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terça-feira, 25 de setembro de 2012

Discurso da presidente na AGNU: texto integral

Abaixo transcrevo o discurso inaugural da presidente Dilma Rousseff na abertura do debate na Assembleia Geral da ONU.
Depois comentarei algumas seções econômicas, segundo minhas modestas competências.

Senhor presidente da Assembleia Geral, Vuk Jeremic,
Senhor secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon,
Senhoras e senhores Chefes de Estado e de Governo,
Senhoras e senhores,
Mais uma vez uma voz feminina inaugura o debate na Assembleia-Geral das Nações Unidas. Para muitos, nós, mulheres, somos a metade do céu, mas nós queremos ser a metade da Terra também, com igualdade de direitos e oportunidades, livres de todas as formas de discriminação e violência, capazes de construir a sua emancipação, e com ela contribuir para a plena emancipação de todos.
Senhor Presidente,
Um ano após o discurso que pronunciei nesta mesma tribuna, constato a permanência de muitos dos problemas que nos afligiam já em setembro de 2011. Quero hoje voltar a discutir algumas destas questões cuja solução é cada vez mais urgente.
Senhor Presidente,
A grave crise econômica, iniciada em 2008, ganhou novos e inquietantes contornos. A opção por políticas fiscais ortodoxas vem agravando a recessão nas economias desenvolvidas com reflexos nos países emergentes, inclusive o Brasil.
As principais lideranças do mundo desenvolvido ainda não encontraram o caminho que articula ajustes fiscais apropriados e estímulos ao investimento e à demanda indispensáveis para interromper a recessão e garantir o crescimento econômico.
A política monetária não pode ser a única resposta para resolver o crescente desemprego, o aumento da pobreza e o desalento que afeta, no mundo inteiro, as camadas mais vulneráveis da população.
Os Bancos Centrais dos países desenvolvidos persistem em uma política monetária expansionista que desequilibra as taxas de câmbio. Com isso, os países emergentes perdem mercado devido à valorização artificial de suas moedas, o que agrava ainda mais o quadro recessivo global.
Não podemos aceitar que iniciativas legítimas de defesa comercial por parte dos países em desenvolvimento sejam injustamente classificadas como protecionismo. Devemos lembrar que a legítima defesa comercial está amparada pelas normas da Organização Mundial do Comércio.
O protecionismo e todas as formas de manipulação do comércio devem ser combatidos, pois conferem maior competitividade de maneira espúria e fraudulenta.
Não haverá resposta eficaz à crise enquanto não se intensificarem os esforços de coordenação entre os países e os organismos multilaterais como o G-20, o FMI e o Banco Mundial. Esta coordenação deve buscar reconfigurar a relação entre política fiscal e monetária para impedir o aprofundamento da recessão, controlar a guerra cambial e reestimular a demanda global.
Sabemos, por experiência própria, que a dívida soberana dos Estados e a dívida bancária e financeira não serão equacionadas num quadro recessivo, ao contrário, a recessão só agudiza esses problemas. É urgente a construção de um amplo pacto pela retomada coordenada do crescimento econômico global, impedindo a desesperança provocada pelo desemprego e pela falta de oportunidades.
Senhor presidente,
Meu país tem feito a sua parte. Nos últimos anos mantivemos uma política econômica prudente, acumulamos reservas cambiais expressivas, reduzimos fortemente o endividamento público e com políticas sociais inovadoras, retiramos 40 milhões de brasileiros e brasileiras da pobreza, consolidando um amplo mercado de consumo de massa.
Fomos impactados pela crise, como todos os países. Mas, apesar da redução conjuntural de nosso crescimento, estamos mantendo o nível de emprego em patamares extremamente elevados. Continuamos reduzindo a desigualdade social e aumentando significativamente a renda dos trabalhadores. Superamos a visão incorreta que contrapõe, de um lado as medidas de incentivo ao crescimento, e de outro, os planos de austeridade. Esse é um falso dilema. A responsabilidade fiscal é tão necessária quanto são imprescindíveis medidas de estímulo ao crescimento, pois a consolidação fiscal só é sustentável em um contexto de recuperação da atividade econômica.
A história revela que a austeridade, quando exagerada e isolada do crescimento, derrota a si mesma. A opção do Brasil tem sido a de enfrentar, simultaneamente, esses desafios.
Ao mesmo tempo em que observamos um estrito controle das contas públicas, aumentamos nossos investimentos em infraestrutura e educação.
Ao mesmo tempo em que controlamos a inflação, atuamos vigorosamente nas políticas de inclusão social e combate à pobreza. E, ao mesmo tempo em que fazemos reformas estruturais na área financeira e previdenciária, reduzimos a carga tributária, o custo da energia e investimos em infraestrutura, em conhecimento para produzir ciência, tecnologia e inovação.
Há momentos em que não podemos escolher entre uma coisa ou outra. Não há este tipo de alternativa. Há que desenvolvê-las de forma simultânea e articulada.
Assim como em 2011, senhor presidente, o Oriente Médio e o Norte da África continuam a ocupar um lugar central nas atenções da comunidade internacional. Importantes movimentos sociais, com distintos signos políticos varreram regimes despóticos e desencadearam processos de transição cujo sentido e direção ainda não podem ser totalmente estabelecidos.
Mas não é difícil identificar em quase todos esses movimentos um grito de revolta contra a pobreza, o desemprego, a realidade da falta de oportunidades e de liberdades civis, impostas por governos autoritários a amplos setores dessas sociedades, sobretudo às populações mais jovens.
Não é difícil, igualmente, encontrar nesses acontecimentos as marcas de ressentimentos históricos, provocados por décadas de políticas coloniais ou neocoloniais levadas a cabo em nome de uma ação supostamente civilizatória. Pouco a pouco, foram ficando claros os interesses econômicos que estavam por de trás daquelas políticas.
Hoje, assistimos consternados à evolução da gravíssima situação da Síria. O Brasil condena, nos mais fortes termos, a violência que continua a ceifar vidas nesse país.
A Síria produz um drama humanitário de grandes proporções no seu território e em seus vizinhos. Recai sobre o governo de Damasco a maior parte da responsabilidade pelo ciclo de violência que tem vitimado grande número de civis, sobretudo mulheres, crianças e jovens. Mas sabemos também da responsabilidade das oposições armadas, especialmente daquelas que contam com apoio militar e logístico de fora.
Como presidenta de um país que é pátria de milhões de descendentes de sírios, lanço um apelo às partes em conflito para que deponham as armas e juntem-se aos esforços de mediação do representante especial da ONU e da Liga Árabe. Não há solução militar para a crise síria. A diplomacia e o diálogo são não só a melhor, mas, creio, a única opção.
Ainda como presidenta de um país no qual vivem milhares e milhares de brasileiros de confissão islâmica, registro neste plenário nosso mais veemente repúdio à escalada de preconceito islamofóbico em países ocidentais. O Brasil é um dos protagonistas da iniciativa generosa “Aliança de Civilizações”, convocada originalmente pelo governo turco.
Com a mesma veemência, senhor Presidente, repudiamos também os atos de terrorismo que vitimaram diplomatas americanos na Líbia.
Senhor Presidente,
Ainda com os olhos postos no Oriente Médio, onde residem alguns dos mais importantes desafios à paz e à segurança internacional, quero deter-me mais uma vez na questão israelo– palestina.
Reitero minha fala de 2011, quando expressei o apoio do governo brasileiro ao reconhecimento do Estado Palestino como membro pleno das Nações Unidas. Acrescentei, e repito agora, que apenas uma Palestina livre e soberana poderá atender aos legítimos anseios de Israel por paz com seus vizinhos, segurança em suas fronteiras e estabilidade política regional.
Senhor presidente,
A comunidade internacional tem dificuldade crescente para lidar com o acirramento dos conflitos regionais. E isto fica visível nos impasses do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Esse é um dos mais graves problemas que enfrentamos. A crise iniciada em 2008 mostrou que é necessário reformar os mecanismos da governança econômica mundial. Na verdade, isto até hoje não foi integralmente implementado.
As guerras e os conflitos regionais, cada vez mais intensos, as trágicas perdas de vidas humanas e os imensos prejuízos materiais para os povos envolvidos demonstram a imperiosa urgência da reforma institucional da ONU e em especial de seu Conselho de Segurança.
Não podemos permitir que este Conselho seja substituído – como vem ocorrendo – por coalizões que se formam à sua revelia, fora de seu controle e à margem do direito internacional.
O uso da força sem autorização do Conselho, uma clara ilegalidade, vem ganhando ares de opção aceitável. Mas, senhor Presidente, definitivamente, não é uma opção aceitável. O recurso fácil a esse tipo de ação é produto desse impasse que imobiliza o Conselho. Por isso, ele precisa urgentemente ser reformado.
O Brasil sempre lutará para que prevaleçam as decisões emanadas da ONU. Mas queremos ações legítimas, fundadas na legalidade internacional. Com esse espírito, senhor presidente, defendi a necessidade da “responsabilidade ao proteger” como complemento necessário da “responsabilidade de proteger”.
Senhoras e senhores,
O multilateralismo está hoje mais forte depois da Rio+20.
Naqueles dias de junho, realizamos juntos a maior e mais participativa conferência da história das Nações Unidas, no que se refere ao meio ambiente, e pudemos passos firmes rumo à consolidação histórica de um novo paradigma: crescer, incluir, proteger e preservar, ou seja, a síntese do desenvolvimento sustentável.
Agradeço especialmente o empenho do secretário-geral Ban Ki-moon e do embaixador Sha Zukang, que tanto colaboraram com o Brasil, antes e durante a Conferência.
O documento final que aprovamos por consenso no Rio de Janeiro não só preserva o legado de 1992, como constitui ponto de partida para uma agenda de desenvolvimento sustentável para o século XXI, com foco na erradicação da pobreza, no uso consciente dos recursos naturais e nos padrões sustentáveis de produção e consumo.
As Nações Unidas tem pela frente uma série de tarefas delegadas pela Conferência do Rio, somos parceiros. Menciono aqui, em particular, a definição dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
A Rio+20 projetou um poderoso facho de luz sobre o futuro que queremos. Temos de levá-lo avante. Temos a obrigação de ouvir os repetidos alertas da ciência e da sociedade, no que se refere à mudança do clima. Temos de encarar a mudança do clima como um dos principais desafios às gerações presentes e futuras.
O governo brasileiro está firmemente comprometido com as metas de controle das emissões de gás de efeito estufa e com o combate, sem tréguas, ao desmatamento da Floresta Amazônica.
Em 2009, voluntariamente, adotamos compromissos e os transformamos em legislação. Essas metas são particularmente ambiciosas para um país em desenvolvimento, um país que lida com urgências de todos os tipos para oferecer bem-estar à sua população.
Esperamos que os países historicamente mais responsáveis pela mudança do clima, e mais dotados de meios para enfrentá-la, cumpram também com suas obrigações perante a comunidade internacional. Outra iniciativa das Nações Unidas que o Brasil também considera importante, que saudamos, é o lançamento da Década de Ação pela Segurança no Trânsito – 2011/2020. O Brasil está mobilizado nas ações de proteção à vida, que assegurem a redução dos acidentes de trânsito, uma das principais causas de morte entre a população jovem do mundo. Para isso, nosso governo está desenvolvendo uma ampla campanha de conscientização em parceria com a Federação Internacional de Automobilismo.
Senhor Presidente,
Em um cenário de desafios ambientais, crises econômicas e ameaças à paz em diferentes pontos do mundo, o Brasil continua empenhado em trabalhar com seus vizinhos por um ambiente de democracia, um ambiente de paz, de prosperidade e de justiça social.
Avançamos muito na integração do espaço latino-americano e caribenho como prioridade para nossa inserção internacional. Nossa região é um bom exemplo para o mundo. O Estado de Direito que conquistamos com a superação dos regimes autoritários que marcaram o nosso continente está sendo preservado e está sendo fortalecido.
Para nós, a democracia não é um patrimônio imune a assaltos, temos sido firmes, – Mercosul e Unasul – quando necessário, para evitar retrocessos porque consideramos integração e democracia princípios inseparáveis.
Reafirmo também o nosso compromisso de manter a região livre de armas de destruição em massa. E nesse ponto, quero lembrar a existência de imensos arsenais que, além de ameaçar toda a humanidade, agravam tensões e prejudicam os esforços de paz.
O mundo pede, em lugar de armas, alimentos, para o bilhão de homens, mulheres e crianças que padecem do mais cruel castigo que se abate sobre a humanidade: a fome.
Por fim, senhor Presidente, quero referir-me a um país-irmão, querido de todos os latino-americanos e caribenhos: Cuba. Cuba tem avançado na atualização de seu modelo econômico. E para seguir em frente nesse caminho, precisa do apoio de parceiros próximos e distantes.
Precisa do apoio de todos. A cooperação para o progresso de Cuba é, no entanto, prejudicada pelo embargo econômico que há décadas golpeia sua população. É mais do que chegada a hora de pôr fim a esse anacronismo, condenado pela imensa maioria dos países das Nações Unidas.
Senhor presidente,
Este ano, assistimos todos aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, organizados brilhantemente pelo Reino Unido. Com o encerramento dos Jogos de Londres, já começou, para o Brasil, a contagem regressiva para as Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, que serão precedidas pela Copa do Mundo de 2014.
A cada dois anos, durante os Jogos de verão e de inverno, a humanidade parece despertar para valores que nos deveriam inspirar permanentemente: a tolerância, o respeito pelas diferenças, a igualdade, a inclusão, a amizade e o entendimento, princípios que são também os alicerces dos direitos humanos e desta Organização.
Ao inaugurar esta sexagésima sétima Assembleia Geral, proponho a todas as nações aqui representadas que se deixem iluminar pelos ideais da chama olímpica.
Senhoras e senhores,
O fortalecimento das Nações Unidas é extremamente necessário neste estágio em que estamos, onde a multipolaridade abre uma nova perspectiva histórica. É preciso trabalhar para que assim seja. Trabalhar para que, na multipolaridade que venha a prevalecer, a cooperação predomine sobre o confronto, o diálogo se imponha à ameaça, a solução negociada chegue sempre antes e evite a intervenção pela força.
Reitero que nesse esforço, necessariamente coletivo, e que pressupõe busca de consensos, cabe às Nações Unidas papel privilegiado. Sobretudo, à medida que a Organização e suas diferentes instâncias se tornem mais representativas, mais legítimas e, portanto, mais eficazes.
Muito obrigada

