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sábado, 16 de janeiro de 2010

1700) Carreira diplomatica: especializacao e escolha de lotacao e postos...

Carreira Diplomática: Geral ou Especializada?
Respondendo a dúvidas legítimas

Paulo Roberto de Almeida

Um leitor de meu blog, eventualmente de meu site, interessado na carreira diplomática, me escreve para formular perguntas em torno de uma das mais legítimas dúvidas que assaltam candidatos à carreira, e que já possuem algum interesse por áreas específicas, tentando saber, ou antecipar, se poderão, ou não, se dirigir, no trabalho profissional, para essas áreas de interesse, ou se terão de seguir o itinerário normal de uma carreira passavelmente burocrática, mas, também, amplamente diversificada. Na verdade, muitas pessoas gostariam de poder continuar fazendo, na diplomacia, o que já vem fazendo na vida profissional, ou acadêmica, ou então enveredar por um tipo determinado de trabalho, à exclusão de alguns outros, que poderiam lhe ser atribuídos sem possibilidade de escolha ou de recusa, trabalho que seria uma extensão preferencial de seus desejos pessoais, o que é amplamente legítimo e respeitado em diversas outras esferas de trabalho.
Concretamente, meu correspondente me coloca a seguinte questão:
“A minha dúvida não é sobre a prova, mas sim sobre o encaminhamento da carreira. Por mais que o senhor diga que o diplomata é um generalista, é possível direcionar a carreira para a área de interesse - formação? No meu caso, meu sonho é trabalhar com cooperação cultural internacional, na interface cultura e desenvolvimento - como se daria este caminho dentro do Ministério das Relações Exteriores?”
Continua ainda o meu correspondente, candidato à carreira:
“Se não for inconveniente (ou seja, pedir demais), também gostaria de saber em que ponto anda a atuação do Departamento Cultural do MRE em relação às discussões e parâmetros da UNESCO. Acompanho os Informes Mundiais de Cultura, e gostaria de saber se isso está no dia-a-dia da prática do referido departamento, ou se ele está voltado unicamente à ação cultural. Eu pesquisei no site do MRE na internet mas gostaria de uma impressão mais ‘de dentro’ a respeito do assunto. Além de eu querer entrar para a carreira, meu TCC da pós-graduação deverá ser a respeito de algum desses temas, para não criar um ‘estudo esquizofrênico’.”

