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sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Pensamento e ação da diplomacia de Lula: uma visão crítica - Paulo R. Almeida

Pensamento e ação da diplomacia de Lula: uma visão crítica
Paulo Roberto de Almeida
revista Politica Externa, vol. 19, n. 2, set.-out.-nov. 2010

Nota preliminar do autor: O resumo imediatamente seguinte, constante do site da revista Política Externa, foi feito sob responsabilidade da edição da revista, a partir de argumentos efetivamente constantes no artigo, embora sob outra forma. Mais abaixo segue o texto originalmente encaminhado a revista.

Resumo: O presente ensaio de análise crítica deve ser considerado apenas como uma etapa preliminar e parcial do esforço de avaliação objetiva da diplomacia brasileira na era Lula. Dado o grau de politização alcançado por essa diplomacia – que atingiu de modo grave o Itamaraty –, um exame ponderado desses resultados terá provavelmente de esperar tempos mais serenos e menos sujeitos a querelas ideológicas. O julgamento provisório e preliminar contido no artigo se baseia, em parte, na constatação de que os insucessos e limitações da diplomacia de Lula em seus dois mandatos podem ser debitados, antes de tudo, a erros de concepção derivados de uma visão partidária limitada – e equivocada – das relações internacionais, bem como de uma seleção de “parceiros”, ou aliados, decorrente dessa mesma visão amadora do mundo e da região.

Pensamento e ação da diplomacia de Lula: uma visão crítica
Paulo Roberto de Almeida *

Resumo: Análise crítica dos fundamentos conceituais e da agenda diplomática do governo Lula (2003-2010), com exame dos elementos teóricos que sustentaram suas iniciativas, no plano das relações exteriores e da política internacional do Brasil, e das iniciativas práticas que moldaram sua diplomacia nos oito anos de mandato. Ocorreu nítido realce da presença do Brasil no cenário internacional, com aumento geral da interlocução, mas os resultados efetivos para o Brasil não foram exatamente positivos, já que os grandes objetivos da diplomacia de Lula – cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, reforço e consolidação do Mercosul, como base de um grande espaço econômico sul-americano, e conclusão exitosa das negociações comerciais multilaterais – não foram alcançados, e podem inclusive ter acumulado barreiras mais consistentes. O único sucesso dessa diplomacia parece ter sido a promoção da figura de seu mentor, com grande reforço de sua projeção pessoal, em detrimento do próprio serviço diplomático, relegado a mero executor de iniciativas conduzidas por vezes de modo amadorístico.
Palavras-chave: Brasil. Política Externa. Relações Internacionais. Fundamentos conceituais. Agenda diplomática.

A política externa do Brasil, nos dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010), pode ser apresentada e discutida em função de dois conjuntos de questões bem delimitadas: de uma parte, analisando-se os elementos conceituais que presidem à sua formulação e legitimação política; de outra parte, sob uma perspectiva de ordem essencialmente prática, pelo exame dos temas e prioridades da agenda diplomática do Brasil enquanto ator emergente na agenda global e, com maior ênfase, no contexto regional da América Latina (da América do Sul em particular).
Esta análise crítica se propõe abordar esses dois conjuntos de questões, num esforço que pode ser considerado como de contribuição ao debate sobre os fundamentos políticos e sobre os procedimentos de tipo operacional usados e mobilizados pela diplomacia brasileira, no governo Lula, com vistas a uma futura avaliação sobre sua adequação à realidade brasileira e regional e sobre sua eficácia para os fins por ele mesmo proclamados.

1. Conceitos do governo Lula em política internacional
A primeira observação que poderia ser feita em relação à diplomacia de Lula é a de que ela deixou de representar a unanimidade aparente das principais correntes da opinião pública nacional para suscitar, ela mesma, divergências e discordâncias quanto às suas prioridades e métodos de ação; ou seja, que ela deixou de ser consensual para tornar-se, de fato, controversa e sujeita a avaliações opostas, por vezes de modo agudo. A expressão “aparente” se justifica, na medida em que algumas orientações da política externa nem sempre gozaram de unanimidade na opinião pública – como o “terceiro-mundismo” alegado por algumas correntes de opinião, ou o suposto alinhamento ao “império”, invocado por outras – mas não se tem registro, nos principais meios de comunicação, de controvérsias tão acirradas quanto as suscitadas por iniciativas e alinhamentos do governo Lula, geralmente em direção de regimes tidos por progressistas na região e fora dela, mas que conformam, no mais das vezes, sistemas autoritários, quando não totalitários, em total contradição com os princípios democráticos e de defesa dos direitos humanos da Constituição.
Quais são, em todo caso, as idéias e pensamentos políticos que orientam a política externa brasileira no governo Lula? O pensamento político da política externa brasileira, no governo Lula, pode ser definido, por ordem de relevância, como um híbrido conceitual entre:
(a) posições e preferências políticas do Partido dos Trabalhadores (com ênfase no próprio presidente Lula e no ex-Secretário Internacional do PT e assessor internacional da Presidência da República);
(b) preferências políticas pessoais dos dirigentes da chancelaria (o Ministro de Estado e seu Secretário Geral no período 2003-2009, Samuel Pinheiro Guimarães, com maior incidência “teórica” deste último, um dos raros diplomatas que escreve para um público mais vasto, com bastante audiência nos círculos acadêmicos);
(c) posturas e tradições diplomáticas estrito senso, ou seja, da chancelaria brasileira, embora as posições desta, tecnicamente fundamentadas, tenham sido temperadas pelas novas concepções e prioridades políticas dos dirigentes políticos; elas vêm em último lugar, mas sempre foram operacionalmente importantes.
Os dois primeiros conjuntos de formuladores e de tomadores de decisões são obviamente mais importantes, no plano das definições políticas, do que o último, que tem um simples papel de assessoramento técnico ou de fundamentação operacional, atuando, portanto, mais no plano dos procedimentos do que no das grandes orientações a serem adotadas (ou já adotadas e em curso de implementação). Em todo caso, o número mais elevado de atores envolvidos nas decisões mais relevantes da política externa brasileira – em relação ao padrão relativamente homogêneo e unificado do passado, quando até os assessores presidenciais eram diplomatas de carreira, assegurando, portanto, uma perfeita unidade de posições entre a presidência e a chancelaria – pode significar maiores riscos para a unidade conceitual e operacional da diplomacia brasileira. Esse risco foi inclusive maior na fase inicial do governo Lula, quando o primeiro chefe da Casa Civil, também líder preeminente do PT, se envolvia em política externa, sem mencionar o antigo chefe da Secretaria de Comunicação de Governo e de Assuntos Estratégicos, ambos afastados em 2005 e 2006, respectivamente, na sequência de crises políticas de relativa gravidade no âmbito do governo.
Cabe examinar, em primeiro lugar, as principais posições teóricas e o universo conceitual dos diferentes atores envolvidos na política externa, já que esses elementos conceituais são relevantes para explicar, mais adiante, as principais escolhas práticas e opções estratégicas da diplomacia brasileira. Essas idéias e posições recuperam todo um estoque de políticas pertencentes ao arco desenvolvimentista e nacionalista, tradicional no pensamento brasileiro de meados do século XX, acrescentadas de várias – mas não todas – contribuições da chamada esquerda brasileira em matéria de relações internacionais. Essas contribuições têm como base o socialismo, embora temperado pelas experiências de derrota e fracasso nas várias tentativas ao longo do século XX, o que obviamente diminuiu o ímpeto para reformas ou orientações econômicas declaradamente estatizantes ou dirigistas. Permaneceram, entretanto, entre seus principais líderes, o apelo e o apoio a supostos regimes de esquerda, na região e fora dela, em primeiro lugar o de Cuba, mas igualmente, e de forma crescente, os novos governos de esquerda radical identificados com a corrente dita “bolivariana” latino-americana, em sua maior parte estimulada pelo líder venezuelano Hugo Chávez, e seguida com diferentes matizes pelos presidentes da Bolívia (Evo Morales) e do Equador (Rafael Correa).
Essas idéias misturam e promovem um conjunto de conceitos muitas vezes contraditórios que pertencem tanto ao arco da esquerda moderada – que o intelectual, e ex-chanceler, mexicano Jorge Castañeda chamou de esquerda “herbívora” – quanto ao universo mental dos “instintos básicos” da esquerda carnívora do passado (à qual se filiam muitos militantes do PT ainda hoje, muito embora eles talvez não tenham muita importância decisória no governo). Como o PT nunca realizou aquilo que os comunistas italianos poderiam chamar de aggiornamento, ou seja, um processo de revisão moderadora de suas posições marxistas do passado – evolução registrada no caso do SPD alemão desde o congresso de Bad Godesberg, em 1959, no Partido Socialista Francês desde o seu controle pelo líder François Mitterrand nos anos 1970, e no Labour britânico sob o comando de Tony Blair, que modelou o New Labour em 1995 –, não se pode estranhar que muitos elementos conceituais do discurso do PT (inclusive em temas de política internacional) se filiem ainda ao velho arsenal teórico dos típicos partidos esquerdistas latino-americanos, quase todos anacrônicos.
Os “instintos básicos” da velha esquerda latino-americana – em grande medida refletida no Foro de São Paulo, um agrupamento de partidos de esquerda estimulados pelo governo de Fidel Castro e patrocinado desde o primeiro momento pelo PT – poderiam ser resumidos nos seguintes elementos: (a) anti-capitalismo (agora moderado, em vista da falta completa de alternativas, nas modernas economias de mercado, num mundo globalizado); (b) rejeição do mundo da alta-finança e das multinacionais (o que não impede posturas pragmáticas, de ‘aliança’ com a chamada burguesia nacional, mais por necessidade política, do que por convicção ideológica); (c) anti-imperialismo instintivo, de velha inspiração leninista (mas agora carente de maiores reflexões sobre o que significa, na verdade, ser anti-imperialista na atualidade, quando o poderio americano se encontra em declínio); (d) um antiamericanismo de certa forma ingênuo, na medida em que a potência imperial estaria supostamente identificada com o apoio a regimes de direita e a ditaduras militares, sem mencionar o antigo embargo a regimes socialistas (entre eles Cuba) e a natural preferência pelo capital, em lugar da classe trabalhadora (mas também simplesmente pelo fato de os EUA se apresentarem como a maior potência capitalista do planeta, ipso facto oposta ao “campo socialista”, que ainda recebia um apoio do princípio dos partidos de esquerda, indiferentes ao totalitarismo desses regimes); (e) estatismo exacerbado, que sempre ficou como uma marca registrada de movimentos ditos de esquerda (e nesse particular não ocorreu qualquer recuo filosófico, apenas uma acomodação temporária ou oportunista).
Essas preferências e orientações correspondem a uma ideologia difusa, não formalizada em grandes obras teóricas ou reflexões mais elaboradas no plano histórico ou conceitual, mas apenas em programas e declarações partidárias, de escassa consistência analítica. No plano diplomático, elas se traduzem numa série de posturas, algumas velhas, outras novas, que caracterizam e definem as preferências atuais da diplomacia brasileira; essas preferências podem ser alinhadas da seguinte forma:
(a) terceiro-mundismo instintivo (já que o Brasil é definido como país em desenvolvimento, e aparentemente condenado a sê-lo);
(b) soberanismo retórico, em grande medida agitado para fins de imagem política;
(c) nacionalismo superficial (mas que encontra eco nos meios militares e em setores de opinião identificados com velhas reações de introversão econômica);
(d) desenvolvimentismo substitutivo, recuperado numa agenda típica do passado do Brasil, com tarefas industrializantes típicas do velho protecionismo introvertido em matéria econômica;
(e) anti-hegemonismo infantil, pois que justificando algumas “alianças estratégicas” com parceiros que não são exatamente modelos acabados de democracias ou de regimes comprometidos com uma gestão econômica de mercado;
(f) ativismo em políticas setoriais, decorrente do instinto estatizante acima referido, o que se traduz em oposição de princípio a todo e qualquer avanço multilateral que implique regulação restritiva do ponto de vista das políticas públicas e setoriais, ou a regulação permissiva do ponto de vista das empresas e dos particulares em geral;
(g) apoio irrefletido a movimentos ditos progressistas, o que inclui governos, partidos, ONGs, com uma nítida prevalência de objetivos sociais ou políticos sobre metas econômicas ou comerciais, como revelado no caso de OGMs (organismos geneticamente modificados), agricultura familiar, subsídios a programas sociais, mecanismos de correção de “assimetrias” sociais e regionais, etc.;
(h) limitação da cooperação bilateral basicamente a países do Sul, ou cooperação com o Norte apenas em temas estritamente definidos.
No plano da diplomacia prática, essas posturas redundaram em diversas iniciativas, aliás, múltiplas, num hiper-ativismo que parece ter sido expressamente conduzida para superar o registro numérico da diplomacia presidencial anterior (do governo Fernando Henrique Cardoso), aliás criticada como parte da “herança maldita” de suposta submissão a interesses externos, falta de soberania e de defesa dos interesses nacionais. As tentativas reiteradas de classificar ações e posturas do governo anterior como “anti-nacionais” ou como “submissas ao império” ultrapassam a simples luta política e revelam, talvez, desvios de caráter, mais do que preocupações legítimas ou fundamentadas no plano dos princípios políticos. Exemplos abundam, entre elas a ridícula reiteração de um simples exemplo de conformidade a controles de segurança como representando “renúncia de soberania”.
Três grandes temas sempre estiveram no topo das prioridades da agenda externa do governo Lula:
(a) reforço e expansão do Mercosul, servindo como base da criação de uma zona de livre comércio na América do Sul, a partir de esquemas de coordenação política nos quais a liderança brasileira ficasse realçada naturalmente;
(b) busca de uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, vista como uma das grandes “aspirações nacionais” e objetivo maior da diplomacia multilateral do Brasil, em função da qual foi montada a operação Haiti;
(c) busca de acordos comerciais no âmbito regional ou multilateral, com a rejeição concomitante de acordos intrusivos com as grandes potências comerciais (ou limitando-os a meros acordos de acesso a mercados).
Estas eram e continuam a ser as três grandes prioridades diplomáticas do governo Lula, expressamente citadas no discurso inaugural de 1o. de janeiro de 2003, e reafirmadas ainda no discurso inicial da segunda administração Lula, em 2007. Mas outras grandes questões também figuram na agenda diplomática da administração Lula; na continuidade da listagem inicial, elas são relacionadas a seguir:
(d) dinamização e estimulo à integração regional, com escassos resultados práticos, mas ainda assim diversas iniciativas políticas e sociais (à falta de resultados tangíveis no terreno econômico e comercial);
(e) alianças seletivas no contexto da diplomacia Sul-Sul, ditas estratégicas: IBAS, cúpulas interregionais com África e países árabes, mas também o grupo Bric (Rússia, Índia e China);
(f) protagonismo mundial, para reforçar as pretensões ao Conselho de Segurança da ONU e para criar uma nova relação de forças no plano mundial;
(g) reforma das instituições econômicas internacionais, embora a agenda aqui seja pouco clara, além de propostas mudancistas que estão quase no limite dos slogans do Fórum Social Mundial;
(h) preservação da agenda ambiental anterior, que de fato beneficia os maiores poluidores do mundo em desenvolvimento, e tentativa de transferência dos custos da mitigação brasileira para os países mais desenvolvidos e as agências internacionais (com uma mudança na direção de assunção de metas quantificadas no período imediatamente anterior à conferência de Copenhagen, em dezembro de 2009);
(i) iniciativas de combate à fome e de redução da pobreza, com mobilização de apoios internacionais, duplicação de esforços já mantidos pelas agências multilaterais e definição de mecanismos inovadores de financiamento (mesmo em contradição com os interesses do Brasil, pois que tendentes, num primeiro momento, a fórmulas equivalentes à da Tobin Tax ou taxação de transações específicas).
Todos esses elementos conceituais e idéias políticas impulsionam um número relativamente elevado de prioridades, cuja implementação requer a mobilização de muitos instrumentos típicos da diplomacia tradicional e outras “ferramentas” políticas. Nesse processo de diplomacia hiperativa, são mobilizados diversos tipos de atores, não apenas os diplomatas profissionais e assessores presidenciais, mas também outros representantes ministeriais. Existiriam, ademais: interlocutores informais (partidários, por exemplo); empresários; líderes da opinião pública; representantes de ONGs; talvez até mesmo personagens não identificados (já que há uma agenda político-partidária que não se exerce pelos canais institucionais normais, mas que podem envolver mecanismos não revelados, como pode estar ocorrendo, por exemplo, mediante a Secretaria de Assuntos Internacionais do PT e seus vínculos no Foro de São Paulo, um instrumento que serve sobretudo aos interesses de Cuba; ou ainda com representantes da Via Campesina e outros grupos obscuros).
A multiplicação de canais e de interlocutores pode fragilizar a unidade de comando e execução da política externa brasileira, quando já não ocorre o mesmo com sua própria concepção e formulação, partilhada por vários setores do próprio governo. Múltiplos canais de formulação e execução da política externa representam um convite à dispersão de ações, quando não à emissão de sinais contraditórios no plano externo, deixando confusos os interlocutores oficiais. O resultado pode ser perda de credibilidade e superposição de ações, com grande potencial de geração de conflitos internos e até externos.
Por fim, o hiperativismo presidencial, exageradamente colocado na linha de frente de vários dossiês negociais, sobretudo no âmbito regional, torna difícil a gestão dos diversos itens da agenda e, o que é mais grave, a sua administração em escalas gradativas de responsabilidade (pois que engajando já em primeira instância a palavra presidencial, da qual é difícil se desviar em fases ulteriores). Decisões diplomáticas de sérias repercussões nacionais podem, assim, estar sendo tomadas sem o necessário trabalho de estudo e reflexão prévios, baseadas puramente num impulso do momento ou sob pressão de outros dirigentes nacionais. Isso provavelmente já ocorreu no âmbito da integração regional, ou de projetos de conexão física.