Desigualdade no Brasil: um novo, e excelente estudo do Ipea

Transcrevo abaixo post do blog do economista Mansueto Almeida (sem parentesco), a propósito de estudo do Ipea em torno da redução da pobreza e da desigualdade no Brasil.
Meu comentário inicial:
O estudo do Ipea é realmente muito bem feito, destoando, finalmente, daqueles comunicados da era MP, fortemente enviesados pelo tom ideológico, ou frequentemente carentes de maior embasamento técnico e até de consistência intrínseca, que caracterizavam algumas apresentações do bizarro ex-presidente. Meus parabens, portanto, aos seus autores.
Um defeito, porém, talvez explicado pela pressa com que foi editado e publicado o referido comunicado (mais do que isso, pois com tantas páginas é um documento de trabalho): a ausência de indicação do seu autor, ou autores.
Não há, na parte editorial, qualquer menção a quem preparou esse estudo, o que é uma pena.
Mas, na parte final, existe uma menção pessoal não identificada, o que nos deixa curiosos sobre seu autor.
Eis a frase:
"Tenho feito e recebido visitas de lugares diferentes, tais como África do Sul, China, Índia, Indonésia e Nova York, cujo tema tem sido os progressos e desafios da pioneira experiência brasileira consolidada no programa Bolsa Família (PBF)."
Quem "Tenho feito"?
O presidente atual do Ipea?
Outro autor?
Valeria um esclarecimento e minha saudação e renovados cumprimentos ao autor ou autores.
Paulo Roberto de Almeida
Addendum em 26/09/2012: O autor do estudo é o próprio presidente atual do Ipea, Marcelo Neri, também prefaciador da 3a. edição do livro de Carlos Geraldo Langoni, Distribuição da Renda e Crescimento Econômico do Brasil (Rio de Janeiro: FGV, 2005), cujo texto pode ser lido aqui: http://books.google.com.br/books?id=mLAl1DO7T_EC&printsec=frontcover#v=onepage&q&f=false

A década inclusiva pode se repetir?

