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Mercosul aos 22 anos: algo a comemorar?
Paulo Roberto de Almeida
Professor do Uniceub (Brasília) e diplomata.
O Mercosul – ou mercado comum do sul – registra, em março de 2013, o
22o. ano de sua existência formal, num clima que poderia ser
caracterizado como de relativa indiferença, por parte de seus protagonistas
principais, e de quase desconhecimento, da maior parte do público em geral.
Aparentemente, ele já não desperta mais reações favoráveis ou desfavoráveis no
seio da sociedade, tendo deixado de ser o centro das preocupações prioritárias
dos responsáveis políticos, mesmo se os discursos oficiais continuam a
proclamar seu papel estratégico nas relações regionais. Um ano após sua
maioridade formal, o bloco não parece ter, efetivamente, motivos para comemorações,
com a suspensão de um de seus membros originais – o Paraguai – e o ingresso em
condições altamente controversas de um novo, a Venezuela. Cabe, no entanto, um
pequeno resumo de sua trajetória e uma reflexão sobre o seu futuro.
O processo de integração começou sua trajetória institucional a
partir de 1985, com os esquemas bilaterais entre a Argentina e o Brasil. Um tratado
bilateral de integração, em 1988, prometia o estabelecimento de um mercado
comum em dez anos, por meio de protocolos setoriais de integração, numa visão de
complementaridade das duas economias. Em 1990, os presidentes Carlos Menem e
Fernando Collor decidiram acelerar o processo, com posterior adesão do Paraguai
e do Uruguai: o novo esquema de liberalização, consagrado no tratado de
Assunção (de 26 de março de 1991), passou a ser automático, geral e de
características fundamentalmente livre-cambistas. Os novos prazos de integração
foram reduzidos pela metade e o “mercado comum” deveria ter sido alcançado até
o início de 1995. Não é preciso dizer que tal não ocorreu.
A despeito de graves problemas de estabilização macroeconômica no
Brasil e na Argentina, em meados daquela década, a liberalização comercial caminhou
de forma mais ou menos rápida, abrindo espaço para o aumento do comércio intrarregional.
Não obstante a expansão de comércio, dentro e fora do bloco, não foram criadas
as condições estruturais para que os dois principais países – Brasil e
Argentina – realizassem uma das premissas do tratado constitutivo, qual seja, a
da abertura econômica continuada e a inserção de ambos na economia mundial. Ocorreu,
contraditoriamente às expectativas dos primeiros anos, uma introversão do
comércio, configurando aquela consequência nefasta dos
processos de integração, que os economistas chamam de “desvio de comércio” (e
de investimentos). Foi registrada uma espécie de “Brasil-dependência” na
Argentina, uma vez que esta tinha no seu maior vizinho o destino para mais de
um terço de suas exportações totais e um volume praticamente similar nas
importações. O Brasil, embora menos dependente do comércio regional, também
construiu para si uma espécie de “reserva de mercado ampliada”, o que pode ter
arrefecido a busca de novos mercados.
O protocolo de Ouro Preto, assinado no final de 1994 para
“completar” o tratado de Assunção, não criou instituições novas (com exceção de
uma Comissão de Comércio que jamais conseguiu aprovar um código aduaneiro
efetivo), nem estabeleceu mecanismos para facilitar a coordenação das políticas
macroeconômicas dos países membros. Não obstante os avanços, não se chegou ao prometido
“mercado comum” ou mesmo à união aduaneira completa, mantendo-se várias
exceções à Tarifa Externa Comum. Muitos produtos continuaram fora da zona de
livre-comércio, como açúcar e automóveis, por exemplo. Na verdade, depois da
fase de transição, as orientações de política comerciais dos principais
protagonistas jamais voltaram a se guiar pelas promessas de abertura e
liberalização, caminhando no sentido contrário ao esperado.
Em 1996, Chile e Bolívia tornaram-se parceiros da “zona de
livre-comércio”, mas a associação ao Mercosul dos demais parceiros do Grupo
Andino teve de aguardar até os anos 2003-2005. A “ameaça” da Alca – projeto dos
EUA para unificar numa mesma zona de livre-comércio todos os países do
hemisfério – fez com que o Mercosul desenvolvesse uma estratégia comercial defensiva
da qual ele jamais se separaria nos dez anos que se seguiram de processo
negociador.
A desvalorização da moeda brasileira em 1999 representou um choque
para a Argentina e o início de uma fase crítica para o Mercosul, que se
prolongou até os nossos dias. A Argentina entrou em crise no final de 2001, o
que coincidiu com o decréscimo nos fluxos de comércio: ela começou a recorrer,
de modo frequente, a mecanismos de defesa comercial (salvaguardas unilaterais).
