruturais. Sua

trajetória cie crescimento perdeu força e o país encontra dificuldade para

reanimar os "espíritos animais" e impulsionar o nível do consumo, depois da crise

do mercado imobiliário. Isso toma o país dependente demais do crescimento

alimentado pelos investimentos e pelas exportações.

Ainda assim, o argumento continua de pé. As tarifas de Trump podem não ser tão

prejudiciais para a indústria e a supremacia tecnológica da China como se previa.

Pequim tem problemas maiores com os quais se preocupar. 


(Tradução de Sabino Âhumada)

Assédio institucional no Itamaraty: breve abordagem e depoimento pessoal - Paulo Roberto de Almeida

 Assédio institucional no Itamaraty: breve abordagem e depoimento pessoal 

Paulo Roberto de Almeida

Publicado in: José Celso Cardoso Jr., Frederico A. Barbosa da Silva, Monique Florencio de Aguiar, Tatiana Lemos Sandim (orgs.), Assédio Institucional no Brasil: Avanço do Autoritarismo e Desconstrução do Estado. Brasília: Afipea; João Pessoa: Editora da Universidade Estadual da Paraíba, 2022, capítulo 9, p. 389-427 (livro disponível no link: https://afipeasindical.org.br/content/uploads/2022/05/Assedio-Institucional-no-Brasil-Afipea-Edupb.pdf); divulgado no blog Diplomatizzando (4/07/2022; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/07/assedio-institucional-no-brasil-avanco.html). Íntegra do ensaio divulgado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/127197741/4051_Assedio_institucional_no_Itamaraty_breve_abordagem_e_depoimento_pessoal_2021_). Relação de Publicados n. 1448.

 

 

Sumário:

Introdução: o caso especial do Itamaraty no quadro das agências públicas

As especificidades do Itamaraty no contexto do serviço público federal

A maneira Itamaraty de tratar os casos de assédio: discretamente e secretamente

Um depoimento pessoal sobre censura e assédio “intelectual” ao longo da carreira

Conclusão: do assédio ordinário à intimidação intelectual?

 

Introdução: o caso especial do Itamaraty no quadro das agências públicas

A questão do assédio institucional no Itamaraty apresenta, provavelmente, características diferentes das formas assumidas em outras agências públicas, dadas as peculiaridades do Serviço Exterior e o espectro geográfico disperso de sua implantação. Com efeito, em contraste com a maior parte, senão a totalidade das demais agências públicas, o Itamaraty não funciona apenas no entorno imediato do Estado, como a maioria dos demais serviços públicos, mas tem as diferentes categorias do seu quadro de pessoal – diplomatas de carreira, oficiais de chancelaria, assistentes administrativos e contratados locais – espalhados por dezenas de postos no exterior, entre embaixadas e consulados, representações junto a organismos internacionais, escritórios diversos no Brasil (nos estados) e no exterior (centros culturais, institutos de ensino de língua e cultura brasileira, etc.), entre grandes, médias e pequenas unidades, por vezes isoladas das capitais (no caso dos consulados). 

A Casa de Rio Branco também possui outras peculiaridades em sua própria estrutura, bem mais rígida e burocratizada do que a maioria das demais agências públicas, partilhando com as FFAA princípios de organização e de enquadramento funcional mais próximos de seus pilares básicos, que são a hierarquia e a disciplina. O espectro geográfico do “espalhamento” do seu pessoal nos quatro cantos do mundo também pode ter alguma incidência sobre as possibilidades, ou “chances”, de casos de assédio pessoal ou institucional, justamente no sentido de diminuir a transparência sobre ocorrências concretas.

Não obstante tais peculiaridades, cabe não minimizar ou diferenciar a existência do fenômeno do assédio institucional no Itamaraty, que, como na maioria dos demais casos, está diretamente vinculado à questão da hierarquia e à dependência funcional que se cria a partir daí. Não deixa tampouco de ter importância, à diferença de fenômenos similares que podem ocorrer no setor privado, a ampla garantia de estabilidade para a maior parte das categorias do pessoal do Serviço Exterior, característica partilhada com outras esferas do serviço público e com o pessoal de carreira das universidades públicas. Por outro lado, o fenômeno sindical é relativamente recente no serviço diplomático, e inexistente na maior parte das carreiras vinculadas às FFAA, o que explica, talvez, o menor número de processos ou de investigações decorrentes de casos de conflitos funcionais derivados de algum tipo de assédio institucional que se concretiza de fato. Muitos dos casos potenciais podem não vir à tona por uma ou outra das peculiaridades apontadas acima. 

