sábado, 12 de julho de 2025

Fausto Godoy sobre as relações estratégicas entre o Brasil e a Índia (e um pouco da China também)

 O BRASIL, A ÍNDIA, E A NOSSA “PARCERIA ESTRATÉGICA”


Numa demonstração da falta de sintonia com a política internacional contemporânea relativa à Ásia, passou sem ênfase, e praticamente despecebida da nossa imprensa o que para mim foi o principal resultado da reunião do BRICS que acaba de acontecer no Rio de Janeiro: a presença do Primeiro-Ministro indiano, Narendra Modi, emprestou relevo especial a um evento de certa forma esvaziado pela ausência de dois dos principais membros do grupo, o chinês Xi Jinping e o russo Vladimir Putin. Ao término do evento, o PM indiano realizou, em 08 deste mês, uma “visita de Estado” ao nosso país. 

Para melhor entender este cenário é necessário primeiramente reiterar a diferença que existe entre uma visita de Estado e uma visita oficial, mais comum. Diferentemente do que seria esta última, o nível concedido à de Narendra Modi é o mais alto no protocolo da diplomacia: o “hóspede” foi a Índia, como Estado. Neste contexto, as decisões e os entendimentos alcançados vinculam antes os Estados que os governos, o que tem muito significado em termos políticos.  

O Comunicado Conjunto da visita resume os principais acordos a que chegaram. Eles estão elencados na “Declaração Conjunta”, que tem por título “Índia e Brasil, Duas Grandes Nações com Elevados Propósitos” (cf. o “site” do Itamaraty). Segundo seu enunciado “...a visita transcorreu em espírito de amizade e confiança, valores que há quase oito décadas constituem o alicerce da relação Brasil–Índia”... Mais importante, ainda, o documento recapitula que “a relação fora elevada ao patamar de Parceria Estratégica em 2006”. Como se sabe, uma parceria estratégica é mais vinculante que uma “simples” parceria: seus membros se comprometem a alcançar com maior empenho objetivos comuns, através de sinergias, com benefícios mútuos. 


Foram elencados no documento os cinco pilares prioritários que orientarão as relações na próxima década: 1) Defesa e Segurança; 2) Segurança Alimentar e Nutricional; 3) Transição Energética e Mudança do Clima; 4) Transformação Digital e Tecnologias Emergentes; e 5) Parcerias Industriais em Áreas Estratégicas; todos eles consentâneos com as realidades compartilhadas por ambos. A este respeito, comparando-se com os desafios enfrentados pela China de Xi Jinping, é possível concluir que os perfis de Brasil e Índia são muito mais assemelhados.


Por exemplo, a China anunciou ter erradicado a pobreza absoluta - num país de mais de 1,4 bilhão de habitantes - já no final de 2020. Índia e Brasil ainda estão longe de atingir este objetivo, o que os assemelha na comunidade de objetivos e de esforços nesse sentido. Outro exemplo: na década de  1980 até o início da década de 1990, o Produto Interno Bruto (PIB)  do Brasil era superior ao da China... Atualmente, o PIB do gigante asiático -, o segundo maior do planeta em termos de Produto Interno Bruto - é dez vezes maior que o do Brasil. A Índia, de sua parte, foi um dos países que mais cresceram no ano passado, e o aumento registrado do seu PIB neste primeiro trimestre de 2025 foi de 7,4%. Acrescente-se a isto o fato de que a idade media de sua população de mais de 1,4 bilhão de indivíduos é de 28.8 anos; destes 40% têm menos de 25 anos ! Imaginemos o que significa isto em termos de desafios, e de oportunidades para o país... e para a expansão do nosso intercâmbio..

