Uma entrevista da presidente Dilma
à revista Veja: alguns comentários
Paulo Roberto de Almeida
Comentários seletivos a entrevista publicada na
Revista Veja,
edição de 28/03/2012;
Nota liminar: Primeiro uma observação curiosa: li a entrevista da
presidente à revista Veja em 25 de
março de 2012, em Londres, onde vim para dar uma palestra no programa de
estudos pós-graduados sobre o Brasil do King’s College, da Universidade de
Londres, programa dirigido pelo brasilianista americano Anthony Pereira. Não
sei bem porque, ou como, o Blogspost, tal como acessado aqui, converte sua
terminação habitual (.com/) em co.uk, da mesma forma como meus acessos na
França acabam sem a designação comercial, simplesmente por fr. Espero que isto
não afete a estabilidade futura do link que estou fornecendo aqui, e isto
exclusivamente para prover aos leitores deste meu comentário, necessariamente
sintético, a íntegra da entrevista da presidente.
Agora uma pequena
introdução metodológica: farei comentários única e exclusivamente sobre os
pontos selecionados por mim, que cobrem, essencialmente, questões de política
econômica e de relações internacionais, deixando de lado outras questões, como
política doméstica, por exemplo, que atraem menos minha atenção. Como sempre,
procederei de maneira muito simples: transcreverei as frases ou parágrafos que
mereceram minha atenção (DR:), e acrescentarei imediatamente
meus comentários pessoais (PRA:), ou
seja, pontos de vista, argumentos e opiniões que podem representar alguma dose
de subjetividade, ou impressionismo, sem necessariamente sobrecarregar o texto
com dados, números e estatísticas que poderiam dar a minhas afirmações alguma
fundamentação empírica. Mas este é o preço de comentários on spot, ou seja, imediatos.
O Brasil aos olhos de Dilma
Entrevista em Brasília, aos
jornalistas Eurípedes Alcântara, diretor de redação, e Lauro Jardim,
Policarpo Junior e Thaís Oyama, os redatores-chefes da revista VEJA.
DR: (...)
É uma simplificação grosseira supor que o
governo brasileiro considere as pressões externas a única causa de nossos
problemas. Segundo, ignorar que existem fortes externalidades agindo sobre a
economia brasileira é um erro que não podemos cometer, sob pena de arriscar a
prosperidade nacional, a saúde de nossa base industrial e os empregos de
milhões de brasileiros. Terceiro, os fatores exógenos são reais e não podem ser
subestimados.
PRA: Por diversas vezes, tanto a presidente, quanto seus
ministros da área econômica – Fazenda e Indústria e Comércio Exterior –
referiram-se à “concorrência predatória” vinda do exterior, ou seja, o fato de
que os países desenvolvidos, por causa ou para escapar da crise, estariam
“despejando” seus produtos no Brasil, de maneira desleal. Isso simplesmente não
é verdade: nenhum país desenvolvido, ou seja, os europeus ou os EUA, estão
despejando produtos baratos no Brasil. Pode ser que a China o esteja fazendo,
mas isso não se ouviu, em nenhum momento, vindo da presidente ou de seus
ministros, talvez porque, por razões políticas, eles estejam poupando a China,
que tampouco foi acusada de “guerra cambial”, outra acusação infundada, seja
dirigida a europeus e americanos, ou aos próprios chineses. É verdade que estes
últimos manipulam sua taxa de câmbio – algo nunca dito pelos mesmos
responsáveis brasileiros – mas apenas porque eles resolveram ancorar sua moeda
ao dólar, algo perfeitamente legítimo, que o Brasil já fez no passado, e que
ainda assim não obsta a que a moeda chinesa, o yuan, esteja sendo
progressivamente valorizado em relação ao dólar e outras moedas.
Em segundo lugar, as
“fortes externalidades agindo sobre a economia brasileira” atuaram basicamente
em favor de seu crescimento, desde 2003 a 2008, quando a economia cresceu
puxada pela demanda externa. Mas também é o caso, atualmente, mesmo se de
maneira menos forte, dado o menor crescimento das economias avançadas. A
demanda de emergentes dinâmicos da Ásia continua sustentada, e é ela que vem
contribuindo para o pouco, modesto, medíocre crescimento brasileiro, que tem na
demanda externa – junto com o aumento do crédito no mercado interno – uma de
suas únicas fontes de crescimento.
