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terça-feira, 14 de março de 2023

O clube do atraso: Lula 3 e os esquerdistas anacrônicos sabotam a acessão do Brasil à OCDE - Editorial OESP

O clube do atraso

Ao sabotar a candidatura à OCDE, lulopetismo mostra desprezo à governança política e econômica
O Estado de S. Paulo, 14/03/2023

O “custo Bolsonaro” foi salgado. O ostracismo diplomático e ambiental causou duros impactos colaterais à economia. Agora, alardeiam os petistas, “o Brasil voltou”. É relativo: voltou a alguns lugares; de outros, se afasta.

Sintomaticamente, na semana em que abriu 16 vagas diplomáticas na Venezuela, o governo desidratou a delegação junto à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Já na posse, extinguiu a secretaria responsável pela candidatura do Brasil à OCDE. No encontro com o presidente Joe Biden, os americanos incluíram na minuta do comunicado o apoio a essa candidatura, mas a comitiva brasileira solicitou sua remoção. Gradualmente, o ingresso à OCDE volta à geladeira onde jazeu nos governos petistas.

A OCDE é um fórum de políticas públicas baseadas em evidências. Seus 38 membros incluem as principais democracias do mundo e respondem por 70% do PIB global e 80% do comércio e investimentos. O ingresso do Brasil – a segunda maior democracia do Ocidente e uma das maiores economias do mundo – é natural. O País já integra vários comitês e é um parceiro-chave. A solicitação de acesso, encaminhada pelo governo Temer, ativou a avaliação da consonância das instituições nacionais aos princípios do grupo.

A participação serve de “selo de qualidade” ao mercado internacional, comprovando regras que promovem um ambiente de negócios seguro, aberto e competitivo, equilíbrio fiscal, transparência nas contas públicas, estabilidade jurídica, políticas de inovação tecnológica, combate à corrupção e investimentos sociais e ambientais. Dos seis candidatos, o Brasil tem os maiores índices de aderência às convenções da OCDE. O Ipea estima que o ingresso agregaria 0,4% ao PIB anual.

Mas o “custo Lula” começa a cobrar seu preço. Desdenhando a OCDE como “clube dos ricos”, Lula já recusou um convite para ingressar na organização em 2007. Em coletiva com o chanceler (premiê) alemão, Olaf Scholz, se disse disposto a discutir “condições de entrada”, mas não como “um país menor”.

Ninguém sabe o que Lula quis dizer, porque nem ele sabe: é só um pretexto cozido no caldo de ressentimentos petista para melar o processo. A OCDE não tem membros com poderes especiais, como os do Conselho de Segurança da ONU. Ela mesma não tem poderes reais: não empresta dinheiro, como o FMI, nem arbitra disputas, como a OMC. Sua força está no aconselhamento e na persuasão. O Brasil, como um dos maiores países em desenvolvimento e uma potência agrícola e ambiental, estaria numa posição privilegiada para influenciar diretrizes relacionadas à sustentabilidade.

Em resumo, a adesão aos padrões da OCDE de racionalização e moralização da governança pública não implica ônus – exceto para políticos demagogos, economistas heterodoxos e empresários corporativistas. Não à toa, marcos que se aproximam desses padrões – como a autonomia do Banco Central ou as Leis das Estatais e das Agências Reguladoras – são ameaçados pelo governo e os rebanhos fisiológicos cortejados por ele.

A OCDE resume assim sua missão: “Melhores políticas para melhores vidas”. Mas o PT não quer o Brasil nesse clube.

A nova ordem internacional e o Brasil - Rubens Barbosa (OESP)

 Concordo com a parte histórica sobre a volta da Guerra Fria. Discordo RADICALMENTE da hipócrita “neutralidade” do Brasil, objetivamente pró-Putin. Como disse Rui Barbosa, não há neutralidade ou imparcialidade entre a Justiça e o crime. O Brasil é PARTE do Ocidente e deve DEFENDER a Carta da ONU e sua própria Constituição. Não precisa aderir à guerra, mas tem a OBRIGAÇÃO de condenar a Rússia e EXIGIR a retirada das tropas invasoras, aliás desde a Crimeia, que Dona Dilma ignorou, ao arrepio da tradição brasileira de estrita adesão ao Direito Internacional.

Paulo Roberto de Almeida 

A nova ordem internacional e o Brasil
O Estado de S. Paulo | Espaço Aberto
14 de março de 2023

Rubens Barbosa

Depois da bipolarização da guerra fria, com a queda do muro de Berlim em 1989 e o fim da União Soviética em 1991, surgiu uma nova ordem global. Emergiu um mundo unipolar com os EUA como a única superpotência e com a globalização financeira, econômica e comercial, gerando a expansão econômica liberal e o crescimento da economia global. Essa ordem mundial começou a mudar na primeira década do século 21 com a volta da China como potência e o início da disputa com os EUA pela hegemonia global.

A guerra da Rússia na Ucrânia, o fato mais relevante desde a queda do muro de Berlim, em 1989, marca o início de uma nova era e, ao contrário da situação que prevaleceu nos últimos 20 anos, representa a prevalência da geopolítica, com ênfase na segurança nacional, sobre a economia e a globalização. Sem perspectiva para a suspensão das hostilidades na Ucrânia, é real a possibilidade de escalada do conflito com a utilização de armas nucleares táticas de consequências imprevisíveis. O rearmamento da Alemanha e do Japão, com o aumento dos gastos com defesa, o esvaziamento do G-7 e do G20, além dos custos elevados da energia, são outras características da nova ordem internacional, que ocorre simultaneamente à consolidação da nova ordem econômica global.

Nesse contexto, está se conformando um mundo dividido em tomo de novos eixos, com a perspectiva de confrontação do Ocidente (EUA e Europa) com a Eurásia (China, Rússia e outros países da Ásia). Emerge, na narrativa ocidental, um mundo bipolar, mas em outras bases, visto que a disputa entre Washington e Pequim não é sobre a supremacia ideológica ou militar, mas econômica, comercial e tecnológica, até aqui. Na visão chinesa e russa, surge uma ordem multipolar, pós-ocidental, a do Ocidente versus o resto do mundo. De um lado, acelerou uma aliança estratégica, sem limites, em todas as áreas entre a China e a Rússia e, de outro, fortaleceu a aliança dos EUA com os países membros da Otan com o apoio à Ucrânia.

Hoje, considerações de ordem geopolítica impactam sobre a política externa, de defesa e comercial de todos os países. Apesar da declaração de Joe Biden de que não vai pedir que os países escolham um lado na divisão global, não será surpresa se lealdades começarem a ser cobradas, sobretudo se houver uma escalada bélica e o conflito se ampliar além da Ucrânia. O governo de Washington está discutindo uma nova postura no relacionamento bilateral com a China e medidas contra países que ajudam a Rússia a contornar sanções. Restrições no comércio de semicondutores e de produtos de uso dual, como produtos eletroeletrônicos, de telecomunicações, de tecnologia da informação e de lazer, chips e sensores deverão surgir.