2. A agenda diplomática do Brasil nos dois governos do presidente Lula
Quais foram as prioridades externas do Brasil no governo Lula e que meios operacionais foram mobilizados para alcançá-las? Caberia, talvez, fazer uma primeira distinção, importante, entre o que seria, ou que deveria ser, prioritário para o Brasil, enquanto nação e enquanto economia, na agenda internacional, e o que parece ter sido prioritário para o governo Lula na frente externa, inclusive, aparentemente, para fins de prestígio pessoal dos dirigentes e dos agentes diplomáticos, em contraposição ao que poderia representar uma atuação diplomática puramente objetiva, em função de uma agenda de prioridades nacionais.
Quais seriam, portanto, as prioridades nacionais ‘ideais” do Brasil, em termos de atuação externa, em função do cenário internacional? Uma listagem não exaustiva indicaria estes temas:
(a) a manutenção de um ambiente aberto aos negócios (comércio, investimentos, finanças e tecnologia) e aos intercâmbios de todo o tipo, o que torna a política econômica externa especialmente relevante para fins de diplomacia executiva (com destaque para as negociações comerciais multilaterais e os acordos regionais ou mesmo bilaterais);
(b) a intensificação dos laços de todo o tipo com os vizinhos regionais, com base numa agenda clara de abertura econômica recíproca e de liberalização comercial, ao lado dos projetos de integração física e da cooperação educacional e tecnológica;
(c) a redução dos riscos ambientais, energéticos ou militares para o desenvolvimento dos negócios, o que compreende uma agenda de segurança abrangente, compatível com os riscos percebidos;
(d) a intensificação dos esforços de cooperação externa, em especial com parceiros mais avançados, para a superação de um dos mais importantes gargalos no processo desenvolvimento nacional, que é a insuficiente capacitação educacional e tecnológica da população brasileira, o que implica projetos focados nos modelos tidos como de excelência no plano mundial.
Quais foram, em contrapartida, os temas privilegiados pelo governo Lula em sua agenda externa? A lista é enorme, indicando, em primeiro lugar, um hiperativismo diplomático construído bem mais em função da busca de protagonismo mundial para o governo Lula do que em conexão com um esforço ponderado de reflexão sobre as prioridades nacionais no plano mais geral do desenvolvimento nacional ou no âmbito mais restrito das relações exteriores. Cabe registrar, em segundo lugar, que as iniciativas foram se deslocando do entorno regional, onde os resultados foram de qualquer modo limitados, para o ambiente internacional de forma geral, com a ampliação das viagens e visitas presidenciais até em terrenos nos quais o grau de preparação técnica da diplomacia brasileira é reconhecidamente limitado (como o Oriente Médio, por exemplo), o que não eximiu o chefe supremo da diplomacia de exercícios pacificadores dotados de certa ambição retórica.
O objetivo da conquista de um assento permanente para o Brasil no CSNU parece ter tomado a dianteira desde muito cedo, motivando ações as mais diversas em múltiplas frentes de atuação; a conquista de oportunidades comerciais, no sentido restrito de acesso a mercados para os produtos brasileiros de exportação, ficou restrita, praticamente, ao âmbito multilateral, a rodada Doha da OMC, já que o governo se empenhou em sabotar as negociações da Alca (o projeto americano de uma área de livre comércio das Américas). Em função desse objetivo, o Brasil renunciou unilateralmente a débitos bilaterais, em modalidades que confrontam antigas resoluções do Senado Federal quanto aos limites do Executivo na negociação de financiamentos externos concedidos pelo Brasil; nunca se fez um balanço estritamente financeiro de todos os custos diretos e indiretos incorridos nessa busca obsessiva por apoios externos, sendo que vários write-offs incorreram, provavelmente, em vícios de procedimento, quando não em atos ilegais no plano das operações financeiras externas. No plano estritamente diplomático, duas iniciativas merecem destaques: a abertura de embaixadas plenas em diversos postos de escassa relevância substantiva para a política externa nacional, com novos custos diretos e indiretos a serem computados nos anos à frente, e a conformação do G4 – com Alemanha, Japão e Índia, o que pode ter “amarrado” o Brasil a países que enfrentam notórias resistências de membros permanentes do CSNU.
A integração regional foi perseguida, de fato, com muito ardor, mas aparentemente como um objetivo em si mesmo, sem medir os custos relativos das modalidades adotadas desde 2003 nessa frente negociadora. Os capítulos econômicos e comerciais, que constituem o núcleo básico do Mercosul, foram praticamente deixados de lado, tomando prioridade os aspectos sociais ou políticos. Mais grave ainda: a administração Lula foi leniente, quando não conivente, com diversas medidas de defesa comercial adotadas unilateralmente pela Argentina, em detrimento não apenas dos interesses comerciais de exportadores brasileiros, mas também de dispositivos pertinentes dos acordos existentes no Mercosul, quando não não em total contradição com as regras multilaterais contraídas no âmbito do GATT-OMC. Na prática, o Mercosul mais recuou do que avançou no período, independentemente de altas e baixas nos fluxos comerciais intra-bloco, que mais dependem da dinâmica dos agentes privados e do comportamento das economias, como um todo, do que de disposições e medidas governamentais. Um concepção enviesada, e totalmente irrealista, de supostas “assimetrias” no bloco levou o governo Lula a propor e financiar majoritariamente um “fundo” de dimensões extremamente modestas para o financiamento de obras nos países menores, duplicando em grande medida o trabalhos dos bancos multilaterais existentes, sem contar com a séria análise técnica dos projetos conduzida nessas entidades de fomento.
Não se pode dizer, por outro lado, que a busca de resultados concretos no terreno mais limitado da integração física sul-americana – tal como delimitado no primeiro encontro de chefes de Estado e de governos sul-americanos, realizado a convite do presidente Fernando Henrique Cardoso em Brasília, em 2000, do qual resultou a criação da IIRSA, Iniciativa de Integração Regional Sul-Americana – tenha avançado concretamente, já que não se tem registro de grandes obras nos terrenos das comunicações, infra-estrutura ou energia, ademais daquelas, limitadas, de interesse específico do Brasil (ou de suas grandes companhias de serviços) e financiadas com recursos nacionais (BNDES, geralmente). Aliás, em matéria de financiamentos a projetos, o governo Lula resolveu aderir a uma das mais infelizes iniciativas do presidente Hugo Chávez, tendente a criar um “banco da América do Sul”, um bancosur que o líder venezuelano logo pretendeu estender a outras regiões – inclusive para cumprir funções análogas às de um “fundo monetário regional”, além de entidade de fomento – e que realiza a proeza de duplicar esforços e mandatos de outros organismos existentes nessa área – como o BID, a CAF, o próprio BIRD – sem possuir a qualidade técnica de seleção de projetos destes e sem condições de exercer um controle estrito quanto ao mérito do financiamento com base em contrapartidas e seguimento especializado dos financiamentos empreendidos. Para alívio geral e preservação da racionalidade financeira no continente, a iniciativa não chegou a sair do papel, mas constitui mais uma das iniciativas mal-concebidas e mal-planejadas a que aderiu o governo Lula (junto com o natimorto projeto de integração energética da Venezuela ao Cone Sul, de custos inacreditáveis e resultados imprevisíveis).
A busca de “aliados estratégicos” entre parceiros do Sul, definida de modo amplo para abrigar também a Rússia, condicionou toda uma linha de atuação diplomática que demandou enormes investimentos sem uma avaliação realista dos resultados prováveis. Tanto no plano conceitual, quanto no terreno prático, tratou-se de uma seleção preventiva, e quase unilateral, de parceiros, para se buscar, em seguida, uma agenda concreta para preencher a moldura assim criada. O critério básico aqui seguido parece ter sido a condição de “ator não-hegemônico” do parceiro em questão, independentemente da amplitude da interface diplomática, ou da coincidência de posições nos terrenos dos valores e princípios que fundamentam, constitucionalmente, as relações internacionais do Brasil. Esses princípios, aliás, foram colocados diversas vezes em testes severos, como nos casos do programa nuclear do Irã ou da crise política em Honduras, onde a regra constitucional da não-intervenção nos assuntos internos de outros Estados foi seriamente abalada.
Com a possível exceção dos grandes temas da segurança internacional – ainda assim com o ativo envolvimento do Brasil nas questões multilaterais da área nuclear e de armas de destruição em massa, de modo geral, bem como por ocasião da presença ocasional no CSNU –, a diplomacia do Brasil tem buscado o envolvimento e maior presença em praticamente todos os foros abertos à sua participação. Provavelmente por orientação presidencial, o Brasil também buscou a liderança política em diversos órgãos do multilateralismo contemporâneo – BID, OMC, OMPI, OACI, UIT – ademais do já referido protagonismo regional, no âmbito do qual ele se ofereceu para “secretariar” a Casa, o foro de coordenação sul-americana que acabou sendo substituído pela Unasul. O ex-presidente argentino Nestor Kirchner chegou a dizer uma vez, em tom de galhofa, que o Brasil buscava inclusive a liderança do Vaticano, quando da escolha do novo papa, na sucessão de Karol Wojtilla.
Mesmo sem uma presença direta nas instâncias diretivas dessas instituições, o grau de envolvimento brasileiro aumentou e – por força da candidatura ao CSNU – as obrigações financeiras com todas elas estiveram, pela primeira vez em muitos anos, totalmente regularizadas. Mais especificamente, ocorreu uma seleção de foros para a atuação prioritária da diplomacia brasileira, bem mais identificados com os chamados interesses do Sul, do que com os da “interdependência capitalista”. Foram, assim, revitalizados os laços com mecanismos regionais ou de países em desenvolvimento e, de certa forma, rechaçados aqueles que tinham a ver mais diretamente com o “universo capitalista”, como a OCDE.
Mais ativamente ainda, a diplomacia brasileira forjou foros próprios de atuação, a começar do IBAS, das parcerias estratégicas, das reuniões de cúpula com os países africanos e árabes, ademais de um intenso programa de viagens e visitas presidenciais em todos as latitudes e longitudes, mas em especial no Sul e com grande ênfase na África. No contexto regional, os esforços foram ainda duplicados, ainda que os aspectos comerciais e econômicos, de modo geral, da integração regional não tenham conhecido progressos notáveis (talvez até mesmo estagnação, quando não retrocesso). O Mercosul foi “oferecido” a novos parceiros regionais: Chile, Bolívia, Equador e, sobretudo, Venezuela, com uma perigosa diluição dos compromissos jurídicos e das regras pertinentes à união aduaneira. Foram especialmente valorizados novos aspectos da integração regional, como os “políticos” – com a constituição de um Parlamento do Mercosul, superdimensionado – e “sociais” – igualmente com comissões e grupos de trabalho envolvendo todo tipo de interlocutores nessa esfera.
O objetivo mais ambicioso, quiçá, foi a Casa, oportunamente substituída pela Unasul, num formato talvez não desejado inteiramente pelo Brasil, que teve de ceder espaços de administração e controle para outros parceiros (secretariado instalado em Quito, por exemplo). Também de iniciativa brasileira foi o Conselho de Defesa Sul-Americano, no âmbito da Unasul, que, como a iniciativa mais abrangente da Cúpula da América Latina e do Caribe (Calc), carrega um leve sabor anti-hegemônico (o que foi, aliás, expressamente reconhecido pelos organizadores brasileiros, que se orgulharam de que, em quase 200 anos de história independente, era a primeira vez que se fazia uma reunião de cúpula sem a presença de “potências tutelares”). A despeito dos esforços engajados na criação da Unasul e do Conselho de Defesa não se pode dizer que sua atuação tenha sido de alguma forma relevante no tratamento do tema mais grave de segurança regional: o de grupos armados de narco-traficantes, em especial da FARC, que violam a soberania dos países, perpetram ações criminosas na Colômbia e nos países vizinhos, contribuem para reforçar o perfil de grandes exportadores de drogas que vem caracterizando esses vizinhos e cujos resultados práticos são os de contaminar de modo crescente a sociedade brasileira (do lado das drogas e da lavagem de dinheiro criminoso) e de envolver ainda mais o Brasil com o comércio mundial de produtos ilegais.
A reforma dos organismos internacionais e, em especial, das instituições financeiras internacionais já fazia parte do programa do PT desde praticamente a sua origem, não sendo de se estranhar que o tema reaparecesse de maneira mais enfática na presente fase da diplomacia brasileira. Além da demanda, porém, não existe uma visão muito clara sobre como devem ser feitas essas reformas, a não ser pelo desejo genérico de que a presença e a capacidade decisória dos países em desenvolvimento, em especial a do Brasil, sejam reforçadas. Tendo em vista que o processo é necessariamente lento, a despeito dos esforços conduzidos, havendo a consciência de que dificilmente se conseguirá romper o monopólio das grandes potências nessas instâncias, a diplomacia do Brasil tem-se voltado para a constituição de instâncias paralelas, ou informais, que possam trazer-lhe presença internacional, sem ter de passar pelos mecanismos de controle dos países mais ricos.
Em consequência, o formato dos grupos tem sido realçado e privilegiado, desde o G3 (IBAS), até o tradicional G77, passando pelo G4 (reforma do CSNU, com os outros três candidatos assumidos), pelo G20 comercial (que o Brasil liderou desde o início), pelo G20 financeiro (que assumiu maior importância com a crise financeira), pela eventual transformação do G8 em G13 (com a incorporação do Outreach-5) e por uma miríade de outros grupos mais ou menos informais, como o Bric. Alguns são discretamente abandonados – como o foro iberoamericano, em função, justamente, da presença das ex-metrópoles coloniais – enquanto outros são revitalizados e reforçados, como o Grupo do Rio – que estava praticamente desativado, mas que foi “renascido” para acolher Cuba numa instância de diálogo latino-americana (já que seria difícil incorporá-la diretamente ao Mercosul; aliás, seu ingresso naquele grupo foi apresentado como um grande sucesso diplomático).
De forma geral, todos esses grupos e instâncias de coordenação e de atuação em determinados foros – ONU, OMC, agências especializadas – visam a potencializar a ação da diplomacia brasileira, embora os fins explícitos e proclamados sejam o reforço da solidariedade dos países em desenvolvimento para os objetivos tradicionais desses países: comércio, cooperação, transferência de tecnologia, reforma das instituições, etc. Esse ativismo brasileiro, por vezes, pode criar focos de fricção ou de resistência por parte de alguns parceiros, que se sentem melindrados com a desenvoltura diplomática do Brasil, ou até com o que eles possam classificar como oportunismo e protagonismo excessivos. Tal ocorreu, por exemplo, com o impulso para o exercício de uma liderança regional brasileira, mal recebida em vários países da região sul-americana. Outros exercícios improvisados de liderança mundial – em especial no âmbito do Oriente Médio, com as questões palestina e do programa nuclear do Irã – confirmaram essa vocação para os holofotes, com muita retórica associada, mas pouca substância negociadora capaz de sustentar os esforços feitos.
Os objetivos brasileiros em cada uma das várias iniciativas diplomáticas podem ser específicos aos foros e temas envolvidos na agenda de cada uma dessas instâncias, mas o objetivo geral parece ser um só, e é de natureza essencialmente política: realçar a presença do Brasil, provavelmente a do próprio presidente, no plano internacional, como parte de um projeto de colocar o Brasil no círculo restrito das grandes potências mundiais (senão no terreno militar ou econômico, pelo menos nos planos político e diplomático). Em torno desse projeto forma mobilizados grandes recursos materiais e humanos e é em função dele que está construída a agenda de viagens presidenciais. Os temas envolvidos em cada uma dessas iniciativas recebem um tratamento superficial no campo diplomático – já que várias iniciativas carecem de estudos aprofundados para o seu adequado embasamento técnico, e podem, inclusive, representar perdas econômicas para o Brasil – mas são sistematicamente apresentados como consistentes com o interesse nacional brasileiro.
O problema da integração energética na América do Sul e a questão mais geral da cooperação Sul-Sul representam dois exemplos de investimentos políticos carentes de análise mais profundas no plano técnico. A despeito do imenso potencial existente e da diversidade de fontes em matéria de energia no continente sul-americano, parece evidente que o neonacionalismo energético e a orientação estatizante em cursos nos diversos países – inclusive no Brasil – não deve favorecer um processo real de integração nos próximos anos: a constante mudança de regras e a utilização da matriz energética para outros fins que seus objetivos precípuos num terreno puramente econômico, estão de fato afastando as possibilidades da integração para um horizonte distante. Quanto à cooperação Sul-Sul, registre-se a multiplicação de convênios e protocolos de cooperação com todos os parceiros possíveis, num esforço bem mais quantitativo do que seletivo na promoção de projetos viáveis: neste terreno, como em vários outros, a intenção parece ser a de formular uma agenda de viagens e depois redigir alguns atos, quaisquer atos, para serem assinados na ocasião. Em outros termos: monta-se a moldura e depois vai se buscar o que colocar em seu interior.