Fatores exógenos existem,
são reais, mas até o momento eles agiram no sentido de beneficiar a economia
brasileira. Quanto às ameaças percebidas ou reais, ou seja, a concorrência
asiática, elas existiriam de qualquer maneira, com crise ou sem ela, já que
decorre de fatores vinculados à produtividade e à competitividade que
independem da situação nos países desenvolvidos e possuem sua própria dinâmica.
Sem compreender essas sutilezas, qualquer pronunciamento sobre “pressões
externas”, “externalidades” ou “fatores exógenos” corre o risco de obscurecer a
natureza real dos problemas do Brasil.
DR: Não acho adequado ver o fenômeno do tsunami
de liquidez que foi criado pelos países ricos em crise como uma agressão
proposital às demais nações. Mas a saída que eles encontraram para enfrentar
seus problemas é uma maneira clássica, conhecida, de exportar a crise.
PRA: A expressão “tsunami de liquidez” – que a presidente parece
preferir à anterior designação, totalmente equivocada, de “guerra cambial” –
não traduz exatamente a realidade das políticas conduzidas nos países europeus
e nos EUA, e mesmo que a expressão traduzisse algum movimento desse tipo ela
contraditaria totalmente as “lições” que ela mesma ofereceu gratuitamente aos
europeus numa viagem anterior (a Bruxelas, e ao G20 financeiro, de Cannes, no
ano passado); naquela ocasião, ela alertou os europeus para não “combater a
crise por medidas recessivas”, e sim implementar medidas fiscais de sustentação
da demanda agregada, em moldes classicamente keynesianos. Os que europeus e
americanos, antes deles, fizeram, na verdade, foi injetar liquidez no sistema,
em momentos de stress financeiro e ameaça de novas quebras bancárias, medidas
que até monetaristas conservadores como Milton Friedman preconizariam,
independentemente de saber de onde os bancos centrais tirariam o dinheiro.
Que a presidente não
reconheça que essa injeção de liquidez – que está muito longe de ser um
tsunami, pois o dinheiro serviu apenas para recapitalizar os bancos, não para
distribuir dinheiro à farta para “especuladores” – foi feita como agressão
proposital a outros países já é um grande progresso. Mas sua segunda frase,
acima, não faz nenhum sentido, nem econômico, nem simplesmente lógico: em
nenhum momento, os “países ricos” estão “exportando a crise”, longe disso;
estão apenas fazendo aquilo que ela mesma recomendou, e que parece ter
esquecido: não combater a crise por novas medidas recessivas, mas pela
sustentação do crédito. Ela disse expressamente isto, antes...
DR: Quando o companheiro Mario Draghi
(economista italiano presidente do Banco Central Europeu) diz “vamos botar a
maquininha que faz dinheiro para rodar”, ele está inundando os mercados com
dinheiro.
PRA: Em nenhum momento o “companheiro” Draghi disse algo do gênero;
ele inclusive lembrou o impedimento de – e opôs-se terminantemente a – repasse
de dinheiro do BCE aos governos; ele apenas trabalhou na sustentação do sistema
financeiro, o que é, sim, uma obrigação de todos os bancos centrais sérios e
funcionais; eles não devem sustentar governos em seus déficits, ou criar
dinheiro para governos, apenas cumprir seu mandato de manter o sistema
financeiro – ou seja, os créditos bancários – líquido, como “emprestador de
última instância”. Descurar essas realidades representa obscurecer a realidade
e distorcer todo o debate econômico levado de forma muito responsável na Europa
e no congresso americano; no Brasil é que se misturam funções de autoridades
monetárias, do Tesouro – que andou financiando companhias – e dos bancos
públicos.
DR: (...)
E o que fazem os investidores? Ora, eles
tomam empréstimos a juros baixíssimos, em alguns casos até negativos, nos
países europeus e correm para o Brasil para aproveitar o que os especialistas
chamam de arbitragem, que, grosso modo, é a diferença entre as taxas de juros
praticadas lá e aqui. Eles ganham à nossa custa.