País tem de defendei* seus valores ocidentais e preservar seus interesses asiáticos. Será importante evitar alinhamentos automáticos

Os EUA estão em guerra não declarada em duas frentes com a Rússia e com a China. A Estratégia de Segurança Nacional norte-americana, recém-divulgada, e o discurso de Xi Jinping, no Congresso do Partido Comunista, confirmam isso. A guerra fria, do ângulo do establishment dos EUA, nunca terminou, e agora, no Congresso, adquire formas irracionais e paranóicas em relação à China. O ministro do Exterior chinês advertiu para os riscos de um conflito direto com os EUA, caso não cessem as medidas contra Pequim. As relações entre EUA e China encontram-se no nível mais baixo da História, com a crescente tensão em relação a Taiwan, a possibilidade de entrega de armas à Rússia e a expansão dos interesses da Otan no Mar do Sul da China, agravadas pelo incidente com balão chinês em território norte-americano e as medidas de restrições comerciais (semicondutores) anunciadas por Washington.

Caso esse cenário se confirme, países como o Brasil terão de enfrentar difíceis opções de política externa. O Brasil foi colocado pelos EUA como aliado estratégico extra-Otan e faz parte do Brics com a Rússia, índia, China e África do Sul. Compartilhando valores do Ocidente (democracia, livre comércio, imprensa livre) e com estreitos laços comerciais, econômicos, culturais e de defesa com os EUA e países europeus, o Brasil tem hoje interesses concretos a defender na Ásia, nossa maior parceira comercial. O Brasil tem de defender seus valores ocidentais e preservar seus interesses asiáticos. Ao contrário dos que defendem que o Brasil terá de escolher um lado - o dos EUA -, será importante evitar alinhamentos automáticos, livre de influências ideológicas e geopolíticas. O governo brasileiro já vem sendo confrontado com essas opções em votações nos organismos internacionais e em gestões diplomáticas, como no caso do não fornecimento de munição para tanques na Ucrânia e na autorização para navios de guerra iranianos entrarem em portos nacionais. Ativismo diplomático, contudo, como a iniciativa de criar um grupo da paz para a suspensão das hostilidades na Ucrânia, não terá êxito.

A grande maioria dos países em desenvolvimento da África, América Latina e Ásia tem-se manifestado contra a divisão do mundo. A exemplo da índia, o Brasil, reconhecendo as novas realidades mundiais, deveria manifestar formal e publicamente sua posição de independência em relação aos dois lados, acima de ideologias ou preferências partidárias, na defesa estrita de seus interesses políticos, econômicos e comerciais.

PRESIDENTE DO IRICE, É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS


Jornalistas russos contra a guerra e a ditadura de Putin (G1, O Globo)

 Em Brasília, jornalistas russos ligados a instituições que ganharam o Nobel da Paz pedem posição mais firme do Brasil contra a guerra

G1 - Globo
13 de março de 2023


Dois jornalistas russos, Pavel Andreyev e Kirill Martynov, de instituições que foram laureadas com o Nobel da Paz estão no Brasil para falar com autoridades sobre a guerra na Ucrânia e pedir uma posição mais firme do Brasil em relação à Rússia.

Pavel Andreyev é da organização de direitos humanos Memorial, ganhadora do Nobel no ano passado, e Kirill Martynov do jornal independente "Novaya Gazeta", que foi premiada em 2021.

Um terceiro jornalista russo, Konstantin Eggert, participa da viagem aos países latinos como um mediador dos eventos.

Os jornalistas estão em uma série de viagens pela América Latina organizada pela União Europeia. Depois de passarem por Uruguai e Argentina, chegaram a Brasília nesta semana.

O grupo ainda se reuniu com a Assessoria Especial de Assuntos Internacionais, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, com o Itamaraty e com parlamentares. Na sequência, o grupo vai a São Paulo e segue para o Chile, última parada na América do Sul.

Em entrevista à TV Globo, eles dizem acreditar que o Brasil pode ter um papel influente na resolução do conflito.

"Eu acho que todo país no mundo -- e um país tão importante como o Brasil, que é muito respeitado na área dos direitos humanos e democracia, que é algo que perdemos totalmente na Rússia durante os últimos anos sob o presidente Putin --, eu acho que toda democracia forte no mundo tem que compartilhar mensagens fortes para o presidente russo, [de que] esse tipo de guerra é inaceitável", afirmou Martynov.

"Eu entendo as ideias que o Brasil tem sobre ter relações normais com todos os países no mundo, isso é totalmente compreensível pra mim, mas ao mesmo tempo eu acho que ninguém pode ter relações normais com pessoas que sempre quebram as regras", disse.

Pavel Andreyev, da Memorial, acredita que o Brasil deveria ampliar sua participação na dissolução do conflito.

"Eu acho que o papel do Brasil deveria crescer, mas devem entender que "paz a qualquer preço" também não é aceitável, porque sem resolver as questões de direitos humanos não será possível manter essa paz. Então os interesses dos dois países devem ser discutidos", disse. "Eu acho que é muito importante que todos os países prestem atenção a esse tópico para pressionar o Kremlin a ir para a mesa real das discussões pela Paz."



Atualmente, a atuação dos jornalistas é feita de fora da Rússia. Eles falaram da pressão que sofreram enquanto atuavam no país natal e disseram que a única opção que consideraram possível foi o autoexílio. "Em março de 2022, nós tínhamos que escolher entre ir pra prisão e parar de trabalhar como jornalistas, ser totalmente silenciados, ou ir para o exílio e trabalhar de um país diferente", disse Kirill Martynov. "Optamos pela segunda opção, estamos no exílio."

Ele explica que o seu jornal, o "Novaya Gazeta", ainda tem repórteres que atuam de maneira anônima na Rússia que enviam informações anônimas para a equipe que atua no exterior. Kirill Martynov atua na Letônia, de onde coordena a operação.

"Nós publicamos histórias do exterior e tentamos levar informações de volta para os russos, porque esse é o único jeito que temos de informar nosso povo sobre o que realmente acontece no nosso país." 

Já a Memorial, organização internacional de defesa dos direitos humanos fundada na Rússia em 1989, foi banida da Rússia em 2022 por uma decisão da Suprema Corte, mesmo ano em que foi reconhecida pelo Nobel. A alegação foi o descumprimento da lei sobre "ação de agentes estrangeiros".

A Rússia aprovou uma lei que obriga sites com alguma influência de países ou instituições estrangeiras a colocarem banners em toda publicação avisando de ação de agentes estrangeiros. A lei se tornou ainda mais restrita no final do ano passado, e recebeu mais críticas de organizações de defesa dos direitos humanos e liberdade de imprensa.

Meandros da globalização claudicante - Paulo Roberto de Almeida

 Meandros da globalização claudicante

Paulo Roberto de Almeida 

Como andamos de globalização nesta segunda Guerra Fria, agora econômica e tecnológica (por enquanto), diferente da primeira, geopolítica e radical, na confrontação imperial?


Interessante observar que a despeito da atual confrontação aberta EUA-China, os negócios não conseguem se separar um da outra completamente, o que nunca ocorreu na primeira Guerra Fria (inclusive pela mediocridade econômica da URSS).

Parece impossível, e não apenas aos EUA, contornar a China na atual globalização fragmentada, como muitos já explicaram.

O Brasil fica com a parte menor disso, apenas o fornecimento de commodities para satisfazer, parcialmente, a voracidade da gigantesca máquina industrial chinesa, hoje superior à dos EUA e UE combinadas. 


A China é realmente incontornável, sobretudo economicamente, hoje voltando, com o seu novo imperador, à arrogância do seu antigo Império do Meio até os Qing, superior, científica e tecnologicamente, e até administrativamente, aos “reinos bárbaros” do Ocidente, que viviam se guerreando entre si. Tanto lutaram que acabaram humilhando o Império quase imóvel, que agora promete ser tão poderoso para nunca mais ser humilhado pelos ocidentais. A Rússia atual, decadente e deformada, já é um vassalo menor (mas ainda dotado de mortíferas máquinas de guerra) nesse gigantesco empreendimento que deve levar a China à primazia econômica compartilhada com os EUA.