3. As roupas novas da diplomacia brasileira
Da exposição precedente, em suas duas partes – ou seja, tanto nos elementos conceituais, como na agenda prática – se pode concluir que o governo Lula foi bem mais propositivo no terreno das intenções diplomáticas do que ele conseguiu realizar, para todos os efeitos concretos, como resultados efetivos para o Brasil. Sem dúvida o Brasil tornou-se um ator mais relevante no plano internacional, com maior projeção de seus interesses nos cenários externos, mas essa presença ampliada também pode ser atribuída à continuidade de sua estabilidade econômica interna e à atratividade crescente aos capitais internacionais, dois resultados cujos fundamentos já tinham sido colocados no governo anterior, do presidente Fernando Henrique Cardoso. Com efeito, os elementos fundamentais da situação econômica brasileira – cujo sucesso nunca foi bem acolhido pela esquerda brasileira, passavelmente esquizofrênica em matéria econômica – tinham sido estabelecidos no início do segundo governo FHC, em 1999: sistema de metas de inflação, regime de flutuação cambial, superávits primários na gestão do orçamento nacional e lei de responsabilidade fiscal, que impede os políticos executivos de gastar de forma irresponsável e de deixar a dívida para os sucessores (lei que o PT, quando na oposição, tentou contestar no Supremo Tribunal Federal).
Foi precisamente em função da boa gestão econômica – que a esquerda do PT sempre chamou desdenhosamente de ‘neoliberal’ – que o governo Lula encontrou boa receptividade entre os governos do G7-G8. Seu governo dispõe, obviamente, de grandes recursos publicitários e pode contar, em parte, com o desconhecimento ou alheamento do grande público – para nada dizer dos próprios jornalistas – em relação aos itens da agenda externa, dado que é notório que o Brasil carece de centros de pesquisa e de especialistas em temas internacionais. O governo conta, assim, com grande latitude de ação, mas também com o respeito que a diplomacia profissional do Itamaraty granjeou ao longo do tempo. Mais importante, talvez, para seus objetivos imediatos e propagandísticos, ele conta com um grande capital de simpatia adquirida ou já ganha por antecipação, de muitos atores sociais, seduzidos pelo aparente progressismo de sua política externa, que atua como uma espécie de compensação prática para os aspectos mais conservadores de sua política econômica.
Existem poucas avaliações independentes e poucos estudos fiáveis, inclusive envolvendo o lado do custo-benefício, da maior parte das iniciativas diplomáticas do governo Lula. Alguns jornalistas bem informados, sobretudo na área econômica, exibem algum espírito crítico, mas eles são relativamente raros. Apenas o jornal O Estado de São Paulo tem exercido sua visão crítica sobre a diplomacia brasileira, acompanhado de maneira muito tênue pela Folha de São Paulo e O Globo. Não há perspectiva de que esse panorama pouco crítico – inclusive de escassa reflexão mais aprofundada – venha a mudar no horizonte previsível, o que permite supor a continuidade da concepção segundo a qual foi o governo Lula quem “colocou” o Brasil no mundo, não a de que este conquistou a posição de destaque de que goza hoje por mérito próprio, do país e de seus empresários, em função das características de sua economia estabilizada e da dimensão de seus mercados internos de bens e serviços – inclusive no terreno bancário do financiamento externo do consumo e no de grandes retornos para os investidores de curto prazo em suas bolsas e mercado de títulos governamentais – bem mais do que como resultado das grandes linhas da sua diplomacia ou de aspectos específicos da política externa brasileira.
No plano institucional, o Itamaraty foi de certa forma enquadrado pela diplomacia partidária e teve de cumprir missões, em especial na região, em relação às quais uma análise técnica e profissional, conduzida em bases puramente internas, teria provavelmente recomendado outro curso de ação, sobretudo no que se refere aos países ditos “bolivarianos”. O perfil estritamente profissional, sempre discreto, dos diplomatas de carreira contornou algumas situações mais constrangedoras, que uma atuação partidária amadora criou para a diplomacia nacional, não sem algum desgaste público, como revelado em diversos episódios comentados na imprensa (como o de Honduras, por exemplo). O terreno no qual o Brasil mais poderia ter exercido um papel de estabilizador e de garantidor da paz, da democracia, de promoção dos direitos humanos sempre foi, não é necessário lembrar, o da América do Sul, onde sua diplomacia tem condições de exercer algum papel de relevo, em função da longa presença e da capacidade interna, do Itamaraty, de “digerir” e de encontrar terrenos de entendimento e de conciliação compatíveis com o tamanho e a importância relativos do País. Contraditoriamente, porém, foi também o terreno no qual mais se fez sentir sua ausência em iniciativas apaziguadoras – em face de notórios problemas existentes ou criados por aliados inconvenientes – ao mesmo tempo em que a diplomacia de Lula se lançava em aventuras mundiais de desfechos imprevisíveis ou antecipadamente inócuos. Não seria necessário lembrar aqui esses muitos casos – em especial o conflito Argentina-Uruguai em torno das “papeleras”, bem como as tensões e fricções entre a Colômbia e seus vizinhos, a respeito do problema do narco-terrorismo – para comprovar que a reivindicação explícita ou implícita à liderança careceu de bases regionais compatíveis e condizentes com as pretensões mundiais do governo Lula.
Independentemente, porém, das ações governamentais, parece claro que o Brasil tem emergido como grande ator regional e, quiçá, internacional, em função da dimensão própria de sua economia, da estabilidade macroeconômica alcançada desde o Plano Real e a partir dos regimes de metas de inflação e de flutuação cambial, da sua capacidade decorrente de atrair capitais de risco e da sua posição naturalmente protagônica no quadro da América do Sul, como maior mercado regional. No plano da mídia mundial, o Brasil tem de fato ocupado maiores espaços em função do ativismo de sua diplomacia e da superexposição de presidente Lula. Cabe a esse respeito indagar se esses esforços vêm sendo direcionados para os temas e objetivos mais adequados aos interesses permanentes do Brasil.
Ao fim e ao cabo, não obstante o sucesso de imagem obtido pela diplomacia do governo Lula – aliás construído expressamente para essa finalidade específica – um julgamento mais adequado de sua diplomacia terá de esperar um debate ponderado entre observadores imparciais e independentes, além e acima dos interesses conjunturalmente relevantes ligados aos enfrentamentos políticos do período eleitoral. No que concerne à visão crítica exercida neste ensaio de avaliação, o julgamento provisório e preliminar que se poderia oferecer vem baseado nestas constatações: os insucessos e limitações da diplomacia de Lula em seus dois mandatos podem ser debitados, antes de tudo, a erros de concepção derivados de uma visão partidária limitada – e equivocada – das relações internacionais, bem como de uma seleção de “parceiros”, ou aliados, decorrente dessa mesma visão amadora do mundo e da região, atando o Itamaraty a uma cadeia de compromissos e de iniciativas que destoaram de suas linhas tradicionais de atuação; no terreno da prática, em segundo lugar, a multiplicação de iniciativas, amplamente centradas na figura presidencial, também careceu de um exame técnico mais ponderado, por parte da diplomacia profissional, quanto às condições de seu sucesso, o que também contribuiu para o registro limitado de resultados efetivos, à exceção da própria exposição da figura presidencial, como já mencionado.
Em suma, o “pensamento” e a “ação” da diplomacia de Lula são compatíveis e coincidentes com a sua figura e com as concepções e métodos de atuação de seu partido; ambos levam as marcas da personalidade presidencial e do universo “mental” – se é o caso de empregar a expressão – do movimento político que ele representa; a ambos devem ser debitados os resultados diplomáticos dos oito anos do mandato de Lula. Dado o grau de politização alcançado por essa diplomacia – o que atingiu de modo grave o Itamaraty – um exame ponderado desses resultados terá provavelmente de esperar tempos mais serenos e menos sujeitos a querelas ideológicas. O presente ensaio de análise crítica deve, portanto, ser considerado apenas como uma etapa preliminar e parcial desse esforço de avaliação objetiva da diplomacia brasileira na era Lula.