PRA: Os investidores tomam empréstimos a juros baixíssimos na
Europa, nos EUA e no Japão porque os mercados de créditos estão funcionando com
esses juros artificialmente baixos, certamente impulsionados pelas taxas
irrealistas dos bancos centrais. Mas seria um erro acreditar que o governo está
alimentando especuladores privados; isso é simplesmente um erro grosseiro. Os
especuladores correm para o Brasil, como poderiam correr para qualquer outro
país, desde que esse outro país tivesse juros tão atraentes quanto os do
Brasil. Seria por ingenuidade, ou por ignorância, que essa acusação de
“ganância” contra os investidores, ou especuladores internacionais, é feita
pela presidente? Dizer que “Eles ganham à nossa custa” é uma afirmação
propriamente inacreditável: para desmantelá-la bastaria perguntar: se os juros
brasileiros estivessem alinhados com a média dos mercados internacionais eles
continuariam ganhando à nossa custa? A presidente já se perguntou por que o
Brasil oferece juros tão apetitosos?
DR: Então, o Brasil não pode ficar paralisado
diante disso. Temos de agir. Temos de agir nos defendendo – o que é algo
bastante diferente de protecionismo.
PRA: Aqui parece haver uma confusão mental, um erro monumental,
pois a frase vem na imediata sequência da anterior. O que especulação com juros
generosos do Brasil tem a ver com protecionismo comercial? Isso eu não consigo
perceber e desafio que se encontre uma relação entre essas duas coisas
diferentes. Seria muito simples ao Brasil se “defender” de especulação com
juros: bastaria oferecer taxas de juros normais... Quanto ao “protecionismo”,
deve ser uma espécie de lapso conceitual inconsciente.
DR:
(...) O protecionismo é uma maneira
permanente de ver o mundo exterior como hostil, o que leva ao fechamento da
economia. Isso não faremos. Já foi tentado no passado no Brasil com
consequências desastrosas para o nosso desenvolvimento. Cito aqui o caso da
reserva de mercado para computadores, que, nos anos 80, arrasou a modernização
do parque industrial brasileiro e nos privou de tecnologias essenciais.
PRA: Curioso que a presidente diga isso, pois tanto seu partido
de origem, o PDT, quanto o seu atual, o PT, foram ardorosos defensores da
política de reserva de mercado para informática, lamentando estridentemente que
o presidente Collor tivesse terminado com essa lei que, segundo ela, agora, “nos privou de tecnologias essenciais”.
Aparentemente, tanto o PDT, quanto o PT, e a própria presidente apoiam leis de
reserva de mercado para bens e serviços nacionais, tanto que o fazem para
investimentos em setores ditos estratégicos, na área do petróleo, por exemplo,
em detrimento de preço e qualidade. Não apenas o fazem, como reforçam diferentes
medidas de favorecimento de compras nacionais, como obrigar o exército, por
exemplo, ou mesmo várias outras agências nacionais, a comprar no Brasil mesmo
com um sobrepreço de 25% (o que é enorme, reconheçamos, em termos de orçamento
de compras de qualquer entidade). Isso não é protecionismo? Isso não nos priva
de tecnologias essenciais, que vêm embutidas em produtos importados?
DR:
(...) O que estamos fazendo, e vamos
continuar fazendo, é contrabalançar com medidas defensivas as pressões
desestabilizadoras externas que estão carreando para o Brasil quantidades
excessivas de capital especulativo.
PRA: Aqui também a confusão é enorme, com uma mistura de
diversos elementos, que pertencem a mundos diferentes, e um equívoco monumental
quanto à origem do suposto “capital especulativo” estrangeiro. Em primeiro
lugar, não existem “pressões desestabilizadoras externas”, nunca existiram, e
dificilmente vão existir. EUA e Europa não estão em condições de fazer nenhum
“tsunami” de liquidez, tanto porque já se debatem com enormes dívidas públicas
e dificuldades políticas para aprovar mais gastança pública. O que está
ocorrendo, simplesmente, é uma redução do ritmo de crescimento das economias
avançadas, o que logicamente diminui a demanda externa por nossos produtos,
apenas e tão simplesmente isso. Ou seja, o ambiente de morosidade econômica nos
“países ricos” trará menos renda para o Brasil, a isso se reduzem as “pressões desestabilizadoras externas”, que não são pressões
e não são, longe disso, desestabilizadoras. Como o Brasil se orgulha de possuir
um “enorme” mercado interno – e os nossos economistas keynesianos têm um
orgulho infantil dessa banalidade – alguma diminuição da demanda externa não
deveria fazer assim tanta diferença, não é mesmo?
