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terça-feira, 25 de maio de 2010

“Acordo” nuclear com o Irã - Paulo R. Almeida

Saudando o mensageiro, esquecendo a mensagem...
Paulo Roberto de Almeida

A análise e as reflexões seguintes me vieram à mente ao ler as declarações de responsáveis políticos e matérias de imprensa (geralmente artigos opinativos de comentaristas políticos) a respeito da questão iraniana e seus desdobramentos, depois da iniciativa turco-brasileira de buscar um “acordo” com o governo iraniano a propósito da política nuclear deste último e seus impasses atuais. O que surpreende, desde o início, é que a maior parte das matérias e comentários foca não tanto o fundo da questão, ou seja, a natureza do programa nuclear iraniano, em si, quanto a qualidade dos novos interlocutores nesse caso específico, o Brasil e a Turquia.
Em outros termos, o que se destacou e se discutiu intensamente foi menos a política nuclear do Irã, enquanto tal, e mais a emergência dos emergentes – com perdão pela redundância –, numa questão que sempre foi considerada terreno de caça exclusivo dos grandes, a saber, a proliferação nuclear (e seus eventuais infratores). Grande parte dos comentários, começar pela própria imprensa brasileira, saudou a “irrupção” de novos atores políticos numa agenda que estaria supostamente monopolizada pelos grandes atores.
Caberia, talvez, deixar, por um momento, a identidade dos personagens envolvidos nesta questão, o presidente Lula e o primeiro-ministro Erdogan, e também a suposta condição dos seus países enquanto “potências emergentes”. Não é isso que estava primariamente em causa no dossiê iraniano, não é esse o problema que deveria ocupar a atenção dos observadores, e sim a natureza do processo, ou seja, o teor mesmo do acordo supostamente alcançado.
Aliás, essa qualificação de “potência emergente” pode ter algum sentido na realidade, mas no momento ela tem mais conteúdo jornalístico do que propriamente diplomático: afinal em que se distingue uma “potência emergente” de um país normal?; talvez pela sua suposta capacidade de “influenciar” de modo mais decisivo do que um “país normal” a vida internacional, ou seja, a agenda dos principais organismos internacionais de relacionamento inter-estatal. Se essa capacidade é comprovada, então eles se tornam de alguma forma emergentes, mas isso não tem tanto a ver com o tamanho, em si, e sim com a capacidade de iniciativa e de influência dos países em causa.
Consideremos, por hipótese, que as iniciativas tomadas por Brasil e Turquia pudessem ter sido sugeridas, digamos, por dois países menores, tipo Tuvalu e República Centro-Africana, eventuais membros temporários do CSNU. Estariam elas recebendo o mesmo nível de atenção por parte da imprensa? Talvez não, devido à “pequena capacidade de influência internacional” dos interlocutores em questão. Mas não deveria causar nenhuma espécie esse tipo de inversão, pois supostamente o que interessa, para o encaminhamento do problema, é a qualidade da interlocução e o realismo da proposição, do ponto de vista dos agentes intervenientes em torno do problema em causa, qual seja: a resolução do conflito entre o Irã, de um lado, e a AIEA e o CSNU, de outro (este eventualmente representado pelo P5+1, ou seja, os cinco membros permanentes mais a Alemanha).
Se a intenção é efetivamente a de resolver um problema objetivo, com contornos muito bem definidos – quais sejam, a natureza das atividades de enriquecimento de urânio por parte do Irã e sua utilização ulterior –, a identidade dos “propositores” não deveria ter a mínima importância: se os dois países citados fossem, ou não, membros temporários do CSNU, suas propostas, objetivas como deveriam ser, tem a mesma chance de serem consideradas em qualquer arranjo bilateral com o Irã, ou no plano plurilateral ou multilateral, do que quaisquer outras propostas sugeridas por interlocutores desejosos de restabelecer condições de normalidade entre o Irã e as entidades supracitadas.
Admitida essa hipótese, o suposto “acordo” alcançado em Teheran, em meados de maio, deveria ser avaliado, não tanto com base na condição dos interlocutores, mas com base nos critérios relevantes para tal efeito, quais sejam: a capacidade de o Irã atender às demandas da AIEA e da comunidade internacional (neste caso identificada com os cinco membros permanentes do CSNU e os países que gravitam em volta). Se o acordo atender a esses padrões, ele pode entrar na agenda internacional e servir de base para novos desenvolvimentos em torno da questão iraniana, independentemente de quem o tenha formulado ou proposto.
Dito isto, apreciaria ler matérias na imprensa que se refiram, exatamente, ao teor do acordo, não à qualidade de seus propositores. Como se diz, deve-se prestar mais atenção na mensagem do que no seu mensageiro. Este é o critério básico sob o qual deve ser avaliado o “acordo” de Teheran.

Shanghai, 25 de maio de 2010

Politica Nuclear do Iran (8): duas opinioes sobre o "acordo" tripartite

O Irã, o Brasil e as armas nucleares
Opinião - José Goldemberg *
Correio Brazilienze, 23/05/2010

O Itamaraty tem a reputação de ser um ministério competente, mas o imbróglio em que ele se envolveu no Irã não vai contribuir para aumentar essa reputação. Uma negociação bem-sucedida na área internacional envolve dois componentes: definir claramente o interesse do país e conhecer os detalhes técnicos ou administrativos do que se está negociando.

Na área interna, o presidente Lula deu inequívocas demonstrações de que é um excelente negociador desde os tempos em que presidia o Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo. Defendia claramente os interesses dos trabalhadores contra os patrões e negociava salários e outros benefícios que são fáceis de definir.

No caso da negociação em que o Itamaraty e o presidente se envolveram em Teerã, recentemente, essas duas componentes estiveram ausentes. Em primeiro lugar é difícil ver qual o interesse do Brasil em mediar acordos do Irã com as grandes potências e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a não ser o de aumentar a presença do país no cenário internacional.

Tem havido dezenas dessas oportunidades sem qualquer beneficio claro para o país, salvo excelentes fotografias e captura das manchetes dos jornais. Sucede que o Irã tem sérios problemas de credibilidade no que se refere ao cumprimento de suas obrigações com a Agência Internacional, já foi objeto de sanções do Conselho de Segurança e está na iminência de receber outras.

Ele tem uma longa história de atividades semiclandestinas que não são aceitas pelos países que aderiram ao Tratado de Não Proliferação Nuclear. Mais ainda: as exaustivas negociações que tem tido durante os últimos cinco anos com os países europeus são consideradas uma estratégia para ganhar tempo e aumentar a sua capacidade de, eventualmente, produzir artefatos nucleares. Associar-se a ele nessas condições chama a atenção para o fato de que o Brasil poderia também ter interesses nessa linha. Essa não é uma hipótese vaga, porque, há cerca de 20 anos, estávamos exatamente na posição que o Irã está hoje — sob suspeitas de desenvolver um “programa paralelo” de energia nuclear para fins militares ao lado de um programa de fins pacíficos, como a instalação das centrais nucleares de Angra dos Reis. Foi preciso muito esforço para convencer a comunidade internacional que esse não era o caso, apesar de o país ter dominado a tecnologia de enriquecimento de urânio. A recente visita ao Irã ameaça jogar por terra esse esforço.

Em segundo lugar o “acordo” que o Brasil mediou não contribui em nada para resolver o conflito com a Agência Internacional e as grandes potências, que decorre do fato de o Irã continuar a enriquecer urânio a 20%, índice muito superior ao nível de 3% necessários para reatores nucleares. Ninguém nega o direito do Irã de enriquecer urânio, mas chegar ao nível superior ao necessário no uso para fins pacíficos cria serias suspeitas. Como os especialistas bem sabem é mais fácil passar de 20% de enriquecimento aos 80%, necessários para fazer armas nucleares, do que enriquecer de 3% a 20%. O Irã se recusa a limitar o enriquecimento, o que levanta suspeitas de que realmente está ganhando tempo. Enquanto negocia ele aumenta o número de centrifugas e o estoque de urânio que já enriqueceu.

O “acordo” que o presidente Lula assinou nem toca nesse assunto, como os próprios iranianos tiveram a indelicadeza de proclamá-lo publicamente antes que a tinta do “acordo” secasse, embaraçando o presidente. O que o Irã fez foi trocar uma pequena parte do seu urânio enriquecido a 3% por urânio enriquecido a 20% como combustível de um reator médico, o que, aliás, deveria ter feito há mais de seis meses, se o seu interesse real fosse a medicina.

Se o Itamaraty julgava que negociar com o Irã daria o Prêmio Nobel da Paz ao presidente Lula, ele se equivocou. Provavelmente, o papel do Brasil será visto como o de um “inocente útil” e, pior que isso, chamará a atenção para as próprias atividades nucleares do país.

* Professor emérito da Universidade de São Paulo

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O Brasil e a questão nuclear iraniana
Entrevista com o Embaixador Marcos Azambuja
Christian Carvalho Cruz
O Estado de São Paulo - Caderno Aliás, 23.05.2010

Uma moldura pesada demais
Para embaixador, Brasil deveria conter seu excesso de protagonismo em região tão complicada e em assunto tão turvo.

Para resumir o que se passou nessa semana na questão nuclear iraniana, com forte participação brasileira na assinatura de um acordo com o governo de Teerã, o embaixador Marcos Azambuja diria o seguinte, no popular: "Se meter no Oriente Médio é muita areia pro nosso caminhãozinho". Ou ainda: "Procuramos sarna pra nos coçar".
É claro que a elegância diplomática e pessoal - ele usa gravata borboleta e chapéu panamá - não lhe permite o apelo a tão baixo calão. Então, o embaixador do Brasil na Argentina (1992 a 1007) e na França (1997 a 2003), chefe da Delegação do Brasil para Assuntos de Desarmamento e Direitos Humanos em Genebra (1989 a 1990) e atual vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais disse verdadeiramente assim: "O acordo que o Brasil fez não foi ruim, mas era preferível que ele tivesse sido mais prudente ao entrar numa região tão complicada, onde seus interesses vitais não estão em jogo". E mais: "Não temos ali poder nem experiência que nos credenciem como grandes atores diplomáticos".
A seguir, trechos da entrevista em que Azambuja fala dos possíveis desdobramentos da situação, de um mundo sem armas nucleares, de direitos humanos e do samba atravessado com os Estados Unidos.

O Irã quer ter a bomba atômica ou não?
Não queria até a invasão do Iraque pelos americanos. Depois, chegou à conclusão de que ter uma capacidade nuclear, por menor que fosse, lhe daria garantias de sobrevida. O Irã acha que se o Iraque tivesse armas nucleares não teria sido invadido. Mas não estou convencido de que os iranianos estejam a caminho da bomba. Eles assinaram o Tratado de Não Proliferação (TNP) em 1968. É coisa de safra recente ter aquilo que julgam ser garantias adicionais de soberania. Há quem diga que, num mundo em que tantos países têm a bomba, o Irã também tem o direito de construir a sua. Discordo. Nessa questão, se levarmos adiante a velha máxima do "olho por olho, dente por dente" acabaremos todos cegos e banguelas.