O presente texto não tem a pretensão de esgotar o tema do assédio institucional no âmbito do Itamaraty, inclusive porque as circunstâncias especiais do momento em que está sendo apresentado – regime de distanciamento social e de trabalho virtual, motivado pela incidência da pandemia da Covid-19 – dificultam a coleta de informações pertinentes junto às instâncias especializadas. Existem uma grande probabilidade de que boa parte dos casos concretos de assédio existentes, detectados e identificados pelas vias pertinentes, não se distinga, pelas características e formas manifestadas, da média habitual observada nas instituições governamentais de maneira geral, já bem identificadas na literatura existente (Emmendoerfer, 2015). Não obstante, as peculiaridades vinculadas a esse ministério caracterizadamente distinto das demais agências públicas, recomenda uma abordagem, mesmo breve, dessas especificidades. Assim, depois de considerações gerais e específicas sobre a questão no âmbito do Itamaraty, o autor procederá a um depoimento pessoal sobre seus próprios exemplos nessa área, que podem configurar casos especiais no contexto mais difuso dessa instituição.

(...)


Ler o trabalho completo neste link: 

https://www.academia.edu/127197741/4051_Assedio_institucional_no_Itamaraty_breve_abordagem_e_depoimento_pessoal_2021_

Brasil, um país sem futuro? Revisitando Stefan Zweig - Paulo Roberto de Almeida

Brasil, um país sem futuro? Revisitando Stefan Zweig

Paulo Roberto de Almeida

Brasil, país do futuro é um livro singular no conjunto da obra de Stefan Zweig. Pretendeu ser uma apresentação didática sobre o Brasil e ao mesmo tempo uma homenagem sincera ao país que o acolheu tão generosamente, em meio a uma guerra ainda mais catastrófica do que o conflito global precedente, que ele havia presenciado na Europa, mas que ele não quis tratar em profundidade em seu livro de memórias, O Mundo de Ontem, que se refere, na verdade aos anos que precederam à Grande Guerra. Zweig, um pacifista visceral e radical, acreditava ter encontrado no Brasil um país profundamente devotado à paz.
À diferença de suas outras obras, não tanto as novelas, que são textos de pura literatura, mas sobretudo as biografias de personagens famosos, ou angustiados, como ele, o livro que ele dedicou ao Brasil é um trabalho de circunstância, meio relato de viajante, meio interpretação pessoal de uma terra em tudo diferente do que ele havia vivido até então, na “sua” Europa da cultura clássica, dos grandes pensadores, da arte nas suas mais diversas expressões, mas também um continente dividido pelas paixões guerreiras, que tinha se dilacerado a si mesmo em incontáveis batalhas feudais, em conflitos entre as grandes potências da era moderna e contemporânea, em guerras civis e de religião de todas as épocas.
Stefan Zweig realmente gostava do Brasil, e não apenas por ser sua terra de exílio, mas por ser uma realidade que não existia em nenhuma outra parte do mundo, a mistura de cores, de etnias, de religiões, o sincretismo natural de seus habitantes, e aquela flexibilidade de costumes e de modos de vida que ele nunca tinha encontrado na rigidez social da Europa central e nas nítidas sobrevivências das estruturas estamentais do Antigo Regime, ainda bem visíveis na maior parte do velho continente. Por isso, ele lança um olhar simpático aos cenários, paisagens naturais e humanas, aos comportamentos que ele observava no Rio de Janeiro, em São Paulo, nas costas do Nordeste, em todos os lugares por onde andou, não apenas nas casas e prédios elegantes das capitais, mas também nas favelas, nos subúrbios, na pobreza do interior entre uma fazenda e outra de grandes proprietários. Ele assistiu a muitas festas e folguedos populares, e talvez tenha sido simbólica sua despedida do mundo em pleno Carnaval do Rio de Janeiro, mas em Petrópolis, seu último refúgio de uma vida bem vivida, entre os sucessos da produção literária e as homenagens que recebia, onde quer que fosse.