A Humanidade espera que não resolvam se confrontar nesse processo.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 14/03/2023

Fragmented Globalization - Mohamed A. El-Erian (Strait Times, Singapore)

  

Straits Times, Singapura - 11.3.2023

Fragmented Globalization

The reversal of decades of economic integration will leave the global economy with higher inflation and reduced growth potential. In this new era, governments, companies, and long-term investors will need to incorporate more sophisticated geopolitical and sociopolitical analyses into their strategies.

Mohamed A. El-Erian

 

Cambridge – For three decades, businesses and governments around the world operated under the assumption that economic and financial globalization will continue apace. As the international order has come under strain in recent years, however, the concept of deglobalization – the delinking of trade and investment – has increasingly gained traction with households, companies, and governments.

Not too long ago, it seemed that there were no limits to global economic and financial integration. For decades, globalization’s benefits appeared to be obvious and unassailable. The interconnectedness of production, consumption, and investment flows provided consumers with a wider range of choices at attractive prices, enabled companies to expand their markets, and improved the efficiency of their supply chains. Global capital markets expanded access to credit and lowered its cost for private and public borrowers alike. The world’s governments engaged in what seemed to be a series of win-win partnerships. And technology – including, most recently, the accelerating shift toward remote work – made national borders seem largely irrelevant.

But while globalization made markets work better, policymakers lost sight of its adverse distributional consequences. Many communities and countries were left behind, contributing to a widespread sense of marginalization and alienation.

The result was a backlash against globalization, whose most visible political manifestations were the United Kingdom’s vote to leave the European Union and Donald Trump’s election to the US presidency in 2016. Soon, the United States had entered a tariff war with China, deepening the divide between the two economic powers. Western consumers, meanwhile, have increasingly pushed back against human-rights violators and countries that harm the environment. And the invasion of Ukraine has led to unprecedented sanctions on Russia (a G20 country) and the weaponization of the international payments system.

It follows, then, that many would conclude that globalization has ended. But, rather than a sharp reversal of the past 30 years, it seems far more likely that we are entering an era of fragmented globalization characterized by substitution, not negation.

The sanctions regime imposed on Russia is a case in point. Over the past year, the EU-US-led restrictions have not materially reduced Russia’s oil exports but redirected them elsewhere, primarily to China and India. Similarly, rather than bringing Russia’s economy to its knees as many had predicted, the comprehensive sanctions shrunk its GDP by just 2%, as Russian technocrats found ways to reorient and rewire both domestic and external activities. Even more worryingly, Russia and some of its allies have also made progress in creating somewhat of a parallel cross-border payments and settlement system, albeit a rudimentary and inefficient one.

This trend will likely continue over the next few years, as companies increasingly diversify their supply chains away from China and as Western governments resort to near-shoring and friend-shoring to maintain the production of critical inputs and sensitive exports.

In short, the combination of geopolitical shocks, corporate strategies, and changing societal values will affect trade and investment patterns along four main axes. As companies opt for resilience over efficiency, they will increasingly shift their approach to supply chains from “just in time” to “just in case.” This will come at a time when security concerns gain greater weight in commercial considerations, and companies will move away from risk-sharing and general partnerships to more narrowly-designed arrangements. Meanwhile, consumers will increasingly look for an emphasis on purpose in their commercial interactions.

While this process will produce winners and losers, their identity will depend to a significant extent on how policymakers adapt to the global economy’s new operating model. Mexico, for example, stands to gain from US friend-shoring, as well as the corporate sector’s shift to more diversified supply chains. Yet, as the Mexican government itself has recognized, notional demand will not be translated into effective demand unless policymakers accelerate progress on infrastructure, clean energy, deregulation, and the like.

In a world in which households actively avoid certain commercial interactions, governments and businesses will need to work harder to devise alternatives. Companies must work with governments, both at home and abroad, to facilitate the inherently tricky process of rewiring supply chains and to accelerate the green transition. National and global policymakers need to revise how they think and operate. And long-term investors should incorporate more sophisticated geopolitical, sociopolitical, and environmental analyses into their allocation strategies.

While some may consider the phrase “fragmented globalization” an oxymoron, I believe it is the most probable scenario for the global economy. As the world increasingly divides into blocs, a few more fluid than most others, globalization stands to become more inflationary, reducing potential growth. Avoiding this outcome depends on how national governments and multilateral institutions navigate the new economic reality. The world may not fully deglobalize, but that does not mean we should assume smooth sailing ahead.  (P.S.)

 

Mohamed A. El-Erian, President of Queens’ College at the University of Cambridge, is a professor at the Wharton School of the University of Pennsylvania and the author of The Only Game in Town: Central Banks, Instability, and Avoiding the Next Collapse (Random House, 2016) .

segunda-feira, 13 de março de 2023

Uma moeda digital para o Brics? Não custa sonhar... - André Liohn (Medium)

 Você confiaria numa moeda emitida por este quinteto? E se fosse com o Lula no meio deles? Mesmo sendo digital?

O dinheiro é a mensagem

Em 1964, três anos depois que o mundo foi dividido pelo Muro de Berlim, o filósofo canadense Marshall McLuhan afirmou que “o meio é a mensagem”.

Isso significa que o meio pelo qual recebemos informações ou nos comunicamos é tão importante quanto o conteúdo dessa comunicação. McLuhan argumentou que as mudanças na mídia têm impactos profundos na sociedade e na cultura.

A teoria de McLuhan é particularmente relevante no contexto do CBDC (Moeda Digital do Banco Central).

CBDC tem sido uma palavra da moda no mundo financeiro nos últimos anos. Quem nunca ouviu falar, até o considera uma teoria conspiratória. Apesar de sua crescente popularidade entre políticos e chefes de bancos centrais, muitos ainda precisam aprender o que é e como funciona o CBDC.

O CBDC não é uma teoria conspiratória, e não é apenas uma palavra da moda. A tecnologia por trás do CBDC está em desenvolvimento há vários anos, e bancos centrais de todo o mundo continuam explorando seu potencial. De fato, mais de 80% dos bancos centrais do mundo estão explorando os possíveis usos de CBDCs, e cerca de 14% deles lançaram projetos-piloto. Muitos países estão explorando essa tecnologia como uma opção potencial para seus sistemas financeiros. O número exato de países que trabalham ativamente em CBDCs ainda está sendo determinado, já que está em constante evolução. Ainda assim, é seguro dizer que vários países já começaram a pesquisar e implementar CBDCs, incluindo China, Brasil, Canadá, Reino Unido, Noruega, Suécia, Rússia, União Europeia e Estados Unidos.

A tecnologia revolucionária muitas vezes é apresentada como uma maneira nova e simples de transferir dinheiro ou fazer pagamentos. Mas é muito mais do que isso.

É um meio fundamentalmente diferente de troca de valor.

As moedas tradicionais existem como objetos físicos, como moedas e notas de papel, ou como entradas digitais em contas bancárias. O CBDC, por outro lado, é totalmente digital e pode ser transferido diretamente entre indivíduos sem precisar de um intermediário.