A este respeito, embora o comércio entre Brasil e China tenha crescido significativamente nos últimos anos, tornando-a o nosso principal parceiro comercial, a relação é assimétrica, impulsionada sobretudo pelas exportações de commodities, do nosso lado, em contraponto com as nossas importações  de produtos industrializados, de tecnologia e da indústria de transformação, principalmente,, cristalizando uma interdependência assimétrica. No que respeita à Índia, o relacionamento ainda está muito aquém das possibilidades. A este propósito, um estudo da “ApexBrasil” identificou várias oportunidades para nossos produtos no mercado indiano. Estas oportunidades abrangem setores estratégicos, como combustíveis minerais, matérias-primas, máquinas e equipamentos de transporte, produtos químicos, artigos manufaturados e alimentos. Ainda a propósito, em 2023 as nossas exportações para ela somaram em  US$ 4,7 bilhões, contra US$ 104 bilhões para a China!... Diante deste quadro e do porte dessas economias, fica evidente que há espaço para diversificarmos e incrementarmos  substancialmente o nosso intercâmbio, com ambas, aliás... Ou seja, há muito espaço, sobretudo diante da perspectiva de que estes dois países serão as molas motoras no século XXI... no que acredito piamente!


Ainda cumprindo a agenda da reunião, os dois líderes “reiteraram seu compromisso com uma reforma abrangente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, inclusive com sua ampliação nas categorias de membros permanentes e não permanentes...” E, neste contexto, “...reiteraram o apoio mútuo às candidaturas de seus países a assentos permanentes num Conselho de Segurança ampliado e reafirmaram a intenção de continuar a trabalhar em boa coordenação em questões relacionadas à reforma do Conselho de Segurança", sublinha o documento.


No que respeita à situação no Oriente Médio “... eles expressaram preocupação com a recente escalada da situação de insegurança e reiteraram como única alternativa o diálogo e a diplomacia para abordar e resolver os múltiplos conflitos na região”... e “enfatizaram a importância de uma solução negociada de dois Estados que leve ao estabelecimento de um Estado palestino soberano, viável e independente, vivendo em paz e segurança com Israel”.


Outras áreas de importância tratadas pelos dois governantes foram a espacial e a cooperação marítima e oceânica. Conforme o documento “...os líderes reconheceram a importância de intensificar a cooperação em áreas estratégicas, com destaque para os usos pacíficos do espaço exterior. Ambos os lados comprometeram-se a explorar novas oportunidades de colaboração entre suas respectivas agências espaciais, inclusive nas áreas de design e desenvolvimento de satélites, veículos lançadores, lançamentos comerciais e estações de controle, além de pesquisa, desenvolvimento e capacitação técnica”. Cabe relembrar, a propósito, que em 2023 a Índia realizou um pouso histórico  da sua espaçonave Chandrayaan-3 na lua, com isto tornando-se o quarto país a alcançar tal façanha. Esta é certamente uma das áreas promissoras da Parceria Estratégica, pois abrange setores de tecnologia de ponta, nos quais a Índia se sobressai. Cabe, porém, relembrar que nós já temos um acordo de construção de satélites com a China, o “China and Brazil Earth Research Satelites”/CBERS, que monitora a Amazônia.


Ambicioso?...


Eu tive a chance de servir na Índia em duas oportunidades na minha carreira: primeiramente, na nossa Embaixada em Nova Delhi, em 1984/87, e posteriormente, em 2009/10, como Cônsul-Geral em Mumbai. Servi também, em Pequim, em 1994/7. Vivi, acredito, experiências em ambos países que me permitem tentar fazer uma análise tão isenta quanto meu possível do papel que China e Índia se encaminham a desempenhar mutuamente, e no mundo globalizado que se configura.


 Arrisco a pensar que as relações entre os dois gigantes se tornarão cada vez mais complexas em razão da disputa - “à la asiática” - pela liderança regional (e mundial, para alguns)...Parceiros e molas motoras no BRICS, são ao mesmo tempo antagonistas na disputa por protagonismo na Ásia. Por exemplo, confrontam-se na região das fronteiras que herdaram do colonialismo britânico nos cimos dos Himalaias, que já se deterioraram em várias guerras fronteiriças. Igualmente, competem por supremacia na região do sudeste asiático; a China através da iniciativa da “Nova Rota da Seda/BRI” e a Índia no projeto “Act East” - a “menina dos olhos de Modi” – pelo qual ela pretende tornar-se o principal parceiro econômico-comercial da vizinhança do sudeste asiático . 


Neste cenário, a pergunta que se coloca é para qual destino se encaminham essas relações: para uma convivência negociada, ainda que cada vez mais difícil, seguindo o  modelo asiático, ou a uma disputa acirrada e beligerante, com a República Popular buscando preservar a dianteira que logrou e a Índia jogando as cartas da sua crescente afluência, da sua população jovem, numerosa e cada vez mais afluente e “tecnologizada”?...