O que o sr. achou do acordo com o Irã patrocinado por Brasil e Turquia?
Foi uma boa coisa, não se pode negar. Mas nos envolvemos num assunto complicado no lugar mais complicado da Terra. Ninguém entra nas questões do Oriente Médio sem o risco de sair chamuscado. Não temos ali poder nem experiência que nos credenciem como grandes atores diplomáticos. O que o Brasil fez não foi ruim, repito. Mas era preferível que tivesse sido mais prudente ao se meter numa região onde seus interesses vitais não estão em jogo. Não sou contra o Brasil mostrar mais sua cara e flexionar mais seus músculos. Apenas teria preferido que não tivesse escolhido o Irã para isso. Deveríamos fazê-lo nas Américas, que é nosso território, no Atlântico Sul, na África Ocidental, enfim, onde o Brasil tem projeções naturais de seu poder. No Oriente Médio nós não temos tradição, presença e, agora que somos autossuficientes em petróleo, não temos nem interesse energético.

Por que o Brasil se meteu lá, então? O sr. acredita na tese de que o presidente Lula esteja tentando ganhar um Nobel da Paz?
Não acho que o personalismo esteja envolvido. E não creio que naquela situação tão turva haja um Nobel a ser dado. O que ocorreu foi mais uma tentativa do Brasil de reforçar seus títulos para se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. O Brasil vai ter seu assento, mas não por um excesso de ativismo aqui e acolá. Ele vai conseguir porque seu peso e sua influência globais vão determinar, em certo momento, que o mundo o queira como membro permanente. Não é o resultado de uma campanha brasileira e sim o resultado de uma realidade brasileira que fará com que o País atinja esse objetivo.

Mas a atuação no Oriente Médio não faz parte desse processo?
Não ajuda. Não vejo de que maneira isso reforce amplamente nossas credenciais. O Brasil foi excessivamente protagonista nessa questão. Eu sou a favor de o Brasil se engajar no Irã em níveis menos íntimos, fazendo acordos de cooperação comercial, técnica, exportação de bens e serviços. Vejo um universo de cooperação entre Brasil e Irã que não deveria ter como fundamento uma área controvertida como a questão nuclear. Convinha ao Brasil, que tem um programa de enriquecimento de urânio para fins pacíficos, não se assemelhar ao Irã. Nós temos um programa aceito pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), uma Constituição que proíbe armas nucleares, um acordo com a Argentina, somos sócios de boa-fé do TNP e estamos numa região do globo, o Hemisfério Sul, em que não há uma bomba atômica sequer. Em vez de nos assemelhar ao Irã nós devíamos é sugerir que somos farinha de outro saco.

Já que se propôs a ir além, o País não poderia ter incluído no acordo tópicos relacionados aos direitos humanos no Irã?
Nesse caso não haveria diálogo. O Irã é um país que se move por motivos diferentes. O Brasil é uma democracia multirracial, tolerante, laica. O Irã tem uma série de características que correspondem a outra visão de mundo. Se você trouxer direitos humanos à mesa, o diálogo nem começa.

Os EUA ignoraram o acordo e propuseram novas sanções, sob o argumento de que o Irã não irá cumpri-lo. Em diplomacia, um governo pode desqualificar as intenções de outro por não achá-las críveis?
Não se pode prejulgar o outro. Não se pode garantir se o Irã cumprirá ou descumprirá um acordo internacional que assinou. Só que no Oriente Médio a suspeita é a moeda de troca. No clima de desconfiança em que ali se opera, a presunção é a de que todos tenham motivos ulteriores. A desconfiança não é sobre o estrito cumprimento desse acordo. Ninguém duvida que o Irã vá mandar o urânio para ser enriquecido na Turquia. A suspeita é que outra quantidade de urânio esteja sendo enriquecida internamente em posições não declaradas. Essa é a insinuação americana. Insinuações são terrenos pouco sólidos para se construir algo, mas a desconfiança é da essência da relação nesse caso. O que está sendo julgado não é a virtude do acordo patrocinado por Brasil e Turquia, mas o desejo que tinham os EUA de punir o Irã por sua política nuclear ambígua. O samba atravessou.

A relação Brasil-EUA perde algo com isso?
No curto prazo o que era uma lua de mel se transformou numa relação complicada. Semanas atrás havia uma disposição americana afetuosa de reconhecer o Brasil como potência global, havia boas relações pessoais do Lula com o Obama, do Celso Amorim com a Hillary Clinton. Houve o episódio do algodão, retaliações comerciais, mas isso faz parte da ação de duas potências com interesses contraditórios. Agora surgiu um elemento de irritabilidade. Os EUA acharam que o Brasil agiu de maneira a dar ao Irã mais credibilidade e mais prazo quando eles queriam o oposto. Ao fazer isso, o Brasil forçou os americanos, que tinham outro cronograma, a agir mais depressa para que um rascunho de resolução fosse apresentado. Há um pequeno dano. Mas não creio que ele afete de maneira profunda e duradoura as relações entre duas democracias maduras. Tudo vai depender do voto brasileiro no Conselho de Segurança para as sanções adicionais. O Brasil tem sido um membro bem comportado da comunidade internacional. Costuma concordar com tudo o que o Conselho recomenda. Além disso, os países que promovem as sanções são grandes parceiros nossos: EUA, Inglaterra, França, e dois colegas do Bric, Rússia e China. Pelas alianças tradicionais e pelas novas amizades, o Brasil não deveria contrariar uma resolução do Conselho de Segurança.

Mas aí o País estaria indo contra o acordo que se gaba de ter feito.
Há na diplomacia uma série de recursos para evitar parecer isso. Uma abstenção com uma declaração de voto inteligente e articulada, por exemplo. Eu volto ao ponto que é para mim uma obsessão: o Brasil se envolveu demais numa região em que nos convinha usar o multilateralismo para expressar nossos interesses, ou seja, atuando como membro temporário do Conselho de Segurança para influenciar um projeto de resolução que nos parecesse bom e votar de uma maneira que nos parecesse adequada. Nós não temos ali castanhas a tirar do fogo tão intenso que justifique um envolvimento direto nesse nível.

Os iranianos foram sinceros ao assinar o acordo ou só querem ganhar tempo para construir a bomba, como sugerem os EUA?
O Irã agora foi constrangido a reiterar suas intenções pacíficas. Se burlá-las, corre o risco de ficar totalmente isolado. Estaria se opondo não só a seus adversários, mas enganando os países que o ajudaram. Isso é um dado. Mas não há garantias de que se possa confiar somente em intenções. Em matéria de desarmamento as coisas funcionam com inspeções de alto rigor e não anunciadas. É isso o que vale. Os EUA e seus sócios estão convencidos de que o acordo é uma manobra dilatória e opaca do Irã para continuar fazendo o que bem entender. Daí a insistência em novas sanções (bloqueio de transações financeiras, interceptações de navios, congelamento de bens no exterior, entre outras). Só tem um problema: elas me parecem cosméticas. A única sanção que faria o Irã mudar seria uma que afetasse a sua capacidade de exportar petróleo. E isso não está em discussão, é claro, porque mexeria com os mercados mundiais. Se as sanções tocassem no petróleo iraniano a China não teria aderido a elas. Em outras palavras, o Oriente Médio está sendo exatamente o que costuma ser: complexo, teatral, perigoso. Particularmente, eu não creio que as sanções sozinhas resolvam. Elas são indutoras de um processo de negociação. Os países que as defendem acham que, se não houver mais penalização, o Irã não fará nada, continuará com o projeto que pode levar à construção de uma capacidade militar nuclear.

Nesse caso, há possibilidade de um ataque militar ao Irã?
Não creio. A intensa campanha no Conselho de Segurança por mais sanções traduz o fato de que a hipótese militar está descartada. Os EUA, intensamente engajados no Iraque e no Afeganistão e com problemas econômicos enormes, não me parecem com disponibilidade e vontade para agir. E o Irã não é o Iraque. O Irã não é um pequeno país, é o descendente do grande Império Persa. Suas instalações nucleares, se as houver, estão espalhadas e profundamente protegidas. O Irã não tem reatores nucleares industriais que possam ser alvos naturais em uma retaliação armada. Uma ação por parte de Israel seria um tanto arriscada e contraproducente. Todas as tensões existentes na região se amplificariam. Em diplomacia a gente nunca exclui totalmente nada, mas eu colocaria a retaliação militar numa posição muito baixa na minha hierarquia de possibilidades.

Estima-se que Israel tenha até 200 ogivas nucleares. O país se recusa a aderir ao TNP e não permite supervisão a AIEA em seu território. Por que o país não é tão pressionado como o Irã?
Aí precisamos entrar no âmago do relacionamento EUA-Israel, na culpa ocidental pelos episódios da 2ª Guerra Mundial, do Holocausto. Há toda uma história atrás de tudo isso, mas de fato o tratamento é díspar. Eu defendo que Israel abra mão de suas armas nucleares e caminhe para o estabelecimento de uma zona militarmente desnuclearizada no Oriente Médio. É obrigação dos signatários do TNP que não têm armas nucleares pressionar os que têm a declarar a posse, no caso de Israel, e a eliminar seus estoques, no caso de todos os outros.

O sr. vê alguma possibilidade de os países que têm a bomba desmancharem seus arsenais? Ou ainda vamos morrer disso?
Já vivemos num mundo sem o uso de armas nucleares. Elas deixaram de ser parte do arsenal das grandes potências para se tornar uma ambição da Coreia do Norte, da Líbia em certo momento... Houve uma degradação da importância estratégica das armas nucleares. EUA e Rússia acordaram em reduzir seus estoques recentemente. É claro que estão aperfeiçoando seus arsenais, porque 3 mil ogivas de hoje equivalem a 8 mil de 30 anos atrás. Mas estamos a caminho de uma sanidade crescente. Hoje, os países poderosos temem mais que as armas caiam nas mãos de terroristas, de países desqualificados, do que a hipótese inicial de um enfrentamento de superpotências. A arma nuclear será em breve um projeto de subpotências.

Mercosul: comportamentos bizarros

É o mínimo que se pode dizer das recentes iniciativas argentinas em relação ao comércio exterior, submetidas a regras "informais" de contenção.
Abaixo, editorial do Estadão e matéria a respeita da posição da FIESP sobre as novas medidas protecionistas (agora "informais") da Argentina.

Malandragem no Mercosul
Editorial - O Estado de S.Paulo, 25 de maio de 2010

Não haverá limites ao protecionismo argentino enquanto o governo brasileiro for omisso ou tolerante em relação aos desmandos praticados pelas autoridades de Buenos Aires. O Brasil é o maior comprador de produtos exportados pela Argentina. Se Brasília resolver agir em defesa não só dos exportadores nacionais, mas também do estropiado Mercosul, poderá restabelecer o mínimo indispensável de ordem e de respeito no funcionamento do bloco. Respeito é a palavra correta: a nova iniciativa da presidente Cristina Kirchner e de seu secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, é um indisfarçável deboche.

Moreno simplesmente proibiu importadores e dirigentes de supermercados de comprar alimentos similares aos da produção local. Nenhuma ordem escrita foi emitida, mas houve ameaça de pressões da Receita contra os desobedientes. A presidente da República negou publicamente qualquer nova ação protecionista. O presidente Lula engoliu o desmentido, passivamente, durante encontro na recente cúpula América Latina-União Europeia, em Madri.

Só na semana passada, segundo informação levantada pela Agência Estado, empresários argentinos cancelaram 25% das encomendas a exportadores brasileiros. Produtos enviados do Brasil, do Uruguai, do Paraguai e do Chile continuavam barrados nas fronteiras e nos portos argentinos. O México também não escapou e os governos dos países afetados têm reagido, exceto, naturalmente, o brasileiro. A Fiesp já expressou sua preocupação diante da escalada protecionista do maior parceiro do Brasil no Mercosul, mas sem resultado perceptível até agora.