O IPEA divulgou hoje um texto sobre a redução da pobreza e desigualdade na década anterior que vale a pena ler (clique aqui). Com já se sabe, taxa de desemprego em queda, crescimento da escolaridade, aliada ao forte crescimento real do salário mínimo e ampliação dos programas sociais (em especial o bolsa-família)  explicam a queda da desigualdade e pobreza.
É importante destacar que, apesar renda domiciliar per capita ter sido puxada principalmente pelo crescimento da renda do trabalho,  parte do que se chama de renda do trabalho incorpora o efeito das politicas sociais no salário de reserva dos trabalhadores não qualificados: o salário mais baixo exigido pelo trabalhador para que ele troque um benefício social por um salário no mercado de trabalho.
Acontece que hoje há diversos instrumentos mais eficazes do que o reajuste real do salário mínimo para aumentar o salário reserva dos trabalhadores menos qualificados e continuar com a redução das desigualdades de renda, sem pressionar as contas públicas. Essa é a interpretação que faço do estudo do IPEA.
Hoje, o bolsa-família e o programa Brasil carinhoso são os melhores programsa em termo de custo-benefcio para termos mais uma década inclusiva. Esses programas são baratos -juntos não chegam a 0,5% do PIB- e como disse o presidente do IPEA, Marcelo Neri: “É difícil alguém achar que programas tão baratos poderiam alterar a trajetória de crescimento da dívida pública”. Concordo totalmente com essa afirmação.
A questão para debate é como continuar com o progresso social, dado que temos hoje, no Brasil, uma regra de reajuste real do salário mínimo que pesa muito na conta da previdência e, assim, toma o espaço das outras políticas públicas e do investimento público. Na década anterior, com o boom de commodities, isso não parece ter sido um problema. Mas o que falar da próxima década que será um período de crescimento mais baixo no mundo todo?
Acho difícil manter a dinâmica de redução da desigualdade de renda e da pobreza da última década sem modificar o mix do gasto público, o que implica duas coisas: (1) modificar a regra de reajuste real do salário mínimo, e (2) aumentar da taxa de investimento.  Sem recursos ociosos, é difícil achar que vamos crescer mais rápido puxado pelo efeito demanda decorrente da manutenção da política de valorização do salário mínimo.
Assim, até acho que é possível manter o progresso social da década anterior,  mas não com o mesmo mix do gasto público vigente na década anterior: baixo investimento público + alta carga tributária + forte crescimento real do salário mínimo.
Se a preocupação for com educação (e produtividade), priorizar políticas distributivas sem pesar na conta fiscal e sem prejudicar a  competitividade da indústria brasileira, o ideal é olhar mais para o bolsa-família e o para Brasil Carinhoso e menos para a política de valorização real do salário mínimo. Dito de outra forma, não acho que seja possível ter ao longo da próxima década a mesma valorização real do salário mínimo da “década inclusiva”.
E se quisermos continuar com a mesma política de recuperação real do salário mínimo? Bom, neste caso temos que decidir se queremos: (1) continuar com a carga tributária elevada; e/ou (2) reduzir nossa capacidade de investimento.
Felizmente ou infelizmente, manter a progressividade dos resultados da política social significa mudar o mix do gasto fiscal, i.e. modificar a regra de reajuste real do salario mínimo.

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Ver o estudo do IPEA neste link:
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/120925_comunicado0155.pdf

Paraguai: impeachment rapido; suspensao ainda mais rapida - Peter Hakim

O julgamento apressado do Mercosul

Peter Hakim
O Estado de S.Paulo, 25 de setembro de 2012

Em seu recente testemunho perante o Congresso Nacional, o chanceler Antonio Patriota afirmou com justeza que o Legislativo paraguaio violou uma norma básica da democracia quando apressou o impeachment do então presidente Fernando Lugo e lhe negou a oportunidade adequada de se defender. Apesar de a Constituição paraguaia permitir a remoção de um presidente por "desempenho fraco", ela não confere autoridade ao Legislativo para desconsiderar o direito fundamental do mandatário ao devido processo legal - e este é o direito de ser julgado num processo legal conduzido com equidade e respeito.
De acordo com a cláusula democrática do Mercado Comum do Sul (Mercosul), o Brasil e os outros membros do bloco comercial - Argentina e Uruguai - têm todo o direito de questionar a ação do Paraguai. Curiosamente, porém, o País não demonstrou a menor hesitação em se unir a seus parceiros do Mercosul, Argentina e Uruguai, para perpetrar a mesma transgressão. Os três países invocaram com rapidez a cláusula democrática do Mercosul e suspenderam o Paraguai do bloco. Não houve uma investigação dos fatos que cercaram o impeachment de Lugo nem uma apreciação cuidadosa sobre se a suspensão seria a resposta adequada. Tampouco houve nenhuma consideração de outras medidas para tentar resolver o imbróglio paraguaio.
Além disso, o Brasil e os outros países do Mercosul não ofereceram nenhuma oportunidade às autoridades paraguaias de defenderem seus atos, alegarem circunstâncias atenuantes ou apelarem da decisão. O Paraguai foi impedido até mesmo de enviar um representante à reunião em que foi decidida a sua suspensão. O bloco do Mercosul cometeu, em suma, a mesma violação da qual acusara o Legislativo paraguaio - fazer um julgamento apressado sem o devido processo legal.
Mais vergonhoso ainda, talvez, os três parceiros restantes do Mercosul tiraram vantagem imediata da suspensão temporária do Paraguai para aprovarem a entrada da Venezuela no pacto comercial. Essa decisão - que atropelou a antiga oposição do Senado paraguaio - foi tomada no espaço de poucos dias, sem virtualmente nenhuma consideração quanto a ser ela legal ou não.
Brasil, Argentina e Uruguai simplesmente ignoraram a questão (que continua não resolvida) sobre se a Carta do Mercosul lhes dava autoridade, na ausência temporária do Paraguai, para concederem a participação à Venezuela.
Os parceiros do Mercosul também não consideraram se a Venezuela cumpria as condições da cláusula democrática do Mercosul. É certo que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, foi democraticamente eleito, porém, de ano a ano, as credenciais democráticas do país foram-se tornando cada vez mais manchadas por violações recorrentes dos direitos humanos, da liberdade de imprensa e de reunião, da independência do Poder Judiciário e de eleições livres.
O testemunho de Antonio Patriota ao Congresso justifica a participação da Venezuela no Mercosul em bases econômicas - que são, é claro, irrelevantes para a sua legalidade. E a gestão econômica irresponsável de Hugo Chávez seria razão suficiente para barrá-lo no bloco.
Não foram, no entanto, apenas o Brasil e seus parceiros do Mercosul que agiram de maneira precipitada com relação às normas legais ou à prudência econômica. A União de Nações Sul-Americanas (Unasul), sem um único voto dissidente, da mesma forma suspendeu rapidamente o Paraguai. A Unasul fez, sim, uma investigação superficial, mas somente depois que a suspensão foi aprovada. Mais notável, talvez, é que nenhum país da América do Sul sequer se dispôs a participar na missão de investigação dos fatos no Paraguai patrocinada pela Organização dos Estados Americanos (OEA).
Aliás, foi a OEA que procedeu de forma mais responsável, ainda que, de alguma maneira, lentamente, no caso paraguaio - investigando o que ocorreu e produzindo um relatório altamente profissional que focou menos em atribuir culpas do que nas tarefas de pôr fim à crise política do Paraguai, evitando quaisquer novos conflitos, e ajudando a assegurar a lisura das próximas eleições presidenciais, em abril do ano que vem. Sua recomendação foi contrária à imposição de quaisquer sanções ao Paraguai.
Os Estados Unidos não interferiram durante o período mais crítico da crise paraguaia. Washington talvez estivesse certa em manter o silêncio até que a OEA completasse a sua missão no Paraguai e apresentasse o seu relatório e as suas recomendações. Foi, com certeza, melhor do que correr a apoiar o novo governo paraguaio, como fizeram os governos conservadores do Canadá, da Grã-Bretanha e da Espanha, ou condenar imediatamente o Legislativo do Paraguai, como fez a maioria dos países latino-americanos. Mas os Estados Unidos, seguramente, poderiam ter feito mais para persuadir outros países a também conterem o fogo até que as evidências tivessem sido colhidas - a fim de defender a condução de um devido processo legal para o governo paraguaio. Possivelmente, todavia, ninguém teria ouvido, de qualquer modo, dada a reduzida influência que os Estados Unidos têm na América do Sul hoje em dia.
Vista de longe, a reação do Brasil aos acontecimentos no Paraguai pareceu extraordinariamente passiva. Os acontecimentos parecem ter sido conduzidos em grande parte pela Argentina e pela Venezuela. É curioso que a mais importante potência regional da América Latina tenha falhado em tomar mais iniciativa e adotar uma atitude que fosse mais claramente consistente com as práticas democráticas que o Brasil afirmou estar buscando sustentar. Para crédito do Brasil, contudo, Patriota é, até onde sei, o único chanceler que teve de justificar perante um comitê parlamentar as ações de seu governo a respeito do Paraguai.
* PRESIDENTE EMÉRITO DO DIÁLOGO INTERAMERICANO