Agora vejamos
a natureza do “capital especulativo”. Metade, ou mais, representa receitas de
exportações do agronegócio – tão demonizado por certos companheiros – que
sozinho consegue compensar o déficit nas transações de bens manufaturados,
cujas exportações são prejudicadas não por qualquer “concorrência predatória”
do exterior, mas por fatores exclusivamente internos. Outra parte é tomada de
capital de corretoras e bancos nacionais, que usam esse dinheiro para sustentar
suas operações internas de crédito (ganhando com isso enormemente). Uma parte,
variável – pois depende de IOF, regras sempre mutáveis, diferenciais de juros
em função da inflação, risco Brasil, etc. – é, sim, capital especulativo, e
apenas existe porque o Brasil “convida” esses especuladores a jogarem com títulos
governamentais de curto prazo, operações cambiais – o Banco Central contribui
para isso, sinalizando que pode comprar dólares que entram – e outras
oportunidades que existem no Brasil pelos diferenciais, justamente, do nosso
mercado de capitais, restrito, cartelizado, altamente lucrativo. Existe também
o capital que entra a título de investimento externo direto – 65 bilhões de
dólares em 2011 – mas a presidente provavelmente exclui essa parte dos
“especuladores”. Engano dela, pois uma parte, ao menos, desse IED vem também a
título especulativo: já que o governo colocou uma série de barreiras – IOF e
outros – a capitais de curto prazo, algum capital vem supostamente a título de
investimento, o que provavelmente libera recursos de suas filiais para que elas
façam, também e não surpreendentemente, especulação financeira. O Brasil é um
país que adora capital estrangeiro, embora deteste os capitalistas
estrangeiros. Bizarro...
DR:
(...) O Brasil está em uma situação agora
em que podemos dizer aos países ricos que não queremos o dinheiro deles. Não
queremos pagar os juros de 13% por empréstimos que eles nos oferecem. Obrigada,
mas não
queremos pagar as exorbitantes taxas de permanência desses empréstimos, quantia
que eles cobram mesmo quando não usamos o dinheiro, apenas para que os recursos
estejam disponíveis a qualquer momento.
PRA: Acho que a presidente extrapolou aqui também. Os países
ricos estão fazendo muita coisa errada, certamente, menos oferecendo dinheiro
fácil ao Brasil. Se alguém souber que EUA, França, Alemanha, Espanha, Itália,
Grã-Bretanha, ou quaisquer outros, estão oferecendo dinheiro ao Brasil, avisem
por favor este comentarista, que ele nunca ouviu falar de tamanha generosidade
em momentos difíceis.
E estamos pagando 13%
de juros
pelos capitais que eles nos oferecem? Quem? Quanto? Quando? A presidente está
redondamente enganada: não conheço nenhum país rico oferecendo dinheiro a essas
taxas ao Brasil. Agora, eu conheço um país que paga esse valor para o
lançamento de seus títulos da dívida doméstica, o que atrai também – uma vez
não é costume – algum capital especulativo estrangeiro. Que coisa, hem?!
O que acontece, cabe
esclarecer a presidente, é o seguinte: tomadores totalmente nacionais captam
recursos no exterior a 7 ou 8% ao ano – talvez até menos agora – e depois
convertem o dinheiro para suas operações de crédito interno, a taxas quase dez
vezes superiores. Mesmo pagando IOF, imposto de renda e outras taxas abusivas
do sistema financeiro brasileiro (para o governo, entenda-se bem), mesmo suportando
alguma proporção de inadimplência e riscos associados ao judiciário – sempre
tão lento e tão disposto a sustentar devedores – ainda assim são operações
absolutamente fantásticas em qualquer país do mundo. Acho que a presidente
deveria se informar melhor sobre como funciona o sistema de crédito externo
para os tomadores nacionais, e ela constatará que o único tomador que paga 13%
é o próprio governo, para suas operações internas.