Theory and practice of Lula’s diplomacy: a critical assessment
Paulo Roberto de Almeida *
Abstract: Critical evaluation of the conceptual foundations and of the diplomatic agenda of Lula’s government (2003-2010), with an examination of the theoretical elements that support its initiatives, both in Brazil’s external relations and international policy, as well as of the practical measures that marked its eight years administration. Brazil grew significantly in world scenarios, with an enhanced posture, albeit not followed by concrete results. Lula’s three main diplomatic priorities – to gain a permanent membership at UN Security Council, strengthening and consolidating Mercosur and the regional economic integration in South America, and successfully concluding multilateral trade negotiations – were not achieved, and may be not achievable in the near future. There was one single success: Lula’s personal promotion as world leader, at the expense of professional diplomacy.

Key-words: Brazil. Foreign Policy. International Relations. Conceptual foundations. Diplomatic agenda.

* Paulo Roberto de Almeida é doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas (1984), Mestre em Planejamento Econômico pela Universidade de Antuérpia (1977) e diplomata de carreira desde 1977; é autor de numerosos livros e ensaios sobre as relações internacionais e a política externa do Brasil (www.pralmeida.org).

Direitos Humanos: MRE vs ONG, um debate saudavel

Direitos humanos a sério
Oscar Vilhena Vieira
O Estado de S.Paulo, 25 de agosto de 2010

Em recente artigo publicado na imprensa, o ministro Celso Amorim busca refutar as crescentes objeções que vêm sendo feitas à política externa brasileira no campo dos direitos humanos. O fato de o chanceler vir a público justificar a condução da política externa é, em si, um avanço. A manifestação também é positiva na medida em que reitera o compromisso do governo com os direitos humanos. O que se pretende aqui questionar é se as premissas e as ações do governo são condizentes com esse compromisso, reiterado pelo ministro.
De acordo com Amorim "reprimendas ou condenações públicas" não constituem o melhor caminho para obter o respeito aos direitos humanos. A seu ver, é mais eficaz dar o "exemplo e, ao mesmo tempo, agir pela via do diálogo franco". Essa premissa, além de moral e juridicamente discutível, não pode ser comprovada faticamente. São inúmeras as experiências em que a denúncia e a pressão internacional desempenharam papel fundamental na derrubada de regimes violadores, como o emblemático caso sul-africano. Teria sido melhor se a comunidade internacional, incluindo as Nações Unidas, em vez de denunciar e impor duras medidas ao regime racista, tivesse apenas buscado o diálogo respeitoso com seus líderes? Teria sido melhor que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que no final dos anos 1970 denunciou corajosamente a tortura e os desaparecimentos forçados na Argentina e no Chile, tivesse optado pelo diálogo com Augusto Pinochet ou Jorge Videla? Por acaso as denúncias feitas pelo presidente Jimmy Carter em 1977 sobre a tortura no Brasil não contribuíram para a redemocratização? Deveria ter optado por uma atuação mais discreta, para não incomodar nossos generais?
O diálogo e a persuasão são instrumentos não apenas válidos, como importantes, mas não podem dispensar o reconhecimento público das violações, a responsabilização dos violadores e a reparação às vítimas, especialmente pelos mecanismos internacionalmente concebidos para proteger os direitos humanos. Ao se propor uma atuação "conciliadora" não apenas de Estados, mas dos próprios mecanismos multilaterais de direitos humanos, a política brasileira tem contribuído para fragilizar esses mesmos mecanismos, com consequências nefastas para as vítimas.
Ao buscar superar o maniqueísmo e a seletividade que imperam na conduta de muitos países do Norte, o Brasil corre o risco de criar um novo maniqueísmo e uma nova seletividade. Muitas das recentes manifestações do Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU têm causado inconformismo entre aqueles que tomam os direitos humanos a sério. É o que se pode identificar nos casos de Irã, Sri Lanka, Mianmar, Sudão (Darfur), República Democrática do Congo, em que a participação brasileira não se alinhou a resoluções voltadas para apurar as violações, responsabilizar os violadores ou mesmo manter mecanismos internacionais para aferição de tais violações. O Brasil parece estar criando uma nova seletividade, em que o que importa não é a natureza ou a gravidade das violações, mas a origem das acusações ou a proximidade política com o violador. No caso do Sri Lanka, o Brasil juntou-se ao próprio governo desse país, a Cuba, Paquistão, Irã e Sudão, entre outros governos não-democráticos, para derrubar uma resolução proposta pela União Europeia. O Brasil já vinha se comportando seletivamente na antiga Comissão de Direitos Humanos. Basta verificar como se manifestou em relação às resoluções que cuidavam de violações na China, na Chechênia, no Zimbábue e em Belarus. Esse mesmo padrão de diálogo não se aplica, por exemplo, quando o assunto é a condenação das violações promovidas por Israel no caso dos palestinos. O Brasil, porém, não ousa promover resoluções que condenem as violações sérias e existentes em países do Norte, como, por exemplo, as conhecidas manifestações contra os direitos básicos dos prisioneiros de Guantánamo.
O caso da Coreia do Norte talvez seja o mais emblemático. Apesar de gravíssimas denúncias de existência de campos de concentração e execuções de dissidentes políticos, e das inúmeras demonstrações de que o regime de Pyongyang não está disposto a cooperar, o Brasil vislumbrou uma "janela de oportunidades" e negou-se a apoiar uma resolução que propunha renovar o mandato do relator especial para aquele país. Somente depois de ver suas propostas ignoradas pelo regime totalitário de Pyongyang e ser interpelado pelo Ministério Público Federal, o Itamaraty finalmente mudou sua posição. O resultado desse processo foi o estabelecimento de um conjunto de recomendações ao governo para que não mais olvide suas obrigações constitucionais no trato das questões de direitos humanos.
A política de direitos humanos brasileira tem avançado em diversas frentes, como na discussão sobre propriedade intelectual, medicamentos, meio ambiente e luta contra a pobreza, porém tem se demonstrado ambígua quando se reporta às violações cometidas por regimes repressivos. Se o Brasil quer representar algo novo no cenário internacional, não apenas no aspecto econômico, mas também ético, não pode mais invocar o "simplório" e ultrapassado princípio da não-interferência; não pode mais praticar uma seletividade enrustida e ressentida; não pode mais fragilizar a autoridade dos mecanismos internacionais de direitos humanos e das ONGs que operam nesse campo.
Se a proposta é estabelecer um "diálogo franco", isso significa disposição para o reconhecimento das violações, responsabilização dos violadores e reparação às vítimas. Esta, porém, não parece ser a postura de muitos dos interlocutores do governo brasileiro.

