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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Efeitos da nova geografia comercial do governo Lula

Parece que a intenção era "escapar da dependência comercial dos Estados Unidos e outros países desenvolvidos" (sic, resic, trisic...). Pois é, conseguiram...
Paulo Roberto de Almeida

Reviravolta histórica
RUBENS RICUPERO
GAZETA DO POVO, 08/08/2010

No passado, o intercâmbio não se limitava a mercado: os valores e as aspirações também vinham de fora

No ano passado, a China se tornou pela primeira vez o maior mercado do Brasil, superando os EUA, que ocupavam essa posição há quase 150 anos. O mercado chinês foi também o primeiro destino das vendas do Mercosul e do Chile, o segundo para a Argentina e o Peru.

Isso não se deve somente aos efeitos da crise financeira sobre a demanda dos Estados Unidos. A tendência é clara em toda a primeira década do século. Durante esses dez anos, o comércio China-América Latina foi o de maior crescimento em cotejo com outras regiões nas exportações e nas importações, aumentando ao dobro da taxa média mundial.

É melancólico como o intercâmbio brasileiro-americano perdeu importância relativa nos últimos cem anos. Em 1905/06, o Brasil era o sexto maior parceiro bilateral dos EUA, após o Reino Unido, a Alemanha, a França, o Canadá e Cuba (açúcar). Chegamos a ser os terceiros fornecedores dos ianques nos tempos em que nem se sonhava com Japão, China, Coreia e outros asiáticos.

Já em 1870 os americanos nos compravam quatro vezes mais do que nos vendiam. O saldo acumulado pelo Brasil com os Estados Unidos cresceu de 1867 a 1905 a ponto de atingir cifras astronômicas se corrigidas com os valores de hoje. Em 1912, ano da morte do barão do Rio Branco, os EUA absorviam 36% das vendas brasileiras, ao passo que o segundo, o Reino Unido, recebia só 15%.

Embora não se possa falar em causa e efeito, o fato é que o apogeu da aproximação política Brasil-EUA, a fase da chamada aliança não-escrita, coincidiu com o ápice das relações econômico-comerciais. Desde aquela época, a porcentagem das vendas aos EUA em comparação com o resto do mundo foi caindo, primeiro para oscilar entre 20% e 24%, mais recentemente para algo em torno de 17/18%, desconsiderando 2009, no qual desabou a 10%.

Os EUA têm sido, ao lado da América Latina, os únicos grandes mercados para exportações brasileiras de alta tecnologia, sendo o maior comprador da Embraer, por exemplo. As transnacionais americanas instaladas no Brasil direcionaram em geral maior parcela da produção local ao mercado da matriz do que transnacionais de outras origens.

Em contraste o mercado chinês só compra commodities do Brasil e outros latinos, reservando aos vizinhos asiáticos o papel de supridores de insumos industriais de alto valor agregado. Criou-se situação duplamente preocupante devido à dependência excessiva do mercado chinês e ao caráter assimétrico da troca de commodities por manufaturas cada vez mais sofisticadas.

No passado, os principais parceiros comerciais ou financeiros do Brasil eram os EUA, o Reino Unido, os europeus, países da mesma tradição histórico-cultural. O intercâmbio não se limitava a mercadorias: valores e aspirações em democracia e direitos humanos vinham das revoluções francesa e americana, do parlamentarismo inglês.

Nunca tivemos a experiência de comércio exterior dissociado de fortes vínculos culturais e políticos. O desafio de definir uma política para a China passa por integração comercial menos assimétrica e pelo enriquecimento em conteúdo de uma relação que não deve ser reduzida à dimensão mercantil.

Rubens Ricupero é diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.

2 comentários:

Rodrigo L. disse...

É ridículo tentar defender o comércio com os EUA ou com Inglaterra, França e outros países Europeus baseado no argumento de "afinidades histórico-culturais" ou ainda "valores e aspirações em democracia e direitos humanos"... ele deve estar se esquecendo que não há afinidade histórico-cultural ou aspirações a democracia quando os EUA já eram uma república há decadas, ou quando a Inlaterra era uma monarquia parlamentarista havia séculos e o Brasil ainda era uma monarquia absolutista (apesar das constituições), ou ainda que as "aspirações" a democracia e direitos humanos do Brasil, que eram de fato de uma minoria e não da massa, demoraram até o final do século XIX para se concretizar, com a libertação dos escravos (uma das últimas nações do mundo a abolir a escravidão) e a instauração da república. Além disso, ele está esquecendo o teor draconiano dos acordos assinados com a Inglaterra desde 1808, onde exportávamos matéria prima e éramos inundados de produtos manufaturados (a baixíssimas taxas), ou do acordo de livre comércio com os EUA logo após a crise de 29, todos eles muito "justos e equilibrados". Por último, a memória dele também falha ao se esquecer do nosso comércio com a Alemanha Nazista durante toda a década de 30 do século passado, e de toda a história de desrespeito aos direitos humanos durante a nossa própria ditadura militar, que terminou quase outro dia. Acho que se o autor do texto tem um visão sobre o certo e o errado ele deve defende-la com base em uma argumentação de valores e não distorcer ou omitir fatos históricos para sugerir que "no passado as cosias eram melhores". Até onde eu sei, não eram.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Rodrigo L.
Esqueça acordos comerciais. Metade do problema está com o Brasil, como economia. Não somos competitivos e não exportamos produtos com demanda internacional, então a culpa é nossa.
É nossa também, mas ai depende tanto de empresários quanto do governo, que não focam nas exportações como um elemento estratégico da economia nacional e não focam nos mercados mais atraentes e crescentes, como dos países desenvolvidos, a começar pelo dos EUA, desejado por todos os países (tanto que muitos se submetem aos acordos desiguais apenas para consolidar seu acesso ao mercado americano).
A China faz o que tem de fazer, ao se abastecer de matérias primas onde tem, como os EUA faziam cem anos atrás.
Os EUA são o que são, não podemos reclamar que são protecionistas, pois isto é muito setorial.
O fato é que o governo tentou se "libertar da dependência" do comércio com os ricos -- o que além de estúpido é ridículo -- focando no comércio Sul-Sul, onde existem resistências protecionistas, onde a pauta é quase similar e onde o crescimento é incerto e os pagamentos mais ainda.
A culpa é inteiramente nossa, não da China ou dos EUA.
Paulo Roberto de Almeida