O livro não se pretendia apenas um retrato do presente, aquele que ele via, e um retorno ao passado, do que ele pode ler sobre nossa história e desenvolvimento, mas era também uma aposta sobre o futuro, daí o seu título ao mesmo tempo otimista e afirmativo. As traduções do título – Brasilien, Ein Land der Zukunft – em português hesitaram durante muito tempo entre o “país de futuro” ou o “país do futuro”, a primeira versão sendo uma promessa, a segunda uma quase certeza. Sim, ele previa um futuro otimista para o Brasil, o fim das favelas, a mescla de raças produzindo uma nação quase sem conflitos sociais, uma quase beleza na pobreza e até na miséria, a alegria dos carnavais escondendo as durezas da vida no resto do ano. Inevitável, ainda que não buscada diretamente, a comparação com os padrões civilizatórios europeus, e até com uma geografia menos castigada, ne velho mundo das vastas planícies, na confrontação com a vastidão de ermos desconhecidos no Brasil não atlântico.
Não é um guia de viagem, embora seja basicamente um livro de um viajante, mas é uma obra interpretativa da alma do Brasil, ou pelo menos aquele espírito que ele buscou ver, e acreditou ter encontrado, em todas as pessoas com as quais conversava, burgueses e fidalgos da terra, e até em homens e mulheres do povo, que ele buscou entender a partir de uma postura preventivamente simpática ao povo que o acolheu, no país que foi sua última morada, a fase mais angustiada de sua vida, esperança perdida de ver sua terra natal retornar aos tempos anteriores à Grande Guerra. Oitenta anos depois de ter sido escrito e publicado rapidamente, vale retornar ao Stefan Zweig do “país de/do futuro”, para ver que tipo de país emergiu de sua visão generosa para com nossas qualidades e defeitos.
Ao apresentar o seu livro ao público brasileiro, seis meses antes do suicídio de Zweig e de sua segunda mulher, Lotte, em Petrópolis, o prefaciador Afrânio Peixoto, membro da Academia Brasileira de Letras desde 1910, ocupando a vaga deixada por Euclides da Cunha, e reitor da Universidade do Distrito Federal desde 1935, descreveu o escritor austríaco como um “namorado de nossa terra e de nossa gente”. Deteve-se no que era bem conhecido: livros editados em seis e mais línguas, alguns em dezoito idiomas: “É o escritor mais impresso, mais adquirido e mais lido do mundo: ensaios, biografias romanceadas, ficção pura.” Enalteceu seu espírito ameno e cativante: “O autor é um encanto de convivência, de conversação, de simplicidade: ternura e poesia.”
Refere-se, sem mencionar o ano (1936), à sua passagem pelo Rio de Janeiro, a caminho da Argentina, para um congresso internacional do Pen Club:
...aqui esteve, sem ruído, no Brasil. Aqui não foi ao Catete, nem ao Itamaraty [Afrânio se engana; ele foi, sim, ao Itamaraty, convidado pelo chanceler Macedo Soares], nem às embaixadas, nem à Academia, nem ao DIP [Departamento de Imprensa e Propaganda do governo Vargas], nem aos jornais, nem aos rádios, nem aos Hotéis-palaces... Andou, virou, passeou, viajou, viveu. Não quis nada, nem condecorações, nem festas, nem recepções, nem discursos... Não quis nada.
A Bahia desejou ser vista por ele e convidou-o. Ficou comovido, mas pôs condição: nem ajuda de custo, nem hospedagem oferecidas, nem recepção, conferência, nada. Gostava do Brasil, gostaria da Bahia, não queria mais. Queria ver, sentir, pensar, escrever, livremente...

Afrânio Peixoto interpreta que foi dessa primeira viagem que saiu o seu único livro dedicado a um país, publicado quando para cá se mudou definitivamente:
De tudo, este livro, este grande livro, livro de amor presente e esperança futura que sai em imensas edições, na América [do Norte], na Inglaterra, na Suécia, na Argentina, em francês e em alemão também – seis de uma vez, a menor, a brasileira...

O acadêmico sintetiza, então, o espírito da obra:
É o mais ‘favorecido’ dos retratos do Brasil. Nunca a propaganda interesseira, nacional ou estrangeira, disse tanto bem do nosso país, e o autor, por ele, não deseja nem um aperto de mão, nem um agradecimento... Amor sem retribuição. Amor de caboclo supercivilizado: a namorada vai saber agora e ficará confusa de tanto bem querer. Ele, porém, já partiu... Deixou apenas esta declaração. Declaração de envaidecer à formosura mais presumida. Os ‘pátriaamada’, os ‘ufanistas’ ficarão de cara à banda, pois ninguém até hoje escreveu livro igual sobre o Brasil... O amor faz desses milagres. Se ele fosse político, ou diplomata, ou economista, ficar-se-ia perplexo; a explicação é só esta, Stefan Zweig é poeta: é hoje o maior poeta do mundo, poeta com ou sem versos, mas com poesia, sentida, vivida, escrita pelo mais suave prosador do mundo...