Quanto a esta outra
afirmação absurda – “não queremos pagar as
exorbitantes taxas de permanência desses empréstimos, quantia que eles cobram
mesmo quando não usamos o dinheiro, apenas para que os recursos estejam
disponíveis a qualquer momento” – a presidente está mal informada, uma vez
mais, e deve ter confundido alguma explicação de assessor quanto às condições
de empréstimos oficiais de entidades oficiais, ou seja, agências nacionais ou
bancos multilaterais – que, sim, colocam dinheiro à disposição de tomadores
vorazes como o Brasil e cobram taxa de permanência, mesmo quando não se usa o
dinheiro. Mas isso é claríssimo: se você reserva um dinheiro e não usa,
dinheiro que o banqueiro poderia desembolsar para outros tomadores, é evidente
que você vai pagar por isso, pois o dinheiro ficou lá à sua disposição.
Isso ocorre
muito frequentemente com empréstimos bilaterais oficiais ou de órgãos
multilaterais, pois tomadores brasileiros – digamos governos estaduais,
municipalidades, e mesmo agências federais – “inventam” que só podem fazer
determinadas coisas com empréstimos externos, pois o orçamento nacionais é
muito lento, complicado, cheio de condicionalidades – como a Lei de
Responsabilidade Fiscal, por exemplo, contra a qual o PT lutou bravamente – e
depois, por falta de projetos ou por excesso de incompetência, o dinheiro fica
parado, esperando que o tomador se organize para gastá-lo. A presidente
deveria, portanto, reclamar dos nacionais, não dos estrangeiros, por causa
dessa gastança indevida de dinheiro público: a culpa é inteiramente dos
brasileiros, ou melhor, do governo do Brasil e de suas infinitas agências que
adoram um empréstimo externo.
DR:
(...) Eu disse isso com toda a clareza à
chanceler Angela Merkel durante minha visita à Alemanha. Aqui se noticiou que
eu estava querendo dar lições à Alemanha. Não foi nada disso. Eu quis deixar
claro que o Brasil não quer mais ser visto como destinação de capital
especulativo ou apenas como mercado consumidor dos produtos que eles exportam.
PRA: Bem, a chanceler alemã deve ter se perguntado: “Mas o que
está querendo dizer esta senhora? Sinceramente não entendo.” Realmente, ninguém
entende, seja lição, ou não. Vejamos mais em detalhe. Capital especulativo?
Angela Merkel deve ter dito para si mesma: “Mas, se esses brasileiros, pelo
menos, tivessem juros normais, não haveria capital especulativo nenhum. Por que
eles não reduzem os seus juros?”. Pois é: acho que “tsunami” da presidente é
provocado internamente, pelo menos é o que parece, ao se examinarem as
evidências. Não vejo, sinceramente, vagas de euros, de libras ou de dólares
sendo disponibilizados pelos governos respectivos para especular com o Brasil.
Em contrapartida, vejo sim, ondas de euros, libras e dólares vindos de todas as
partes, de fundos de investimentos, aproveitar as oportunidades do Brasil,
principalmente, essas emissões generosas a 13%, como disse a presidente (agora
um pouco menos).
Tampouco vejo, por mais
que eu busque, navios e mais navios de produtos americanos ou europeus
despejando produtos baratos – “desleais” diria alguém – no Brasil. Vejo, sim,
muitos produtos chineses, que oferecem preços que europeus e americanos seriam
incapazes de oferecer, tanto porque seus produtos também são fabricados na
China. Por outro lado, vejo, sim, ondas, de brasileiros passeando pelas ruas de
Paris e pelos shoppings de Miami, comprando desbragadamente: e por que isso?