Cenário complexo...


E nós, onde ficamos nós, brasileiros, neste “Brave New World” do Ocidente estiolado e sem rumo do imperialismo “à la Trump”, e de uma Ásia cada vez mais afluente...e influente? Mais uma vez me vêm à lembrança as lições do nosso saudoso Chanceler Azeredo da Silveira: a “receita” é buscar, de forma autônoma, soberana e com discernimento político, os espaços que mais nos interessem,  beneficiando-nos inclusive das oportunidades que a disputa entre as duas superpotências asiáticas nos venham a abrir...


Cinismo... ou “real politik”?...


To be continued...

DIÁRIO DE BORDO: uma história universal entre Oriente e Ocidente - Fausto Godoy

 O Diário de Bordo de Fausto Godoy, uma fabulosa travessia nas grandes correntes de encontros e desencontros entre o Oriente (que ele conhece muito bem) e o Ocidente (por “defeito” de nascença), e um plaidoyer pela convivência harmoniosa.

Uma pequena grande história das relações, das interações, desencontros, dominação e oposição, nas trajetórias respectivas do Oriente e Ocidente, por um grande conhecedor prático, pelo estudo e pela convivência direta, por um fino conhecedor, e compendiador excepcional das virtudes, defeitos, contribuições e desafios de dois universos nas antioodas, que se conheceram, se retrairam, se relacionaram, prla cooperação e pela dominação, Fausto Godoy. PRA

DIÁRIO  DE  BORDO

Estou rascunhando um livro sobre as minhas andanças nestes 80 anos de vida, 40 de Itamaraty e quase 10 como professor universitário. É muita história, pelo que sou muito grato à Vida... Preparei uma introdução, em que tento explicar a minha visão sobre a Ásia, com base nas minhas experiências nos onze países em que servi durante quase dezesseis anos, e sobre o que penso das relações Ocidente/Oriente. Resolvi resumir tanto quanto possível neste texto algumas das reflexões e das conclusões a que cheguei. Por isto ele é longo, pelo que me desculpo antecipadamente perante os amigos que terão a paciência de chegarem até o final...mas não posso fazer de outra forma. Além de prolixo, vivi muito... Aqui vai o seu resumo:

“Está sendo muito complexa a aceitação pelo Ocidente de que a dinâmica do mundo mudou e que é necessário convivermos com paradigmas novos e distintos nas relações internacionais: a Ásia tornou-se fator decisivo na economia e na política globais; e sua presença, crescente e irreversível, instiga sentimentos ambíguos: de um lado, respeito pelo despertar de um gigante de História muito antiga e, de outro, apreensão pelas consequências que este protagonismo crescente possa causar. 

Mais que tudo, evidencia o nosso despreparo para lidar com esta realidade. Acostumado a exportar seus valores e a impor seus conceitos civilizatórios como verdades absolutas e perenes sobre esta mais da metade da raça humana, o Ocidente não tem sabido lidar com o novo fenômeno de que não serão mais possíveis situações como as Guerras do Ópio, promovidas pelos ingleses para impor à China o consumo da droga a fim de equilibrar uma balança comercial bilateral deficitária para a Grã-Bretanha; ou a abertura forçada do Japão Tokugawa às potências ocidentais; ou, ainda, o fim melancólico do Raj britânico e a independência arbitrária e intempestiva da Índia e do Paquistão, com as sequelas que deslanchou. Ainda pior, instituir uma ordem “à la Ocidental” a um Oriente cada vez mais assertivo da sua identidade e crescente poder. Os conflitos atuais – a guerra da Ucrânia, o conflito Israel-Hamas/Palestina, a guerra Israel-Irã, os talibãs no Afeganistão, etc. – evidenciam cada vez mais a incapacidade – e o profundo dilema que assola o Ocidente em lidar com uma “outra História”, que não entende e, de certa forma, lhe escapa.