Ao encerrar seu prefácio, em julho de 1941, Afrânio Peixoto provavelmente esperava levar Zweig para a uma conversa com seus pares escritores na Academia Brasileira de Letras, ele que já tinha sido presidente da Casa de Machado de Assis, em 1923. Não o conseguiu: Zweig refugiou-se em Petrópolis, na casa que é hoje o seu museu, uma casa de cultura, uma homenagem construída por um de seus biógrafos mais brilhantes, Alberto Dines, que dedicou uma obra excepcional ao grande escritor: Morte no Paraíso: a tragédia de Stefan Zweig (1981; várias edições posteriores). Dines era um garoto de oito anos em meio a dezenas de outros, numa foto feita na escola progressista Sholem Aleichem, da comunidade judaica do Rio de Janeiro, quando da visita de Zweig em setembro de 1940, quando o escritor estava justamente preparando o seu livro dedicado ao Brasil. Seu suicídio, um ano e meio depois, deve tê-lo abalado, antes da adolescência, a ponto de ter motivado Alberto Dines a escrever, mais tarde, uma das melhores biografias da vida, da obra e dos sentimentos de Stefan Zweig.
A dedicatória que ele me fez, da 3ª edição desse magnífico livro, em junho de 2006, depois de eu ter contribuído para um volume de estudos por ocasião da reedição da coleção completa do Correio Braziliense, empreendida por ele com a colaboração da historiadora Isabel Lustosa, me tocou profundamente:
Para Paulo Roberto, um outro Hipólito da Costa que se atrapalhou com a sua utopia. [assinado] Alberto Dines, São Paulo, agosto de 2004/junho de 2006

Nesse mesmo ano de 2006, Alberto Dines já havia organizado um debate, no quadro do Foro Nacional organizado anualmente pelo ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso no BNDES, dedicado justamente a uma discussão em torno da obra de Zweig dedicada ao Brasil, que foi logo em seguida objeto de uma publicação da José Olympio Editora, sob a coordenação do próprio Reis Velloso e de Roberto Cavalcanti de Albuquerque, Brasil, um país do futuro?, ao qual eu dediquei uma resenha simpática (mais pelos novos projetos apresentados pelos debatedores do que propriamente pelo texto de Zweig). Reproduzo aqui o que escrevi em janeiro de 2007, e que vale reproduzir, pois é dedicado ao livro em questão:
Stefan Zweig teria gostado de assistir ao seminário que lhe foi dedicado, em setembro de 2006, por ocasião do 125º aniversário de seu nascimento e dos 65 anos da publicação do seu livro tão famoso, quanto desconhecido (hoje), terminado poucos meses antes do suicídio do autor, no carnaval de 1942, em Petrópolis. Ele concordaria com o artigo indefinido e talvez até com o ponto de interrogação [Eu tinha intitulado a minha resenha “Futuro preterido? Zweig e um projeto para o Brasil”]. A primeira edição brasileira modificou o título original, agora restabelecido – Brasilien, ein land der Zukunft, não der land – e o colóquio agregou a condicionalidade, refletindo o ceticismo dos examinadores quanto à utopia não realizada. No essencial, Zweig provavelmente se alinharia aos argumentos dos seus revisores contemporâneos.
Alberto Dines, autor de uma biografia que pode considerar-se completa do escritor austríaco – Morte no Paraíso: a tragédia de Stefan Zweig (3ª ed.; Rocco, 2004) –, considera que Zweig, depois de assinar mais de quarenta biografias de personalidades mundiais, fez a biografia de uma nação, no “inferno do Estado Novo”. Como ele diz, essa obra “tornou-se a crônica mais conhecida e a menos discutida, a mais celebrada e mais negligenciada” do Brasil. Ela foi um dos primeiros lançamentos simultâneos da história editorial mundial: oito edições em seis línguas diferentes. Em vista dos percalços recentes no processo de crescimento, parece difícil concordar com Zweig em que, “quem conhece o Brasil de hoje, lançou um olhar sobre o futuro”.
Bolívar Lamounier e Regis Bonelli examinam, respectivamente, os avanços políticos e econômicos obtidos pelo Brasil desde que Zweig traçou seu diagnóstico sobre o Brasil do início dos anos 1940. Para Lamounier, o Brasil é um país de “muitos futuros”, mas ele critica as utopias institucionais que frequentemente pretendem revolucionar a participação e as formas de se fazer política no país: a romântico-participativa da democracia direta, a do parlamentarismo clássico que ressurge sempre em momentos de crise e a utopia barroca do presidencialismo plebiscitário. Já Bonelli opera uma “volta para o futuro” ao examinar os elementos de continuidade e de mudança na esfera econômica: o Brasil certamente mudou muito, nesse terreno, mas a propensão a esperar tudo do Estado permanece, assim como uma certa desconfiança dos mercados externos. Algumas mudanças foram na direção errada, como o aumento na tributação, outras permanências são irritantes, como a péssima distribuição de renda e as incertezas jurídicas. Finalmente, o “fantasma do estrangulamento externo” estaria, de fato, superado?
Boris e Sérgio Fausto acrescentam um ponto de interrogação ao título de Zweig, temperando o otimismo do autor com certa dose de pessimismo. Não se trata do niilismo da esquerda, que vê na “dominação imperialista” a razão do nosso atraso. O duplo nó górdio da carga tributária e do gasto público limita hoje as possibilidades de crescimento. João Luís Fragoso analisa a “equação” de Zweig para o Brasil: concentração de poder + tolerância. Três comentários finais tratam das promessas não cumpridas de um olhar estrangeiro, do futuro que já chegou sob a forma da votação eletrônica e das dificuldades para a retomada de taxas razoáveis e sustentáveis de crescimento. No conjunto, o livro oferece uma boa visita ao que se poderia chamar de “futuro do pretérito”.