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Protege aqui, que eu protejo la... - Editorial OESP

O roto e o esfarrapado

Editorial O Estado de S.Paulo, 24 de setembro de 201

Nenhum lado é inocente na troca de acusações de protecionismo entre os governos americano e brasileiro. Nada justifica, no entanto, o tom do negociador comercial americano, Ron Kirk, ao reclamar da política de elevação de tarifas adotada a partir do ano passado em Brasília. Numa carta inábil, e até truculenta, ele insinuou a possibilidade de retaliações e manifestou-se preocupado com o futuro da cooperação bilateral. "Eu instaria o governo brasileiro a reconsiderar o recurso a novos aumentos de tarifas e a eliminar aqueles já aplicados." A palavra "instar", neste caso, traduz o verbo to urge, usado para recomendações enfáticas, muito mais fortes do que meras sugestões ou solicitações. A carta desastrada tornou inevitável uma resposta enérgica da diplomacia brasileira. A linguagem usada pelo chanceler Antonio Patriota foi a necessária para nivelar a conversa e abrir caminho, se for o caso, para uma troca civilizada de opiniões, de críticas e de cobranças.
Maus modos à parte, os dois governos têm razão quanto a alguns pontos. A política brasileira é realmente protecionista, embora o aumento de alíquotas seja compatível com as tarifas consolidadas na Organização Mundial do Comércio (OMC) e, portanto, indiscutivelmente legal. O embaixador Ron Kirk acertou, portanto, ao reclamar de protecionismo. Mas errou ao descrever as medidas do governo brasileiro como se fossem cada vez mais dirigidas contra os Estados Unidos (increasingly US-focused). A função defensiva das barreiras é muito mais ampla e é fantasioso descrever como especificamente antiamericana a ação das autoridades brasileiras.
Do lado oposto, o chanceler Antonio Patriota foi fiel aos fatos ao apontar ilegalidades na política americana de subsídios à agricultura. Acertou, também, ao indicar os efeitos cambiais da expansão monetária conduzida pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e pelas autoridades monetárias de outros países desenvolvidos. A emissão de grandes volumes de dinheiro, nesses países, tende a depreciar o dólar, o euro e o iene e a provocar, como contrapartida, a valorização do real e de outras moedas de emergentes e o encarecimento de seus produtos no mercado internacional.
Tudo isso está certo, mas parece um tanto estranho o chanceler ter mencionado a expansão monetária como primeiro argumento de sua carta. O dólar estava de fato depreciado quando o governo começou a implantar o Plano Brasil Maior, no ano passado. Mas as novas medidas de apoio e de proteção à indústria foram adotadas num ambiente cambial muito diverso, com o dólar bem mais caro do que há um ano. A presidente Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, haviam quase abandonado, nos últimos meses, a arenga costumeira sobre o tsunami monetário e sobre a guerra cambial. O assunto foi ressuscitado com o anúncio da terceira rodada de afrouxamento monetário nos Estados Unidos.
Além do mais, é difícil apontar ilegalidade nas políticas de expansão monetária executadas nos países mais avançados. O governo brasileiro tentou abrir uma discussão sobre o assunto na OMC, mas a iniciativa foi barrada tanto pelos Estados Unidos quanto pela China. A presidente Dilma Rousseff e seus ministros têm bons motivos, no entanto, para se queixar da enxurrada de dólares, euros e ienes, tanto quanto os americanos e outros parceiros têm fundamentos para reclamar das barreiras aumentadas no Brasil. Todos podem, nesses casos, afirmar a legalidade de suas políticas.
O mais importante para a maioria dos brasileiros é outra questão. É preciso saber se o protecionismo, elevado, como há décadas, à categoria de instrumento de política industrial, serve de fato ao desenvolvimento. A resposta é claramente negativa. Barreiras adicionais são defensáveis como proteção contra o comércio desleal ou contra surtos danosos de importações. Fora disso, servem apenas para beneficiar alguns setores à custa da maioria dos brasileiros. Seria ridículo ressuscitar o argumento da indústria nascente. A resposta correta está nas medidas para reduzir custos, aumentar a produtividade e elevar a qualidade dos produtos. O resto é populismo e desperdício.

Olhai, pessoal do baseado: voces vao retroceder...

Fumar maconha na adolescência diminui QI na vida adulta, diz estudo

Danos à memória e à atenção são maiores quanto mais jovem for o usuário.
Pesquisa acompanhou mais de mil pessoas por 35 anos na Nova Zelândia

Adolescentes que fumam maconha podem se tornar adultos menos inteligentes, segundo um novo estudo feito em conjunto por pesquisadores britânicos e neozelandeses.

Os resultados, publicados na revista científica americana "Proceedings of the National Academy of Sciences" (PNAS), apontam que o quoeficiente de inteligência, o famoso QI, sofre uma redução pelo uso contínuo da planta da espécie Cannabis sativa.
Foram avaliadas 1.037 pessoas (52% homens) nascidas entre 1972 e 1973 na cidade neozelandesa de Dunedin. A maioria foi acompanhada dos 3 aos 38 anos de idade.
De acordo com os autores da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, da Universidade Duke e do King’s College de Londres, ambos no Reino Unido, o prejuízo psicológico e cognitivo – ligado a áreas como atenção, raciocínio e memória – é maior entre os usuários mais jovens.

A etica impoluta e a poluicao da etica - Comissao e comissoes...

Sem comentários (e precisa?)...

Pertence renuncia à presidência da Comissão de Ética da República

Sem dizer as razões, Sepúlveda Pertence oficializou decisão após dar posse a três novos integrantes

Lisandra Paraguassu, Agência Estado, 24 de setembro de 2012

O presidente da Comissão de Ética da Presidência da República, Sepúlveda Pertence, renunciou ao cargo nesta segunda-feira, 24, sem dizer o motivo. "Acabo de encaminhar minha renúncia como membro e presidente do Comissão de Ética da Presidência. O quórum está restabelecido e tenho certeza de que a comissão continuará sensível a essa missão que, às vezes, é mal compreendida, mas gratificante", disse.
Pertence nega que tenha algum motivo predominante para sua saída, mas fala que houve uma mudança radical na comissão e lamentou que os conselheiros Marília Muricy e Fábio Coutinho, indicados por ele, não tenham sido reconduzidos.
A comissão agora está com quatro membros e pode funcionar, já que este quórum é o mínimo permitido para a atuação do colegiado. Nesta segunda, antes de pedir renúncia, Sepúlveda Pertence deu posse a três integrantes indicados pela presidente Dilma. Esta foi a última reunião de Pertence na comissão.
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Dilma nomeia novos membros para a Comissão de Ética da Presidência

Com as três indicações, comissão volta a ter quórum para se reunir, mas ainda há duas vagas em aberto