Bem, não sei se a presidente percebeu, mas o Brasil ficou caro demais. Já era
caro, muito antes da valorização do real, com a média de 40% de impostos
internos, mais as tarifas de importação, que continuam elevadas, e todos os
sistemas cartelizados de distribuição, o que permite lucros exagerados aos
ofertantes locais, mesmo na ausência de outros fatores de encarecimento. O que
o câmbio valorizado fez foi tornar transparente o absurdo que são os preços no
Brasil – sobretudo para serviços, ou non
tradables – e também permitir viagens mais fáceis, justamente a maneira de
comer mais barato em restaurante tão bons, ou melhores, que os nossos, e
comprar roupas (talvez chinesas) a preços competitivos.
DR:
(...) Também deixei bem claro que, quando
o Banco Central Europeu joga de repente 1 trilhão de euros no mercado, ele não
pode esperar que os países fiquem de braços cruzados enquanto parte desses
recursos vem somente passear no Brasil e voltar mais gorda para a Europa sem
ter deixado aqui nenhum benefício.
PRA: Desafio qualquer assessor econômico da presidente a provar
que esse trilhão do BCE veio “passear” no Brasil; se eles disseram isso para
sua chefe, o que é presumível acreditar, pois ela tende a repetir o que ouve, é
altamente irresponsável, e absolutamente equivocado. Mesmo que isso fosse
verdade – o que obviamente não é – e que dinheiro privado venha nessa proporção
ao Brasil, é de se acreditar que os europeus, especuladores ou não, não
encostaram uma faca na barriga dos pobres brasileiros, obrigando-os a tomar o
seu dinheiro indesejado. E se eles ficaram mais “gordos”, foi o Brasil quem o
permitiu, certo? Essa, a Angela Merkel tampouco deve ter entendido...
Como reagiu?
DR: Ela [Angela Merkel] disse que
entendia meu ponto de vista perfeitamente, mas que os países emergentes não
podiam esquecer que nós temos responsabilidades globais como consumidores
ávidos e, portanto, como parte da solução das economias estagnadas da Europa.
Eu, então, respondi que nós devemos ser parceiros no ataque aos problemas
globais, mas que nossa colaboração não podia ser mais apenas como mercados
consumidores e foco de atração de capitais especulativos.
PRA: “Consumidores ávidos”, os alemães, os europeus? Certamente!
Mas isso é muito bom para o Brasil (para os chineses também, claro). Imaginem
se eles não fossem, como seriam modestas nossas exportações para eles, que já
foram nossos primeiros parceiros comerciais durante muitos anos. Agora são os
chineses, muito ávidos também, o que brasileiros do agronegócio e da mineração
agradecem encarecidamente. Que a Europa precisa se recuperar, isso é certo: que
ela o tenha de fazer invadindo mercados estrangeiros é menos seguro. Ela
precisa, antes de tudo, de recolocar em ordem as contas nacionais dos países
membros, pois são esses os desequilíbrios que estão afetando sua economia, não
algum problema importado de fora ou dependente do comércio mundial.
E o Brasil não quer ser
mercado consumidor? Que pena para os brasileiros, pois acredito que eles
gostariam. Justamente, quando eles estavam começando a gostar de consumir
produtos importados – que são mais baratos e que podem ser de melhor qualidade
– vem o governo, e crau!, coloca mais impostos e barreiras a esse desejo dos
nossos pouco ávidos consumidores. Tudo isso para proteger americanos e europeus
que montam automóveis por aqui, claro, além dos bravos amigos metalúrgicos do
ex-presidente, que estavam ameaçados de perder empregos, apenas por que custam
muito caro para o sistema produtivo nacional. Tudo isso é culpa dos europeus,
claro...
DR:
(...) Eu disse a eles [empresários
brasileiros] que nossa maior defesa é
aumentar a taxa de investimento privado. Eles reclamaram que os impostos
cobrados no Brasil inviabilizam as melhores iniciativas e impedem que eles
possam competir em igualdade de condições no mundo. Eu concordo. Temos de
baixar nossa carga de impostos. E vamos baixá-la.
PRA: Ótimo. Estaremos esperando – com perdão pelo gerúndio, mas
creio que ele se encaixa no clima ambiente – pela implementação das promessas
da presidente.