Os empresários brasileiros conhecem bem o protecionismo informal. Durante anos, a Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil, a Cacex, controlou o ingresso de produtos estrangeiros com a emissão de licenças. Quando o interesse era restringir, os papéis eram simplesmente engavetados.

Processos desse tipo abrem espaço a arbitrariedades e à distribuição de vantagens setoriais e até individuais. Dificilmente se encontrará um empresário brasileiro disposto a defender esse controle sem regras e sem segurança, mesmo entre os menos favoráveis ao livre comércio.

Ao adotar esse recurso, o governo argentino dá um grande passo para trás em termos institucionais. Isso deveria ser suficiente para inquietar os empresários e, de modo geral, os cidadãos interessados na segurança legal e no aperfeiçoamento da democracia. Mas essa política é também um retrocesso no campo diplomático. Até agora, o governo da presidente Cristina Kirchner vinha recorrendo, embora de forma abusiva, a meios de proteção formalmente previstos em acordos internacionais.

Esse foi o caso das licenças não automáticas de importação, adotadas a partir de 2008. O recurso a esse instrumento ampliou as barreiras a produtos estrangeiros, com prejuízos especialmente para o Brasil.

Além de impor uma restrição comercial incompatível com os objetivos do Mercosul, o governo de Buenos Aires acabou violando normas da Organização Mundial do Comércio, ao demorar mais de 60 dias ? de fato, até mais de 180 ? para emitir as licenças. Mas pelo menos era explícita a exigência de licenciamento, ainda em vigor graças à passividade do governo brasileiro.

As novas barreiras foram justificadas por fontes do governo argentino, há algumas semanas, como defesa contra a desvalorização do euro. Ao mesmo tempo há ações contra a concorrência chinesa, classificada como desleal por industriais e autoridades da Argentina. Mas a maior parte das barreiras criadas pelo governo de Buenos Aires acaba afetando o Brasil, mesmo quando o objetivo alegado é a defesa contra competidores de fora do Mercosul ou da América Latina.

Nada pode justificar a tolerância do governo brasileiro ao protecionismo do governo argentino. Se a ideia é colaborar com o vizinho e sócio no Mercosul, há maneiras de agir mais eficientes e mais leais. A nova barreira imposta vai além da violação das boas normas de comércio e de integração econômica e resvala para a mais barata malandragem. É o Mercosul levado a seu nível mais baixo.

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Fiesp quer uso de cláusula do Mercosul contra a Argentina
Agência Estado, 24.05.2010

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) vai sugerir ao governo a utilização de uma cláusula especial do Mercosul para tentar reverter o cancelamento de 25% das compras argentinas do Brasil. Os empresários querem evitar que os subterfúgios argentinos contra importação prejudiquem a indústria brasileira. O diretor de Comércio Exterior da Fiesp, Ricardo Martins, disse que a ideia é evocar o Protocolo de Olivos que trata de medidas excepcionais e de urgência.

O Conselho do Mercosul poderá estabelecer procedimentos especiais para atender casos excepcionais de urgência que possam ocasionar danos irreparáveis às partes, diz o artigo. Na interpretação da entidade, o cancelamento de pedidos em função da pressão do governo argentino pode configurar situação de dano irreparável aos exportadores brasileiros, segundo argumentou Martins.

O que mais nos preocupa é a falta de disposição dos Importadores e supermercadistas argentinos em contrariar o secretário Moreno, disse ele, referindo-se ao secretário de Comércio Interior da Argentina, Guillermo Moreno, que se reuniu com os empresários há 10 dias para transmitir a proibição de importar alimentos e bebidas similares aos de produção doméstica. Depois da advertência de Moreno, nos primeiros dias de maio, as cargas do exterior começaram a se acumular nos portos e pontos das fronteiras por falta do certificado de circulação sanitária.

Na última semana, a entrega pelas autoridades argentinas dos certificados foi restabelecida a conta-gotas. As pilhas de contêineres nos portos e as filas de caminhões nas fronteiras com o Brasil, Chile, Uruguai e Paraguai, começaram a se movimentar. A Câmara de Importadores da República Argentina estima que a normalização do fluxo de importação destes carregamentos só ocorrerá na próxima semana. A presidente Cristina Kirchner disse durante a cúpula da UE-Mercosul que as barreiras nunca existiram. Dois dias depois, o ministro do Interior, Florencio Randazzo, ratificou as declarações de Cristina, mas alertou que a Argentina defenderá o desenvolvimento da indústria nacional em caso de dumping.

A frase reforça as suspeitas dos empresários de que, mesmo sem usar medidas escritas, o governo argentino vai continuar valendo-se de manobras para reduzir a entrada de produtos importados. Uma fonte oficial afirmou que a intenção é provocar um dano econômico aos importados que possibilite a compra em primeira instância dos produtos nacionais.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Descobrindo velhas coisas, publicadas, distraidamente

Por vezes estudantes me pedem artigos para publicar em jornaizinhos eletrônicos aqui e ali. Eu mando e depois esqueço, e eles também esquecem de me avisar.
Acabo de publicar um artigo, como abaixo, mas ainda não vi o material disponível e linkado.
“PIIGS da UE: uma sigla obscura para situações muito claras”,
newsletter Prisma: Informativo Eletrônico (Empresa Jr. de Relações Internacionais da PUC-SP, Prisma Consultoria Internacional, edição 22, 24.05.2010; link: http://prismajr.wordpress.com/).
Por acaso descobri outro artigo, que me tinham pedido no ano passado, publicaram e acho que não me avisaram.
Segue abaixo.

Cenários alternativos à queda do Muro de Berlim
Paulo Roberto de Almeida*
Prismajr, novembro de 2009

Os episódios do verão e do outono de 1989 aparecem retrospectivamente como inevitáveis, mas o fato é que não havia nada de inevitável nas iniciativas e ações empreendidas pela população da Alemanha Oriental, se ela não tivesse decidido tomar o destino em suas próprias mãos. O que poderia ter ocorrido com Berlim e com a Alemanha, e que não ocorreu? O chanceler da República Federal, Helmut Kohl, considerado o grande arquiteto da reunificação alemã, não tinha muita esperança, até esse outono de 1989, de que ela pudesse ser obtida no curto prazo. Em suas tratativas com Gorbachev, ao longo de 1989, Kohl não imaginava – e nisso o líder soviético estava de acordo – que a unificação pudesse ocorrer antes do ano 2000: não antes do século 21, segundo Gorbachev.

A maior parte dos líderes ocidentais não desejava a reunificação alemã: eles tinham medo de seus efeitos desestabilizadores para o frágil equilíbrio geopolítico na Europa central. Se dependesse dos líderes da Europa ocidental, de um lado, e do eventual predomínio da linha dura soviética sobre a glasnost e a perestrojka de Gorbachev, de outro lado, a derrubada do muro, em novembro de 1989, e a unificação das duas Alemanhas, no seu seguimento, poderiam não ter ocorrido, ou pelo menos poderiam ter sido remetidas a outra conjuntura política.

Os líderes da DDR, com Honecker à cabeça, poderiam ter resistido às pressões dos Ossis pela abertura do muro, se não tivessem sido dissuadidos de alguma ação mais impensada por Gorbachev. A própria União Soviética poderia ter resistido à abertura dos países satélites. Este parece, de fato, o elemento decisivo do processo que levou à derrubada do muro: a substituição da doutrina Brejnev pela nova ‘doutrina Gorbachev’, que excluía a possibilidade de uma invasão. Na prática, cada país socialista mantinha sua própria relação com a e a dinâmica da liberação foi dada pela relação de forças internas ao país.

Ou seja, a história tinha várias outras possibilidades nas múltiplas gavetas de um imenso armário que se move apenas lentamente entre uma época e outra. O próprio Gorbachev, ao ser questionado pelos líderes do SED – o Partido Comunista da DDR – sobre o que fazer em face do fluxo contínuo de cidadãos de seu país, que estavam se refugiando em embaixadas ocidentais na Hungria e na Tchecoslováquia ou fugindo por fronteiras doravante abertas, recomendou que eles se ajustassem às novas realidades. Ele pronunciou, então, sua frase mais famosa nessa conjuntura: “Quem chega tarde, é punido pela História”. De fato, os líderes soviéticos poderiam ter recorrido à maneira forte, ao estilo chinês, e interrompido o processo histórico de maneira violenta, confirmando o totalitarismo tradicional da história russa: que Gorbachev não o tenha feito, é totalmente em sua honra.

Ainda que uma evolução mais assertiva da Alemanha no plano estratégico e militar seja teoricamente possível, existem fortes barreiras psicológicas a que esse tipo de ‘progresso’ venha a ser algum dia implementado. O passado militarista e expansionista, a trágica memória do holocausto nazista e a nova consciência pacifista de sua população constituem poderosas vacinas contra um renascimento da antiga vontade de potência.

Por outro lado, mesmo que a Alemanha esteja rapidamente a caminho de tornar-se um país ‘normal’, a nação, vinte anos depois da derrubada do muro de Berlim e dezoito depois da unificação, continua psicologicamente dividida em Ossis e Wessis, o que obviamente dificulta qualquer projeto nacional mais assertivo. Esses dois conceitos são bem mais culturais do que propriamente geográficos, e revelam toda a extensão da fratura mental criada pelos 40 anos de partição.

Talvez o Sonderweg, a via especial da Alemanha atual seja a necessidade de uma dedicação exemplar à causa da integração, mesmo a um custo econômico sem correspondência direta com os benefícios materiais que o país retira de sua subordinação ao projeto comunitário. Essa ‘servidão voluntária’ em favor da integração europeia constitui, talvez, o preço a pagar pelos diversos Sonderwegen do passado, que levaram a Europa a três guerras em duas gerações.

O que é certo é que a Alemanha e Berlim estarão no centro de qualquer arranjo futuro da ordem internacional no contexto europeu, ainda que não se trate da mesma Alemanha do passado, nem da mesma capital imperial. A velha Prússia foi amputada e diminuída em favor da Polônia, que por sua vez perdeu territórios para o então império soviético. Tampouco se aplica mais o argumento de Thomas Mann, que pedia uma ‘desgermanização’ da Alemanha como condição de sua democratização: ela é hoje plenamente democrática e se afirma cada vez mais, orgulhosamente, como alemã, recuperando os antigos gênios de sua cultura erudita, não os fantasmas de um passado hoje superado.

A Alemanha poderá, inclusive, recuperar algumas ferramentas de sua afirmação militar, mas o instrumento bélico não mais servirá para ameaçar ou invadir seus vizinhos, e sim para servir às causas da integração e da normalização europeia e às da paz e da segurança internacionais, no quadro da ONU, em cujo Conselho de Segurança a Alemanha poderá talvez um dia sentar-se em caráter permanente. Ela poderá, talvez, apresentar-se como uma nova República de Weimar, não, obviamente, no sentido dos extremismos políticos e da ascensão do totalitarismo, como ocorrido no entre guerras, mas, sim, no conceito otimista de uma cultura goethiana, feita de ‘afinidades eletivas’ com a democracia e os direitos humanos.
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*Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas e Diplomata de carreira desde 1977.