Uma moeda digital do banco central (CBDC) criptográfica é uma moeda digital baseada em tecnologia de registro distribuído (DLT), como blockchain. Em contraste com as moedas fiat tradicionais, que são emitidas e garantidas pelos bancos centrais e gerenciadas pelos bancos comerciais, um CBDC criptográfico é emitido e gerenciado diretamente pelo banco central usando DLT.

CBDCs e criptomoedas, como o Bitcoin, são dois tipos de moedas digitais que muitas vezes são confundidos um com o outro. Embora ambos se baseiem na tecnologia digital blockchain, eles têm finalidades diferentes. Uma das principais diferenças entre CBDCs e criptomoedas é o uso pretendido. CBDCs são destinados a serem usados em transações diárias, como comprar mantimentos ou pagar contas, enquanto as criptomoedas são usadas principalmente para investimentos ou como reserva de valor.

Antes da decisão de abandonar o padrão-ouro, muitas moedas em todo o mundo estavam vinculadas ao ouro. Isso significava que cada unidade monetária era apoiada por uma quantidade fixa de ouro e poderia ser trocada por essa quantidade a qualquer momento. O valor da moeda estava, portanto, diretamente relacionado ao valor do ouro.

Após a Segunda Guerra Mundial, os países começaram a se afastar do chamado “padrão-ouro” e adotaram um sistema de moeda fiduciária.

Sob esse sistema, o valor da moeda não está ligado a nenhum ativo tangível, mas é baseado na total confiança e crédito do governo que a emite.

As moedas de hoje, incluindo o dólar americano e o euro, são exemplos de moedas fiduciárias. Elas não estão diretamente ligadas a nenhum ativo tangível ou intangível, mas dependem da promessa do governo de honrá-las como meio de troca e aceitá-las como pagamento de impostos.

No caso dos CBDCs, eles podem ser projetados para ter seu valor diretamente ligado a ativos tangíveis e intangíveis. Isso significa que o valor do CBDC seria baseado em um ou vários ativos subjacentes, em vez da promessa do governo de honrá-lo.

Por exemplo, o valor de um CBDC pode estar ligado ao valor de outra moeda, ouro ou outros metais preciosos, proporcionando estabilidade e valor à moeda. Da mesma forma, um CBDC poderia estar ligado a outros ativos tangíveis, como imóveis, commodities ou outras formas de propriedade.

Os ativos intangíveis, como propriedade intelectual, identidades digitais e reputação, tradicionalmente foram difíceis de avaliar e negociar. No entanto, com o surgimento da tecnologia blockchain e contratos inteligentes, agora é possível criar um sistema no qual o valor do CBDC está ligado a ativos intangíveis específicos.

Contratos inteligentes são contratos autoexecutáveis em que os termos do acordo entre comprador e vendedor são diretamente escritos em código. Essa tecnologia inovadora abre novas possibilidades para a indústria financeira, incluindo o uso de contratos inteligentes para vincular o valor de CBDC a ativos intangíveis como propriedade intelectual, dados ou outros ativos digitais, incluindo fatores ambientais como a “saúde” da floresta amazônica. Isso é conhecido como “CBDC verde” ou “CBDC baseado na natureza”.

Créditos de carbono representam uma redução nas emissões de gases de efeito estufa e são frequentemente usados como uma forma de incentivar empresas e países a reduzir sua “pegada” de carbono. Por exemplo, o Brasil e outros países tropicais que tentam financiar a preservação de suas florestas poderiam criar uma reserva de créditos de carbono vinculada à proteção de suas florestas tropicais. Ao vincular sua CBDC a uma reserva de créditos de carbono, o Brasil poderia criar um incentivo financeiro para preservar a floresta.

O Padrão ouro

A decisão de abandonar o padrão-ouro mudou significativamente a maneira como as moedas eram vinculadas a ativos. Embora tenha permitido uma maior flexibilidade e independência na política monetária, também introduziu o risco de inflação e desvalorização da moeda. CBDCs vinculados a ativos tangíveis e intangíveis podem fornecer um nível de estabilidade e valor à moeda, ao mesmo tempo que permitem flexibilidade na política monetária.

Essa mudança para um novo meio de troca tem o potencial de transformar fundamentalmente a maneira como pensamos sobre dinheiro e economia.

McLuhan argumentou que as novas mídias perturbam as estruturas de poder estabelecidas e criam padrões sociais e culturais. O mesmo princípio pode ser verdadeiro para CBDC. À medida que a CBDC se torna mais amplamente adotada, pode desafiar o poder de bancos tradicionais e instituições financeiras, que atualmente têm um controle significativo sobre o sistema financeiro global.

Além disso, a natureza da CBDC pode mudar a maneira como pensamos e usamos o dinheiro. A CBDC poderia potencialmente permitir transações mais diretas e imediatas, contornando a necessidade de intermediários como bancos e processadores de pagamento. Isso poderia levar a um sistema financeiro descentralizado e democrático, com indivíduos e comunidades tendo mais controle sobre suas próprias finanças.

No entanto, a CBDC também levanta preocupações significativas em torno da privacidade e da vigilância. Com a CBDC, as autoridades centrais podem rastrear e monitorar cada transação. Isso pode ter importantes implicações para a privacidade individual e potencialmente levar à erosão das liberdades civis.

O papel da China

A China tem sido um dos países mais ativos no desenvolvimento de uma CBDC, conhecida como Yuan Digital. O governo chinês tem enquadrado o Yuan Digital como uma forma de aumentar a inclusão financeira e promover a estabilidade econômica. No entanto, alguns observadores levantaram preocupações de que o Yuan Digital possa ser usado para expandir as capacidades de vigilância da China e reforçar o Sistema de Crédito Social do governo. Uma maneira pela qual a China usa a CBDC para financiar seu SCS é aproveitando sua capacidade de monitorar e rastrear transações financeiras. Com a CBDC, o Banco Popular da China (PBOC) teria visibilidade em tempo real de todas as transações de moeda digital. Isso permite ao PBOC identificar indivíduos e organizações que não estão cumprindo o SCS e reter ou congelar suas contas de CBDC. O PBOC também incentiva indivíduos e organizações a melhorar suas pontuações de SCS, fornecendo juros ou recompensas por manter uma pontuação alta.

O Bank Policy Institute (BPI), que faz lobby em nome dos maiores bancos dos EUA, argumentou que nem o Federal Reserve nem o Tesouro dos EUA têm a autoridade constitucional para emitir uma moeda digital.

O BPI argumentou que a Constituição dos EUA não concede explicitamente ao governo federal a autoridade para emitir uma moeda digital. Embora a Constituição conceda ao Congresso o poder de “cunhar dinheiro” e regular seu valor, o BPI argumentou que esse poder pode não se estender a moedas digitais, pois elas não existiam quando a Constituição foi escrita.

O Banco de Compensações Internacionais (BIS), fundado com os Acordos de Haia, assinados pelos bancos centrais da Alemanha, Bélgica, França, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos após a Primeira Guerra Mundial para servir como um banco para os bancos centrais e facilitar a cooperação monetária e financeira internacional, tem monitorado de perto o desenvolvimento de sistemas de CBDC transfronteiriços e oferecido insights sobre os benefícios e desafios potenciais de tal sistema.

De acordo com o BIS, um sistema de CBDC transfronteiriço pode oferecer benefícios significativos, como a redução do custo e do tempo das transações transfronteiriças, a melhoria da inclusão financeira e o aprimoramento da eficiência e resiliência do sistema financeiro global. As CBDCs também podem ajudar a mitigar os riscos associados ao uso de sistemas de pagamento tradicionais, como riscos de liquidação e de contraparte.