A despeito da retomada do crescimento do comércio intrarregional a partir de
2003 permaneceram os desequilíbrios, motivando demandas de proteção por parte
da União Industrial Argentina; o processo foi levado a extremos, com recurso a
medidas claramente ilegais no âmbito do bloco e até mesmo do ponto de vista do
sistema multilateral de comércio. Deve-se reconhecer que a atitude do governo
brasileiro revelou-se estranhamente compreensiva com as infrações regulares às
normas do bloco.
Em 2004 a Argentina começou a pressionar pela adoção de um
instrumento de salvaguardas automáticas, eufemisticamente caracterizado como
sendo um “mecanismo de adaptação competitiva”, que ela pretendia implementar de
maneira unilateral. Antes, ela já tinha insistido num “gatilho cambial”, o que
foi abandonado, em vista da persistente valorização da moeda brasileira a
partir de 2003. No início de 2006, os dois países adotaram o projeto argentino para
salvaguardas setoriais, recebido com reclamos por parte da indústria
brasileira. No plano político, houve a criação de um fundo corretor de
assimetrias estruturais – a ser utilizado sobretudo pelos dois sócios menores,
mas com maior volume de financiamento por parte do Brasil – e a instituição de
um “parlamento” do Mercosul, considerado um aperfeiçoamento institucional. Nem
um, nem outro instrumento tocaram, de fato, nas pendências comerciais ou
permitiram superar os obstáculos políticos à realização das metas inscritas do
tratado de Assunção.
Assistiu-se, retoricamente, a demandas recorrentes pelo
estabelecimento de “cadeias produtivas setoriais conjuntas”, iniciativas
inviabilizadas na prática pela incapacidade dos governos de cada um dos países
de prestar assistência financeira ou empreender investimentos em base a
recursos públicos. Mas voltou-se a dar ênfase, naquele período, sobretudo sob
impulso político do governo brasileiro, aos projetos de integração física
continental, intenção consagrada na criação da “Comunidade Sul-Americana de
Nações” (dezembro de 2004), depois convertida em União, pela ação do governo
“socialista” da Venezuela.
A Venezuela, justamente, foi admitida “politicamente” no Mercosul,
em dezembro de 2005, tendo os termos de sua incorporação comercial sido consagrados
no protocolo de adesão de 2006; ela nunca chegou a completar, porém, os
requerimentos estabelecidos neste e em outros instrumentos do Mercosul. Com a
diluição da “ameaça” da Alca – inclusive a partir de sua virtual paralisação na
terceira cúpula hemisférica, em Mar del Plata, no final de 2005, por atuação
conjunta da Argentina, do Brasil e da Venezuela –, os países sul-americanos
passaram a construir, com estratégias e objetivos muito diversos, uma nova
agenda integracionista para a região, menos voltada para a liberalização
comercial e mais orientada para a cooperação política e o estabelecimento de
ligações físicas. Esse esforço redundou na Unasul e em diversos outros
mecanismos (Calc, e depois Celac, ademais de um conselho de defesa), de
importância mais retórica do que efetiva: para todos os efeitos práticos, a
América Latina encontra-se fragmentada em diferentes esquemas de integração,
indo do livre-comércio ampliado a um retorno do nacionalismo estatizante, o que
também diluiu a importância do Mercosul na região.
Com a crescente importância econômica da Ásia Pacífico, alguns
países da região – notadamente México, Colômbia, Peru e Chile – voltam-se para
diferentes iniciativas voltadas para essa grande bacia oceânica, num cenário
que também se caracteriza pela existência de acordos bilaterais de livre
comércio entre esses países e os Estados Unidos. Os países do Mercosul parecem
ter se conformado a um papel menor nesses grandes desenvolvimentos da economia
regional e mundial.
Na verdade, o bloco atravessou sua maioridade formal enfrentando a
maior crise de sua história. Em 2012, usando como pretexto o afastamento do
presidente eleito do Paraguai numa crise política puramente interna, Argentina
e Brasil suspenderam a participação do país nas reuniões do bloco e procederam
à admissão irregular da Venezuela, num gesto altamente controverso, tanto no
plano do direito internacional como no das regras próprias do bloco. Permanecem
indefinidas as condições sob as quais a Venezuela poderá cumprir os requisitos
formais de sua adesão ao bloco, processo não concluído nos quatro anos
estabelecidos no protocolo de 2006, quando as condições econômicas no país bolivariano
não se tinham deteriorado como na atualidade. De fato, não há muito o que
comemorar neste início de segunda década do Mercosul: o bloco ainda não
conseguiu retomar sua agenda de integração regional e de inserção na economia
mundial.
Hartford,
24 de março de 2013
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