Eu já tinha lido, desde a adolescência, alguma coisa de Stefan Zweig, mas voltado basicamente aos estudos de ciências sociais, pouco li de sua obra literária, a não ser uma ou outra das pequenas biografias que ele dedicou a personagens emblemáticos. A leitura, cativante e ininterrompida, da excepcional biografia de Dines me levou a retomar alguns dos livros de Zweig, sobretudo suas angustiantes biografias – Erasmo, Fernão de Magalhães, Fouché –, mas confesso que sempre dei uma atenção menor ao “livrinho” do “país do futuro”, provavelmente porque deduzia ser uma espécie de livro de encomenda em homenagem ao país que o acolheu, um representante da família dos “ufanistas”, justamente, uma peça menor na vastidão diversificada da sua produção intelectual. Eu me enganava, claro, mas, como anarco-contrarianista, sempre tive certa rejeição a livros ao estilo do Conde Afonso Celso, Por Que me Ufano de meu País (1900), por considerá-los meros panegíricos.
Por julgá-lo quase um panfleto de propaganda, talvez um ato de gratidão ao regime varguista, deixei-o de lado, mesmo quando empreendi, naquela época, uma série de “clássicos revisitados”, que incluíram uma versão do Manifesto de Marx e Engels para os tempos de globalização capitalista, uma releitura do Príncipe de Maquiavel, uma nova missão de Tocqueville às Américas, mas desta vez ao Brasil, além de algumas outras digressões modernizantes de Benjamin Constant – De la liberté des Anciens comparée à cellle des Modernes – e mesmo do Sun Tzu, adaptado para os diplomatas, além de vários outros que figuravam e ainda figuram no meu pipeline (mas não o de Zweig).
Dez anos depois, já ocupando o cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, tomei a iniciativa de organizar um evento em homenagem a Zweig, aos 80 anos de sua primeira visita ao Brasil, justamente quando foi publicado no Brasil seu breve relato de viagem: Pequena Viagem ao Brasil (Rio de Janeiro: Versal, 2016). Contatei a Casa Stefan Zweig, de Petrópolis, e sua diretora, a tradutora Kristina Michahelles, ofereceu-me um programa ainda melhor: o lançamento da primeira edição internacional – em diversas línguas – da conferência que Zweig havia feito no Rio de Janeiro em 1936, numa belíssima edição preparada por Israel Beloch e prefaciada por Celso Lafer: A Unidade Espiritual do Mundo, novamente traduzido a partir do manuscrito sobre a “unidade espiritual da Europa”, que Zweig tinha deixado com o chanceler Macedo Soares, na própria Escola Nacional de Música, onde havia sido feita sua memorável palestra (depois expandida em Buenos Aires em 1940). O texto, resgatado de um injusto esquecimento foi publicado em 2017 pela Casa Stefan Zweig e pela editora Memória Brasil, em cinco línguas (alemão, francês, espanhol, inglês e português), com colaborações de Alberto Dines, Klemens Renoldner e Jacques le Rider, e uma belíssima iconografia.
Preparei um dos meus melhores eventos para esse feliz lançamento, feito no Instituto Rio Branco em 21 de março de 2017, para cujo convite fiz questão de contatar a família do famoso cartunista da New York Review of Books, David Levine, já falecido, para poder reproduzir, sem custos, uma famosa caricatura de Stefan Zweig, que eu havia visto, muitos anos antes, nas páginas do famoso jornal literário da esquerda americana (como abaixo).