DIRETOR JURÍDICO DA CONECTAS DIREITOS HUMANOS, É PROFESSOR DA ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Pausa cinematografica (dolorosa e sem pipoca)

Deveria ser a piada da semana, talvez do mes, quem sabe do ano:

Filme "Lula" vai representar o Brasil em disputa por vaga ao Oscar
DE SÃO PAULO, 23/09/2010 - 12h24

Final de "Lula, o Filho do Brasil" será mudado para a versão internacional

O filme "Lula, o Filho do Brasil", de Fábio Barreto, foi o escolhido nesta quinta-feira por uma comissão de especialistas para representar o Brasil na disputa por uma vaga ao Oscar de melhor estrangeiro em 2011. O longa foi eleito por unanimidade.

A Academia divulga a lista dos finalistas no dia 25 de janeiro. A cerimônia de premiação acontece no dia 27 de fevereiro, em Los Angeles.

A comissão que escolheu o filme foi formada por representantes do MinC, da Secretaria do Audiovisual, da Agência Nacional de Cinema e da Academia Brasileira de Cinema.

Roberto Farias, presidente da Academia Brasileira de Cinema, disse à Folha que o corpo de jurados escolheu o filme por unanimidade e que a definição levou em conta o fato de Lula ser uma figura conhecida internacionalmente. "Talvez seja o nosso maior astro", disse.

Ele se defende de críticas de que esta foi uma escolha política. "A nossa posição não tem nada a ver com as eleições. É uma coincidência ter escolhido esse filme num ano de eleição", afirma.

Para Newton Cannito, secretário do Audiovisual, a escolha foi uma questão estratégica. "É o filme que tem mais chance de ganhar esse prêmio. Não é o melhor nem o mais popular", explica.

Foram o júri Cássio Henrique Starling Carlos, Clélia Bessa, Elisa Tolomelli, Frederico Hermann Barbosa Maia, Jean Claude Bernardet, Leon Cakoff, Márcia Lellis de Souza Amaral, Mariza Leão Salles de Rezende e Roberto Farias.

Concorriam os filmes "As Melhores Coisas do Mundo", "A Suprema Felicidade", "Antes que o Mundo Acabe", "Bróder", "Carregadoras de Sonhos", "Cabeça a Prêmio", "Cinco Vezes Favela, Agora Por Nós Mesmos", "Chico Xavier", "É Proibido Fumar", "Em Teu Nome", "Hotel Atlântico", "Nosso Lar", "Olhos Azuis", "Ouro Negro", "O Bem Amado", "O Grão", "Os Inquilinos", "Os Famosos e os Duendes da Morte", "Quincas Berro D'Água", "Reflexões de um Liquidificador", "Sonhos Roubados" e "Utopia e Barbárie".

Memorias diplomaticas - Paulo R. de Almeida

Não as minhas, que não as tenho (pelo menos não ainda), mas as dos outros...

Memória e diplomacia: o verso e o reverso
Paulo Roberto de Almeida
(Publicado em Mundorama, 23.09.2010)

Memórias, pelo menos memórias publicadas, não são para qualquer um: elas geralmente constituem o apanágio e a distinção daqueles que tiveram um itinerário de vida semeado de grandes e importantes cruzamentos com a vida política nacional (ou até internacional) e que desempenharam algum papel de relevo em alguns dos episódios. Pode ocorrer, também, com indivíduos que foram simplesmente testemunhas desses fatos, mesmo com alguma participação mínima nesses eventos, aquilo que Raymond Aron chamou, para si mesmo, de “espectador engajado” (ver suas Memórias, publicadas em 1983, e o livro de depoimento, que leva justamente esse título). Todos esses deveriam se sentir compelidos a colocar no papel, ou em qualquer outro suporte memorialístico, aqueles registros pessoais que apresentem relevância para a compreensão desses episódios, fatos e eventos de que tenha, ou não, participado, mas sobre os quais podem oferecer um depoimento inteligente. Líderes da área econômica, mesmo não tendo participado de fatos relevantes, mas que foram importantes em processos mais estruturais de transformação produtiva na vida de um país também podem oferecer suas “memórias do desenvolvimento”, pois de certa forma ajudaram a construir o país e a enriquecer a sociedade.
Os diplomatas, pela sua importância “locacional” em determinados episódios da interface externa do país, também poderiam oferecer bons testemunhos sobre os grandes eventos internacionais a que assistiram ou dos quais foram partícipes, ainda que em posição de baixa responsabilidade decisória. Muitos deles conviveram e assessoram estadistas, chefes de Estado e ministros, e se ocuparam justamente de processar a informação, colocá-la no contexto, oferecer resumos sintéticos e propostas de decisão para aqueles mesmos encarregados de tomá-las e se situam, assim, numa posição privilegiada para relatar o que viram, ouviram e até o que fizeram. São muitos os relatos diplomáticos e também numerosas as memórias de diplomatas, um gênero infelizmente muito pouco cultivado no Brasil, pelo menos entre os burocratas “normais” da carreira.
Podem ser contadas nos dedos das duas mãos – e não precisamos dos dedos dos pés – as memórias de diplomatas, o que é de certa forma lamentável, não apenas no plano individual, mas também como evidência de uma lacuna institucional, pois o volume reduzido de depoimentos pessoais significa que a Casa, o ministério, que possui uma excelente memória coletiva, não se ocupa de resguardar as memórias individuais de seus membros, por meio de um programa sistemático de preservação de papéis individuais e de depoimentos organizados, que ultrapassem o aborrecido dos burocráticos maços individuais, para alcançar o que se poderia chamar de reflexão sobre a carreira e sobre os episódios mais relevantes que a rechearam. Elas existem, por certo, mas bem mais como resultado de uma decisão pessoal do que por estímulo do serviço diplomático, e de forma mais organizada numa entidade externa – o Cpdoc, por exemplo – do que por iniciativa da própria instituição.
Algumas dessas memórias cobrem mais o trivial da carreira, como por exemplo o livro de Luis Gurgel do Amaral: O Meu Velho Itamarati (De Amanuense a Secretário de Legação) 1905-1913 (2a. ed.: Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2008; 1ra. ed.: Imprensa Nacional,1947), um despretensioso relato sobre os tempos do Barão e a chamada belle époque (certamente não no Brasil, pois o Rio de Janeiro ainda estava infestado de mosquitos da febre amarela, e o próprio Barão se refugiava em Petrópolis). Outras são bem mais consistentes, como o excelente depoimento escrito do próprio punho pelo ex-chanceler Mario Gibson Barboza: Na Diplomacia, o traço todo da vida (Rio de Janeiro: Record, 1992). Na mesma época, foi publicado um livro de pretensões mais modestas, do ex-chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro: Lembranças de um Empregado do Itamaraty (São Paulo: Siciliano, 1992).
Pertencentes a um período histórico ainda anterior a esses depoimentos que cobrem, em grande medida, o período militar, figuram as memórias de Manoel Pio Correa Jr, O mundo em que vivi (Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1996, 2 volumes), e as de Vasco Leitão da Cunha, Diplomacia em alto-mar: depoimento ao CPDOC (Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1994). Roberto Campos, o diplomata-economista, também deixou suas memórias, mas elas interessam menos, talvez, ao estudioso da história diplomática do Brasil do que ao pesquisador de sua história econômica: A Lanterna na Popa: memórias (Rio de Janeiro: Topbooks, 1994; 4a. ed. rev. e aum.; Rio de Janeiro: Topbooks, 2001-2004, 2 volumes); ele era, certamente, uma ave rara no Itamaraty, que provavelmente não soube apreciá-lo à altura de sua capacidade, em virtude de sua postura bastante crítica à postura excessivamente “terceiro-mundista” do Itamaraty.
O mais recente exemplo no gênero memorialístico pode ser atribuído a Ovídio de Andrade Melo, que em seu algo desconjuntado depoimento encomendado por colegas ideologicamente afins, Recordações de um Removedor de mofo no Itamaraty: relatos de política externa de 1948 à atualidade (Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009), trata da política nuclear do Brasil e da recusa ao TNP, do reconhecimento de Angola e dos seus périplos afro-asiáticos. Flavio Mendes de Oliveira Castro também ofereceu um depoimento mais para o anedótico, em Caleidoscópio: cenas da vida de um diplomata (Rio de Janeiro: Contraponto, 2007), mas ele já tinha reunido uma importante documentação sobre a própria casa e seus chefes nesta obra de 1981, recentemente atualizada e reeditada: Dois séculos de história da organização do Itamaraty; 1: 1808-1979; 2: 1979-2008 (Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009, 2 volumes). Mais específica a uma determinada fase da vida de um diplomata, e juntando memória pessoal e depoimento sobre uma época, é este livro de Carlos Alberto Leite Barbosa: Desafio Inacabado: a política externa de Jânio Quadros (São Paulo: Atheneu, 2007). Outros cobrem praticamente toda a vida diplomática, pelo menos acima do conselheirato: foi o caso de Vasco Mariz em: Temas da política internacional: ensaios, palestras e recordações diplomáticas (Rio de Janeiro: Topbooks, 2008).
Também existem aqueles que juntam discursos, conferências, palestras e artigos publicados – muitos deles escritos por assessores – para realizar uma compilação em formato de livro, acrescido de algumas reflexões introdutórias ou comentários esparsos, o que parece ter sido o caso de Paulo Tarso Flecha de Lima, em seu Caminhos Diplomáticos: 10 anos de agenda internacional (Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1997) ou, mais recente, de Luiz Felipe Lampreia: O Brasil e os Ventos do Mundo (Rio de Janeiro: Objetiva, 2010). Os que não têm tempo de sequer fazer isso, apenas pedem que se lhe juntem os discursos (raramente escritos da própria mão) e os publicam às expensas do contribuinte, como já ocorreu com vários chefes da Casa. Outros colecionam papéis, importantes, que depois eventualmente serão disponibilizados pela família ou pessoalmente; foi o caso de Paulo Nogueira Batista, por meio desta coletânea: Suely Braga da Silva: Paulo Nogueira Batista: o diplomata através de seu arquivo (Rio de Janeiro: Cpdoc; Brasília: Funag, 2006); e também de um dos pioneiros da diplomacia econômica no Itamaraty: Teresa Dias Carneiro: Otávio Augusto Dias Carneiro, um pioneiro da diplomacia econômica (Brasília: Funag, 2005).
Relevantes, também, são os depoimentos prestados ao Cpdoc, uma vez que eles vem com um aparato crítico-metodológico que os próprios diplomatas não estão habituados a preparar. Podem ser citados, nessa categoria, João Clemente Baena Soares: Sem medo da diplomacia: depoimento ao Cpdoc (organizadores Maria Celina D’Araujo et alii; Rio de Janeiro: FGV, 2006); Marcílio Marques Moreira: Diplomacia, Política e Finanças (Rio de Janeiro: Objetiva, 2001); e o próprio Vasco Leitão da Cunha, já citado. Aguarda-se agora o depoimento de Rubens Antonio Barbosa, em curso de preparação pelo mesmo Cpdoc.
Um traço comum à maior parte dos depoimentos, memórias e entrevistas coletadas é a adesão de quase todos eles à chamada “cultura da Casa”, feita de certo conformismo pouco crítico com a política externa – que muitas vezes eles ajudaram a forjar ou a defender –, uma “fidalguia” de caráter que os impede de apontar lacunas sérias no modo de funcionamento do ministério e muita benevolência em relação às supostas excelências do serviço diplomático brasileiro. Poucos são críticos, como Roberto Campos, e os que são, como Ovídio Mello, o fazem por clara adesão política a correntes que nunca pertenceram ao chamado mainstream diplomático brasileiro, embora tenham permeado seu pensamento desenvolvimentista e terceiro-mundista. Esse é, digamos assim, o reverso da medalha das “memórias diplomáticas”: elas expõem ou justificam algumas políticas, mais do que discutem seus fundamentos ou oferecem reflexões livres sobre suas implicações para o país e a sociedade.
Todos esses depoimentos, memórias e coletâneas de documentos e reflexões são relevantes na construção de uma memória “viva” – se é o caso de se dizer – da história diplomática brasileira, mas muito ainda falta a ser feito para se alcançar certo rigor na tomada de depoimentos – que deveria ser um empreendimento oficial e coletivo, por exemplo – e na sua depuração crítica, com todo o aparato da técnica historiográfica. Mais importante, o Itamaraty não dispõe sequer de um historiador oficial, que possa juntar os documentos mais relevantes, agrupá-los tematicamente e colocá-los à disposição dos pesquisadores e do público at large, como ocorre, por exemplo com a U.S. Foreign Relations series. Tempo virá, certamente, em que se esse tipo de trabalho se fará em bases permanentes e regulares, com a ajuda dos muitos historiadores que já ingressaram na carreira diplomática.