De sua parte, antes de emergirem como elemento maior nas relações internacionais, os países asiáticos, assim como as ex-colônias europeias em todo o mundo, tiveram que absorver o impacto e administrar o legado da independência que tão traumaticamente alcançaram ao longo do século XX, sobretudo as fronteiras forjadas de forma artificial e arbitrária pelos colonizadores. O país que se tornaria o Laos, por exemplo, resultou de uma solução de conveniência para os colonizadores franceses no processo traumático da chamada “Guerra da Indochina”, que durou quase dez anos, causou perto de quatrocentas mil mortes e resultou na independência conturbada de três países - Vietnã, Laos e Camboja, abrindo ainda espaço para a Guerra do Vietnã, de trágica memória, sobretudo para os americanos que se envolveram no conflito. No final, a maioria da população de etnia lao tornou-se tailandesa e as fronteiras étnicas não se encaixam nas fronteiras políticas, com as consequências agudas que decorrem desta indefinição. Processo semelhante ocorreu na Malásia e na Indonésia: a população do norte da ilha de Sumatra foi repartida pelos holandeses ao largo do estreito de Malaca: parte tornou-se malaia e parte indonésia. Índia e Paquistão até hoje não solucionaram a questão da Caxemira, que está na raiz do recrudescimento do fundamentalismo islâmico e de sua cria: o extremismo talibã e seus desdobramentos. As cento e trinta e cinco etnias de Myanmar se recusam a aceitar a supremacia de qualquer uma delas no país definido arbitrariamente pelos colonizadores ingleses como Birmânia, e os “rohingyas” muçulmanos que foram deslocados arbitrariamente para servirem como “coolies” nas plantações de chá da região majoritariamente budista vivem hoje a tragédia de uma verdadeira “limpeza étnica”, que os tornou apátridas. Bem-vindos ao mundo westfaliano... 

As guerras do Vietnã nos confrontos da Guerra Fria, e as do Iraque e do Afeganistão, mais recentemente, assim como as tragédias na Líbia, na Síria, na Palestina, e agora a guerra entre Israel e Irã, demonstram o quanto as potências centrais do Ocidente são incapazes de entender e conviver com o “diferente” e com a penosa realidade de ter de compartilhar conceitos e valores que não lhes são próprios. Na contracorrente, tampouco têm sabido lidar com a “invasão” dos seus territórios por imigrantes e refugiados que buscam escapar de vicissitudes econômicas, muitas das quais herdadas do período em que foram colônias.

A “contaminação” entre culturas, ou, melhor, a introversão de referenciais culturais “estrangeiros” no quotidiano do indivíduo urbano contemporâneo, seja no Ocidente, seja no Oriente, obriga a que revisemos percepções e valores, senão os assimilando – o sushi nas churrascarias, o yoga nas academias, neste lado do planeta, ou a bolsa Louis Vuitton, no Japão, ou na China, o Mc Donald´s e os “jeans” em todo o planeta - como verdadeiro código interplanetário. Impõe-se a obrigação de convivermos com estas realidades irrefutáveis, e para os mais generosos e intelectualmente motivados, assimilá-las. Não somos mais ilhas, ou, melhor, os continentes/ilhas estão agora integrados no continente global... Bem-vindos todos à Pangeia restaurada...

Porém isto não quer absolutamente dizer que perdemos referenciais e valores próprios, mas sim que os globalizamos sempre quando exista comunicabilidade entre eles. Outros, porém, permanecem intocáveis, posto que constituem os alicerces das nossas genéticas culturais. Parecem-me que são “espaços inegociáveis”.

Talvez o mais fundamental desses valores e um dos principais diferenciais entre as duas grandes geografias mundiais seja a inserção do ser humano na sociedade: para o Ocidente o indivíduo constitui o seu cerne e alicerce. Tal é a mensagem da “Declaração dos Direitos do Homem”, corolário da Revolução Francesa, ou da Declaração da Independência norte-americana (...“nós consideramos como verdade auto-evidente que todos os homens nascem iguais, que eles são dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre estes a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade”...). Confúcio, nos Analectos, diria quase o oposto: “o filósofo Yu disse:...a  submissão filial e fraternal, não é ela a raiz de todas as ações benévolas?”. Para o asiático confucionista a virtude maior reside em servir à sociedade, em ser um elo para o seu funcionamento. O indivíduo somente se realiza no contexto social: o bom cidadão é aquele que obedece aos mais velhos e ao superior. Citando, ainda, Confúcio, nos Analectos (1:6):  “...o Mestre disse, o jovem deve ser um bom filho no lar e um indivíduo obediente fora dele, frugal nas palavras porém confiável no que diz, e deverá amar o povo,  no geral, porém cultivar a amizade dos companheiros... Em contrapartida, o ser superior deve ser merecedor desse respeito: “se o indivíduo for pessoalmente correto, então haverá obediência sem necessidade de ordens; mas se ele não for correto pessoalmente, não haverá obediência ainda que haja ordens”  (Analectos, 13:16).