Politica Externa brasileira: pro e contra o "acordo" com o Irã

Um artigo de opinião e um editorial do Globo sobre a aventura iraniana.
Primeiro um artigo a favor, do ex-presidente da Câmara e ex-líder do PT, deputado federal por SP. Depois o editorial do Globo.

Um acerto para a paz
Arlindo Chinaglia
O Globo, 24 de maio de 2010

O memorando de entendimento sobre enriquecimento de urânio assinado pelo Irã com Brasil e Turquia é uma realização extraordinária da diplomacia brasileira e do presidente Lula. Os especialistas concordam com isso. A imediata consequência é que agora não há argumentos defensáveis para insistir na escalada de sanções.
O acordo dissipa um foco de tensão e pavimenta o caminho para uma solução do impasse que envolve o Irã, as superpotências e a Agência Internacional de Energia Atômica.
O processo aberto exigirá maior empenho de negociação, como o documento trilateral prevê, e garantias de segurança complementares, mas é inegável que o esforço diplomático do Brasil e da Turquia abriu a possibilidade de diminuir as preocupações da comunidade internacional. O principal entrave às negociações, o envio do estoque de urânio levemente enriquecido do Irã ao exterior, foi superado.
A diplomacia brasileira agiu à altura do novo papel do Brasil no mundo e contribuiu para o Irã firmar um compromisso que até então resistia a fazer. Não é tarefa fácil definir quem vai enriquecer o urânio, acertar as garantias formais e outros ajustes. Mas o que parecia impossível era firmar o acordo, e isto foi conquistado.
Evidentemente, tudo deverá ser submetido à análise da AIEA e do Conselho de Segurança da ONU.
Não há mais uma justificativa técnica e racional para não entabular negociações sérias com o Irã. A entrega dos 1,2 mil quilos de urânio iraniano e a não condicionalidade sobre o recebimento prévio do combustível geraram uma situação absolutamente nova. A questão agora é fundamentalmente política. Os EUA e seus aliados estão dispostos a adentrar pela porta aberta pelo Brasil e negociar com o Irã, ou o interesse maior é no isolamento e desestabilização do regime iraniano? O curioso é que, em nosso país, parte da oposição e da mídia fica na torcida contrária à diplomacia brasileira. Diziam que o Brasil não tinha influência e que as gestões não dariam em nada; agora dizem que o acordo é inútil, embora quase todo o mundo tenha dado destaque ao êxito da operação diplomática. Até o comandante em chefe da Otan na Europa, general James Stavridis, afirmou que o acordo é um “exemplo do que todos buscamos, um sistema diplomático que vise a um bom comportamento por parte do regime iraniano”. Houve elogios também de França, China, Rússia e do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
A atuação do Brasil junto ao Irã abre novas portas para a distensão. Exemplo é a libertação da professora francesa Clotilde Reiss, depois de uma retenção de dez meses no Irã. Temos muito a ganhar. O Irã é um país-chave para o equilíbrio geopolítico do Oriente Médio, que interessa a nós e ao mundo.
As relações econômicas e comerciais também são importantes: o Irã, com uma das maiores reservas de petróleo e gás do mundo e um PIB de US$ 336 bilhões, desponta como potência emergente.
Diante disso, o presidente Lula, em sua viagem ao Irã, anunciou que disponibilizará, ao longo de cinco anos, uma linha de crédito de US$ 1 bilhão para o país persa importar alimentos brasileiros. O comércio bilateral pode quintuplicar em cinco anos, dos atuais US$ 2 bilhões para cerca de US$ 10 bilhões.
O mundo e o Oriente Médio não precisam de mais uma guerra. O Brasil abriu as portas para o diálogo e para a paz
O curioso é que parte da oposição e da mídia fica na torcida contrária ao país.

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Agora o editorial do Globo, que não acha a aventura tão extraordinária assim:

Suicídio diplomático
Editorial, 24/05/2010

A temerária operação diplomática empreendida pelo governo Lula para salvar o mundo no Irã terminou como cena de contos em que tapetes persas voam e magos saídos de garrafas curam todos os males: esfumaçou-se no ar.

Infelizmente, ao contrário das fábulas, há previsíveis desdobramentos objetivos contra os interesses do Estado brasileiro — instituição perene, ao contrário de governos.

Ao menos a descuidada operação feita em aliança com a Turquia, levada à frente apesar dos alertas sobre a baixa ou nenhuma confiabilidade do regime iraniano em conversações sobre o programa nuclear do país, ajudou a se concluir de vez que, na diplomacia brasileira, tudo vale para atingir um alvo estratégico: contrapor-se a interesses dos Estados Unidos e aliados do Primeiro Mundo, o “Norte”.

No mesmo balaio, encontra-se a preocupação quase obsessiva — embora legítima — de aumento da influência mundial do Brasil, alvo também perseguido pela sócia Turquia, desde o pósguerra candidata frustrada a entrar no bloco europeu.

Apenas muita convicção ideológica podia levar o governo a ir adiante numa empreitada com todas as condições de dar errado. E deu, no melhor estilo das frases cômicas do Barão de Itararé. Recolocar sobre a mesa, em Teerã, os mesmos termos do acordo proposto aos iranianos, em outubro do ano passado, pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), era infrutífero.

Naquela época, considerando-se os estoques de urânio do Irã, as quantidades de material a ser enriquecido fora do país representavam cerca de 2/3 do total. Agora, pouco mais da metade. Ou seja, se levado a sério pela comunidade internacional, o acerto seria muito menos eficaz como instrumento para reduzir a margem de manobra de Ahmadinejad e aiatolás no seu pouco disfarçável projeto de dotar a ditadura teocrática de armamentos nucleares.

Em 2009, o Irã aceitou as condições encaminhadas pela AIEA — com os Estados Unidos, é claro, por trás, apoiados por Rússia e China —, para logo depois recuar. Na semana passada, a cúpula de Ahmadinejad patrocinou uma festa em Teerã, com direito a braços erguidos de Lula e Erdogan (Turquia), em comemoração ao fechamento do acordo de outubro do ano passado.

A indiscutível manobra para adiar a decisão do Conselho de Segurança da ONU — em que Brasil e Turquia têm assentos não permanentes — sobre novas sanções durou apenas horas. Os Estados Unidos aceleraram as conversas com a reticente China e, logo na manhã seguinte àquela festa — pelos fusos de Brasília e Nova York —, a secretária Hillary Clinton anunciava o consenso com chineses e russos para apertar torniquetes das sanções para obrigar Teerã a negociar a sério.

Nas declarações oficiais na ONU, a tentativa de Brasil e Turquia foi considerada positiva.

Nas conversas francas, off the record, entre auxiliares de Barack Obama na Casa Branca e repórteres, não se escondeu a irritação com Brasília e Ancara. Com razão, pois postergar os trabalhos no CS é dar tempo para Ahmadinejad obter mais urânio das suas centrífugas, cujo número tem sido ampliado para elevar a taxa de enriquecimento do urânio.

Ao ter ajudado, na prática, o Irã a buscar a bomba nuclear, Brasília perdeu parte da credibilidade nos principais centros da diplomacia mundial. Ficou mais longe do assento de titular no CS — entre outros prejuízos, inclusive para a pessoa de Lula, visto agora com menos daquele glamour de simpático metalúrgico que venceu na vida.

Neoliberalismo e crescimento: quem disse que ele só produz miséria, pobreza e desigualdade?

Existe um mito, muito difundido em certos meios, de que o neoliberalismo é incapaz de fazer um país crescer, como as políticas keynesianas ou neokeynesianas em aplicação em tantos países.
A prova é muito simples: basta examinar os dados, como provam os números transcritos aqui abaixo.
Aliás, se keynesianismo e intervenção estatal fossem garantias de crescimento e riqueza, os países da América Latina, que praticaram ambos ininterruptamente durante mais de cinco décadas (alguns ainda praticam, ou voltam a essas políticas) seriam superpotências econômicas, e não o desastre que efetivamente foram e ainda são.
Paulo Roberto de Almeida

Britain enjoyed higher GDP growth post Thatcher
Tino Sanandaji
Blog Super-Economy
Kurdish-Swedish perspectives on the American Economy
Friday, May 7, 2010

In 1979, when Margaret Thatcher became prime minister, out of the 4 major European countries, the United Kingdom was the poorest. It had a lower gdp per capita than Germany, France and Italy.

But the U.K subsequently grew faster than the other European countries. By 2008, the latest available year, the U.K was the richest out of the 4.

White the U.K in per capita terms was 7% poorer than France in 1979, it was 10% richer than France in 2008.

This graph shows real per capita GDP (from OECD) for the U.K, and a population weighted average of the other 3 major west European nations: Germany, France and Italy. As you see they start of richer than the U.K in 1979, but by the end of the period the U.K is richer than the average (and richer than any individual country).

It will be interesting to see if this advantage is maintained after the crisis.
There is a strong case to be made that Thatcher's pro-market reforms had a lot to do with this remarkable recovery.

* Tino Sanandaji is a 29 year old PhD student in Public Policy at the University of Chicago, and the Chief Economist of the free-market think tank Captus.

Mercosul: um debate esquizofrenico

As pessoas que debatem o Mercosul geralmente exibem um conhecimento precário sobre seu (não) funcionamento. Não tenho tempo, agora de desenvolver minhas ideias, mas estou escrevendo um trabalho sobre a sobrevivência e as mudanças no Mercosul.
Por enquanto vai um artigo que demonstra que certos "defensores" do Mercosul não conhecem o mínimo de sua estrutura e mecanismos.
Paulo Roberto de Almeida


Pé torto que dói

Claudio Salm
O Globo, Sexta-feira, 21 de maio de 2010

O senador Aloizio Mercadante tem compulsão a falar, sempre de forma afobada e aparentemente irrevogável, sobre o que não fez e o que não sabe, e este é o caso, entre outros, do Mercosul. Ao se precipitar em um artigo no GLOBO (“Tiro no pé”, em 2/5) sobre esse tema, mostrou que tem pé torto e chutou para fora.

Para começar, o senador petista não tem noção sobre a diferença entre uma Zona de Livre Comércio e uma União Aduaneira, o que resulta em grande confusão.

Livre Comércio supõe a plena isenção de tarifas e taxas entre os países integrantes, além da eliminação de barreiras não alfandegárias e de subsídios que afetem o comércio entre eles. É um processo que toma tempo. No Nafta (Canadá, Estados Unidos e México) essa transição se estendeu do início dos anos 90 e ainda não está consolidada.

O Mercado Comum Europeu, que começou a engatinhar depois da Segunda Guerra, pelo aço e pelo carvão, e tornou-se Comunidade Europeia nos anos 60, só virou União Europeia em 1992, em Maastricht, 30 anos depois.

A União Aduaneira incorpora a Zona de Livre Comércio e vai mais longe: implica tarifa externa comum para todo o fluxo de comércio dos países-membros com terceiros países, bem como a impossibilidade de que um deles firme, isoladamente, acordos de livre comércio com países de fora do bloco. Acordos, só com a aval de todos. Uma União Aduaneira implica renúncia da soberania comercial de cada um dos seus integrantes. No caso do Mercosul, qualquer membro pode implodir um acordo que o Brasil deseje negociar com a Rússia, a Índia ou a China, por exemplo.