No entanto, o BIS também destaca vários desafios que devem ser abordados no desenvolvimento de um sistema de CBDC transfronteiriço. O BIS observa que um sistema de CBDC transfronteiriço pode ter implicações significativas para a política monetária, a estabilidade financeira e o sistema monetário internacional.

Um sistema de CBDC transfronteiriço pode potencialmente ameaçar a dominância do dólar americano na economia global. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o dólar tem sido a principal moeda de reserva do mundo, com outros países mantendo grandes quantidades de dólares para facilitar o comércio e o investimento internacional. No entanto, um sistema de CBDC pode oferecer uma alternativa ao dólar, enfraquecendo potencialmente sua posição. Uma das maneiras pelas quais um sistema de CBDC pode ameaçar o dólar é reduzindo a necessidade de dólares em transações transfronteiriças. Atualmente, a maioria das transações comerciais e financeiras internacionais é liquidada em dólares, exigindo que os participantes mantenham quantidades significativas de dólares para facilitar as transações. No entanto, um sistema de CBDC poderia permitir transações transfronteiriças mais eficientes e seguras, reduzindo a necessidade de dólares como meio de troca.

Um sistema de CBDC poderia oferecer uma nova reserva de valor e um “ativo porto seguro”, desafiando o papel do dólar como a principal moeda de reserva do mundo. À medida que mais países adotam CBDCs, eles podem deslocar suas reservas do dólar para CBDCs, levando a uma queda na demanda por dólares.

O papel do BRICS

Os países BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) há muito tempo procuram diminuir sua dependência do dólar americano no comércio e finanças internacionais. Uma possível maneira de fazê-lo é por meio do uso de CBDCs. Ao desenvolver e utilizar um sistema de CBDC transfronteiriço, os países BRICS poderiam reduzir a dependência do dólar americano como moeda dominante para transações internacionais.

THE NEW INTERNATIONAL PAYMENT SYSTEM IN «BRICS PLUS» FORMAT & ITS «BRICS PAY» RETAIL SEGMENT

Desde 2020, os cinco países discutem a possibilidade de criar um sistema de pagamento transfronteiriço usando uma moeda digital. A ideia é que um CBDC dos BRICS facilite o comércio e o investimento entre os países, reduzindo a necessidade de transações serem conduzidas em dólares americanos.

O governo brasileiro agora mais uma vez liderado Luís Inácio Lula da Silva, um dos idealizadores do BRICS, expressou seu desejo de garantir que a presidência do Banco BRICS na China seja comandada por alguém muito próximo a ele e está fazendo lobby para que a ex-presidente Dilma Rousseff, assuma a posição. O movimento é visto como uma grande tentativa do Brasil de afirmar sua influência no grupo BRICS e além. Se Dilma assumir o cargo, o Brasil estará bem-posicionado para assumir um papel de liderança no sistema CBDC do BRICS.

A Russia

Em 17 de fevereiro de 2023, o Banco Central da Rússia anunciou planos para lançar uma versão digital de sua moeda nacional, o rublo, atrelada ao ouro em abril de 2023. Esse novo CBDC deverá ser chamado de “Ruble Digital” e funcionará ao lado do rublo físico existente.

O programa de CBDC russo tem atraído atenção de todo o mundo, com alguns analistas especulando que ele poderia fazer parte de uma estratégia maior da Rússia de desvincular sua economia permanentemente do Ocidente. Semanas depois que a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022, o ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown mencionou em uma entrevista à CNN que via o futuro como um mundo e dois sistemas. Se ele estiver certo, a Rússia poderia estar abrindo o caminho para outras economias se desvincularem do sistema financeiro do Ocidente.

A ligação ao ouro é também uma característica notável do programa russo de CBDC. Embora a maioria das CBDCs não seja respaldada por nenhum ativo físico, o rublo digital russo estará vinculado às reservas de ouro, o que poderia torná-lo um meio de troca mais estável e confiável. Isso pode ser particularmente atraente para investidores e países em busca de um ativo de refúgio seguro.

O lançamento do rublo digital russo também pode ter implicações significativas para o sistema financeiro global. Se a CBDC russa for bem-sucedida e ganhar ampla adoção, poderá desafiar a dominância do dólar americano como a moeda de reserva mundial. Isso pode levar a uma mudança no poder econômico global e aumentar ainda mais as tensões entre o Ocidente e a Rússia.

Simples como o interruptor que acende e apaga luzes

Bem, vivemos em um mundo onde pagar um café usando um telefone celular como meio de transferência de fundos em CBDC já é uma realidade, onde pagar por um café ou qualquer outra transação é tão fácil quanto ligar um interruptor! O PIX foi recebido como uma bênção! Acabaram-se os dias de se preocupar em levar dinheiro ou esquecer sua carteira. Com o Pix, tudo o que você precisa é do seu telefone celular e do aplicativo, e está pronto para ir! A simplicidade do processo é semelhante a acender as luzes em nossas casas — é fácil e intuitivo.

O Muro de Berlim é um lembrete sombrio de um mundo dividido, onde um sistema prevaleceu sobre o outro. Foi um pedágio erguido para evitar a guerra, mas tornou-se o símbolo do aprofundamento do fosso entre o Oriente e o Ocidente. Hoje, ao nos aproximarmos de um futuro mais digital, devemos considerar o impacto potencial de novas mídias como as CBDCs. A teoria da mídia de Marshall McLuhan nos alerta que o meio molda e controla a escala e a forma de associação e ação humana. As CBDCs têm o potencial de transformar a maneira como pensamos sobre dinheiro, perturbar estruturas de poder estabelecidas e levantar preocupações significativas sobre privacidade e vigilância. É essencial que projetemos e implementemos as CBDCs de uma maneira justa e equitativa para evitar uma maior divisão e garantir que nos movamos em direção a um mundo, em vez de dois sistemas.


Putin está muito mais quebrado do que se pensa - Edward Luce (FT)

 Putin está muito mais quebrado do que se pensa

Por Edward Luce

 ValorFinancial Times, 13/03/2023


Quando as estatísticas são submetidas a tortura por tempo suficiente, elas acabam confessando. Sustentado por essa máxima imemorial, Vladimir Putin conseguiu evocar uma contração irrelevante, de 2,1%, na economia da Rússia em 2022, contra os dois dígitos que prevíamos. O mais estranho é que acreditamos nele! 

O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial zelosamente reutilizaram os números de crescimento oficiais de Moscou para o ano passado, o que desencadeou autocríticas em torno da resiliência da Rússia. Se a Rússia conseguiu suportar as sanções ocidentais mais abrangentes já adotadas desde os dias do apartheid da África do Sul, talvez devêssemos repensar nossa posição. Não sou estatístico. Mas sei, com certeza, que há razões profundas para desconfiar dos dados oficiais da Rússia sobre qualquer assunto. 

Como destaca Jeffrey Sonnenfeld, decano da Faculdade de Administração de Yale, o Rosstat, departamento oficial de estatística russo, passou por uma constante rotatividade de liderança nos últimos 12 meses e já foi um órgão altamente comprometedor. De qualquer maneira, Putin obteve os números que queria. O Rosstat prevê que a Rússia crescerá 0,3% em 2023. Eu prevejo que isso se revelará um absurdo. 