Já o hindu tem uma visão quase diametralmente distinta: concentrado em suas encarnações futuras a caminho da transcendência (moksha), o indivíduo deve ocupar-se sobretudo do seu dharma,  sua lei/missão pessoal, e do seu kharma  que definiu a sua encarnação presente, fruto de suas vidas passadas, e o dirige para a próxima, que será melhor, ou pior, como resultado das suas ações que o seu livre-arbítrio indicará...É, aliás, o que ensina o Bhagavad Gita.

O Islã prega, de sua parte, a existência de um Deus único e absoluto, que revelou a Maomé, o seu Profeta, a sua lei, o Al Corão.  O significado do próprio termo “islã” – submissão – revela a relação entre o Criador e a criatura. Entretanto, contaminados pelo fanatismo religioso, os países islâmicos enfrentam desafios gigantescos para evitar que a paixão e a militância da fé termine por comprometer a própria sobrevivência do Estado. Fruto dela, o Afeganistão, que se confronta com uma comoção civil interminável, viveu o dilema de aceitar a presença de tropas estrangeiras, soviéticas e ocidentais, em seu território que em última instância se revelaram mais nefastas que eficazes. Outro não foi o desfecho trágico da desocupação das tropas americanas e a retomada do poder pelos talibãs. Esta verdadeira “cruzada” entre um islã deturpado por uma sociedade patriarcal anacrônica, para alguns, e o vagido de uma sociedade mais liberal, herdada da presença do Ocidente nestes últimos vinte anos, transborda para o vizinho Paquistão e tem poucas chances de chegar a um final feliz no curto, ou sequer médio, prazos. 

Estes conflitos vazaram as fronteiras territoriais e hoje envolvem praticamente todo o planeta. E os refugiados do Oriente e  da África, principalmente, que “invadem” a Europa na busca de uma vida mais pacífica encontram crescente resistência de seus anfitriões islamofóbicos. 

Será, em última instância, que esses valores perdurarão numa Ásia cada vez mais imbricada com o Ocidente... e vice-versa? Seria, por acaso, relevante que eles prevalecessem na forma em que estão? Quão “inegociáveis” serão eles?... 

O espraiamento do terrorismo para o Ocidente - as torres gêmeas de Nova York; a estação de Atocha, em Madri; os atentados na França; o “Boko Haram”, na Nigéria; as invasões do Iraque e da Síria; o retorno dos talibãs ao poder no Afeganistão; o conflito entre Israel e os militantes do Hamas na faixa de Gaza, e agora seu confronto com o Irã xiita, etc. - demonstram que estamos todos vulneráveis. Não podemos mais ignorar a questão; temos de nos posicionar, sob pena de sermos suas vítimas – próximas ou distantes. Mas qual é a melhor postura? A arrogância das potências centrais que buscam impor suas políticas... a agressividade bélica das tropas estrangeiras pela Ásia afora... as guerras que destampam a ameaça de um holocausto nuclear e causam o êxodo de milhares de indivíduos pelo Ocidente afora?... A busca de uma “contemporização” que abrirá ainda maiores espaços para a militância?... 

A resposta é certamente difícil e nunca deixará de ser incompleta. Não obstante demasiado complexo, o “dilema” precisa ser enfrentado se quisermos encontrar um mínimo de convivência entre os indivíduos e os povos no planeta cada vez mais globalizado. Nesse quadro, talvez a melhor solução seja buscar entender o fenômeno sem “parti pris”, sem “verdades absolutas”, hierarquia de conceitos ou imposição de valores, abrindo espaço para o diálogo construtivo. Temos que escapar do “absoluto” nos nossos julgamentos e convivermos com o “relativo” das múltiplas realidades: nada é “negro” e nada é “branco” nas relações entre os Estados e os indivíduos. Temos que atuar na gama do “cinza” da negociação, que deixa espaço para o entendimento e a humanidade.  