Foi por inércia, mas também por causa disso, que durante os oito anos do governo Lula o Brasil assinou apenas um acordo de livre comércio, com Israel, ainda pendente de ratificação, e o fez no âmbito do Mercosul, enquanto no mundo foram firmados cem acordos dessa natureza. O comércio exterior brasileiro cresceu muito nos últimos anos, é verdade, mas até um vestibulando sabe, ao contrário de Mercadante, que esse crescimento não foi fruto de nenhuma política de comércio exterior, mas simplesmente da subida dos preços de nossas commodities e do crescimento da demanda internacional: no governo FH, entre 1994 e 2002, o preço médio das exportações caiu 12%, enquanto no governo petista, entre 2002 e 2008, aumentou 60%! Sem informações e conhecimento mínimos sobre o assunto, o senador Mercadante considerou que a tese de que o Mercosul deveria rever e flexibilizar o acordo em relação à União Aduaneira — para concentrarse no livre comércio e fortalecerse — equivaleria a extingui-lo! Ele nem mesmo sabe que o Brasil, 15 anos depois do Tratado, ainda não pode vender açúcar livremente para a Argentina; ignora que ainda não há livre comércio para automóveis; nunca ouviu falar nem sabe o que são as “perfurações” em matéria de Tarifa Externa Comum: trata-se de mudanças unilaterais de tarifas que ultrapassam o teto comum da TEC, como fez a Argentina durante sua última crise, nunca mais corrigiu, e continua fazendo. Aliás, a participação dos países do Mercosul no comércio brasileiro vem decaindo nos últimos anos, enquanto países como a China — apesar de tão distante — ou como o Chile (que acabou não ingressando no Mercosul por recusar a Tarifa Externa Comum) têm conosco um comércio mais dinâmico.

O ponto máximo da erudição do senador dos “aloprados” é exibido quando ele faz, sem saber, sociologia do conhecimento: segundo ele, os que defendem a extinção (sic) do Mercosul são “conservadores”.

Mal sabe que, antes da criação do Mercosul, os primeiros a defender que suas primeiras etapas se desenvolvessem como Zona de Livre Comércio, além de José Serra, provinham de horizontes ideológicos opostos, como o embaixador Roberto Campos, ícone da direita, e Paulo Nogueira Batista, outro diplomata competente e, na sua época, mais à esquerda do que quase todo o Itamaraty. Já os governos Itamar Franco, FHC e Lula, aos quais não se pode acusar de serem mais conservadores do que Sarney e Collor, endossaram a União Aduaneira total.

Esse fino raciocínio do senador atinge seu ponto mais sofisticado quando identifica, por trás da preferência pela Zona de Livre Comércio, um viés pela natimorta Alca.

Como e por quê, ele não revela. E ignora, como nenhum economista sério deveria ignorar, que o primeiro artigo crítico sobre a Alca, abrangente e de corte acadêmico, foi publicado pelo então senador Serra na revista “Política Externa” (1997).

Muito mais grave do que cometer um erro, o que é humano, é sem dúvida persistir nele, o que chega a ser desumano. Pé que nasce torto fica torto a vida inteira. E dói.

Anarquistas: uma espécie ameaçada de extinção...

Vou começar aqui uma campanha para a inscrição imediata dos anarquistas num dos anexos da Convenção Cites.
Para quem não sabe, a Cites é a convenção que visa defender as espécies ameaçadas de extinção.
Com perdão dos próprios, acho que os anarquistas se inserem totalmente no espírito e na letra da convenção.
Senão vejamos.
Acabo de receber, da Federação Anarquista do Rio de Janeiro, um convite para a seguinte discussão:

On May 24, 2010, at 11:31 PM, FARJ wrote:

Neste próximo Sábado temos uma atividade libertária de formação e estudo coletivo!
O Círculo de Estudos Libertários Ideal Peres (CELIP), espaço público de estudos e discussão da Federação Anarquista do Rio de Janeiro tem o prazer de lhe convidar para a atividade:
"GEOGRAFIA E ANARQUISMO".
Com textos dos geógrafos anarquistas Piotr Kropotkin e Elisée Réclus.
29/05 - 14h!
Endereço: Rua Torres Homem 790 - Vila Isabel
Referência: Próximo a Escola de Samba Vila Isabel e ao final do Boulevard 28 de Setembro.
Os textos de discussão e estudo podem ser baixados em:
http://www.alquimidia.org/farj/arquivosSGC/2010051907Reclus_Origem_da_familia.pdf
http://www.alquimidia.org/farj/arquivosSGC/2010051757O_Que_a_Geografia_Deve_Ser_KROPOTKIN.pdf
Materiais, Histórico, Conteúdo do CELIP podem ser encontrados no site da FARJ.
www.farj.org
O cartaz vai em anexo!
Haverá banquinha de livros libertários, debate e anarquismo!
--
Federação Anarquista do Rio de Janeiro - FARJ
www.farj.org


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Pois bem, eu pergunto, out of curiosity:

Não tinha nada de mais recente para apresentar?
Coisas de mais de cem anos atrás?
O anarquismo nao fez nenhum progresso intelectual desde então?
Elisée Réclus escreveu sua monumental obra geográfica, La Nouvelle Géographie universelle, la terre et les hommes, num período de quase 20 anos (de 1875 a 1894).
A obra geográfica de Kropotkin é ainda mais antiga que a de Reclus, de quem foi amigo, tendo ele dedicado-se mais ao trabalho político do que geográfico nas últimas décadas do século 19.
Será que os anarquistas não fizeram nenhum progresso desde então?
Existem sérios motivos para nos preocuparmos com sua sobrevivência, por isso lanço este apelo desesperado: inscrevam-nos no Cites, por favor, rapidamente...
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Paulo Roberto Almeida

Delfim Neto está ficando gaga: demorou, mas ficou...

Bem, o velho czar da economia está batendo pino, se me permitem a expressão. Ele está preocupado com um produto altamente estratégico para o desenvolvimento brasileiro: o minério de ferro.
Reparem bem: ele não se preocupa com a educação das crianças, nem com a produção de patentes pelas indústrias brasileiras.
Ele só quer defender matéria-prima: "O minério é nosso!", poderia ele gritar.
Que coisa mais triste: poderia encerrar a carreira defendendo a inteligência brasileira, e resolve apoiar a burrice.
Ele é um dos muitos que acha que o futuro brasileiro está na defesa do nosso minério, contra os cúpidos chineses.
Que barbaridade, os chineses quererem comprar nosso minério...
Ele é mais um dos que se enrolam na bandeira e sobem numa pilha de minério para proclamar: ele é nosso, ninguém toca.
Não pensei que além de cínico, ele fosse ficar gagá, e lutar contra a racionalidade econômica...
Paulo Roberto de Almeida

Compras da China e soberania brasileira
Antônio Delfim Netto
DCI, 24.05.2010

As exportações brasileiras para os países da África estão perdendo terreno, e atribui-se essa queda principalmente à concorrência de produtos chineses.

No geral, as vendas brasileiras em 2009 foram 15% mais fracas que em 2008, e isso apesar do esforço oficial para ampliar as relações com os países do Continente.

Não é novidade o fato de que as exportações chinesas vêm ocupando espaços de produtos brasileiros no mercado mundial, e isso não se limita aos países africanos.

A China tem uma política de exportações e câmbio favorecido, e o Brasil, por outro lado, mantém um câmbio perverso, sem uma política agressiva de exportações há 25 anos.

Basta lembrar: no período 1980/84, as vendas chinesas representaram 1,2% das exportações mundiais, o Brasil, 1,2%, e a Coreia do Sul, idem.

No ano passado, o Brasil tinha praticamente a mesma participação, com 1,3% das exportações mundiais, enquanto a China passava de 10% e a pequenina Coreia representava quase 3%.

A realidade é que nós deixamos o caminho livre aos nossos concorrentes no mercado mundial.

A agressividade chinesa não se resume, atualmente, à conquista de mercados para suas exportações.

A China é um país que vive uma expansão econômica enorme. O país acumulou, por exemplo, reservas da ordem de 2,4 trilhões de dólares.

Neste montante estão 800 milhões de dólares investidos em papéis dos Estados Unidos.

Os chineses estão claramente procurando uma diversificação deste portfólio, saindo de aplicações financeiras em busca de coisas físicas.

A China tem hoje uma presença externa semelhante à dos europeus nos bons tempos coloniais: ela invadiu praticamente o continente africano.

Seus empreendimentos na África adquiriram tal dimensão que eu suspeito que daqui a 20 anos haverá problemas de ordem política nesses investimentos.

Mas ela vai prosseguir com a política colonial porque precisa resolver o seu problema interno.

É um país altamente produtivo, com uma população gigantesca de 1,3 bilhões de habitantes (oito vezes a do Brasil), um território imenso, mas de terras degradadas em 5.000 anos de exploração, com uma falta de água muito importante (é por isso que não pode abrir mão do Tibete), com dificuldades e carências de abastecimento muito sérias.

Portanto, para manter a sua sociedade funcionando, a China precisa suprir-se de minerais, de alimentos e de energia, onde puder buscá-los.

No Brasil, operadoras chinesas têm procurado entrar no etanol e participar da exploração de petróleo.

Em princípio não teria maior problema, nestes ou em outros ramos, se se tratasse de negócios entre entes privados e sem as exigências (compra de equipamento chinês etc.) como habitualmente se apresentam.

Recentemente, porém, essa presença chinesa vem suscitando questões que precisam ser observadas com muito cuidado.

O Brasil não deve admitir, por exemplo, (e eu creio mesmo que existe impedimento constitucional a que isso aconteça) que empresas estatais da China comprem nossas jazidas de ferro, manganês, ou o que seja, e passem a abastecer de minério as suas siderúrgicas.

Da mesma forma o Brasil deve proceder em relação à aquisição de enormes porções de terra por empresas do Estado chinês para a produção de alimentos, com a construção de ferrovia até os portos de exportação para a China !

É o mesmo que está acontecendo em diversos países africanos.

Essa situação envolve questões de cessão de território a um poder estatal estrangeiro e não tenho dúvida de que se for permitido vamos ter problemas de soberania entre os dois países nos próximos anos.

O Brasil não deve admitir que empresas estatais da China comprem nossas jazidas de minério.

Argentina: um pais de opereta, no pior sentido da palavra

Quem diz não sou, e sim o jornalista brasileiro Ariel Palacios, correspondente em Buenos Aires do Estadão e da GloboNews, em seu blog Os Hermanos, em post dedicado às confusas e divididas comemorações argentinas pelos 200 anos de independência.
Começa pela farsa de comemorar agora 200 anos, para uma independência que de fato só foi obtida em 1816, ou seja, seis anos mais à frente. Em 1810, o Cabildo de Buenos Aires estrilou, bem deu um grito, quando Napoleão chutou para fora do trono espanhol Fernando VII, que ficou confinado alguns anos perto de Marselha, até ser restabelecido no trono espanhol (e reverter a Constituição de Cádiz, liberal, que ele nunca aceitou), depois que Napoleão foi por sua vez chutado para fora do trono francês...