Shanghai, 23.09.2010

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Addendum:
Mensagem pessoal recebida de Matias Spektor, do Cpdoc:

Caro Paulo,

Foi excelente ler teu artigo ainda agora no Mundorama.

Esta mensagem brevíssima é para contar a você que estamos entrando na gráfica com o longo depoimento prestado pelo Azeredo da Silveira ao Cpdoc entre 1979 e 1982. O material é um primor e sai pela editora da FGV em outubro. Faremos um lançamento no Rio e outro em Brasília em novembro.

A outra nota é que os livros do Roberto Campos, Lampreia, Saraiva Guerreiro e Gibson Barboza são, todos, produto de longos depoimentos prestados ao Cpdoc também. A diferença é que, nesses casos, assim como ocorrerá com o material do Rubens Barbosa, a edição fica por conta dos depoentes.

Entendo por colegas que o Itamaraty agora está avançando na constituição de um programa de história oral nos moldes que você sugere. Seria mesmo ótimo.

Abraço grande,
Matias [Spektor]
(24.09.2010)

Uma parenteses explicativo sobre o excesso de politicagens no blog

Faço uma interrupção nos posts apenas para prestar contas sobre algo que a mim também incomoda.
O excesso de posts, de informações ou análises, de matérias de opinião sobre temas políticos, mais exatamente eleitorais.
Confesso não gostar disso, ou melhor, pelo menos não aqui, neste blog, que deveria estar voltado essencialmente, embora não exclusivamente, para temas de relações internacionais e de política externa do Brasil.
Os seguidores que se inscreveram para ler os posts, os leitores eventuais ou habituais podem estar incomodados com essa excessiva concentração de posts em temas meramente conjunturais, no mais das vezes sequer edificantes, e talvez mesmo vergonhosos.

Ao desculpar-me pelo fato, arrisco uma explicação.
Gosto de ocupar-me de assuntos de inteligência, como dá para perceber: livros, informações, análises, reflexões sobre meus temas preferidos, que são os de economia, desenvolvimento, cultura, politica internacional, história, diplomacia, enfim, aquilo que os franceses chamariam de haute culture.
Nisso não vai nenhum elitismo, e se houver, não me incomoda o mínimo: considero altamente desejável, e admirável, as pessoas buscarem a maior cultura possível, a maior compreensão alcançável sobre as coisas do mundo e da mente. Como se diz em latim, numa expressão que termina por um palavrão em português: nada do que é humano me é estranho.
Assim, me interesso por tudo, e leio um pouco de tudo, geralmente livros de estudo, um pouco menos de romances -- o que lamento, sinceramente -- por absoluta falta de tempo e concentração naquelas áreas mencionadas.
Este blog, obviamente, procura apresentar uma pequena seleção de meus temas preferidos -- e tenho outros para outras matérias, livros, eleições, etc -- com ênfase nas relações internacionais e na política externa do Brasil, por gosto e por deformação de ofício, digamos assim.

Mas também tenho os meus dislikes.
Por exemplo, tenho alergia à burrice.
Atenção: não confundir com ignorância. "Respeito", humildemente (se é o caso de dizer), a "incultura" dos menos afortunados, daqueles que não tiveram chance na vida de se educar corretamente e que permanecem ignorantes, por falta de condições objetivas, ainda que eu acredite que qualquer ser humano pode fazer um esforço próprio para se instruir, se tiver consciência, claro, do valor do conhecimento para sua elevação material (e até espiritual). Mas não é desses indivíduos que estou falando.
Eu me refiro àqueles que, tendo condições e possibilidade de se instruir, ou de pelo menos de se informar por meios próprios, de buscar dados sobre as coisas que o cercam, de pelos menos abrir um jornal ou de ver um programa noticioso na TV ou ouvir informações no rádio, enfim, pessoas que escolhem voluntariamente permanecer ignorantes, por preguiça, por desinteresse, por simples insistência na desinformação (que salta virtualmente na face de qualquer um hoje em dia), por recusa de melhorar sua capacidade cognitiva, ou por simples acomodação na incultura. Esses eu encontro por vezes, aqui e ali, e me surpreendo como certas pessoas até bem vestidas, dotadas (aparentemente) de uma educação formal que pode ter ido até o terceiro nível, podem ser tão desinformadas e voluntariamente alheias às realidades do Brasil e do mundo. Esse eu reputo burros, e reputo que se trata de uma estupidez voluntariamente assumida. Tenho alergia, portanto, desse tipo de burrice ou de incultura (porque escolhida).

Também tenho horror à mentira, à fraude deliberada, à desonestidade intelectual, que são todos reflexo e resultado de um mesmo traço fundamental em certos indivíduos: a falta de caráter.

Infelizmente, todos esses traços são facilmente encontráveis no Brasil atualmente, e até em esferas onde não esperávamos encontrar esse tipo de "defeito", digamos assim.

Creio que estou chocado por encontrar tudo isso em doses altamente concentradas nos últimos tempos.
Essa é a razão de por que tenho me desviado de meus assuntos habituais para me ocupar, tapando o nariz, desses aspectos menos felizes da conjuntura brasileira atual.
Isso passa...

Paulo Roberto de Almeida
(23.09.2010)

Uma analise do carisma - Mario Guerreiro

Afinal de contas, o que é carisma?!
Mario Guerreiro
(22.09.2010)

Quando investigamos a origem da palavra “carisma” surpreendemos um processo de laicização cujas consequências últimas são assaz surpreendentes. Charisma é uma palavra grega que foi usada pelo cristianismo primitivo e cujo significado era o de “dom da graça divina”. Desse modo, dizia-se que um homem agraciado por esse dom era um homem carismático.

Em seus estudos sobre a formação da religião cristã, o teólogo Rudolph Sohm empregou essa palavra diversas vezes e, ao que tudo indica, o sociólogo Max Weber (1864-1920) teria sido o primeiro a estender seu sentido a um contexto laico. Carisma passou a ser, para ele, uma qualidade excepcional (real ou imaginária) possuída por um indivíduo capaz de exercer influência e liderança sobre determinado grupo de indivíduos.

É importante assinalar que Weber não fez uso do termo na sua acepção original (teológica), mas sim numa acepção laica inspirada na mesma. Assim sendo, ele despiu o vocábulo inteiramente de qualquer conotação valorativa, tanto quando o que estava em jogo a análise das lideranças do ponto de vista da sociologia da religião como a do ponto de vista do poder político.

Ou seja: para o cristianismo, possuir carisma era e ainda é um bem, uma qualidade excepcional ofertada por Deus a alguns espíritos especiais, porém para Weber é meramente uma qualidade possuída por um particular tipo de liderança: a liderança carismática.

Tal liderança, em si mesma, não é boa nem má. O líder carismático goza de uma grande capacidade de persuadir e inflamar um grupo maior ou menor de indivíduos, porém tanto pode conduzi-los a praticar o bem como o mal. Lembremos que, tanto Mahatma Gandhi como Adolf Hitler teriam que ser considerados líderes carismáticos, tal como caracterizado por Weber. E por que não Abelardo Barbosa, o Chacrinha, e Seymour Abravanel, o Sílvio Santos, bem como Michael Jackson, o bispo Macedo, Enéas Carneiro et caterva?!

Lembremos que no caso de Sílvio Santos, este chegou mesmo a se candidatar a Presidente da República, e creio que só não obteve uma votação maior, porque lançou sua candidatura demasiadamente tarde, não por carecer de dons carismáticos weberianos.

Só fico em dúvida se devo considerar que é também carismático o candidato a deputado Tiririca com seu slogan "Vote em Tiririca que pior do que tá não fica"?! Digo isto porque ele mostrou ser capaz de conquistar a adesão de milhares de eleitores e está correndo o risco de ser o candidato mais votado em São Paulo.

Apesar disso, percebo que no mundo contemporâneo há uma valoração positiva da expressão “líder carismático”, como se uma liderança carismática fosse sempre uma algo positivo, unicamente conduzindo um grupo maior ou menor de indivíduos à prática do bem.

Nada mais estranho ao pensamento de Weber que sempre desempenhou um grande esforço no sentido de preservar aquilo que ele chamou de Wertfreiheit (literalmente: isenção de valor, mas numa linguagem técnica: neutralidade axiológica), coisa esta considerada por ele imprescindível numa abordagem científica.

