Arrancada final na política Sul-Sul
Silvio Queiroz
Correio Braziliense, 03/04/2010
Nas próximas semanas, e provavelmente até o fim do semestre, o esforço para consolidar os espaços de diálogo e cooperação no eixo Sul-Sul deve dar o tom da atividade diplomática brasileira. É uma sucessão de compromissos, a maior parte no Brasil, que poderão marcar uma espécie de arrancada final do governo Lula para firmar, como política de Estado, a prioridade conferida nos últimos oito anos às relações com as demais potências emergentes e com o mundo em desenvolvimento.
Na semana que se inicia amanhã, o Itamaraty se concentra no texto final de declarações e outros documentos que devem ser aprovados na reunião dos chefes de Estado e governo do Fórum Ibas, sigla para Índia, Brasil e África do Sul. A atenção dispensada a essa iniciativa, lançada em Brasília em 2004, está expressa na criação de um departamento para Mecanismos Regionais. Entre outras áreas, o Ibas mantém um fundo para cooperação que tem projetos em andamento na Palestina e no Haiti. Paralelamente, acertam-se os últimos detalhes — inclusive de segurança e infraestrutura — para a segunda cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), com presença confirmada dos presidentes Dmitri Medvedev e Hu Jintao, além do primeiro-ministro Manmohan Singh.
Tabelinha no Haiti
O ministro Celso Amorim copresidiu, na última semana, uma reunião internacional de doadores para a reconstrução do Haiti, que terminou com a promessa de US$ 5,3 bilhões em ajuda. O Brasil, que comanda a força da ONU no país, ficou um tanto de escanteio na condução das obras pós-terremoto, entregues à coordenação do governo local com a ajuda do ex-presidente Bill Clinton, escalado por Barack Obama como emissário especial. Promessas à parte, o governo brasileiro acaba de firmar um memorando de entendimento com Cuba e Haiti para cooperação triangular no restabelecimento do sistema de saúde pública haitiano. Segundo o modelo desse gênero de tabelinha, nós entramos com suporte financeiro e logístico para os médicos e enfermeiros cubanos que — desde antes do terremoto — mantêm uma missão de assistência à população local.
Rio ecumênico
O calendário dos encontros multilaterais dá um breve intervalo até o fim de maio, quando o Rio de Janeiro sediará o 3º Fórum Mundial da Aliança de Civilizações, empreitada que tomou corpo também em 2004, depois dos atentados contra trens em Madri, por iniciativa do presidente do governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero. Ele estará presente, assim como o premiê da Turquia Recep Tayyip Erdogan, e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon — além de Lula, o anfitrião. São esperados também representantes de alto nível das principais religiões, de organizações da sociedade civil e da intelectualidade.
Seria no mínimo curioso que viesse também o “patriarca” da ideia, o ex-presidente iraniano Mohammad Khatami. Foi ele quem levou à ONU, em 2000, a proposta (aprovada) de proclamar 2001 como o Ano Mundial do Diálogo entre Civilizações — expressão que foi um dos carros-chefes de sua política externa, inclusive no período em que presidiu a Organização da Conferência Islâmica. Khatami, um religioso xiita que expôs em escritos e conferência uma visão iluminista do islã e tentou aproximar em seu país a fé e as liberdades civis, hoje está na oposição. Ironia ou coincidência, o Fórum do Rio se reunirá pouco depois da esperada visita do presidente Lula ao colega iraniano, Mahmud Ahmadinejad.
Vozes d’África
Continua nesta semana o “aquecimento” para a nova turnê africana do presidente, a última antes da sucessão. Também aqui, a ideia é manter o recorde de alo menos uma visita anual ao continente que a diplomacia brasileira definiu sem rodeios como “segunda prioridade”, atrás apenas da integração latino e sul-americana. O Itamaraty ainda fecha o roteiro e a data da viagem, que deve coincidir com a Copa do Mundo na África do Sul e deve privilegiar o leste do continente.
Enquanto isso, Brasília receberá nesta semana dois chefes de Estado africanos. Na quarta, a presidenta da Libéria, Ellen Johnson-Searlif, herdeira de um país devastado por anos de guerra civil — e hoje um dos exemplos do amadurecimento institucional no continente, a despeito de tropeços como a sucessão de golpes e intervenções militares na Guiné-Bissau, ou as ondas de violência étnico-religiosa na Nigéria. Na quinta, o visitante será Amadou Toumani Touré, do Mali, que forma com Benin, Burkina e Chade o quarteto de produtores de algodão alinhados ao Brasil no combate aos subsídios com que o governo americano fecha seu mercado às importações.
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