Tenho sido alertado, por diversos meio, para o crescimento do número de católicos normais -- com escusas pelo "normais", mas é que podem existir os anormais, também, como em qualquer outro agrupamento humano -- que pregam, como os evangélicos e outras tribos religiosas mais fundamentalistas, o direito de escolas religiosas, neste caso católicas, ensinarem também a versão "criacionista" da criação do mundo e da espécie humana paras as crianças matriculadas nesses estabelecimentos.
Com perdão dos mais sensíveis, já vou classificar esse tipo de iniciativa entre as idiotices que assaltam o mundo, de modo preocupantemente crescente, se ouso dizer.
Com efeito, o besteirol criacionista -- como vêem sequer atribuo a esse ajuntamento de bobagens o estatuto de "versão", sequer de "teoria", o que seria uma ofensa ao pensamento racional e científico -- vem sendo desde muito tempo propagado por seitas religiosas as mais diversas, geralmente vinculadas à vertente reformista, ou protestante, dos cultos cristãos. Começou, provavelmente, com os batistas -- que ensinam a tradição bíblica elementar, e totalmente ingênua -- da criação do mundo e dos homens, depois se espalhou por outras seitas evangélicas, algumas assumindo uma suposta "teoria" do "desenho inteligente" -- que não deixa de ser misticismo igual -- que tenta, como as outras, colocar deus como a origem de todas as coisas.
Enfim, tudo isso tem sua função nas pregações religiosas, que, como se sabe, tentam sempre congregar seus fiéis em torno de preceitos básicos que sempre colocam seu deus no centro de tudo, assegurando com isso a fidelização de pessoas que poderiam, de outro modo, buscar outras explicações para os chamados "mistérios do mundo" (que não são mistérios, obviamente, apenas fenômenos ainda não devassados pela pesquisa científica).
O que era, até pouco tempo atrás, o apanágio de seitas protestantes, unicamente, e que faziam disso um cavalo de batalha em escolas laicas, ou públicas, por querer impor suas crenças num sistema basicamente neutro e infenso às religiões, parece estar contaminando, ultimamente, grupos ou indivíduos católicos igualmente, o que é, além de idiota, preocupante.
A Igreja Católica há muito já se afastou das bobagens geocêntricas que tinham levado a processos memoráveis num passado distante, e mais recentemente ela já se reconciliou com a teoria darwinista, que permanece a base de qualquer estudo científico em matérias biológicas e naturais para qualquer pessoa que pretenda seguir carreira nessas áreas. O processo de laicização e de secularização já avançou bastante em sociedades cristãs do Ocidente, de maneira que as escolas públicas, agora separadas das Igrejas em grande medida, com padrões curriculares obrigatórios ou não, ensinam as teorias científicas sobre o mundo e as sociedades humanas. Escolas religiosas são livres para ter disciplinas ligadas a seus credos, mas se um país formaliza currículos básicos nas áreas científicas, o mais provável é que a ciência tenha precedência, até obrigatória, sobre a religião, nos currículos padronizados que serão objeto de exames e de requerimentos necessários para outras etapas de ensino. A religião é confinada, como é o certo, a seu domínio exclusivo, separado do ensino formal de ciências, de história, de filosofia, etc.
É curioso, portanto, ver católicos empenhados em que o criacionismo seja ensinado nas escolas, ao mesmo título e com a mesma ênfase que as teorias científicas.
Sinto muito, mas só posso classificar essa atitude como retorno à idiotice, que eu pensava estar recuando em função da disseminação do pensamento científico no mundo.
Creio que vou ter de revisar um trabalho anterior sobre o assunto:
Está aumentando o número de idiotas no mundo?
revista Espaço Acadêmico (ano 6, nr. 72, maio de 2007; ISSN: 1519-6186).
Via Política (29.04.2007).
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
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