Impossível...Devaneio?... Haveria outra saída para a Pangeia globalizada?... Não é projeto fácil, contaminado que está pela intransigência contrária à discussão isenta e pelo fanatismo dogmático de abandonar posições rígidas. Daí a necessidade cada vez maior de buscarmos as raízes do problema, que, para mim, estão na impermeabilidade dos indivíduos e das instituições em conviver com a alteridade”... 


 To be continued...

Uma breve história do autoritarismo russo - Volodymyr Kukharenko (X)

 A Lesson from the Russian history 

Volodymyr Kukharenko

Why Russian society often appears passive and submissive to authority. Why do they have no voice? Some attribute it to fear or systemic repression — and that’s partly true. But a deeper question is: how did it get this way?

2/ The truth lies in centuries of historical development. Unlike Western Europe, which gradually evolved through stages of agriculture, industrialization, and the rise of individual rights, large parts of Russia were geographically isolated and politically centralized.

3/ As a result, many democratic and humanistic ideals never took root.

4/ For example, on the territory of modern Ukraine, there were advanced cultures like Trypillia thousands of years ago, and later, European values were shared through the Scythian and Sarmatian kingdoms, early urbanization, and even early democratic practices.

5/ Meanwhile, much of northern Russia remained tribal or under Mongol influence for centuries longer.

6/ Peter the First only introduced forks and beard shaving to his nobility in the 18th century — a symbol of how late certain societal norms arrived.

7/ Institutions like universities, parliaments, and constitutional rule came to Ukraine and Europe far earlier than to Moscow-centric Russia.

8/ Some values, such as the rule of law, individual rights, and open societies, emerge only through time, experience, and painful transformation.

9/ Societies that haven’t passed through those stages often see things like kindness or transparency not as virtues, but as weaknesses.

10/ This doesn’t mean individuals can’t change; a small percentage of Russians do oppose the current regime, but they are exceptions, and the system and society treat them as deviations. Understanding this historical mindset helps explain why systemic change is so difficult.

11/ Modern behavior is rooted in historical experience. And unless there is a societal reckoning, some worldviews remain centuries behind — no matter how modern they may appear on the surface.

Author: Volodymyr Kukharenko



sexta-feira, 11 de julho de 2025

Não há alternativa ao multilatraelismo - artigo de Luiz Inácio Lula da Silva

 Artigo do presidente Lula publicado 10/07/2025 nos jornais Le Monde (França), El País (Espanha), The Guardian (Reino Unido), Der Spiegel (Alemanha), Corriere Della Sera (Itália), Yomiuri Shimbun (Japão), China Daily (China), Clarín (Argentina) e La Jornada (México.

NÃO HÁ ALTERNATIVA AO MULTILATERALISMO
Luiz Inácio Lula da Silva

O ano de 2025 deveria ser um momento de celebração dedicado às oito décadas de existência da Organização das Nações Unidas (ONU). Mas pode entrar para a história como o ano em que a ordem internacional construída a partir de 1945 desmoronou.

As rachaduras já estavam visíveis. Desde a invasão do Iraque e do Afeganistão, a intervenção na Líbia e a guerra na Ucrânia, alguns membros permanentes do Conselho de Segurança banalizaram o uso ilegal da força. A omissão frente ao genocídio em Gaza é a negação dos valores mais basilares da humanidade. A incapacidade de superar diferenças fomenta nova escalada da violência no Oriente Médio, cujo capítulo mais recente inclui o ataque ao Irã.

A lei do mais forte também ameaça o sistema multilateral de comércio. Tarifaços desorganizam cadeias de valor e lançam a economia mundial em uma espiral de preços altos e estagnação. A Organização Mundial do Comércio foi esvaziada e ninguém se recorda da Rodada de Desenvolvimento de Doha.