Economistas mais criteriosos não ficam parados, esperando que os dados caiam no seu colo. Eles buscam outros medidas. Na China, essas medidas costumam ser métricas como frete ferroviário e consumo de energia. Ler a Rússia hoje deve ser muito mais simples. 

Três milhões das pessoas de nível de instrução superior da Rússia deixaram o país, levando consigo seu capital e energia intelectuais. Na Rússia, o governo tem canibalizado geladeiras e outros eletrodomésticos da linha branca à cata dos chips que não consegue mais importar. Segundo a equipe de monitoramento de Sonnenfeld em Yale, um mil dos 1,2 mil maiores investidores estrangeiros da Rússia se retiraram plenamente do país pelos dados atuais. Suas receitas respondiam por 35% do Produto Interno Bruto (PIB) da Rússia antes da invasão da Ucrânia. Entre elas estão as empresas de petróleo e gás, como a BP (que deu baixa contábil de US$ 25,5 bilhões), que mantinham em constante fluxo os dutos de combustíveis fósseis e faziam a manutenção dos equipamentos do país. 

As exportações russas de gás natural praticamente secaram. A Europa absorvia o grosso da oferta russa e hoje a reduziu a níveis próximos de zero. Não tenho a menor ideia de quem explodiu o Nord Stream II, mas foi um ato um tanto desnecessário. A Europa ostentou uma eficiência de estilo chinês ao construir rapidamente uma capacidade em gás natural liquefeito (GNL) para importar o combustível que a Rússia é tecnicamente incapaz de produzir. O gás em estado gasoso da Rússia, em vista disso, não está à disposição de nenhum mercado. Serão necessários anos para construir dutos russos para compradores alternativos. 

China, Índia e outros, sem dúvida, estão absorvendo o petróleo russo que a Europa deixou de importar. Mas a Rússia o está vendendo a preços abaixo do custo. O Deutsche Bank estima que a Rússia, mal e mal, obtém hoje o equivalente a um terço de suas receitas com combustíveis fósseis. Além disso, está ficando cada vez mais caro - aproximadamente o dobro da média global — para a Rússia extraí-los. A Rússia desembolsa US$ 4 

para extrair um barril de petróleo e mais US$ 12 para fazê-lo chegar a seus clientes. Isso atende aos desejos do Ocidente, uma vez que não queremos que o preço global do petróleo suba e não queremos que a Rússia ganhe dinheiro. Pelo fato de mais de metade do orçamento da Rússia provir de sua receita com combustível fóssil, o governo passou agora a saquear suas reservas para tempos difíceis. Medidas mais radicais de extração de receita certamente vão se seguir. O que isso significa para a guerra na Ucrânia ? Há implicações boas e más. Duvido que a China seja imprudente a ponto de começar a fornecer as armas e a munição que a Rússia necessita desesperadamente. Nesse caso, isso seria uma indicação da crescente preocupação da China com os custos de uma prolongada guerra na Ucrânia. 

Um Estado vassalo do tamanho da Rússia não representa maiores problemas até o momento em que se tem de começar a pagar as contas. A má notícia é que Putin ficará cada vez mais tentado a tomar medidas desesperadas para levar esta guerra a uma conclusão desejável. O ataque da semana passada de uma miríade de mísseis hipersônicos russos com capacidade nuclear à infraestrutura essencial ucraniana foi um indicador alarmante do que um Putin acuado poderia fazer. Certamente podemos esperar que uma Rússia totalmente desprovida de dinheiro arremesse crescentes ondas humanas de alistados maltreinados para morrerem em suas linhas de frente. 

Quando as pessoas não confiam em dados oficiais, para onde olharão? A crer em Sonnenfeld em detrimento do FMI, que implicações isso tem para a política ocidental para a Ucrânia? 

(…)

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domingo, 12 de março de 2023

Colaborações com a revista Crusoé: artigos publicados de Paulo Roberto de Almeida

 Crusoé: Publicações de Paulo Roberto de Almeida

  

Pau1o Roberto de Almeida

Atualizada em 12 de março de 2023

Artigos entregues e publicados pela revista Crusoé.

 

 

4188. “O Brics e o Brasil: quem comanda?”, Brasília, 28 junho 2022, 3 p. Artigo para a revista Crusoé. Editado pelo jornalista Duda Teixeira, sob o título de “A ampliação do Brics e o interesse nacional”, com pequenas mudanças em pontos específicos; salvo como “4188aBricsInterNacional”. Publicado na revista Crusoé (1/07/2022; link: https://crusoe.uol.com.br/secao/reportagem/a-ampliacao-do-brics-e-o-interesse-nacional/); transcrito no blog Diplomatizzando (1/07/2022; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/07/a-ampliacao-do-brics-e-o-interesse.html). Relação de publicados n. 1461.

 

4275. “Programa Latitude: entrevista sobre política externa de Lula III”, Brasília, 19 novembro 2022, 9 páginas. Notas sobre questões colocadas pelo jornalista Duda Teixeira, da revista Crusoé, para entrevista oral no dia 21/11/2022. Versão reduzida, sob o título de “A diplomacia de Lula, 2023-2026: mais do mesmo?”, postada na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/91326453/4275_A_diplomacia_de_Lula_2023_2026_mais_do_mesmo_2022_) e no blog Diplomatizzando (21/11/2022; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/11/a-diplomacia-de-lula-2023-2026-mais-do.html). Emissão divulgada no YouTube (22/11/2022, link geral, “Os 7 erros diplomáticos de Lula”, 2,1 mil visualizações: https://www.youtube.com/watch?v=O7tzEZV3P9Q; outro link geral: https://www.youtube.com/watch?v=O7tzEZV3P9Q&t=1433s; link parciais: “O PT tem essa mania de se achar o líder da América Latina”, 1,8 mil visualizações: https://www.youtube.com/watch?v=pZ6I78fplEI; “Uma ordem mundial surge com grandes catástrofes”, 5,3 mil visualizações: https://www.youtube.com/watch?v=21jP70kzLVU; “Os relatórios da Oxfam são hipócritas”, 1,1 mil visualizações: https://www.youtube.com/watch?v=cssPH_lTXJY ). Relação de Publicados n. 1479. 

 

4290. “Haverá paz no mundo em 2023?”, Brasília, 16 dezembro 2022, 5 p. Artigo para a revista digital Crusoé, a pedido do jornalista Duda Teixeira. Revisto e publicado, sob o título “Paz impossível, guerra improvável”, na revista Crusoé(n. 244, sexta-feira, 30/12/2022, link: https://crusoe.uol.com.br/edicoes/244/paz-impossivel-guerra-improvavel/); divulgado no blog Diplomatizzando (12/03/2023; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/03/havera-paz-no-mundo-em-2023-artigos-na.html). Relação de Publicados n. 1487. 

 

4292. “Fórum de Davos: o piquenique invernal do capitalismo bem-comportado”, Brasília, 20 dezembro 2022, 4 p. Artigo sobre o Fórum Econômico Mundial de 2023, para a revista Crusoé. Publicado sob o título de “O capitalismo bem-comportado de Davos”, revista Crusoé (13/01/2023; https://crusoe.uol.com.br/secao/reportagem/o-capitalismo-bem-comportado-de-davos/); divulgado no blog Diplomatizzando (12/03/2023; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/03/forum-de-davos-o-piquenique-invernal-do.html). Relação de Publicados n. 1491. 