Um século atrás, a Argentina era um país sério, desenvolvido. Offenbach, um francês (alsaciano) compunha operetas cômicas, e para representar o típico latino-americano ridículo, ele compos a figura do "Brésilien d'operette".
Bem, acho que se ele fosse vivo, hoje, comporia suas obras cômicas com o "Argentin d'operette", aliás não só um, mas vários, como nos demonstra esta reportagem de Ariel Palacios.
Divirtam-se...
Paulo Roberto de Almeida

‘Todos contra todos’: um bicentenário em ritmo de opereta (com bônus track de lunfardo e a russa diva)
por Ariel Palacios
Blog Os Hermanos, 22.05.2010

Resumo da opereta
O Teatro Colón, a maior sala de ópera da América Latina (que segundo especialistas da lírica, conta com a melhor acústica para o gênero), será reinaugurado nesta segunda-feira à noite. Ainda não abriu suas portas e já é o foco de uma disputa digna de uma opereta de Franz Léhar ambientada em um inventado país dos Bálcãs.
Cristina Kirchner, irritada com o prefeito Maurício Macri, não irá à principal festividade das celebrações do dia 25 de maio, a data nacional, no Teatro Colón, símbolo da cultura argentina.
Por outro lado, a presidente não convidou ao banquete da terça-feira o vice-presidente Julio Cobos, com quem está brigada desde que ele, que também ocupa a presidência do Senado, votou contra o governo em 2008. O banquete será na Casa Rosada, o palácio presidencial.
De quebra, a presidente Cristina tampouco convidou os ex-presidentes argentinos ainda vivos desde a volta da democracia, em 1983.
O país contará com celebrações paralelas para o Bicentenário: a presidente Cristina, com o banquete na Casa Rosada e um Te Deum em Luján, o prefeito Macri com sua gala no teatro Colón; o cardeal Bergoglio com um Te Deum na catedral portenha, e até o governador de San Luis, Alberto Rodríguez Saá, que construiu uma réplica do Cabildo de Buenos Aires (edifício que foi o foco da Revolução de Maio) para fazer seus próprios festejos.

O Bicentenário argentino, longe de mostrar unidade política, exibe um país profundamente dividido, sem fatores externos que causem as divergências.
O colunista político Adrián Ventura, ironizou com amargura: “talvez no Tricentenário não estaremos pior do que agora…”

Personagens
- Cristina Kirchner, presidente, que chegou à Casa Rosada em 2007 como sucessora do próprio marido. Seus críticos afirmam que comporta-se como fosse uma diva de ópera.
- Mauricio Macri, prefeito de Buenos Aires, opositor dos Kirchners, ex-presidente do Boca Juniors e filho do empresário Franco Macri (o pai de Macri, por seu lado, é enfático simpatizante dos Kirchners desde 2004).
- Néstor Kirchner, ex-presidente (2003-2007), marido da presidente, secretário-geral da Unasul, presidente do partido Peronista e considerado o verdadeiro poder dentro do governo da esposa.
- Julio Cobos, vice-presidente que rachou com a presidente Cristina em julho de 2008. Considerado “mosquinha morta” quando foi escolhido para o posto de vice (Kirchner o escolheu para ser vice da esposa), agora é “presidenciável” da oposição. Macri não gosta dele, pois o prefeito portenho também ambiciona ser candidato da oposição nas eleições presidenciais de 2011.
Cenários: Teatro Colón, Casa Rosada, residência oficial de Olivos, prefeitura portenha.
Época: Os dias prévios ao 25 de maio de 2010. O 25 de maio é a data nacional, o dia da Revolução de Maio de 1810, quando iniciou o processo de rebeliões e guerras que levaria à independência do país em 1816. Na terça-feira que vem a Argentina celebrará o Bicentenário da Revolução de Maio. A data está gerando uma série de debates na sociedade sobre os acertos e os erros do país ao longo dos últimos 100 anos. O quiproquó político dos últimos dias deu um toque amargo às reflexões sobre o futuro da Argentina.

Libreto

Ato 1 – Macri fala demais
Mauricio Macri, na quinta-feira, a poucos dias da reinauguração do Teatro Colón, comenta com a imprensa como será quando a presidente Cristina for à sessão de gala na ópera na segunda-feira à noite: “se ela for com seu consorte (o ex-presidente Kirchner) terei que sentar ao lado dele. Mas isso não me deixa contente…”.
Macri, nos dias prévios, havia criticado o governo Kirchner pela investigação sobre o envolvimento do prefeito em uma serie de grampos telefônicos. Macri está sendo investigado pelo juiz Norberto Oyarbide, que nos últimos meses teria favorecido os Kirchners em diversos casos, segundo acusa a oposição.
Dentro da administração Macri alguns assessores admitem que o uso da palavra “consorte” não foi exatamente “conveniente”.

Ato 2 – Cristina perde a pose e se irrita
Cristina Kirchner coloca tom de drama na trama e afirma que não comparecerá ao Teatro Colón. Irritada – ou simulando estar irritada – a presidente envia uma carta ao prefeito Macri na qual indica que “a incrível catarata de ofensas que proferiu durante a última semana, chegando neste dia a manifestações públicas que desqualificam de forma pessoal, marcam um limite que não estou disposta a atravessar”.
No final, com ironia, disparou: “desfrute o senhor tranquilo e sem as presenças incômodas na noite do 24 de maio”.
Analistas políticos afirmam que, se bem a presidente Cristina costuma ter ataques de raiva pelos motivos da mais variada magnitude, neste caso a observação de Macri (sobre sentar ao lado de Kirchner) teria sido útil como argumento para não ir ao Colón.
Motivo: a festa do Colón é organizada por Macri, integrante da oposição. E, comparecer ao Teatro, onde Macri é o anfitrião, seria conceder-lhe alguns dividendos políticos que Cristina não pretendia dar.

Ato 3 – Imbroglio cresce e Cristina não atende o telefone
Macri tenta impedir a ausência da presidente do principal evento das celebrações do Bicentenário argentino para evitar um fiasco da imagem do país e afirma a Cristina Kirchner que lamenta sua decisão. Macri pede a Cristina Kirchner que “deixe de lado das diferenças e esteja à altura da História, que nos transcende”.
O chefe do gabinete de ministros da presidente Cristina, Aníbal Fernández, que nas últimas duas semanas manteve discussões ‘políticas’ em público com uma vedette do teatro de revista, uma modelo de passarelas – entre outras – afirma que a presidente não irá de forma alguma ao Colón. Nem ela nem outros integrantes do governo. Desta forma, ao redor de 200 entradas ficam sem dono para a noite de gala.
Na sequência, Macri telefonou à presidente Cristina na Casa Rosada. Mas, os assessores da presidente explicaram que não estava ai.
Depois, telefonou à residência oficial de Olivos. Mas, os assessores que ali estavam sustentaram que a presidente estava em uma “reunião”.
O chefe do gabinete do prefeito Macri, Horacio Rodríguez Larreta, fez um apelo na noite da sexta-feira à presidente: “por favor pense nisso..ainda existe tempo (para mudar de ideia)”. Depois, com ironia Larreta arrematou, afirmando que se Cristina for ao Colón, poderá passar “a imagem de unidade (nacional) pelo menos por um dia”.

Intermezzo com mais imbroglios e peculiaridades
No meio deste imbróglio operístico, o vice-presidente da República, Julio Cobos, recorda que não foi convidado para o banquete de gala da terça-feira na Casa Rosada o palácio presidencial, onde a presidente Cristina receberá 200 convidados especiais, entres eles o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Cobos, como vice-presidente, deveria ser convidado (independente do conflito entre ele e o casal Kirchner). Mas, os Kirchners não querem o detestado vice-presidente por perto.
Cobos irá ao Colón, onde não irá Cristina por vontade própria.
Macri disse que embora Cristina não compareça ao Colón, ele irá ao banquete da Casa Rosada apesar da indisposição da presidente de tê-lo por perto.
Mas, além de Cobos, a presidente Cristina Kirchner .- embora seja uma festa nacional que possui maior relevância pelos 200 anos celebrados – não convidou nenhum dos ex-presidentes civis argentinos ainda vivos (Carlos Menem, Fernando De la Rúa, Adolfo Rodríguez Saá, Eduardo Duhalde), com os quais não possui boas relações. A única exceção é o próprio marido, o ex-presidente Kirchner.
E, no meio de todo este quiproquó e comédia de enredos, o presidente do Uruguai, José Mujica, ex-guerrilheiro tupamaro, confirmou que estará presente na noite de gala do Colón, sem se importar com o conflito entre a presidente Cristina e o prefeito Macri.
Mujica, amante do teatro e da música clássica (além do tango), estará no Colón, e concidentemente, sentará ao lado do vice-presidente argentino, Julio Cobos.
No dia seguinte, no 25, Mujica sentará à mesa de Cristina Kirchner, na Casa Rosada, no banquete do bicentenário.

Ato 4 – Deus seria peronista
Na sexta-feira à noite, a presidente Cristina foi à avenida 9 de Julio inaugurar a exposição sobre o bicentenário organizada pelo governo federal. Ali, sem vacilar, afirmou de forma mística: “Deus quis que eu fosse presidente neste bicentenário!”
Ato 5 – Grand Finale, Todos contra todos
Ainda está para acontecer. Na segunda-feira à noite o prefeito Macri receberá 2.400 convidados para a gala do Colón.
No dia seguinte, a presidente Cristina celebra o 25 de maio em si.
Ela irá a um Te Deum, na catedral de Luján, na província de Buenos Aires, onde o bispo local é um dos integrantes do clero com os quais ainda não brigou.
Cristina descartou a cerimônia religiosa na catedral de Buenos Aires (que albergou a maior parte dos Te Deums dos últimos dois séculos), pois mantém uma relação tensa com o cardeal e primaz da Argentina, Jorge Bergoglio. Este, por seu lado, irritado com o descaso da presidente Cristina Kirchner, fará seu próprio Te Deum.

ANÁLISE DA OPERETA: Os analistas políticos criticam a decisão da presidente Cristina. E tampouco poupam Macri de críticas. A socióloga Beatriz Sarlo, no artigo “Brigas que carecem de grandeza” publicado neste sábado no jornal “La Nación”, indica que “não era previsível que ao chegar ao balanço do bicentenário estivéssemos ocupados com brigas cujos motivos carecem de qualquer exemplo”.
Segundo Sarlo, a frase de Macri sobre Kirchner (sobre sentar ao lado dele) é uma demonstração de que o prefeito portenho “acredita que pode comportar-se como se fosse o pai de uma namorada cujos sogros não lhe agradam”.
Sarlo sustenta que ele, falando como chefe de governo de Buenos Aires, não deve declarar que não está contente em receber o marido da presidente no dia 25 de maio no Colón. “Ninguém lhe pede que diga que sentar ao lado de Néstor Kirchner seja seu sonho. Ninguém lhe pede que exagere um tom amistoso que não sente..simplesmente, um político em funções de governo cala a boca”.
Sarlo também critica a presidente Cristina e diz que ela só não vai ao Te Deum na catedral para não encontrar o cardeal Bergoglio ali.
Segundo Sarlo, os motivos destas atitudes “que seriam caricaturescos se não afetassem a vida pública, tem a ver com o pior lado do estilo político nacional”.

Big IF: there will be a double dip recession?

Essa é a pergunta, não de um, mas de vários milhões, mais propriamente de bilhões de dólares, talvez mais de um trilhão...
Em todo caso, a China ainda está crescendo, embora tenha um bocado de bolhas (imobiliária, de crédito, outras) acumulando aqui e ali...
Vamos ver se a economia mundial se ajeita, ou se mergulhamos outra vez no desespero.
Alguns países estão fazendo o seu homework, como o Reino Unido, cortando gastos e controlando déficit. Nem todo mundo pode dizer a mesma coisa...
Paulo Roberto de Almeida

Don't Rule Out a Double Dip Recession
By CHRISTOPHER WOOD
The Wall Street Journal, May 24, 2010

In addition to Europe's woes, we have slower growth in China and a decline in bank lending and the velocity of money in the U.S.