O colapso financeiro de 2008 evidenciou o fracasso da globalização neoliberal, mas o mundo permaneceu preso ao receituário da austeridade. A opção de socorrer super-ricos e grandes corporações às custas de cidadãos comuns e pequenos negócios aprofundou desigualdades. Nos últimos 10 anos, os US$ 33,9 trilhões acumulados pelo 1% mais rico do planeta é equivalente a 22 vezes os recursos necessários para erradicar a pobreza no mundo.

O estrangulamento da capacidade de ação do Estado redundou no descrédito das instituições. A insatisfação tornou-se terreno fértil para as narrativas extremistas que ameaçam a democracia e fomentam o ódio como projeto político.
Muitos países cortaram programas de cooperação em vez de redobrar esforços para implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até 2030. Os recursos são insuficientes, seu custo é elevado, o acesso é burocrático e as condições impostas não respeitam as realidades locais.

Não se trata de fazer caridade, mas de corrigir disparidades que têm raízes em séculos de exploração, ingerência e violência contra povos da América Latina e do Caribe, da África e da Ásia. Em um mundo com um PIB combinado de mais de 100 trilhões de dólares, é inaceitável que mais de 700 milhões de pessoas continuem passando fome e vivam sem eletricidade e água.

Os países ricos são os maiores responsáveis históricos pelas emissões de carbono, mas serão os mais pobres quem mais sofrerão com a mudança do clima. O ano de 2024 foi o mais quente da história, mostrando que a realidade está se movendo mais rápido do que o Acordo de Paris. As obrigações vinculantes do Protocolo de Quioto foram substituídas por compromissos voluntários e as promessas de financiamento assumidas na COP15 de Copenhague, que prenunciavam cem bilhões de dólares anuais, nunca se concretizaram. O recente aumento de gastos militares anunciado pela OTAN torna essa possibilidade ainda mais remota.

Os ataques às instituições internacionais ignoram os benefícios concretos trazidos pelo sistema multilateral à vida das pessoas. Se hoje a varíola está erradicada, a camada de ozônio está preservada e os direitos dos trabalhadores ainda estão assegurados em boa parte do mundo, é graças ao esforço dessas instituições.

Em tempos de crescente polarização, expressões como “desglobalização” se tornaram corriqueiras. Mas é impossível “desplanetizar” nossa vida em comum. Não existem muros altos o bastante para manter ilhas de paz e prosperidade cercadas de violência e miséria.

O mundo de hoje é muito diferente do de 1945. Novas forças emergiram e novos desafios se impuseram. Se as organizações internacionais parecem ineficazes, é porque sua estrutura não reflete a atualidade. Ações unilaterais e excludentes são agravadas pelo vácuo de liderança coletiva. A solução para a crise do multilateralismo não é abandoná-lo, mas refundá-lo sob bases mais justas e inclusivas.

É este entendimento que o Brasil – cuja vocação sempre será a de contribuir pela colaboração entre as nações – mostrou na presidência no G20, no ano passado, e segue mostrando nas presidências do BRICS e da COP30, neste ano: o de que é possível encontrar convergências mesmo em cenários adversos.

É urgente insistir na diplomacia e refundar as estruturas de um verdadeiro multilateralismo, capaz de atender aos clamores de uma humanidade que teme pelo seu futuro. Apenas assim deixaremos de assistir, passivos, ao aumento da desigualdade, à insensatez das guerras e à própria destruição de nosso planeta.

Fábrica de golpistas à margem do Estado Democrático de Direito - Eugênio Bucci (OESP), sobre livro de Carlos Fico - Marcelo Guterman

 O economista Marcelo Guterman discorda do historiador Carlos Fico e do jornalista Eugenio Bucci quanto às propensões golpistas ou democráticas dos militares. Todos eles têm razão, examinando-se o caso de cada um dos golpes, tentados e bem sucedidos. PRA


Fábrica de golpistas à margem do Estado Democrático de Direito
MARCELO GUTERMAN
JUN 26

Dessa vez, o professor Eugênio Bucci extrapolou até para os seus elásticos padrões. Sua tese: todo militar é golpista.

O articulista baseia-se em um livro que defende que os militares estiveram por trás de todos os golpes e tentativas de virada de mesa na história brasileira, e nunca foram punidos por isso. (Curioso alguém de esquerda defendendo punição para crimes, vê-se que depende de quem é o criminoso. Fecha parênteses).