Celso Lafer fez uma palestra baseada em grande medida em seu texto constante do livro e a diretora Kristina Michahelles exibiu um excelente documentário sobre o personagem e sua Casa brasileira, transformada em museu graças ao grande jornalista que foi Alberto Dines. Eu mesmo preparei uma apresentação em 27 slides, “Stefan Zweig e o Brasil”, que não me lembro de ter podido expor por inteiro no evento, mas que transformei em notas em Word, para circulação mais ampla, divulgando-a na plataforma Academia.edu e, no formato original em Power Point, na plataforma Research Gate (links: http://www.academia.edu/31826161/Stefan_Zweig_e_o_Brasil e https://www.researchgate.net/publication/314720659_Stafan_Zweig_e_o_Brasil?ev=prf_pub ). O auditório estava repleto de diplomatas brasileiros e estrangeiros e, ao final, fui muito cumprimentado pelos austríacos ao lhes lembrar, ademais do próprio Zweig, da excepcional contribuição de Oto Maria Carpeaux à cultura brasileira (e também universal).
Na sequência, por sugestão de meu colega diplomata Antonio de Moraes Mesplé, providenciamos a concessão da condecoração póstuma, com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, ao grande escritor austríaco, feita mais adiante em cerimônia de entrega da comenda à embaixadora da Áustria no Brasil (18/12/2017), remetida mais tarde à Casa Stefan Zweig, de Petrópolis. Na ocasião, preparei um discurso a ser pronunciado pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, na cerimônia de condecoração póstuma, que não sei se foi ou não pronunciado, mas que, por ser relativamente inédito, resolvi colocar à disposição de todos no meu blog Diplomatizzando (17/11/2021; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/11/stefan-zweig-cerimonia-de-entrega.html).
Ainda assim, e com tudo isso, o “fatídico” livro sobre “país do futuro” permaneceu no limbo inexplicável de meus projetos inacabados durante vários anos mais, até que chegaram, finalmente, os 80 anos de sua publicação original, em 2021, e as vésperas dos mesmos 80 anos da infausta morte do grande escritor, no início de 2022, quase coincidentes com o centenário da Semana de Arte Moderna em São Paulo. Tendo concluído, no período recente, um outro volume sobre os projetos para a construção do Brasil, mas sintetizando unicamente as contribuições de intelectuais brasileiros, de Cairu a Merquior, considero que é mais do que chegada a hora de também oferecer uma análise, sob a forma de minha série dos “clássicos revisitados”, dessa obra muito falada, mas praticamente desconhecida do grande intelectual austríaco, falecido no Brasil.
Já não era sem tempo, e desculpo-me com o escritor por essa duplamente tardia homenagem a quem buscou, sinceramente, traçar um panorama simpático do país que lhe aparecia como uma espécie de síntese viva da diversidade racial, da mistura étnica, da conjunção de culturas, da tolerância religiosa e do pacifismo bem resolvido, características que ele não mais encontrava no seu continente de origem, certamente não naquele momento de desespero que ele não antevia senão destruição, mortes e de aniquilação do seu próprio povo sob as botas, fuzis e gases dos totalitários doentios. Deste canto do planeta, ainda em paz naqueles meses, ele certamente teria esperado muito mais do Brasil, nestes quatro quintos de século decorridos desde então, sobretudo em termos de eliminação da pobreza, de diminuição das desigualdades sociais e regionais, de virtual desaparecimento das favelas e de prosperidade ampliada. Não sei se é o caso de nos desculparmos, ainda que postumamente, por não termos realizado as esperanças do escritor, mas certamente é o caso de retomar o seu testemunho pessoal sob a forma de uma grande promessa feita em direção ao futuro, para examinar o que ficou no registro de um pensador humanista como projeto de construção de uma nação integrada, um país mais justo e, sobretudo, mais conforme ao seu ideal racional com respeito à unidade espiritual do mundo. Valeu Stefan, muito grato a você, por ter dedicado seu empenho intelectual na interpretação do seu derradeiro país de eleição.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4020: 17 novembro 2021

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