World financial markets reacted bearishly to Germany's surprise announcement last week banning "naked" short-selling of euro-zone government debt, derivatives and some financial stocks. Short selling is considered naked when it involves the sale of an asset that isn't owned by the seller and isn't borrowed to cover the position while it's held. The news disturbed investors because of the unilateral nature of Germany's action. It's also seen as a potential prelude to other antimarket actions from Germany, or for that matter the U.S. and other Western nations, where the political backlash against free markets continues.

Also causing anxiety is the ominous rise in recent weeks in the three-month London interbank offered rate (Libor), the rate the most creditworthy banks charge each other for loans. This could result in yet another European credit crisis with banks becoming increasingly unwilling to lend to each other because of the interconnected holdings of "junk" European government debt. Bank for International Settlements (BIS) data shows that European bank exposure to sovereign debt in Portugal, Italy, Ireland, Greece and Spain totalled $2.8 trillion at the end of last year, accounting for 89% of international banks' total exposure to those countries.

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Associated Press
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Moving beyond Europe, a further negative for investors to contend with has been China's current tightening cycle; most particularly a machine-gun burst of antispeculation measures in the past two months aimed at its booming residential property market. China's leadership, worried by growing social concerns about unaffordable apartment prices, will want to see official confirmation that both residential property transactions and residential property prices are falling, as indeed is now the case. Transaction volumes are down more than 50% from the levels reached in the first half of April. Prices will soon follow.

An easing in policy toward housing by Beijing is unlikely until the end of the third quarter, though an earlier U-turn on policy is plausible in the event of a complete blowup in Europe. For this would reactivate Beijing's concerns about its business abroad. When the green light is turned on again, whenever that may be, all the empirical evidence suggests that this will translate into renewed demand for residential properties—as was also the case at the beginning of 2009, which was the last time the policy was reversed.

China's woes have served to aggravate the concerns of investors who are already negatively focused on Europe, where the Greek crisis has revealed the critical fault line of the euro-zone—namely the difficulty of having monetary union without political union.

Meanwhile, the fundamental trend in the West remains profoundly deflationary. Last week the U.S. government reported that the country's core consumer price index (CPI) inflation rate slid in April to its lowest level in 44 years.

It is also the case that, if the U.S. headline CPI remains flat from May onwards, the year-on-year headline CPI inflation rate will then fall to 1.4% in June and zero by January from 2.2% in April. This trend will reawaken deflationary concerns prompting Federal Reserve Chairman Ben Bernanke to keep interest rates at zero.

Or consider Ireland, which has suffered an astonishing 16 consecutive months of price deflation. The Irish CPI fell by 2.1% year-on-year in April. This deflation action is beginning to make Japan's experience of the past 20 years look like a picnic because Ireland, unlike Japan in the 1990s, remains in fiscal contraction mode. Thus, the Irish government aims to reduce its deficit to 10% of GDP in 2011 and then to 2.9% in 2014 from 14.3% last year

Others in the euro-zone will surely follow. Spain has potentially a huge deflationary cycle to endure given its level of consumer leverage and the degree of anticipated fiscal tightening. Spain's household debt-to-GDP ratio was 83% at the end of 2009, and Spain has to refinance €165 billion of maturing government debt by the end of 2011.

For the moment Spain has only just sunk into outright price deflation. Spanish core CPI, which excludes unprocessed food and energy products, fell by 0.1% year on year in April. This is the first core CPI deflation in Spain since the data series began in August 1986. But the pattern looks set to endure, and this is in a country that already has 20% unemployment.

Meanwhile, in America bank lending continues to decline as does the velocity of money in circulation. If this persists, markets will face worryingly low GDP growth in the U.S. going into 2011. It's this prospect that's begun to be discounted in the recent stock-market correction, which has already seen the S&P 500 give up all its gains for the year. This will sooner or later pave the way for another round of fiscal easing in Washington when both the Obama administration and Congress give up on their current hopes of a normal U.S. recovery.

That political mood swing will again raise the protectionist risk in Washington, with the lightning rod being the Chinese exchange rate. Beijing has been signaling that it will resume incremental appreciation of the renminbi by the middle of this year. But with the renminbi having appreciated by 24% against the euro since late November, China's leaders may be having second thoughts. A trade row between China and the U.S. on top of the growing concerns about a "double dip" in the West is the last thing markets will want to contend with. But they may have to.

Mr. Wood, equity strategist for CLSA Ltd. in Hong Kong, is the author of "The Bubble Economy: Japan's Extraordinary Speculative Boom of the '80s and the Dramatic Bust of the '90s" (Solstice Publishing, 2005).

O debate sobre o racismo oficial (1) - Renato Janine Ribeiro

Este deve ser uma resposta, mas acredito que receberá troco, a ser devidamente acompanhado aqui.
Sou contra o que escreve o autor, inclusive porque acredito que a politica racialista do governo conduz à criação de um Apartheid no Brasil, e considero ridícula sua assertiva de que as cotas tem prazo para acabar (segundo ele, dez anos).
Mas coloco seu artigo, para poder debater em seguida.

Sem preconceito nem ódio
Renato Janine Ribeiro
O Estado de S.Paulo, 24 de maio de 2010

Demétrio Magnoli, analisando um artigo inédito meu, pergunta o que penso do que ele chama "ensino do ódio", que consistiria em criar artificiosamente divisões raciais no Brasil, opondo, num país miscigenado, supostos descendentes puros de brancos a outros puros descendentes de escravos (13/5, A2).

Considero justo beneficiar grupos historicamente discriminados com uma ação afirmativa que reverta a tendência a continuar a discriminação. Isso vale para as mulheres, os negros, os indígenas, os pobres, para citar só algumas categorias. A ação afirmativa, nos EUA, é procedimento mais complexo do que a mera quantificação de beneficiários ? que chamamos de "cotas" ? e mudou profundamente aquele país. Vejam-se as séries de TV, sempre com negros em posição de destaque, mais que no Brasil. Veja-se o presidente dos EUA.

Apoio, por isso, a política compensatória. Se deixarmos as coisas meramente seguirem seu curso, o preconceito continuará. Mas há cuidados a tomar. Primeiro, uma política de cotas deve ter prazo de validade. Isso porque seu cerne é compensatório. É mais do que um paliativo, mas não muito. Se dermos aos afrodescendentes um bônus de dez pontos num vestibular, ajudaremos os que estão a um passo de passar na prova ? não aqueles, muito mais numerosos, que discriminados estão e assim continuarão. Tornaremos mais multicores as salas de aula, acostumaremos brancos e negros a conviver, teremos mais negros na direção da política e da economia. Isso é bom. Mas não resolveremos a discriminação como um todo.

Por isso sustentei, quando estava na Capes e participei de algumas reuniões no Ministério da Educação sobre a reforma universitária, em 2004, que as cotas não deviam durar mais que dez anos. E também que a nota de corte para os cotistas não fosse muito inferior à dos não-cotistas. Numa certa universidade, tinham entrado cotistas com um quarto da nota dos últimos não-cotistas. Esse caso é injusto, eticamente, e um desastre em termos educacionais.

Não concordo com Demétrio nem com nossa amiga comum Yvonne Maggie, autora com ele e outros do livro Divisões Perigosas, que a diferença entre brancos e negros no Brasil seja de todo artificiosa. Quem me convenceu disso foi Elio Gaspari, num artigo neste jornal há talvez dez anos, em que ele dizia que nunca, para discriminar negativamente os negros, houve grande dificuldade no País. Qualquer porteiro sabe quem ele deve mandar subir pelo elevador de serviço. A dificuldade de saber quem é negro, quem é branco começou quando se cogitou de discriminar a favor ? afirmava ele. É por isso que me parecem legítimas as ações afirmativas. Mas só com prazo máximo no tempo e distância justificada nas notas de corte, em torno de 10%, penso eu.

Por que as limitações? Por duas razões. A primeira é que, se é legítimo discriminar afirmativamente quem antes o foi negativamente, caso essa política se perpetue, forçará a criação de grupos ditos raciais, antagônicos entre si ? ou seja, se essas políticas forem radicais, Demétrio e Yvonne acabarão tendo razão e se construirão identidades artificiais, divisões, sim, "perigosas" num país que, afinal, é bastante miscigenado.

A segunda é que, curiosamente ao contrário do que Demétrio parece me atribuir, sou frontalmente contra qualquer exacerbação de identidades. O que acho mais positivo em nosso tempo é termos a liberdade, cada um de nós, de assumir identidades contraditórias e até mesmo provisórias. Antigamente, alguém da classe média paulista, com chance de educação superior, estudaria Direito, Medicina ou Engenharia, casar-se-ia e teria filhos, seria católico e apoiaria, digamos, o Partido Republicano Paulista. Hoje, uma pessoa nessa condição pode fazer cursos bem diferentes, ter filhos ou não, ser heterossexual ou homossexual, pertencer ao partido e à religião que quiser, até ser ateu... Isso é admirável. Nunca tivemos tanta liberdade. Ela traz riscos, porque deixa as pessoas inseguras. Viver na contradição é difícil, mas é mais verdadeiro do que se tornar, cada pessoa, um parque temático. Permite uma realização pessoal maior. Uma das iniciativas que tentei nessa direção foi um projeto de graduação interdisciplinar em Humanidades proposto na USP, que não foi aprovado na universidade, mas tem inspirado projetos de bacharelado interdisciplinar bem-sucedidos em outros Estados. Era um curso que contestava justamente a ideia de identidade.

Por isso mesmo, embora eu aprove o espírito e mesmo a letra de várias medidas preconizadas no Estatuto da Igualdade Racial ? na verdade, um projeto que em 70 artigos mencionava a palavra "negro" ou "negra" 79 vezes, subestimando assim outras etnias ?, não acho conveniente uma lei específica que repete o que já está em outras ou exige políticas direcionadas só para uma parte da população, preconizando, por exemplo, "a redução de mortes violentas entre jovens negros". Por que não a redução de mortes violentas entre todos os jovens? Perdemos todos quando se perde o sentido universal que devem ter, como regra, as políticas sociais. Por outras razões, sou um pouco cético quando o estatuto manda ensinar História Africana: nosso ensino básico é tão deficiente que seria melhor reforçar o conhecimento das duas linguagens básicas, o Português e a Matemática, como plataforma para estudar as demais ciências, antes de impor novos conteúdos a professores e alunos.

Finalmente: o meu texto que Demétrio Magnoli analisou não foi publicado. Apresentei-o num colóquio entre pesquisadores brasileiros e britânicos das ciências humanas, fruto de acordo que assinei, em nome da Capes, com a British Academy, que é a equivalente da Royal Society para as ciências humanas e sociais. Os papers deveriam ter sido editados em português e inglês, internacionalizando mais a pesquisa brasileira em humanas e abrindo uma rotina de encontros nossos com os britânicos. Infelizmente, o acordo não teve continuidade. Fico contente que pelo menos um dos artigos então apresentados tenha saído da gaveta, graças à crítica de Magnoli.

PROFESSOR TITULAR DE ÉTICA E FILOSOFIA POLÍTICA DA USP

Europeus vivem melhor do que americanos, certo?

