Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
sábado, 7 de agosto de 2010
Social-democrata em pele de cordeiro
Também se equivoca em sua leniência com o PT, que acredita ser um partido sem dentes, ou seja, um partido social-democrata como qualquer outro.
Este artigo de um cientista político sensato coloca os pontos nos iis...
Paulo Roberto de Almeida
Social-democrata, mas nem tanto
Ricardo Vélez Rodríguez
O Estado de S.Paulo, 07 de agosto de 2010
Afirma o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista sobre o seu mais recente livro (No poder, o PT virou social-democrata - O Globo, 1.º de agosto de 2010), que falta debate político nestas eleições. Considera ele que os candidatos ficaram presos aos marqueteiros e, portanto, aos índices oscilantes de Ibope. Concordo. A atual campanha sofre de um marasmo de bom comportamento, imposto em parte pela esdrúxula legislação eleitoral para as comunicações, que impede que críticas se façam, pela mídia, aos políticos de plantão e aos candidatos.
O marasmo decorre, de outro lado, do excessivo pudor do candidato da oposição à Presidência para pôr o dedo na ferida dos descaminhos do governo Lula. Felizmente, após a indicação do deputado federal Índio da Costa para vice na chapa oposicionista, explicações começaram a ser cobradas da candidata oficial e o discurso de José Serra revestiu-se de caráter mais incisivo.
Os partidos da base aliada e o governo têm sabido explorar, por sua vez, os obstáculos que a Lei Eleitoral coloca ao debate livre das ideias, usando e abusando da ampla gama de recursos para impedir que ele ocorra. É tanto o melindre com o cipoal de disposições que uma espécie de censura prévia se instalou na mídia, como mecanismo autoimposto pelos comunicadores que não querem ter problemas com a Justiça. Apesar de tudo isso, jornais continuam a informar, corajosamente, à sociedade. Lembremos que O Estado de S. Paulo está já há mais de um ano sob censura, pelo fato de ter informado sobre as non sanctas atuações de um filho do presidente do Senado.
Na entrevista, o ex-presidente exagerou na sua benevolência para com o PT, considerado por ele um partido social-democrata. Ora, aqui começam as minhas discrepâncias com o autor. Em primeiro lugar, lembremos que a essência da social-democracia (segundo os pensadores que definiram os seus contornos, notadamente Edward Bernstein, Norberto Bobbio e Anthony Giddens) consiste em três pontos: reconhecimento da economia de mercado, reconhecimento das instituições do governo representativo e valorização do papel do Estado como incentivador da economia e das políticas públicas na área social.
Se levarmos em consideração os programas de governo emanados dos quadros petistas, bem como as decisões tomadas pelos gestores oficiais da economia brasileira, poderemos perceber, claramente, os seus preconceitos com relação à economia de mercado, passando a defender um patrimonialismo econômico puxado pelo Estado empresário. O cerne da questão consiste no conjunto de medidas tomadas para fazer do BNDES a grande locomotiva do desenvolvimento financiado com recursos públicos, que são aplicados sem controle da sociedade e favorecendo setores empresariais amigos do rei, fato que levou a jornalista Miriam Leitão (Lendo o passado, O Globo, 1.º de agosto de 2010) a prever tempos difíceis de volta da corrente inflacionária, de forma semelhante a como ela emergiu do último ciclo autoritário, puxada pela locomotiva sem controle da gastança oficial.
De outro lado, a falta de claridade em face da utilização de recursos da Caixa Econômica Federal na capitalização da Petrobrás, fato noticiado amplamente pelos jornais, deixa um rastro de sombras sobre a lisura na utilização desses recursos. Tudo foi feito de afogadilho, para garantir as obras do pré-sal, sem que tivesse mediado um debate aberto no Congresso Nacional a esse respeito.