 

4300. “De repente, o mundo descobre um brasileiro pouco cordial”, Brasília, 9 janeiro 2023, 4 p. Nota sobre o vandalismo produzido pelos terroristas bolsonaristas na Praça dos Três Poderes, no domingo 8/01/2023. Publicado na revista Crusoé (9/01/2023; link: https://crusoe.uol.com.br/diario/de-repente-o-mundo-descobre-um-brasileiro-pouco-cordial/); reproduzido no blog Diplomatizzando (9/01/2023; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/01/de-repente-o-mundo-descobre-um.html). Relação de Publicados n. 1490. 

 

4304. “O Brasil e o seu vizinho mais importante, a Argentina, talvez distante”, Brasília, 16 janeiro 2023, 4 p. Artigo sobre as relações Brasil-Argentina, no contexto da primeira viagem de Lula, para a revista Crusoé. Publicado, sob o título “O bloco do Cambalacho”, na revista Crusoé (n. 247, 20/01/2023, link: https://crusoe.uol.com.br/edicoes/247/o-bloco-do-cambalacho/); divulgado no blog Diplomatizzando (14/02/2023; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/02/o-brasil-e-o-seu-vizinho-mais.html). Relação de Publicados n. 1492. 

 

4314. “O que o Brasil deixou de aprender com a Alemanha?”, Brasília, 31 janeiro 2023, 4 p. Nova colaboração com a revista Crusoé, a propósito da visita ao Brasil do chanceler Olaf Scholz, enfatizando educação de qualidade na Alemanha e trajetórias diferentes do SPD e do PT. Publicado sob o mesmo título (3/02/2023; link: https://oantagonista.uol.com.br/brasil/crusoe-o-que-o-brasil-deixou-de-aprender-com-a-alemanha/); divulgado no blog Diplomatizzando (12/03/2023; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/03/o-que-o-brasil-deixou-de-aprender-com.html). Relação de Publicados n. 1493. 

 

4320. “Diplomacia de Lula 3: la nave va..., mas para onde?”, Brasília, 14 fevereiro 2023, 5 p. Artigo sobre as repetições da diplomacia ativa e altiva. Publicado, sob o título de “A mesma coisa, tudo de novo”, na revista Crusoé(17/02/2023; link: https://crusoe.uol.com.br/edicoes/251/a-mesma-coisa-tudo-de-novo/); divulgado no blog Diplomatizzando (12/03/2023; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/03/diplomacia-de-lula-3-la-nave-va-mas.html). Relação de Publicados n. 1495. 

 

4326. “O Brasil e a China: até onde vai a relação estratégica?”, Brasília, 20 fevereiro 2023, 5 p. Publicado na revista Crusoé (3/03/2023; link: https://crusoe.uol.com.br/edicoes/253/o-encanto-de-lula-pelo-duvidoso-modelo-chines/); divulgado no blog Diplomatizzando (12/03/2023; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/03/o-brasil-e-china-ate-onde-vai-relacao.html). Relação de Publicados n. 1496.

 

4335. “Os intelectuais do Itamaraty e o caso único de José Guilherme Merquior”, Brasília, 8 março 2023, 7 p. Colaboração à revista Crusoé; publicada em xx/03/2023; link: ). Relação de Publicados n. . 

 

O Brasil e a China: até onde vai a relação estratégica? (artigos para a revista Crusoé) - Paulo Roberto de Almeida

 O Brasil e a China: até onde vai a relação estratégica? 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Artigo publicado na revista Crusoé (3/03/2023; link: https://crusoe.uol.com.br/edicoes/253/o-encanto-de-lula-pelo-duvidoso-modelo-chines/).

  

A sedução precoce pelo “modelo” chinês de crescimento

Em janeiro de 2002, pela primeira vez, o então presidente de honra do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva, visitou oficialmente a China, a convite do governo chinês e do Partido Comunista da China, tendo sido recebido com todas as honras devidas a um prometedor futuro chefe de Estado. Sua comitiva, integrada por futuros ministros e personagens importantes de seu governo, um ano adiante – José Dirceu, então presidente nacional do partido; Jorge Viana, governador do Acre; Antonio Palocci, prefeito de Ribeirão Preto; deputados federais Paulo Delgado (MG) e Jaques Wagner (BA) –, foi recebida por Wei Jianxing, um dos principais dirigentes do Bureau Político Permanente do Comitê Central do PCC, em audiência calorosa no Grande Palácio do Povo, em Beijing.

De volta ao Brasil, publicou um artigo num dos veículos do PT, no qual exaltava o modelo econômico chinês, mas no qual cometia, igualmente, uma série de equívocos conceituais e factuais, os quais parece ter mantido mesmo passadas duas décadas dessa viagem inaugural de várias outras, ao longo dos anos. Ele dizia, por exemplo, que o gigante asiático tinha ¼ da população do planeta, mas apenas 7% das terras agricultáveis do planeta, e que ainda assim conseguia “produzir o suficiente para alimentar esse mundo de gente”. Primeiro erro, pois que a China não apenas já era um dos principais países importadores de alimentos, assim como de quaisquer outras matérias primas para abastecer seu já gigantesco sistema manufatureiro, voltado basicamente para exportações baratas em direção dos países desenvolvidos. O Brasil, justamente, já era um dos grandes exportadores de alimento e de vários produtos primários para a China, dela importando um oceano de manufaturados de baixo custo e de qualidade razoável.

Lula se surpreendeu com as altas taxas de crescimento da China, ignorando que países que partem de níveis muito baixos de desenvolvimento econômico e social – como ainda era o caso da China, recém-admitida na OMC, depois de 14 anos negociando sua adesão ao Gatt – tendem a apresentar taxas vigorosas de crescimento, mas que normalmente declinam a partir de certo estágio nos progressos alcançados. Ele também dizia, no seu terceiro erro, que a China tinha “diminuído significativamente a desigualdade social.” Ora, a China já era, e continua sendo, justamente o país campeão na progressão negativa do seu coeficiente de Gini, saindo dos modestos patamares de um país socialista miserável, para índices próximos ao do Brasil, à medida em que avançou na construção do seu “capitalismo com características chinesas”.

Baseado num relatório do Banco Mundial, Lula também afirmou que “a China foi nos últimos anos o principal país responsável pela diminuição da pobreza no mundo.” Totalmente correto, mas isso quem disse foi o Banco Mundial, não o PT, que continuava afirmando, junto com os neófitos do Fórum Social Mundial, muitos deles petistas, que a globalização só consegue produzir miséria e desigualdade. Ora, se tem uma coisa que a China de Deng Xiaping conseguiu fazer foi aderir entusiasticamente à globalização capitalista, coisa que os economistas do PT sempre olharam com extrema desconfiança. Ainda assim, Lula afirmou que a China fazia isso “modo autônomo e soberano”, sem que o FMI impusesse os “seus modelos econômicos”. Quarto erro, portanto, pois se tem alguma coisa que o FMI não faz é impor um determinado modelo econômico, contentando-se com implementar programas de ajuda econômica a países (inclusive socialistas) que incorrem em sérios desequilíbrios de balanço de pagamentos, como ocorria com o Brasil naquela época.