Muito bem, expostas as dúvidas e colocadas as questões, vejamos o que eu poderia elaborar em torno delas. Eu o farei na medida de minhas possibilidades, posto que nunca trabalhei na área cultural, tendo orientado minha carreira para a área econômica, que constitui, justamente, uma de minhas afinidades eletivas.
A primeira pergunta, portanto, seria esta: “é possível direcionar a carreira para a área de interesse - formação?”
Respondo de imediato: é possível, sim, mas isso dentro de certos parâmetros e condicionantes, nem todas administráveis pelo jovem diplomata segundo seus interesses primários ou imediatos. Concretamente, como se dá o processo de escolha ou atribuição de funções, dentro da Secretaria de Estado (MRE, em Brasília) ou nos postos no exterior?
Toda a carreira diplomática, ou quase toda, é guiada por uma (famigerada?) lista de antiguidade, um expediente de tipo confuciano que nos posiciona no processo de ascensão funcional e nas movimentações ao longo do tempo. Concretamente, quando se faz o concurso e se é admitido na carreira – atualmente desde o ingresso no Instituto Rio Branco, a alma mater de formação e de socialização do jovem diplomata – se entra numa fila, cuja ordem de precedência é dada pela colocação nos resultados finais do exame de ingresso. Ou seja: os novos ingressantes terão o número que lhes cabe, em função das vagas disponíveis no Serviço Exterior, o que significa que os entrantes se distribuirão nos últimos postos da classe de Terceiro Secretário.
Ao sair do Instituto Rio Branco, aprovados obviamente, eles continuam a ter um número, mas este resultará de sua classificação final. Ainda durante o curso, eles farão estágios nas diversas Divisões ou Coordenadorias do MRE, uma escolha ou atribuição supostamente segundo essa classificação inicial e continuada: ou seja, os primeiros colocados provavelmente terão maior amplitude de escolha, e os últimos terão de se conformar com as vagas existentes: se for na Divisão do Arquivo terá de ser, pelo menos inicialmente na Divisão do Arquivo. Nada de muito dramático, pois sempre será possível solicitar e negociar uma mudança ao cabo de algum tempo, digamos depois de um ano. Em princípio, havendo vaga e disposição do chefe na Divisão de interesse, sempre será possível negociar a ida para essa área. A rigor, a burocracia se combina com certo grau de liberdade para determinar a lotação – esta a palavra técnica – do funcionário, numa determinada área.
Da mesma forma, a destinação exterior em algum posto também depende, em grande medida, da classificação do candidato em questão e das vagas disponíveis: todo e qualquer posto tem um quadro de funcionários relativamente estável (tantos secretários, alguns conselheiros, um ou dois ministros, para os maiores, e assim por diante). Nem sempre é possível, digamos, ir para a Unesco em Paris segundo sua própria vontade, mas é possível negociar uma ida em algum momento da carreira, desde que se consiga planejar e consolidar algumas escolhas nos momentos certos.
Digo isto porque o Itamaraty, ademais de ser essencialmente burocrático, num sentido institucionalmente weberiano, tem algum grau de arbítrio, o que o aproxima de uma burocracia feudal, no sentido de responder a determinações dos “barões” da Casa: a chefia política (ministro de Estado, secretário-geral) dispõe de grande poder de “lotação”, assim como a própria chefia do Serviço Exterior. Algumas regras estão codificadas (tempo de posto no exterior, alternância entre postos A, B, C etc.), outras regras dependem mais de um processo político de negociação e de mérito.
De fato, a carreira toda é marcada por algumas características próprias a toda carreira de Estado – como a dos militares, por exemplo – e algumas peculiaridades da diplomacia: em princípio, o mérito é reconhecido, mas as relações humanas, ou sociais, também contam na trajetória funcional. Um diplomata reconhecidamente sério e trabalhador receberá convites para trabalhar em determinadas funções de responsabilidade, embora outros possam receber esses convites também em função de algum vinculo familiar ou o famoso QI, quem indica (ou pistolão). Isso existe e não se pode negar: aliás, mesmo no setor privado, as relações humanas se combinam a trabalho para determinar o sucesso, ou não, de um determinado funcionário.
Portanto, a lotação de um diplomata, no começo ou no meio da carreira, dependerá tanto de seu posicionamento na lista de antiguidade, quanto de seu reconhecimento funcional, tanto por mérito próprio como pela rede de relacionamento que ele possa ter, sendo este último fator mais importante, talvez, nos escalões mais avançados da carreira. Isto vale para a área cultural como para qualquer outra área.
Em meu caso, tanto por preferência pessoal, como por convites, fui orientado e orientei-me bem mais para os setores de economia do que outras áreas, mas talvez eu pudesse ter trabalhado em áreas diferentes (política, cultural, jurídica), se tivesse interesse ou inclinação para fazê-lo. De minha parte, eu poderia facilmente trabalhar numa área política, de segurança internacional, de tecnologia, mas jamais teria me orientado, por vontade própria, para áreas jurídicas (por incompetência, talvez), para o cerimonial (falta de jeito, provavelmente) ou para a administração (simples falta de gosto, confesso, embora reconheça a importância).
Da mesma forma, nunca procurei, nem nunca pedi, para trabalhar em New York, na sede da ONU, pois (provavelmente por preconceito) eu acho o “grand machin” (como a ela se referia o General De Gaulle) essencialmente burocrática e “enrolativa”, preferindo Genebra (também ONU, mas mais orientada a temas econômicos, como o GATT e outros organismos). Da mesma forma, me dei muito bem na área de integração (Aladi, em Montevidéu, e em Brasília, idem) e na econômico-financeira (em Brasília e Washington, acompanhando FMI e Banco Mundial). Se alguém me convidasse para chefiar o cerimonial ou a administração em Brasília, eu provavelmente recusaria, mas nem sempre se pode recusar essas áreas no exterior, quando o posto é pequeno e as escolhas mais reduzidas.
No geral, é possível sim, mesmo se a carreira não oferece, oficialmente, nenhuma especialização, construir a sua própria especialização: de minha parte isso foi possível, não todo o tempo, mas most of the time... Esse debate, ou dilema, entre generalidades e especialização é em grande medida artificial, pois, a despeito de certas limitações inerentes a qualquer carreira burocrática, é possível manter certo gosto por certas áreas e ser capaz de exercer (e desfrutar) essas preferências.

Em contrapartida, eu não consigo responder adequadamente a questão do trabalho na área cultural, e suas relações com a Unesco, posto que nunca trabalhei nessa área. Suponho, como no caso de outros organismos internacionais, que existe um mix de formulação de agenda de trabalho que combina o peso burocrático desses organismos – e alguns deles são verdadeiramente “dinossáuricos”, stricto et lato sensi – e sugestões ou exigências dos países membros. Todo e qualquer organismo internacional possui uma agenda própria de trabalho, derivada de seu mandato original, e uma agenda composta das demandas dos países, formuladas nas delegações ou nas capitais. Pessoalmente eu considero a Unesco um desses dinossauros parisienses, que provavelmente gasta mais dinheiro em Paris do que na destinação final, e suposta, de seu trabalho de promoção da cultura ‘universal’. Mas, esse deve ser outro preconceito meu. Gostaria de poder responder mais concretamente, mas não consigo fazê-lo sem um conhecimento preciso (e “especializado”) da área.
Voilà, eis o que eu poderia responder e espero que satisfaça meu correspondente candidato à carreira.
Felicidades na carreira, muito estudo até ingressar e sucesso em sua vida pessoal e profissional.

Brasília, 16 de janeiro de 2010.

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