Isso para não falar da escancarada generosidade do atual governo com as organizações sindicais e os mal chamados "movimentos sociais", com repasses milionários de recursos públicos para todos eles, sem que tivesse sido garantida a prestação de contas à sociedade, por meio do Tribunal de Contas da União. E isso para não falar, também, da compulsão estatizante que anima a criação de mais empresas pelo governo.
Ora, cabe indagar se essas medidas são típicas políticas públicas de uma agremiação social-democrata ou se não estamos em face de um socialismo predatório como os do século 20, que instaura a burocracia estatal como gestora da economia, de costas para a defesa dos interesses dos cidadãos, beneficiando apenas uma minoria de empresários espertos e de amigos que se chegaram à sombra do Estado, e deixando ao relento o grosso da sociedade. Esses fatos revelam um típico empreendimento de índole patrimonialista, que põe os recursos públicos a serviço do enriquecimento de uma parcela da população, com feroz punição tributária e inflacionária sobre a restante.
No que tange às instituições do governo representativo, se analisarmos a atuação do presidente da República e dos seus partidos da base aliada, notadamente do PT, veremos que tudo tem sido feito para descaracterizar a representação, desvalorizando sistematicamente o Congresso, bem como o livre funcionamento da oposição e a legislação eleitoral. Começando por esta última, impressiona a desfaçatez com que o presidente atual faz campanha em prol da sua candidata, utilizando claramente a maquinaria oficial e alegando que o faz apenas "nas horas vagas". O Legislativo, por seu lado, durante o longo consulado lulista ficou literalmente emperrado com a discussão de medidas provisórias com que o Executivo o entulhou.
Longe estamos, com certeza, do ideário social-democrata, que preza as instituições do governo representativo e o respeito, pelo Executivo, à legislação vigente. O PT, em conclusão, contrariando a opinião de Fernando Henrique Cardoso, não é tão social-democrata como o ex-presidente acha.
É mais uma agremiação a serviço do velho socialismo estatizante e patrimonialista.
COORDENADOR DO CENTRO DE PESQUISAS ESTRATÉGICAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA E-MAIL: RIVE2001@GMAIL.COM
2 comentários:
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A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.
Paulo,
ResponderExcluirA impressão que eu tenho do governo Lula é muito baseada na figura do próprio. Como Lula é um ignorante monumental, ele não faz a menor idéia de como governar o país, daí se abre a todo palpite, assumindo uma postura de "cabeça aberta", mas sem o menor refinamento crítico. Um sujeito chega e diz que devemos colocar pelegos nas estatais, ele vai e acata. O outro vem com uma proposta pra educação, ele vai e acata. Alguém o convence de que o combate à inflação é importante e ele coloca o Meirelles no cargo de presidente do BC. Daí os economistas do PT ficam magoados e recebem o BNDES, o IPEA e a Fazenda de presente. É o samba o crioulo doido. Não há esquema racional capaz de explicar esse governo, e nessa bagunça toda, quem aproveita são os mal-intencionados. O PT já virou PMDB faz tempo.
abraços, Zamba
Zamba,
ResponderExcluirEmbora concordando no essencial com o que vc disse, tenho de agregar meu comentario.
Infelizmente é muito pior do que o quadro feito por voce. O Lula não é de ficar apenas acatando "sugestões" de companheiros, embora também o faça. Não! Ele concorda com tudo isso, faz ativamente e ainda pensa que está fazendo o bem, quando está construindo um país inviável.
Não se trata apenas de falta de racionalidade, mas de uma racionalidade torta, desviante, doentia, deformada por concepções absurdas.
E o PT não é como o PMDB, é muito pior. O PMDB é um partido de oligarcas, ou seja, políticos normais que praticam suas falcatruas no plano individual, manufatureiro, quase artesanal, cada um por si. O PT é um gigantesco empreendimento de fraude sistematica, de roubo organizado, de falcatruas estruturais, de crime organizado, enfim, uma mafia travestida de partido político.
Paulo Roberto de Almeida