Tânia Monteiro e Sandra Manfrini, 03 de setembro de 2012
BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff nomeou três integrantes para a Comissão de Ética Pública da Presidência da República. O Diário Oficial da União desta segunda-feira, 3, traz a designação de Marcello Alencar de Araújo, Mauro de Azevedo Menezes e Antonio Modesto da Silveira para exercerem a função com mandato de três anos. Não há data marcada para a posse dos novos membros no colegiado.
Com as indicações, a Comissão de Ética volta a ter quórum para se reunir. Dos sete integrantes, apenas dois estavam efetivamente em atividade: o presidente da Comissão, Sepúlveda Pertence, e Américo Lacombe. Há ainda duas vagas em aberto. O próximo encontro da comissão está prevista para o dia 24.
Os conselheiros Marília Muricy e Fábio Coutinho não foram reconduzidos ao cargo. Marília recomendou à presidente, no ano passado, a exoneração do então ministro do Trabalho, Carlos Lupi. A presidente Dilma se irritou, à época, por ter tomado conhecimento do fato pela imprensa, que foi comunicada antes da recomendação da comissão chegar ao gabinete presidencial.
Já Fábio Coutinho foi conselheiro relator do caso do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel. Ele também poderia ter o mandato renovado por mais três anos, mas isso não aconteceu ainda. Em junho, ele defendeu a aplicação de advertência a Pimentel.
Com informações da Agência Brasil

Investimentos no Brasil: progressos e atrasos - Suely Caldas


Os investimentos de Dona Dilma

Suely Caldas
O Estado de S.Paulo, domingo, setembro 23, 2012

Decisão e disposição para tocar em frente o investimento em infraestrutura são indispensáveis. Mas encontrar caminhos para fazer acontecer é passo fundamental. Sem isso, não há como avançar. Depois de quase dois anos sem um programa econômico nem definição de rumos para atrair o investidor privado, finalmente o governo Dilma Rousseff despertou. E como quem desperta de um longo sono e descobre ter perdido muito tempo, Dilma deu um salto brusco da cama e bradou que quer e vai fazer. E rápido. Mas demora em encontrar o caminho certo.
Insegurança, indefinições, avanços e recuos e uma perniciosa teimosia em misturar investimento com ideologia têm marcado as últimas tentativas do governo em atrair o capital privado para investir em portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, energia e combustíveis. O grande ausente desta corrida é o sempre esquecido setor de saneamento básico - construção de redes de esgoto e água adequadas -, justamente no que o País tem enorme carência, que gera atraso social e saúde precária da população local.
Ao constatar que não há dinheiro público para tocar os investimentos de que o País precisa, Dilma passou a atuar no campo da regulação. Ou seja, arquiteta modelos de contratos de concessão de serviços ao capital privado em que cabe ao governo definir regras de operação (inclusive em defesa do interesse público), monitorar a execução e fiscalizar seu cumprimento. Como fez o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que criou as agências reguladoras justamente com essa atribuição. Em sua gestão, o ex-presidente Lula simplesmente ignorou a infraestrutura, mas Dilma retomou o caminho seguido por FHC.
Criou a estatal Empresa de Planejamento e Logística (EPL) e com ela tirou dos ministérios setoriais (em destaque o dos Transportes) a atribuição de planejar e tocar projetos de investimento. Como fez FHC, ao criar as agências reguladoras, que Dilma tratou de enfraquecer quando era ministra de Minas e Energia, para recuperar controle e poder. No momento, a EPL trabalha na concepção de modelos para portos e aeroportos, mas não interferiu nos casos da renovação das concessões do setor elétrico e na exploração do petróleo do pré-sal, esta definida antes da criação da estatal.
Entre os setores que a presidente tenta fazer prosperar, o mais adiantado e também mais confuso é o de aeroportos. Com uma particularidade: há urgência em dar uma solução à expansão do Galeão (Rio de Janeiro) e de Confins (Belo Horizonte), que terão movimentação multiplicada em 2014 com a Copa do Mundo. Mas como andam os investimentos de Dona Dilma, caro leitor? Vamos por partes.

Aeroportos. O governo licitou a concessão dos Aeroportos de Guarulhos, Viracopos (São Paulo) e de Brasília (Distrito Federal). Mas a presidente não gostou do resultado, por duas razões: 1) as operadoras que venceram a licitação são inexperientes e podem se revelar incapacitadas para controlar o trânsito de mais de 5 milhões de passageiros/ano; e 2) o desenho da concessão colocou a estatal Infraero como minoritária, com 49% das ações, e sem poder de controle na gestão dos três aeroportos.
Disposta a corrigir o que enxergou como erros, Dilma recuou do primeiro modelo e despachou para a Europa um grupo de altos funcionários para sondar o interesse de grandes operadoras europeias por uma nova fórmula em que elas atuariam em parceria com a Infraero, mas em posição minoritária e com a estatal no comando da gestão. Ouviram um sonoro não.
Quando o ideológico predomina sobre a racionalidade do negócio, o caminho costuma ser o fiasco. Além disso, é ingenuidade imaginar que operadoras experientes aceitassem entrar apenas com dinheiro e conhecimento técnico e submeter-se ao comando de uma estatal, com todos os defeitos de ingerência política que dão fama às estatais no Brasil.
Diante do fracasso, a equipe de Dilma arquiteta agora um novo desenho: as empreiteiras ficam fora do consórcio, a Infraero entra com 49% das ações e as operadoras estrangeiras assumem a posição majoritária das ações e a responsabilidade da gestão dos dois aeroportos (Galeão e Confins). Além disso, um importante e bem-vindo acréscimo: haverá uma ação do tipo golden share, que dá ao Estado poder de veto em certas decisões estratégicas. O governo FHC recorreu à golden share nas privatizações da Vale e da Embraer, e até hoje não foi necessário a ela recorrer. Em aeroportos, uma golden share tem a vantagem de prevenir situações de risco à segurança do País.
Não há, ainda, uma decisão final para o Galeão e Confins, mas espera-se que o pragmatismo de Dilma prevaleça sobre sua teimosia ideológica.

Exploração do petróleo. Se a 11.ª rodada de licitação de novas áreas de petróleo ocorrer em maio de 2013, como assegurou o governo na terça-feira, o Brasil terá completado quatro anos e cinco meses vivendo a absurda situação de renunciar (sem motivo aceitável) a explorar um produto com alto potencial de gerar empregos, renda, progresso, divisas, crescimento econômico e poder de engordar o Produto Interno Bruto (PIB).
É inexplicável os governos Lula e Dilma terem passado tanto tempo sentados em cima de tamanha riqueza sem explorá-la. A desculpa de o Congresso Nacional não ter aprovado a lei da divisão dos royalties do petróleo do pré-sal, além de não valer para as áreas que serão listadas na 11.ª rodada, é fora de propósito. Na verdade, o governo desistiu de pressionar o Congresso para apressar a aprovação dessa lei, como fez com tantas outras e mostrou que, quando quer, é capaz de domar o Poder Legislativo. Vejamos agora se, no caso do petróleo, realmente acontece o brusco despertar de um longo e profundo sono.

Energia. Foi bem-vinda a decisão de reduzir a tarifa da energia elétrica, mas o governo o fez de forma tão autoritária, sem dialogar com as empresas, que vai conseguir é atrasar o processo, além de provocar demissões de funcionários, como já foi anunciado por Furnas e que será seguido pelas demais empresas do grupo Eletrobrás (Eletronorte e Chesf).

Portos. O governo trabalha em alternativas para atrair o investidor privado e expandir a capacidade portuária. A que leva menor chance pode ser a melhor: privatizar as empresas Docas, que administram os portos do País.

O "embaixador" da cultura brasileira: Jorge Amado

UNIVERSITE RENNES 2
COLLOQUE INTERNATIONAL ERIMIT (E.A. 4327)
en hommage au centenaire de la naissance de Jorge Amado (1912-2012)

Le Brésil de Jorge Amado: perspectives interculturelles
ERIMIT - Equipe de Recherches Interlangues « Mémoires, Identités,
Territoires »/Université Rennes 2/France

Département de Lettres et Arts/Programme de Recherche en Littérature et Diversité Culturelle/Universidade Estadual de Feira de Santana-Bahia
Fundação Casa de Jorge Amado - Bahia
11, 12 et 13 octobre 2012
Rennes, Université Rennes 2 - France

L'équipe de recherche ERIMIT (Equipe de Recherches Interlangues "Mémoires, Identités, Territoires") de l'Université Rennes 2 - France, en collaboration avec le Programme de Recherche en Littérature et Diversité Culturelle de l'Université d'Etat de Feira de Santana-Bahia et la Fondation Casa de Jorge Amado, propose la tenue d'un colloque international les 11, 12 et 13 Octobre 2012 à l'occasion du centenaire de la naissance de Jorge Amado.
De tous les écrivains brésiliens, le bahianais Jorge Amado est certainement celui qui a le plus "exporté" les images du Brésil. Amado peut être considéré comme une sorte "d'ambassadeur" de la culture brésilienne, non pas  seulement du fait de la diffusion très large de son ouvre, traduite dans des  dizaines de langues, mais aussi en raison des multiples "navigations"  personnelles qui lui permettent de développer des liens d'amitié avec  certains des grands intellectuels et artistes de son époque.
Sans doute  est-il, pour cela même, le plus international des écrivains brésiliens.
Un des axes du Colloque privilégiera les relations interculturelles que l'ouvre amadienne inaugure dans les espaces culturels étrangers. Le questionnement de l'expérience de l'Autre - ici l'imaginaire social sur le Brésil - au travers de l'ouvre de Jorge Amado sera complété par un bilan de la production ainsi que de l'héritage de l'écrivain.