Essa tomada no sentido valorativo de um termo, antes usado num sentido puramente descritivo, é um fenômeno bastante disseminado socialmente. Determinadas qualidades de caráter dianoético (relativas à mente e ao intelecto) frequentemente são tomadas num sentido ético. Se uma qualidade tal como a astúcia fosse algo eticamente negativo, Cristo não a teria recomendado ao dizer: “Sede mansos como as pombas, mas astutos como as serpentes”.

Todavia, a astúcia em si mesma não é uma qualidade dianoética positiva nem negativa, tudo dependerá de quem a empregar: se a empregar com uma boa ou má finalidade, se a empregar para se defender de quem preparou uma armadilha ou para passar a perna nos outros. O mesmo pode ser dito da prudência: por acaso um vil criminoso não pode ser prudente em determinada ação? E se for, só por isso ele deixará de ser um meliante e passará a ser um homem probo?

No entanto, por maior que seja minha admiração pelas brilhantes análises da liderança carismática realizadas por Max Weber, gostaria de ir mais adiante e colocar a seguinte indagação:

O portador de carisma é reconhecido pelas características de sua personalidade qua tale – tais como poder de comunicação, persuasão, liderança, etc – ou tudo depende muito de como seus liderados o vêem, de sua identificação com ele, de ele se comportar de acordo com os anseios e expectativas deles, etc?

Coloquei essas indagações logo após a leitura da análise de uma particular personagem da história reconhecidamente carismática. Em sua descrição de Che Guevara, diz Olavo de Carvalho:

“Como revolucionário, Che Guevara foi um vulgar tiranete, um assassino que se comprazia em executar pessoalmente as sentenças de morte que assinava.”

“Como ministro da Economia foi um fiasco do qual o próprio regime cubano se livrou o mais rápido que pôde; como guerrilheiro, foi um recordista de inépcia, capaz de perder para o exército mais pífio da América Latina”.

“Que encanto possui essa porcaria de personagem para que tantos brasileiros se babem de gozo devoto ante sua imagem e concedam mais vasta homenagem aos trinta anos de sua morte do que aos trezentos anos de Vieira e aos quatrocentos de Anchieta?”

Associar a barba rala de adolescentes a algum odor de santidade, me desculpem, mas é pura perversão sexual: não explica nada. Quanto ao “no perder la ternura [jamás]” é apenas uma frase e nada de novo nos informa”.

“O culto de Che Guevara é um enigma que a própria figura do Che não elucida. Suas razões não estão na natureza do objeto cultuado, mas sim na psicologia de seus sacerdotes. Para encontrá-las, é preciso dar à pergunta uma formulação mais geral: Por que o socialismo, um fracasso na realidade, continua persuasivo como ‘ideal’?” [Olavo de Carvalho: O Imbecil Coletivo II. Rio de Janeiro. Topbooks.1998. pp.47-8. O grifo é meu].

Fica bastante claro na supracitada passagem - especialmente no último parágrafo - que os motivos do grande carisma de Che Guevara não devem ser procurados em sua figura, porém na “psicologia de seus sacerdotes”, ou seja: nos anseios, nas expectativas, na identificação daqueles que interagiram e ainda interagem com sua figura, mesmo - ou principalmente - após sua morte seguida de sua “beatificação”.

Reconhecer isso representa analisar a liderança carismática por um prisma diferente daquele descortinado por Weber, pois o que passa a estar em jogo é a idéia de que um líder carismático é muito mais o que ele representa para os outros, os anseios que ele vem a preencher, expectativas dos outros que ele satisfaz ou se limita a nutrir substanciosamente, etc.

Com isto, não estou pretendendo insinuar que o líder carismático tenha grande capacidade de intuir os anseios e as expectativas de seus acólitos e, com verdadeiro talento dramático, seja capaz de desempenhar um papel que venha ao encontro dos mesmos. Longe dele esse distanciamento frio mediante o qual um bom ator confere vida à personagem representada por ele.

O líder carismático não finge ser uma personalidade que ele não é, não representa num palco para uma platéia. Malgrado sua fala e seus gestos mostrarem-se frequentemente eivados de teatralidade, são realmente espontâneos: ele sente de fato as emoções que transmite aos outros, ele se mostra tal qual é.

E nisto consiste justamente uma das suas principais virtudes, uma vez que a persuasão não se faz apenas pelas idéias transmitidas por ele, mas, principalmente pelo tônus afetivo mediante o qual elas envolvem afetivamente a platéia. Na comunicação de um líder carismático com seu público, está muito mais em jogo o pólo expressivo do que o pólo semântico da linguagem, para usar a oportuna distinção de Karl Bühler.

No excelente filme O Grande Ditador, o magistral ator e diretor Charles Chaplin expressou isso de maneira admirável. Ele faz uma paródia do Führer esvaziando seus eletrizantes discursos de todo conteúdo significativo, só emitindo fonemas típicos da língua alemã, porém com toda aquela verve acompanhada de frenética gesticulação. Algo semelhante a “Aftas ardem e doem”!!!

E é por isso que carismáticos são Fidel Castro, Chávez e Lula e não-carismáticos são Dilma, Marina e Serra. Estes, não importando o conteúdo de suas falas, são incapazes de transmitir emoção e envolver afetivamente a platéia. Seus sorrisos são forçados e inexpressivos. O de Serra mal consegue esconder uma pessoa amarga, dona da verdade e intransigente, o de Dilma uma pessoa rancorosa, intratável e mandona: a folclórica sogra de maus bofes sorrindo para as visitas, mas só por questão de etiqueta.

Mas não nos esqueçamos de que ser carismático não é nenhuma virtude ética, limita-se às capacidades de persuasão e liderança. Tais capacidades, como já vimos, dependem muito do reconhecimento e do acolhimento dos liderados que se identificam com o líder. Vamos até mais longe dizendo que não só os anseios e as expectativas, mas também a especial mentalidade da platéia é que fazem de alguém um verdadeiro líder carismático.

Antonio Conselheiro não conquistaria multidões de fanáticos seguidores, se estes não estivessem nos sertões nordestinos, mas sim na Finlândia (onde provavelmente ele seria remetido a uma clínica psiquiátrica). Se sua carreira fosse feita no Brasil, Hitler não teria sido levado a sério e eleito (ainda que indiretamente) pelo povo, e provavelmente arranjaria um emprego num circo como bom imitador de Carlitos (personagem de Charles Chaplin).

Mas a esta altura há uma pergunta que não quer se calar: Considerando que um líder político como Luís Inácio Lula da Silva é de fato um grande líder carismático, sem que haja nessa asserção nenhum juízo de valor – tal como recomendaria Max Weber – o que fez com que ele se tornasse o que de fato se tornou? E ser ainda capaz de alavancar sua insossa e despreparada candidata à sucessão em virtude única de seu carisma de grande transferidor de votos – capaz de eleger até um poste!

Para resumir tudo numa só sentença: Ele é a “cara do povo”, como se costuma dizer. Mas o que é ser a cara do povo, quando o povo em questão só pode ser o brasileiro?

Ora, é ser semiletrado, bravateiro, orgulhoso de seu despreparo e ignorância, matreiro, fiel seguidor da “Lei de Gérson”, manipulador, inconseqüente, emissor de chavões esquerdistas e abobrinhas de apedeuta, cara-de-pau, amante de mordomias y otras cositas mucho más malas...

Trata-se, portanto, de um legítimo representante do povo, e isto ninguém pode negar! Nem mesmo os 4% de eleitores que o detestam tanto quanto seus dois (des)governos e em que me incluo prazerosamente como minoria irrelevante em termos estatísticos.

Que devemos concluir? Que “a democracia é uma aristocracia de pilantras?” (Lorde Byron). Que “a democracia não passa de uma ficção estatística?” (Jorge Luis Borges). Que a democracia corre sempre o risco de se transformar numa ditadura da maioria? (Tocqueville).

Não! Devemos concluir que cada povo tem o governo que merece.

E se um povo quiser ser merecedor de futuros governos melhores, que exija uma educação da melhor qualidade para todos indistintamente, capaz de gerar um número maior de eleitores bem formados e bem informados.

É quase certo eles que jamais elegeriam um indivíduo como Lula nem para síndico de seu edifício ou Presidente de seu clube de futebol.

Populismo cambial: governo comete, e custa caro...

Os "economistas" do governo atual, aliás o próprio ministro da Fazenda, e o candidato ao governo paulista pelo partido que "combatia o populismo cambial" do governo "neoliberal" anterior, parece terem se esquecido de suas acusações sem pé nem cabeça. E, no entanto, é o que eles mais estão praticando, desde que chegaram ao poder, acumulando ainda reservas em excesso, a um custo anual superior a 20 bilhões de dólares.
Parece que eles não têm a solução para o problema, a não ser comprar mais dólares, o que estimula os "especuladores" e trazer mais dólares ainda ao Brasil.
Quanto isso vai durar? Enquanto o governo tiver condições de comprar dólares e jogar a conta nas nossas costas pelo futuro imprevisível...
Paulo Roberto de Almeida

Enxurrada de dólares
Editorial Folha de S.Paulo, 22.09.2010

Apesar das incertezas que ainda pairam sobre a economia mundial, cresce com rapidez o fluxo de capitais para os países em desenvolvimento. O Brasil é um destinatário privilegiado: nos últimos 12 meses, os investimentos estrangeiros em renda fixa e Bolsa superam US$ 65 bilhões, um recorde em anos recentes. Por causa dessa enxurrada de dólares, o país experimenta um processo de forte valorização do real -uma ameaça ao equilíbrio das contas externas.
As causas são globais. A mais importante é a consolidação de uma disparidade de crescimento econômico entre países ricos e o mundo em desenvolvimento. São hoje os emergentes, Brasil entre eles, os responsáveis pelo dinamismo e pelas oportunidades de investimento mais atrativas.
EUA e Europa -onde se concentra grande parte da riqueza financeira do mundo- amargam uma recuperação complicada, lenta, insuficiente para reduzir o desemprego. Não há dúvida de que a taxa real de juro dessas economias permanecerá próxima de zero por muito tempo, o que incentiva os investidores a buscar opções fora de seus países.
É natural, portanto, que se observe uma persistente realocação de capitais em favor dos países em crescimento. Estima-se, por exemplo, que menos de 5% da carteira dos grandes investidores institucionais europeus e americanos se encontre alocada em títulos de nações emergentes, parcela que poderá subir para cerca de 20% nos próximos anos.
É um movimento que agravará as dificuldades de gestão para os países receptores.
Como está em curso um processo de desvalorização do dólar e do euro, em razão da crise, a pressão pela valorização cambial afetará quase todas as outras economias -como tem ocorrido. Nesse quadro, ações isoladas em plano nacional podem amenizar, mas não eliminarão o problema.
A maior parte dos países em desenvolvimento tenta administrar a valorização de suas moedas por meio de compras de dólares nos mercados de câmbio. Valem-se para isso das vultosas reservas internacionais que acumularam nos últimos anos.
Mas há diferenças que precisam ser ressaltadas. Algumas economias -em especial as asiáticas- estão mais aparelhadas para acumular dólares, pois contam com ampla poupança interna e juros baixos. Não é o caso do Brasil, onde o custo de aumentar o volume de reservas pode se tornar proibitivo. Sustentar US$ 250 bilhões com uma diferença de juros nominais de 8% em relação aos ricos (10,75% contra 2,5% nos EUA) já onera o Tesouro em US$ 20 bilhões ao ano. Logo, os recursos para adquirir dólares não são "ilimitados", e a autorização para o Fundo Soberano comprá-los, como já se anunciou, não deverá alterar muito essa realidade.
Por outro lado, a opção de lavar as mãos e não intervir é insustentável, pois tornaria ainda maior o dano para a competitividade do setor produtivo. Cabe ao governo agir para minimizar as disparidades e o custo das intervenções -por exemplo, desonerando as exportações e o investimento.
É preciso que se criem logo condições fiscais para aproximar a taxa de juros interna dos padrões internacionais, levando-a para cerca de 2% ao ano, em termos reais, ou seja, descontada a inflação.