A lista do autor do livro inclui os golpes liderados por Getúlio Vargas, de onde se depreende que Getúlio nada mais era do que uma marionete nas mãos dos militares. Não é uma imagem muito lisonjeira para a esquerda. Além disso, por que punir somente os militares, no caso? Outra curiosidade: o autor cita “golpes bem sucedidos em 1954 e 1955”, quando Getúlio se suicida e temos a eleição de JK. Curioso caso de golpe seguido de eleições democráticas. Mas sabe como é, se a história não confirma a tese, que se dane a história.

Mas Bucci guarda o cream de la cream para o final de seu artigo. Segundo o professor da ECA, o problema estaria nas escolas de formação de oficiais, de onde sairiam golpistas em potencial. E propõe que essas escolas não fiquem sob a responsabilidade dos quartéis, mas do Estado Democrático de Direito. Ulalá! Quer dizer então que os quartéis brasileiros estão e agem fora do Estado Democrático de Direito? Formam uma espécie de Estado paralelo, fora do alcance das leis brasileiras? Difícil imaginar uma leitura mais assombrosa de uma instituição brasileira que existe e funciona dentro dos marcos constitucionais. Obviamente, o todo não pode ser tomado pela ação de alguns.

Sugiro o inverso: que os militares assumam o ensino na ECA e, de resto, em todas as universidades públicas. Afinal, é daí que surgem os radicais que impedem o livre exercício da liberdade de expressão dentro das universidades, e de onde saem os militantes que vão agredir direitos em invasões de terras e depredação de edifícios públicos. Nada mais contra o Estado Democrático de Direito.

Blog do Marcelo Guterman é uma publicação apoiada pelos leitores.

Obviedades nem sempre tão óbvias - Paulo Roberto de Almeida

 Obviedades nem sempre tão óbvias


        A propaganda do governo federal “A força do agro vem da gente”, bonita, certeira, correta, é Eugênio Gudin puro: as vantagens comparativas, competitivas, naturais e adquiridas, do Brasil vêm da agricultura, mais tecnologia. 
Mas isso foi o que o economista neoclássico proclamou durante décadas e que agora vem sendo realizado pela força dos fatos e da gente brasileira, todos os novos bandeirantes espalhados por todas as regiões do Brasil, do Sul ao cerrado central e nas demais áreas devotadas ao que a “força da gente” produziu de mais dinâmico na economia brasileira.
        Por ser tão óbvio, pode ser que agora os economistas desenvolvimentistas e seus patrocinadores políticos em determinados partidos se convençam de que falta aplicar todas as demais receitas de Eugênio Gudin: sólidas políticas macroeconômicas e setoriais, responsabilidade fiscal, abertura econômica e liberalização comercial, educação de alta qualidade, Integração à economia mundial. 

Paulo Roberto de Almeida
Uberaba, 11/07/2025

Bandeirantes e pioneiros? Atropelados pelos idiotas - Paulo Roberto de Almeida

Bandeirantes e pioneiros? Já passou o tempo

        Viana Moog produziu um livro interessante sobre a formação histórica das sociedades brasileira e americana que demonstrou como se poderia criar duas sociedades vibrantes com base em duas trajetórias diferentes, mas convergentes no sentido de se alcançar algum progresso social, político e econômico com base em sistemas relativamente abertos à oportunidades individuais, os EUA bem mais do que o sistema centralizador brasileiro.

        Acredito que essa fase já passou, pois os medíocres também chegaram ao topo do sistema, os moroons na versão americana, os idiotas na modalidade brasileira.

        Trump é o protótipo do imbecil elevado à suprema governança de um país capitalista e democrático pela realização da fatalidade nefasta antecipada por Nelson Rodrigues: os imbecis vão prevalecer pelo número.

        Bolsonaro é um exemplo esquizofrênico de como imbecis podem ser guindados à suprema governança de um país manifestamente oligárquico em função de uma crise política temporária na qual os arautos de uma ordem disciplinar hierárquica, os militares, prevaleceram por uma última vez. 

        Democracias falhando, aqui e lá, por causa da ascensão dos idiotas. Dá para superar, contudo, mas vai demorar um pouco. Não é um remédio, mas pode ser uma consolação.

Paulo Roberto de Almeida

Uberaba, 11/07/2025


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