Talvez, mas apenas por enquanto. Se eles continuarem a trabalhar tão pouco, e a tomarem férias e feriados tão longos, eles vão passar a viver menos bem do que os americanos (a despeito das grandes desigualdades existentes nos EUA).
Os brasileiros, sempre tão prontos a copiarem idéias erradas, acham (principalmente os sindicalistas) que devemos adotar os métodos e estilos de vida europeus, e não os americanos, pois os primeiros seriam mais "humanos", ou mais "civilizados", e os segundos seriam mais "selvagens", mais capitalistas, enfim.
Como diriam alguns, no longer...
Os europeus começam a enfrentar as consequências de suas políticas generosas: mais desemprego, mais dívida pública, perspectivas sombrias pela frente.
Acho que eles precisariam trabalhar mais e se queixar menos.
Eu também acho que a Europa é mais "agradável" do que os EUA, mas se os europeus quiserem aguentar o seu estilo, vão precisar pensar rápido em como aumentar sua produtividade no trabalho, do contrário vão enfrentar problemas muito em breve (aliás, já estão enfrentando).
Abaixo, por especialistas, um artigo que evidencia que a legislação rígida de trabalho (justamente aquela que temos no Brasil e que ainda queremos ampliar) está contribuindo para maior desemprego e baixa produtividade.

Work and Leisure in the U. S. and Europe: Why so Different?
Alberto Alesina
Edward Glaeser
Bruce Sacerdote
IDEAS, Department of Economics, University of Connecticut
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Abstract:
Americans average 25. 1 working hours per person in working age per week, but the Germans average 18. 6 hours. The average American works 46. 2 weeks per year, while the French average 40 weeks per year. Why do western Europeans work so much less than Americans? Recent work argues that these differences result from higher European tax rates, but the vast empirical labor supply literature suggests that tax rates can explain only a small amount of the differences in hours between the U. S. and Europe. Another popular view is that these differences are explained by long-standing European “culture,” but Europeans worked more than Americans as late as the 1960s. In this paper, we argue that European labor market regulations, advocated by unions in declining European industries who argued “work less, work all” explain the bulk of the difference between the U. S. and Europe. These policies do not seem to have increased employment, but they may have had a more society-wide influence on leisure patterns because of a social multiplier where the returns to leisure increase as more people are taking longer vacations.

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Sindicatos e ecologistas sao a favor do desemprego

Sim, eu já escrevi aqui que sindicatos são máquinas de criar desemprego -- ao contrário do que muitos crêem -- e também são máquinas de afundar empresas, criando desemprego no mesmo movimento.
No Brasil, como em outros países -- nem preciso falar da França, especialista nesse tipo de bobagem sindical -- eles estão ativos tentando nos fazer acreditar que a redução das horas de trabalho vai criar mais emprego e tornar a vida de todos melhor. Estão errados, obviamente, e o que vai ocorrer é o contrário.
Mas, eles não estão sozinhos. Os verdes, esses românticos especialistas em salvar minhocas (deles mesmos), também partilham algumas das monumentais bobagens econômicas dos sindicalistas.
Nosso jovem economista de Chicago desmantela esses mitos, com a ajuda de algumas simples ilustrações...


Simple pictures against bad ideas
Tino Sanandaji *
Super-Economy
Kurdish-Swedish perspectives on the American Economy.
Monday, May 17, 2010

The Green Party is doing exceptionally well in Sweden right now. Educated voters, especially women, like their mix of environmentalism, social liberalism and perceived economic centrism.

Unfortunately and despite their rhetoric, the Green Party has a lot of bad economic ideas. One in particular is work sharing, a government regulation that forces everyone to work as standard no more than 35-hours per week. Their idea is that if you force people to work fewer hours, there will be more job for others.

The consensus belief among academic economists is that work sharing does not work.
Unemployment does not arise because there are too many people. It is because there is some imperfection in the market (either policy induces or due to market failure) that causes the market to generally not be able to match jobs to people.

We have to remember that normally in functioning economies, there are very strong forces that create jobs for everyone who wants to work. To illustrate this for non-economists, please allow me to put up a graph with a high "duh" factor (but which really is quite important).

This is the relationship between number of working age adults in 2007 and number of jobs in 2007, for the OECD countries. Source is as usual OECD.

The correlation between potential workers and jobs in the OECD is 0.99!
I have also done the same plot without the U.S and Japan so you can see the individual countries better.

To an economist this is trivial, and just says that there is no connection between employment rate and country size among the OECD countries. But savor the pictures for a moment. They have a profound implication. It means that there are extremely powerful forces in market economies that create jobs for ordinary people, no matter how many people we have, and regardless of if we can perfectly understand these forces.

It is not easy to describe this magic when people demand "where will jobs come from?". You may even sound naive if you say that "the market will take care of it", and refer to history or to the graph above. But in this case what sounds naive is in fact the most profound answer. Empirically, we can observe that the market does seem to take care of creating jobs.

The problems that cause unemployment is never the number of people, it is things like the skill composition combined with wage rigidity, cyclical demand conditions, search friction, taxes and regulations, and market imperfections. None of the core economic forces that create unemployment is affected by permanent work sharing for all workers.

Let me also look at this a little more directly. Here is average hours worked for workers and the unemployment rate, again for OECD, and again for 2007.

There is no statistically significant relationship between the typical workday and unemployment rate (p value 0.52). Countries that have reduces the average hours worked have not been able to achieve lower unemployment rate. Now, correlation is not always causation. Maybe the unemployment rate in France would have been even higher if they worked more hours. But I strongly doubt it.

Work sharing is guaranteed to harm the economy, by making everyone earn less and by dramatically lowering tax revenue for health care etc. Meanwhile there is no evidence that it reduces the unemployment rate, and strong suggestive evidence that indicates that it has no effect.

If people choice to work less, great! But legislation to shorten the workweek like the Greens in Sweden propose to do is very bad economic policy.

* Tino Sanandaji is a 29 year old PhD student in Public Policy at the University of Chicago, and the Chief Economist of the free-market think tank Captus.

Desconstruindo mitos economicos: Joseph Stigltiz e a luta contra o "neoliberalismo"

Joseph Stiglitz talvez seja um peixe maior do que Krugman, que é simplesmente um keynesiano muito hermético para ser devidamente apreciado pela legião de jovens (e alguns nem tão jovens assim) que se acotovelam nos encontros do FSM para ouvir xingamentos contra o neoliberalismo.
Bem, eles ficariam encantados com esse "velho" professor de economia que resolveu, justamente, desancar a globalização e o neoliberalismo imaginário, exercendo toda a sua cota política para falar bobagens.
No limite, não se trata apenas de bonagens econômicas, mas de desonestidade intelectual.
Vejamos este artigo atacando um de seus livros mais recentes...
Paulo Roberto de Almeida

The Invention of Pop Economics
Guy Sorman
The City Journal, 26 March 2010

Joseph Stiglitz should win a second Nobel Prize, this time for fiction.

Freefall: America, Free Markets, and the Sinking of the World Economy
by Joseph E. Stiglitz (Norton, 361 pp., $27.95)

Joseph Stiglitz, Nobel Prize winner in economics, has created a new literary genre—call it pop economics. In his new book, Freefall, he narrates the 2008 financial crisis as a struggle to the end between good and evil. The forces of evil are greedy Wall Street bankers who try to impose not just on the U.S. but on the world the satanic ideology of “market fundamentalism.” Their god is Milton Friedman and their chief propagandist is George W. Bush.

Scholars usually consider economics a complex field: not Stiglitz. Scorning details and nuance, he doesn’t hesitate to distort the facts to prove his point. On one page, he writes that the real-estate market crumbled because new owners could obtain 100 percent mortgage credit, putting nothing down; on the next page, he commiserates with the “millions of home owners who have lost the savings of their life” when they could not repay their loans. But they had no savings to start with, as Stiglitz has just explained!

Economists disagree among themselves, of course, but Stiglitz goes beyond mere disagreement. He raves against all free-market economists because they failed to predict the recession. But economists don’t tend to make predictions; prophets and media pundits do. Most economists consider making predictions an expression of the “fatal conceit” that Hayek warned against. Scholarly economists tend to express their disagreements by opposing one theory against another, using facts, figures, and statistics—reality, in other words. Stiglitz hovers above these vulgar debates. He is guided only by his own strong opinions and personal experiences, reminding the skeptical reader (if any will read him) that he has travelled everywhere, seen everything, and occupied very important positions at the World Bank.

Stiglitz makes bizarre recommendations: the U.S. should look to the example of Trinidad, which tends to the well-being of its people without becoming obsessed by the quantitative measure of its GDP. He praises Ethiopia, one of the poorest countries on earth, for its new freeways, which he hopes will inspire public infrastructure programs in the United States.

Stiglitz must be seeking popularity with a left-leaning audience. One can hardly find any other rationale for the book. Freefall is of no help in understanding the origins of the current crisis or in determining how to remedy it. When Stiglitz attacks market fundamentalism as the cause of all evil, he does not stop to consider how such a regime led the world into unprecedented economic growth from 1983 to 2008. He overlooks the 2007 oil and commodity price spikes, which may have started the recession. Most free-market economists today perceive the 2008 financial crisis as a consequence of the recession and not the cause of it. Inflated real-estate prices, and the financial derivatives based on them, made the crisis global and severe. But such complexity would not fit with Stiglitz’s black-and-white plot. To build his case, such as it is, he mixes up causes and consequences. When he lays responsibility for the 2008 crash on “deregulators,” he fails to explain why some heavily regulated banks had to be bailed out, while others were able to evaluate their financial risk responsibly and avoid bankruptcy. Perhaps some were better managed than others? Stiglitz shows no interest in such mundane considerations. Some regulated banks did not take excessive risks; others did and had to be bailed out

Markets are highly imperfect, free-market economists agree, and some regulation is necessary, but Stiglitz makes no distinction between good and bad regulation. All regulation, in his pop economics, is good by definition, while all deregulation is evil. No proofs are needed.

Lehman Brothers was undoubtedly a poorly managed, probably unethical, and possibly lawless company. None of that justifies Stiglitz’s outlandish contention that “the fall of Lehman Brothers on September 15, 2008, is the equivalent of the Fall of the Berlin Wall: the end of market fundamentalism after the end of communism.” How dare Stiglitz write that Eastern Europeans have been the victims of the Washington consensus imposed by market fundamentalists, when the free market has drawn Eastern Europe out of poverty? How does he explain Poland, the most free-market country in Europe and one not dramatically affected by the crisis?

Stiglitz feels compelled to remind the reader that he is not a socialist: he only advocates a better world. His utopia would replace the failed market fundamentalism by striking the right balance between market and state. What would such an arrangement look like? Stiglitz doesn’t elaborate, but he hints repeatedly that the world would be a better and more ethical place if he were in charge. For those who already fear the Obama administration’s anti-market bias, think how much worse it could be: Stiglitz could be working there! We better keep him writing fiction and basking in the cheers of Greek audiences, to whom he recommends that their country not repay its debt.

One receives the Nobel Prize in economics for research in a specific area, Milton Friedman used to say, but prize winners then tend to believe that they’ve been implicitly granted the right to express their personal, nonscientific opinions about everything. Stiglitz’s Nobel Prize on market asymmetry was well deserved. His opinions on everything else are just opinions and deserve to be treated as such.

Guy Sorman, a City Journal contributing editor, is the author of numerous books, including Economics Does Not Lie.