Ironias da historia: militares defendem a democracia, jornalistas sao pela censura...

Participo nesta 5ª de um debate sobre a liberdade de expressão no Brasil
Reinaldo Azevedo, 23.09.2010

Há algo de deliciosamente irônico no que vou escrever agora. E certas ironias da história são muito úteis porque não servem para iluminar só o presente. Iluminam também o passado. Amanhã, este blog passará uma boa parte do tempo sem atualização. Encerro o trabalho nesta madrugada e volto a postar só à noite. Por quê?

Vou ao Rio para participar de um debate sobre “liberdade de expressão”. Os demais debatedores são o jornalista Merval Pereira, colunista do jornal O Globo e da GloboNews, e Rodolfo Machado Moura, diretor de Assuntos Legais da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão. A mediação é de Paulo Uebel, do Instituto Millenium.

Muito bem. Também nesta quinta, o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo abriga uma manifestação que tem como tema a imprensa. No caso, o PT e alguns outros partidos de esquerda, com apoio da CUT, UNE e outros auto-intitulados “movimentos sociais,” lançarão um grito de guerra contra o que chamam “velha mídia”. Por quê?

Estão descontentes com a cobertura que a imprensa, cumprindo a sua obrigação, vem fazendo dos escândalos promovidos pelo governo Lula ou, mais genericamente, pelos petistas. Nunca antes na história destepaiz — e, creio, na história mundial —, um sindicato de jornalistas se mobilizou para defender a censura! O “protesto” conta com o apoio e o incentivo entusiasmado de “profissionais” que são direta ou indiretamente financiados pelo governo federal ou por estatais.

E a ironia? O debate de que vou participar, aberto ao público, ocorre no Clube Militar, no Rio, entre 15h e 17h, no Salão Nobre da sede principal, na avenida Rio Branco, 251, no Centro. O encontro é promovido pelo clube e conta com o apoio do Instituto Millenium e do Centro de Estudos Políticos, Estratégicos e de Relações Internacionais (Themas).

Alguns bobinhos acreditam que o mundo pode ser dividido assim: militares são autoritários, detestam a democracia e são contra a liberdade de expressão. Já com os civis se dá o contrário. Errado! Aqueles podem ser democratas primorosos; estes podem ser tiranos contumazes. Não há regra para isso. No Brasil, o preconceito se deve, em boa parte, a uma história contada no joelho, que cria vilões e heróis de manual.

Dada, no entanto, a “história oficial”, a ironia está justamente nisto: debate-se liberdade de expressão no Clube Militar e se pede censura num sindicato de jornalistas. E isso serve, sim, para instruir o nosso olhar sobre o passado. Ao longo de mais de duas décadas, deu-se por verdade uma mentira: todos aqueles que combateram o regime militar estariam querendo democracia. Falso! Muitos queriam uma ditadura, outra ditadura…

Em parte, o espírito daqueles falsos combatentes da liberdade remanesce nos dias de hoje. Os que agora maculam um sindicato de jornalistas pedindo censura são herdeiros dos que queriam, há mais de 40 anos, uma ditadura comunista no Brasil. Aos ideólogos de sempre, ressalte-se, juntaram-se agora alguns vagabundos que só querem assaltar os cofres públicos.

Já os militares, vejam só!, têm clareza de que não há solução aceitável fora da democracia e do estado de direito. Isso nos diz muito do presente. Isso nos diz muito do passado.

Democracia em perigo - editorial O Estado de S.Paulo

O desmanche da democracia
Editorial - O Estado de S.Paulo
23 de setembro de 2010

A escalada de ataques furiosos do presidente Lula contra a imprensa - três em cinco dias - é mais do que uma tentativa de desqualificar a sequência de revelações das maracutaias da família e respectivas corriolas da ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra. É claro que o que move o inventor da sua candidata à sucessão, Dilma Rousseff, é o medo de que a sequência de denúncias - todas elas com foros de verdade, tanto que já provocaram quatro demissões na Pasta, entre elas a da própria Erenice - impeça, na 25.ª hora, a eleição de Dilma no primeiro turno. Isso contará como uma derrota para o seu mentor e poderá redefinir os termos da disputa entre a petista e o tucano José Serra.

Mas as investidas de Lula não são um raio em céu azul. Desde o escândalo do mensalão, em 2005, ele invariavelmente acusa a imprensa de difundir calúnias e infâmias contra ele e a patota toda vez que estampa evidências contundentes de corrupção e baixarias eleitorais no seu governo. A diferença é que, agora, o destampatório representa mais uma etapa da marcha para a desfiguração da instituição sob a sua guarda, com a consequente erosão das bases da ordem democrática. A apropriação deslavada dos recursos de poder do Executivo federal para fins eleitorais, a imersão total de Lula na campanha de sua afilhada e a demonização feroz dos críticos e adversários chegaram a níveis alarmantes.

A candidatura oposicionista relutou em arrostar o presidente em pessoa por seus desmandos, na crença de que isso representaria um suicídio eleitoral - como se, ao poupá-lo, o confronto com Dilma se tornaria menos íngreme. Isso, adensando a atmosfera de impunidade política ao seu redor, apenas animou Lula a fazer mais do mesmo, dando o exemplo para os seguidores. As invectivas contra a imprensa, por exemplo, foram a senha para o PT e os seus confederados, como a CUT, a UNE e o MST, promoverem hoje em São Paulo um "ato contra o golpismo midiático". É como classificam, cinicamente, a divulgação dos casos de negociatas, cobrança e recebimento de propinas no núcleo central do governo.

Sobre isso, nenhuma palavra - a não ser o termo "inventar", usado por Lula no seu mais recente bote contra a liberdade de imprensa que, com o habitual cinismo, ele diz considerar "sagrada". O lulismo promove a execração da mídia porque ela se recusa a tornar-se afônica e, nessa medida, talvez faça diferença nas urnas de 3 de outubro, dada a gravidade dos escândalos expostos. Sintoma da hegemonia do peleguismo nas relações entre o poder e as entidades de representação classista, o lugar escolhido para o esperado pogrom verbal da imprensa foi o Sindicato dos Jornalistas. O seu presidente, José Camargo, se faz de inocente ao dizer que apenas cedeu espaço "para um debate sobre a cobertura dos grandes veículos".

Mas a tal ponto avançou o rolo compressor do liberticídio que diversos setores da sociedade resolveram se unir para dizer "alto lá". Intelectuais, juristas, profissionais liberais, artistas, empresários e líderes comunitários - todos eles figuras de projeção - lançaram ontem em São Paulo um "manifesto em defesa da democracia", que poderá ser o embrião de um movimento da cidadania contra o desmanche da democracia brasileira comandado por um presidente da República que acha que é tudo - até a opinião pública - e que tudo pode.

Um movimento dessa natureza não será correia de transmissão de um partido nem estará atado ao ciclo eleitoral. Trata-se de reconstruir os limites do poder presidencial, escandalosamente transgredidos nos últimos anos, e os controles sobre as ações dos agentes públicos. "É intolerável", afirma o manifesto, "assistir ao uso de órgãos do Estado como extensão de um partido político, máquina de violação de sigilos e de agressão a direitos individuais." "É inconcebível que uma das mais importantes democracias do mundo seja assombrada por uma forma de autoritarismo hipócrita, que, na certeza da impunidade, já não se preocupa mais nem mesmo em fingir honestidade." O texto evoca valores políticos que, do alto de sua popularidade, Lula lança ao lixo, como se, dispensado de responder por seus atos, governasse num vácuo ético.

Manifesto pela Liberdade e pela Democracia

Normalmente não assino manifestos, de qualquer teor, de qualquer origem. Não é meu estilo.

Ocorre porém que recebi, numa dessas mensagens "informativas", uma amostra das ofensas feitas por partidários da candidatura oficial contra o oponente político, que eles consideram um inimigo a ser abatido. O asco das injúrias, as palavras de baixo calão, o estilo escatológico, a podridão dos argumentos me surpreenderam, pois não imaginava que pessoas normais, ainda que animadas pela batalha eleitoral, fossem capazes de descer tão baixo no fosso de seus valores inexistentes.
Tudo isso me leva a não apenas assinar o manifesto que já está disponível na internet, como também a sugerir que outros o assinem.
Não se trata de uma questão partidária, mas da defesa elementar da democracia e das liberdades.
Paulo Roberto de Almeida

Manifesto em Defesa da Democracia

Publicado em 22/09/2010 por manifestoemdefesadademocracia

Numa democracia, nenhum dos Poderes é soberano. Soberana é a Constituição, pois é ela quem dá corpo e alma à soberania do povo.

Acima dos políticos estão as instituições, pilares do regime democrático. Hoje, no Brasil, inconformados com a democracia representativa se organizam no governo para solapar o regime democrático.

É intolerável assistir ao uso de órgãos do Estado como extensão de um partido político, máquina de violação de sigilos e de agressão a direitos individuais.

É inaceitável que militantes partidários tenham convertido órgãos da administração direta, empresas estatais e fundos de pensão em centros de produção de dossiês contra adversários políticos.

É lamentável que o Presidente esconda no governo que vemos o governo que não vemos, no qual as relações de compadrio e da fisiologia, quando não escandalosamente familiares, arbitram os altos interesses do país, negando-se a qualquer controle.

É inconcebível que uma das mais importantes democracias do mundo seja assombrada por uma forma de autoritarismo hipócrita, que, na certeza da impunidade, já não se preocupa mais em valorizar a honestidade.

É constrangedor que o Presidente não entenda que o seu cargo deve ser exercido em sua plenitude nas vinte e quatro horas do dia. Não há “depois do expediente” para um Chefe de Estado. É constrangedor também que ele não tenha a compostura de separar o homem de Estado do homem de partido, pondo-se a aviltar os seus adversários políticos com linguagem inaceitável, incompatível com o decoro do cargo, numa manifestação escancarada de abuso de poder político e de uso da máquina oficial em favor de uma candidatura. Ele não vê no “outro” um adversário que deve ser vencido segundo regras, mas um inimigo que tem de ser eliminado.

É aviltante que o governo estimule e financie a ação de grupos que pedem abertamente restrições à liberdade de imprensa, propondo mecanismos autoritários de submissão de jornalistas e de empresas de comunicação às determinações de um partido político e de seus interesses.

É repugnante que essa mesma máquina oficial de publicidade tenha sido mobilizada para reescrever a História, procurando desmerecer o trabalho de brasileiros e brasileiras que construíram as bases da estabilidade econômica e política, que tantos benefícios trouxeram ao nosso povo.

É um insulto à República que o Poder Legislativo seja tratado como mera extensão do Executivo, explicitando o intento de encabrestar o Senado. É deplorável que o mesmo Presidente lamente publicamente o fato de ter de se submeter às decisões do Poder Judiciário.

Cumpre-nos, pois, combater essa visão regressiva do processo político, que supõe que o poder conquistado nas urnas ou a popularidade de um líder lhe conferem licença para ignorar a Constituição e as leis. Propomos uma firme mobilização em favor de sua preservação, repudiando a ação daqueles que hoje usam de subterfúgios para solapá-las. É preciso brecar essa marcha para o autoritarismo.

Brasileiros erguem sua voz em defesa da Constituição, das instituições e da legalidade.

Não precisamos de soberanos com pretensões paternas, mas de democratas convictos.

ASSINE A PETIÇÃO