    CI-JOINT PROGRAMME  AFFICHE DU COLLOQUE ET FORMULAIRE
http://www.sites.univ-rennes2.fr/erimit/2011/09/colloque-international-le-bresil-de-jorge-amado/ 

domingo, 23 de setembro de 2012

Fabio Koifman e a politica da imigracao no Brasil - Livro

O mesmo historiador que escreveu Dom Quixote nas Trevas, sobre o papel do Embaixador Souza Dantas no salvamento de judeus perseguidos pelo nazismo na França, comparece agora com outro livro sobre o mesmo período, mas enfocando o regime restritivo de concessão de vistos para candidatos à imigração no Brasil.
Estou esperando para ler
Paulo Roberto de Almeida

Imigrante ideal: O Ministério da Justiça e a entrada de estrangeiros no Brasil (1941-1945)
Autor:Fábio Koifman
ISBN:8520010261
Gênero:Ciências Sociais
Páginas:446
Formato:16 x 23 cm
Editora:Civilização Brasileira
Preço:R$ 49,90


Até a década de 1930, a imigração era considerada indispensável ao Brasil, para suprir a carência de mão de obra e ajudar no processo de povoamento do território de dimensão continental. No entanto, após a Segunda Guerra Mundial a política migratória mudaria, seguindo a tendência que vinha dos Estados Unidos de tentar restringir a entrada de estrangeiros, principalmente de idosos e deficientes, sob a argumentação de que era fundamental promover a “eugenia de nossa gente a saúde do nosso povo”. O governo assumiu uma política nacionalista de controle, que resultou num sistema autoritário repleto de preconceitos étnicos, religiosos e culturais, permitindo que parte de seus altos funcionários se tornassem verdadeiros “porteiros do país”.
Koifmann, nesta obra amplamente documentada e de pesquisa exemplar, traz a público o que se passou no Brasil da ditadura de Vargas, revelando detalhes a respeito da natureza sombria do Estado Novo.

PIB do Brasil: uma piada (Mantega e Financial Times)


Financial Times: PIB do Brasil entra no território da ‘piada’

Em junho, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que a previsão de crescimento do PIB (produto interno bruto) brasileiro de apenas 1,5% feita pelo banco Credit Suisse era uma “piada“.

Agora que metade das projeções das instituições financeiras aponta uma expansão de 1,57% ou menos da economia neste ano, o jornalista Jonathan Wheatley, do Financial Times, aproveitou a oportunidade para fazer a sua própria graça.

Ele publicou artigo publicado no blog BeyondBrics com o título: “PIB do Brasil entra no território da piada”.

Wheatley lembra que o ministro chegou a projetar uma expansão de 4% para a economia brasileira neste ano, mas recentemente baixou a estimativa para 2,5%.

“Com as atuais condições da economia global, é difícil para qualquer país conseguir uma melhora na produção industrial. Mas outras economias da América Latina – Chile, Peru e México – estão crescendo mais rápido do que o Brasil, em parte por causa de políticas mais abertas e menos protecionistas. A relutância do Brasil em seguir esse caminho está começando a mostrar que tem um custo”, opina o jornalista.

Da ditadura da CLT 'a liberdade contratual: ja vem tarde...

Ainda não é certo, mas está atrasado há mais de meio século: 

Governo estuda flexibilizar leis trabalhistas

Projeto permite que os salários e a jornada de trabalho sejam reduzidos de forma temporária em caso de dificuldades econômicas 



Lu Aiko Otta e João Villaverde
O Estado de S. Paulo, 22 de setembro de 2012
BRASÍLIA - Como parte da agenda para aumentar a competitividade da economia, a presidente Dilma Rousseff ensaia entrar num terreno pantanoso para um governo do PT: a flexibilização das normas trabalhistas. A Casa Civil analisa proposta de projeto de lei pelo qual trabalhadores e empresas poderão firmar acordos com normas diferentes das atuais, baseadas na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), em vigor há 69 anos.
Na prática, o projeto permite que os salários e a jornada de trabalho sejam reduzidos de forma temporária em caso de dificuldades econômicas. Ele abre caminho também para a utilização mais ampla do banco de horas, pelo qual os trabalhadores cumprem horas extras sem receber adicional, e compensam o tempo trabalhado a mais com folgas. 
Os acordos entre empregados e empresas seriam firmados por meio do Comitê Sindical de Empresa (CSE), segundo prevê o projeto de lei. As normas à margem da CLT comporiam um acordo coletivo de trabalho. 
Empresas que concordarem em reconhecer no CSE seu interlocutor e os sindicatos que aceitarem transferir ao comitê o poder sindical terão de obter uma certificação do governo. 
O papel dos sindicatos, nesse sistema, seria o de atuar nas empresas que optarem por continuar sob o "modelo CLT". Eles também selariam com as entidades patronais as convenções coletivas - por meio das quais empregados e patrões definem, anualmente, aumentos salariais. Todos os membros do CSE terão de ser sindicalizados. 
A proposta em análise foi elaborada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, baseada no modelo alemão. O texto foi entregue ao ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Recentemente, a Casa Civil, que auxilia Dilma na elaboração de normas legais, pediu para analisar o projeto. 
Ainda não está certo se o governo adotará o projeto como seu e o enviará ao Congresso. A presidente costuma pedir análises detalhadas dos projetos que considera interessantes, para depois decidir se os levará adiante ou não. Para colher mais subsídios, um grupo deverá ir à Alemanha nas próximas semanas. 
Na Alemanha, boa parte da indústria e dos sindicatos concordaram em reduzir a jornada de trabalho e os salários, em caráter excepcional e com prazo de validade, para permitir que a economia atravessasse a crise sem falências ou demissões. "Formaram um pacto nacional, que só foi possível do ponto de vista legal porque as leis lá são flexíveis", diz uma fonte graduada da equipe econômica do governo. 
O projeto é visto com simpatia no Palácio do Planalto e, principalmente, no Ministério da Fazenda. Chegou a ser citado pelo secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, em palestra na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, como parte da agenda do governo.

sábado, 22 de setembro de 2012

Estrategias de política externa: a grande estrategia do Barao e as pequenas - P. R. Almeida


O Barão do Rio Branco e as estratégias do Brasil: a grande e as pequenas

Paulo Roberto de Almeida
revista Sapientia (ano 1, n. 2, setembro 2012, p. 23-25; link: http://www.cursosapientia.com.br/revista/ed2/).
Relação de Originais n. 2407; Relação de Publicados n. 1073.