Numa das mais controvertidas afirmações de seu artigo, Lula escreveu: “Os chineses nos explicam que estão praticando o que chamam de socialismo de mercado. A impressão que dá é que eles estão aprendendo a ganhar dinheiro com os capitalistas, para gastá-lo como socialistas.” Tanta ingenuidade não chega a ser propriamente um erro, mas traduz um dos mais persistentes vieses econômicos da concepção fundamental dos petistas sobre o papel do Estado no desenvolvimento de um país: a China justamente cresceu e se desenvolveu à medida em que mais e mais atividades produtivas saíam das mãos tortas das empresas estatais para serem entregues ao setor privado, que atualmente já responde por mais de 2/3 do PIB chinês. 

Outra ingenuidade transparece numa afirmação seguinte, segundo a qual a China participa da globalização, mas “não abre mão do planejamento, da definição de prioridades”, acrescentando que ela “não permite que o mercado decida em nome da sociedade.” Como se os países dotados de Estados organizados – entre eles todos os membros da OCDE e o próprio Brasil – não tivessem, igualmente, governos planejadores, estabelecendo prioridades para o investimento público. Partindo de patamares modestos, a China hoje apresenta o maior volume de investimentos saído diretamente do setor privado, mas o seu Estado precocemente weberiano – pelos mandarins, atualmente funcionários do PCC – sempre dirigiu os grandes investimentos públicos em infraestrutura e comunicações, como qualquer outro país racional.

 

A visita em grande pompa do presidente-trabalhador ao Oriente

Pano rápido: vamos passar à primeira viagem oficial de Lula, já como presidente, dois anos depois. Em seus discursos, na própria China e de volta ao Brasil, o presidente exagerou na retórica e passou a vender coisas que só existiam em sua cabeça. Em primeiro lugar, ele voltou a repetir uma de suas obsessões diplomáticas, mais constantes: a tal de “aliança estratégica” com o gigante asiático, aproveitando para dizer que “muita gente no mundo está torcendo para que essa aliança não dê certo”; era evidente a cutucada nos Estados Unidos, um atavismo em suas perorações, que só pode ser uma necessidade psicológica. Fui buscar o que pudesse justificar tal argumento de “aliança estratégica” no comunicado bilateral liberado no curso da própria visita e confesso a frustração: não há nada ali que possa dar respaldo a essa “aliança estratégica”, salvo a dupla repetição da expressão “parceria estratégica”, muito usada para descrever protocolarmente as relações do Brasil com outros países, como a Argentina, a Alemanha, a França, os próprios Estados Unidos, logo em seguida com a Índia e por aí vai.

De estratégico mesmo, eu encontrei no comunicado duas frases que a China exigiu e o Brasil cumpriu. Na primeira, o Brasil “concordou com a postura chinesa de que Taiwan e Tibete são partes inseparáveis do território chinês e manifestou seu repúdio a quaisquer ações e palavras unilaterais que visem a promover movimentos separatistas”. Na outra frase, a China agradeceu ao Brasil “pelo seu apoio na Comissão [hoje Conselho] de Direitos Humanos em Genebra”, isto é, o apoio diplomático da delegação brasileira para que não se examine de modo algum a situação dos direitos humanos na China, como se ela pairasse acima dos outros como um exemplo de tratamento aos nacionais nesse terreno. 

Num de seus gestos mais ousados, em sua primeira e triunfal visita, Lula sugeriu que o Mercosul e a China firmassem um acordo de livre comércio, assim como acatou a sugestão dos dirigentes chineses no sentido de acatar, na OMC, o status de economia de mercado para a China. Nas duas posturas, e já de volta ao Brasil, Lula defrontou-se com a veemente oposição da CNI, da FIESP, e da maioria das associações setoriais a ambas propostas, e nunca mais se ouviu o presidente repetindo suas ousadias. Mas essa viagem pioneira não dispensou uma outra contrariedade aos interesses do Brasil, que foi o embargo chinês a carregamentos de soja brasileira que supostamente continham, misturadas, soja natural e variedades geneticamente modificadas, nada que os animais chineses não pudessem consumir, mas um gesto provavelmente destinado a rebaixar o preço do produto, que naquela altura já atingia níveis históricos na bolsa de commodities de Chicago. 

 

O ideograma do BRICS na agenda estratégica da China

Lula foi a China algumas outras vezes, em visitas bilaterais ou no quadro do BRIC, que a China fez questão de aumentar para BRICS, com a incorporação da África do Sul, um país que não se enquadrava minimamente nos critérios originais do grupo, mas que convinha à China, já empenhada numa nova “conquista da África” para atender a imensa necessidade de matérias primas de suas insaciáveis indústrias. Ela continua procedendo da mesma forma, buscando “engordar” o BRICS com vários outros candidatos em desenvolvimento, como forma de administrar uma espécie de anti-OCDE, com países dispostos a sustentar sua grande estratégia de parcerias alinhadas numa frente contra as potências “hegemônicas” do Ocidente. 

Ao transformar a antiga proposta de um economista de um banco de investimentos – que estava pensando unicamente numa boa carteira de oportunidades de retornos financeiros suculentos, em quatro grandes economias em desenvolvimento – em um foro diplomático, os “planejadores diplomáticos” do PT certamente não imaginaram que as duas poderosas autocracias do planeta, Rússia e China, poderiam usar o BRIC-BRICS para os seus próprios interesses nacionais, o que se revelou agora, e de forma especialmente dramática, a partir da guerra de agressão de Putin contra a Ucrânia, da qual Xi Jinping é bem mais “solidário” do que o foi Bolsonaro e, talvez, doravante, venha a ser Lula. Joe Biden tentou convencê-lo do contrário, ao que Lula desconversou, naquela velha cantilena de que a sua “guerra era contra a pobreza”, tendo recebido zero apoio para a sua proposta estapafúrdia de um “clube da paz”, com “países não envolvidos no conflito” (sic, três vezes). 

Em sua próxima visita à China, Lula não deve voltar a sugerir o tal acordo de livre comércio entre o Mercosul e o gigante asiático – que já é, na prática, o principal parceiro de todos os membros do bloco do Cone Sul, em comércio ou investimentos –, nem ousará sequer mencionar aquela outra ideia maluca da “moeda comum”, que o chanceler russo, Lavrov, e as lideranças sul-africanas querem incluir na agenda da próxima cúpula do BRICS. Ele certamente voltará a saudar entusiasticamente a “parceria estratégica” – que os chineses realmente têm em alta conta – e proporá que ela se estenda a outros campos que não apenas o lançamento de satélites de sensoriamento remoto por foguetes chineses. Não sabemos se Lula mantém as mesmas ilusões atualmente como aquelas exibidas em suas duas primeiras visitas à China. Em todo caso, a visita, e o restabelecimento de boas e intensas relações, de todos os tipos – mas provavelmente não em direitos humanos e democracia, como pretende Biden –, corresponde aos mais altos interesses do Brasil, desde que não condicionadas a apoios indiretos aos estritos interesses nacionais, e estratégicos, da China, na sua postura de “rivalidade imperial” com os Estados Unidos. 

“O oriente é vermelho”, poderão repetir os mais apegados à bandeira do PT, como se os atuais mandarins chineses, selecionados exclusivamente com base em suas capacidades administrativas (e não mais no marxismo embolorado de certos petistas), estivessem minimamente preocupados com ideologia, no novo “Grande Salto para a Frente” que eles estão decididos a empreender no caminho de serem reconhecidos como a versão 2.0 do outrora fabuloso Império do Meio. Desde as navegações portuguesas do século XV, o fascínio de Catai continua a seduzir o “extremo Ocidente” que veio a ser o Brasil.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4326, 20 fevereiro 2023, 5 p.