DR:
(...) Vamos nos defender atacando – ou
seja, exportando e ganhando mercados. Para isso, temos de aumentar nossa taxa
de investimento real para pelo menos 24%. O governo vai investir e gerar o
ambiente de negócios para que isso ocorra.
PRA: Idem, idem. Ainda que eu acredite que o governo vai ter
certa dificuldade para chegar a esse número. Não que eu desconfie das palavras
da presidente, mas eu acho simplesmente impossível, no futuro previsível, sendo
o Brasil o que é, chegar a isso.
DR:
(...) Os empresários terão de fazer a
parte deles, aproveitar as oportunidades, assumir riscos e deixar aflorar
aquilo que o Keynes chama de “instinto animal” da livre-iniciativa.
PRA: Acho que a presidente deveria pagar direitos autorais, ou
pelo menos direitos morais, não a Keynes – pois duvido que ela o tenha lido –
mas ao neopetista Delfim Netto, que vive repetindo essas frases de efeito, que
não dizem absolutamente nada, mas que encantam o empresariado, que paga bem
caro por palestras animadas, cheias de frases de efeito como essa.
DR:
(...) a China está dando sinais evidentes
de fadiga do modelo-focado fortemente na exportação. Tenho acompanhado os
debates sobre a China, e seus lideres não escondem que não podem mais
negligenciar o mercado consumidor interno. Eles estão mudando seu foco
aceleradamente para atender às demandas do mercado interno chinês. Isso
significa que a China em breve vai importar mais do que commodities. Os
chineses vão importar bens de consumo – geladeiras, fogões, forno de
micro-ondas –, e a parte da indústria brasileira que via a China como ameaça
poderá passar a vê-la como oportunidade de mercado também para nossas
exportações de manufaturados.
PRA: Fadiga do modelo chinês??? Acho que a presidente se engana,
ou então foi informada pelos próprios chineses dessas boas intenções. O que
está ocorrendo é um menor crescimento das exportações para mercados semi-recessivos,
como os da Europa. Enquanto a China puder continuar com seu modelo exportador,
ela vai continuar, pois isso é absolutamente essencial para a oferta de
empregos internos. Os produtos que os chineses fazem para exportação
dificilmente poderiam ser vendidos no mercado interno, por uma simples questão
de diferenciais de renda: a presidente deveria saber disso, ou então ter algum
assessor mais bem informado que lhe dissesse isso, e não acreditar no que lhe
dizem os chineses.
Mas isso é o de menos:
agora, acreditar que os chineses vão importar todos esses produtos que a
presidente menciona do Brasil já não é mais desinformação, e sim uma crença
absolutamente estapafúrdia. O Brasil jamais conseguirá exportar esses produtos
para a China, simplesmente porque a China os fabrica melhor e mais baratos que
o Brasil. Mas, como a China não consegue escapar das leis econômicas do
capitalismo – sistema bem mais presente na China do que no Brasil, diga-se de
passagem – empresas estrangeiras estabelecidas na China e também empresas
chinesas também começam a se deslocar para países de mão-de-obra mais barata:
Vietnã, Bangladesh e outros. Os operários chineses se tornaram muito caros,
pelos menos os da costa. Uma coisa é certa: produtos com tecnologia dominada,
como esses mencionados, não tem a mínima condição de serem oferecidos mais
baratos pelo Brasil do que pelos asiáticos. Mas isso a presidente deve saber,
ou deveria desconfiar, pois são leis econômicas muito simples.
Voilà, encerro por aqui
meus comentários exclusivamente econômicos. Espero ter ajudado a esclarecer
alguns pontos, desmistificar outros, e contribuir para um debate bem informado
sobre as realidades brasileiras no contexto da atual conjuntura mundial.
Não costumo cobrar nada
pela assessoria involuntária: apenas respeito pela nossa inteligência e um
pouco, apenas um pouco, de comprometimento com a verdade objetiva dos fatos e
de fidelidade à simples realidade dos processos econômicos.
De nada.
Paulo Roberto de Almeida
Londres, 25 de março de 2012.
3 comentários:
Obrigado! Mais um otimo texto!
Que ótima postagem! Adoro acompanhar este blog!
Obrigado pelos comentários, Paulo. Já compartilhei no Facebook.
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