Se, por um desses acasos históricos, o Barão do Rio Branco, falecido exatamente cem anos atrás, retornasse eventualmente entre nós, quais seriam suas grandes preocupações diplomáticas? Esgotada a tarefa de remodelar a geografia dos limites territoriais, por meio de negociações de fronteiras com todos os nossos vizinhos, o Barão talvez se preocupasse com temas mais permanentes, ou mais estruturais, sobretudo numa fase – como foi a sua – de transição nas relações internacionais. De fato, cem anos atrás, o mundo assistia aos primeiros passos da transposição hegemônica das velhas potências europeias para o novo poder emergente, os Estados Unidos da América, país com o qual o Barão do Rio Branco tentou estabelecer uma estratégia de coexistência de zonas de influência: os EUA ao norte, o Brasil ao sul. Obviamente, o Barão tinha consciência dos meios limitados do Brasil do início do século XX, mas ele se perguntaria, de igual modo, o que o Brasil precisaria fazer, atualmente, para ocupar seu espaço no chamado concerto das nações.
Talvez ele começasse pela pergunta clássica dos estadistas: o Brasil possui uma estratégia, grande ou pequena? Talvez, embora nem sempre se perceba. Os militares talvez tenham pensado em alguma, e ela sempre envolve grandes meios, para defender as grandes causas: a soberania, a integridade territorial, a preservação da paz e da segurança no território nacional e no seu entorno imediato. Enfim, todas aquelas coisas que motivam os militares. Os diplomatas, também, talvez tenham escrito algo em torno disso, e ela sempre envolve o desenvolvimento nacional num ambiente de paz e cooperação com os vizinhos e parceiros da sociedade internacional, no pleno respeito dos compromissos internacionais e da defesa dos princípios e valores constitucionais, que por acaso se coadunam com a Carta da ONU. Mas eles também acham que está na hora de “democratizar” o sistema internacional, que ainda preserva traços do imediato pós-Segunda Guerra, ampliando o Conselho de Segurança da ONU, reformando as principais organizações econômicas multilaterais e ampliando as possibilidades de participação dos países em desenvolvimento nas instâncias decisórias mundiais; enfim, todo aquele discurso que vocês conhecem bem.
Tudo isso é sabido, e repassado a cada vez, nas conferências nacionais de estudos estratégicos, em grandes encontros diplomáticos, nos discursos protocolares dos líderes nacionais. Até parece que possuímos de fato uma grande estratégia, embora nem sempre isso seja percebido por todos os atores que dela participam, consciente ou inconscientemente. Aparentemente, ela seria feita dos seguintes elementos: manutenção de um ambiente de paz e cooperação no continente sul-americano e seu ambiente adjacente, num quadro de desenvolvimento econômico e social com oportunidades equivalentes para todos os vizinhos, visando a construção de um grande espaço econômico integrado, de coordenação e cooperação política, num ambiente democrático, engajado coletivamente na defesa dos direitos humanos e na promoção da prosperidade conjunta dos povos que ocupam esse espaço.

O que seria uma grande estratégia para o Brasil?
Muito bem, mas esses são objetivos genéricos, até meritórios e desejáveis, que precisam ser implementados de alguma forma, ou seja, promovidos por meio de iniciativas e medidas ativas, o que envolve inclusive a remoção dos obstáculos que se opõem à consecução desses grandes objetivos. É aqui que entra, de verdade, a grande estratégia, quando se tem de adequar os meios aos objetivos, não simplesmente na definição de metas genéricas. A estratégia é que permite se dizer como, e sob quais condições, o povo do país e suas lideranças vão mobilizar os recursos disponíveis, as ferramentas adequadas e os fatores contingentes – dos quais, os mais importantes são os agentes humanos – por meio dos quais será possível alcançar os grandes objetivos e afastar as ameaças que se lhes antepõem. Uma verdadeira estratégia diz o que deve ser feito, na parte ativa, e também, de maneira não simplesmente reativa, como devemos agir para que forças contrárias não dificultem o atingimento das metas nacionais.
Nesse sentido, se o grande objetivo brasileiro – que integra nesta concepção sua “grande estratégia” – é a consolidação de um espaço econômico democrático e de cooperação econômica no continente, devemos reconhecer que avançamos muito pouco nos últimos anos. A despeito da retórica governamental, não se pode dizer, atualmente, que a integração e a democracia progrediram tremendamente na última década. Ao contrário, olhando objetivamente, esses dois componentes até recuaram em várias partes, e não se sabe bem o que o Brasil fez para promovê-los ativamente. O presidente anterior foi visto abraçado com vários ditadores ou candidatos a tal, esqueceu-se de defender a liberdade de expressão, os valores democráticos e os direitos humanos onde eles foram, e continuam sendo, mais ameaçados, quando não vêm sendo extirpados ou já desapareceram por completo. A integração que realmente conta, a econômica e comercial, cedeu espaço a uma ilusória integração política e social que até pode ter rendido muitas viagens de burocratas e políticos, mas não parece ter ampliado mercados e consolidado a abertura econômica recíproca.

À falta de uma grande estratégia, o Brasil possui pequenas estratégias?
Desse ponto de vista, o Brasil parece ter falhado em sua grande estratégia, se é verdade que ele realmente possui uma. Se não possui, está na hora de pensar em elaborar a sua. Passada a retórica grandiloquente – contra-produtiva, aliás – da liderança e da união exclusiva e excludente, contra supostas ameaças imperiais, pode-se passar a trabalhar realisticamente na implementação da grande estratégia delineada sumariamente linhas acima. A julgar pela experiência recente, não parece que sequer começamos a retificar os equívocos mais eloquentes do passado imediato, quando apoiamos ditadores e adotamos uma concepção muito peculiar dos direitos humanos e dos valores democráticos. O que diria o Barão, a esse respeito?
Talvez ele devesse começar examinando as pequenas estratégias desenvolvidas nos últimos anos. Na verdade, o Barão seria naturalmente levado a elaborar uma grande estratégia, obviamente diversa daquela de sua época, e adaptada aos requisitos do presente. Negligenciando o fato de que ele, quando vivo, já era quase um santo protetor da diplomacia brasileira, uma personalidade incontrastável, incontestável, o “dono” da política internacional do Brasil, além e acima de qualquer presidente, pode-se imaginar que ele atuaria segundo as instruções do presidente de turno, mas com certa latitude de ação, em vista de sua reconhecida competência para certos temas.
Vamos imaginar, contudo, que ele apenas atuaria como um chanceler qualquer, em face dos mesmos desafios ou agendas, que se colocariam a um chanceler de nossos dias, nas circunstâncias atuais do Brasil, país que deixou de ser simplesmente em desenvolvimento, e um instável crônico na América Latina, para se tornar um “emergente”, um país dotado de pretensões a ter uma influência regional e global. É com base, exatamente, nessas premissas, que podemos, em primeiro lugar, criticar as diversas estratégias que o Brasil seguiu nos últimos tempos, e às quais poderíamos chamar de pequenas.

A primeira estratégia pequena do Brasil, na verdade mesquinha, seria a de ter exibido, durante os oito anos da doutrina do “nunca antes neste país”, uma orientação de política externa não exatamente nacional, mas mais propriamente partidária, para não dizer sectária. Quando o Barão foi convidado para ser chanceler, cargo que ele ensaiou recusar, seja por motivos de saúde, de dinheiro ou qualquer outro, a primeira coisa que ele adiantou era a de que não vinha servir a qualquer partido, a qualquer causa política, mas ao Brasil, em benefício da nação e de seu prestígio na região e no mundo.
Cem anos depois, parece que tivemos não apenas uma diplomacia estreitamente partidária, mas até um chanceler que, talvez insatisfeito por ser “apenas” diplomata, resolveu se inscrever num partido, ou melhor, no partido do poder, o que aparentemente nunca lhe foi exigido como chanceler ou como funcionário de Estado. Mas, como defensor de um governo partidário, ele resolveu se filiar a esse partido. Como todo militante desse partido, como naquelas agrupações religiosas que exigem o dízimo, tem de contribuir com sua cota de boa vontade financeira, o mesmo chanceler escolheu ser conselheiro de algumas coisas, para arredondar o salário, já que o Brasil é hoje um país caro (talvez em função de algumas políticas de pequena estratégia que o mesmo partido aplica). O Barão, provavelmente, desprezaria gestos como esse.
A segunda estratégia pequena que o Barão lamentaria, se hoje contemplasse a diplomacia dos oito anos do “nunca antes”, seria justamente essa tal de “diplomacia Sul-Sul”. O Barão nunca compreenderia, e nunca admitiria, como se consegue ser tão reducionista, tão simplista, tão estreito geograficamente nas escolhas de relacionamento internacional, ele que sempre se bateu para equilibrar as relações do Brasil entre a velha Europa, os EUA emergentes, e a América do Sul, todos tão presentes em nossas relações imediatas. A despeito dessa “aliança não escrita” com os EUA, de que falam alguns acadêmicos, o Barão, na verdade, nunca se deixou prender, ou enredar, numa relação exclusiva, ou privilegiada, com qualquer sócio maior, mas procurava sempre manter equidistância dos grandes centros de poder, das velhas potências coloniais – mas ainda agressivamente imperialistas – e da nova potência que despontava no hemisfério – e já agressivamente imperialista, precisamente. Menos ainda ele compreenderia que o Brasil só tivesse olhos para o seu entorno imediato – claro, porque a África não “existia”, dominada que era pela Europa, e que a Ásia também se debatia na colonização direta e indireta das mesmas potências – e descurasse por completo das relações com aqueles que eram nossos principais mercados e fornecedores de capitais. Ele sorriria com certa complacência antes essas propostas de “nova geografia comercial internacional”, sabedor que, em matéria de comércio, toda e qualquer geografia é boa, desde que se consiga realizar todos os intercâmbios, nos dois sentidos, que interessariam ao Brasil.
Justamente, mesmo se ele tivesse de administrar uma “estratégia Sul-Sul” para o Brasil – fatalidade lamentável que ele certamente se escusaria por completo de iniciar – ele jamais se permitiria ser complacente, leniente, inconsequente ou descuidado em relação aos direitos do Brasil. Ele jamais permitiria, por exemplo, que tripudiassem injustamente sobre nossas exportações – como infelizmente ocorre muito frequentemente com certo vizinho arrogante – ou que, ao arrepio de tratados bilaterais e de contratos internacionais, outros vizinhos inconsequentes invadissem nossas propriedades legítimas para esbulhar-nos de nossos direitos, rasgando unilateralmente compromissos que tinham sido solenemente contraídos anteriormente. Por muito menos ele fez deslocar tropas para proteger nacionais ameaçados de maus tratos; ainda que não fosse o caso de fazê-lo em todas as circunstâncias, o Barão certamente teria sido bem mais vigoroso na reação a certos atos de expropriação ilegal.
Por exemplo: ainda que confrontado a uma declaração inevitável de expropriação de bens nacionais, ele JAMAIS assinaria uma nota na qual se reconhecia o direito soberano de outro país de, sem a cortesia de sequer um alerta preliminar, expropriar sem negociações ou consulta prévia propriedades nacionais, em total desrespeito às normas do direito internacional e à letra de tratados que constituíam obrigações para as duas partes. Ele certamente consideraria certas atitudes registradas nesses tempos caóticos de diplomacia confusa não só como marcas de uma pequena estratégia, mas como uma demonstração cabal de uma estratégia vergonhosa.
A mais forte razão, o Barão se guardaria escrupulosamente, e faria com que o seu presidente também observasse esse tipo de recato, de jamais interferir nos assuntos políticos internos de outros países, seja demonstrando apoios eleitorais indevidos, seja adiantando preferências ideológicas ou ainda rompendo normas e costumes de direito internacional e de relações diplomáticas. A melhor forma de manter boas relações com quaisquer vizinhos – mesmo os mais turbulentos – e com todo e qualquer país da comunidade internacional é manter reserva total quanto aos assuntos internos desses outros países, mesmo quando se possa, em privado, manter preferência por um outro personagem da vida política que possa ter influência nas relações com o Brasil. Expressar publicamente interesse nesse tipo de assunto é a mais pequena estratégia que o Barão poderia conceber, e isso ele deixou registrado em vários escritos públicos.
Finalmente, o Barão tampouco consentiria em dividir o processo de tomada de decisão em múltiplas cabeças, em fracionar o comando da diplomacia em diversos centros independentes de formulação e de execução de uma política nacional, como deve ser a política internacional de um país. Consciente, provavelmente, de que a política externa é uma espécie de política interna por outros meios, e sabedor de que a diplomacia, como a arte da guerra, exige unidade de formulação, de decisão e de implementação das ações requeridas, ele obstaria por completo a qualquer fragmentação da atuação diplomática do Brasil em unidades separadas de atuação. Já ao assumir a chefia do Ministério, e confrontando-se com a provecta figura de Cabo Frio, ele apressou-se em inaugurar um busto em homenagem a essa magnífica figura do Império, como forma de afastá-lo dos assuntos correntes, encaminhando-o a uma merecida aposentadoria que ainda tardou a acontecer. Independentemente desses dissabores, ele jamais consentiria, por exemplo, que dirigentes partidários, representantes de interesses especiais, neófitos palacianos ou quaisquer outros aprendizes de diplomatas lhe viessem sugerir esta ou aquela política em matérias que fossem de sua competência exclusiva. Como “general” da diplomacia, ele sabia que comando não se divide: ou se assume, ou se assiste a confusão predominar em temas que têm a ver com a segurança nacional.

Enfim, falamos das “pequenas estratégias” que o Barão não teria, e não poderia ter, para as relações internacionais do Brasil, cem anos depois de sua morte, se por acaso voltasse ao nosso convívio. Mas faltou falar, positivamente, de uma grande estratégia que o Barão do Rio Branco poderia exibir na atualidade.
E por que uma estratégia teria de ser “grande”? Não existe nenhum motivo especial para isso: trata-se apenas de um adjetivo, talvez exagerado, que visa, de certo modo, enfatizar o aspecto crucial para o país na determinação de suas políticas mais essenciais; neste caso, grande pode ser considerado como algo diferente de setorial (como poderia ser apenas defesa ou desenvolvimento). Grandes países, com grande interface ou exposição internacional, ou, ainda, países capazes de grande projeção internacional, costumam ter grandes estratégias. Talvez seja o caso do Brasil.
O Brasil é um ator relevante malgré lui, ou seja, possui massa e presença de dimensões relevantes, embora não consiga determinar o curso dos eventos e dos processos no subcontinente, mesmo mobilizando as armas de sua política – a diplomacia – ou “ameaçando” (o que, aliás, seria difícil de concretizar) recorrer à política das armas – para a qual lhe faltariam os requisitos de base, justamente. Mesmo no terreno das proposições de política, não se pode dizer que o Brasil tenha constituído um manancial de iniciativas significativas, capazes de alterar, de maneira sensível, o peso e o papel da região no contexto mundial.
Quais são, numa análise realista, os componentes dessa grande estratégia? A resposta a esta questão implica necessariamente identificar os principais desafios colocados ao Brasil na realização dos supremos interesses nacionais. Quais são estes últimos, portanto? Em plena transparência de propósitos, não parece restar dúvidas de que o objetivo supremo da nação – ademais daquelas questões básicas de soberania, que já consideramos não prioritárias – é o atingimento de uma etapa superior no seu processo de desenvolvimento, de maneira a garantir bem estar e vida digna a todos os brasileiros, como condição da plena integração do país ao sistema internacional num status de potência capaz e plenamente dotada dos meios de ação para atuar positivamente nesses sistema, em conformidade com os propósitos da Carta das Nações Unidas e dos demais instrumentos da cooperação internacional.
Mas isso discutiremos numa próxima ocasião.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 de Julho de 2012; revisão: 14/09/2012

Revista Sapientia - relacoes internacionais e concurso para a carreira diplomatica

Informo e recomendo: 
Existe uma nova publicação de relações internacionais no cenário acadêmico brasileiro, esta especificamente voltada para a preparação de candidatos à carreira diplomática: a revista Sapientia.

Nunca faço publicidade, aqui, de cursos preparatórios à carreira diplomática, por uma questão de princípio, pois este blog jamais se pautaria por critérios outros que não o debate "puro" de ideias em torno das questões que constituem o seu foco, sem qualquer conotação comercial.
Em todo caso, como neste caso há uma revista associada, vai aqui uma recomendação puramente intelectual.
Os links para os dois primeiros números publicados encontram-se abaixo.

http://www.cursosapientia.com.br/images/revista/RevistaSapientia-Edicao1.pdf

http://www.cursosapientia.com.br/revista/ed2/

Neste segundo número, publiquei um artigo, referenciado a seguir:

 “O Barão do Rio Branco e as estratégias do Brasil: a grande e as pequenas”, revista Sapientia (ano 1, n. 2, setembro 2012, p. 23-25; link: http://www.cursosapientia.com.br/revista/ed2/). Relação de Originais n. 2407; Relação de Publicados n. 1073.

Vou postar aqui, no post subsequente.
Paulo Roberto de Almeida