Paulo Roberto de Almeida
O disciplinado Celso Amorim
Oscar Hernández Bernalette, embaixador venezuelano
O Estado de S. Paulo, Visão Global, 19/04/2013
Em 1999, ex-chanceler previu a diplomatas "anos difíceis" para uma Venezuela com Chávez; ao fim, negócios venceram valores
Nas relações internacionais, as coisas nem sempre funcionam com os mesmos parâmetros que na política interna.
Em geral, os países têm pouco interesse nas situações difíceis que podem estar afligindo algumas nações em determinados momentos. A história está cheia de tragédias nacionais em que governos fizeram vista grossa por demasiado tempo, sem intervir a tempo e devidamente ante essas tragédias.
Muitas situações difíceis e violações a que nações se submetem são com frequência aplaudidas por outros governos se houver interesses vitais para seus respectivos países. Por exemplo, bons negócios. Lula (o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva) é um exemplo de presidente que no exercício do cargo interveio descaradamente na política venezuelana a favor de um setor político tendo conhecimento de violações evidentes que em seu país seriam impensáveis. A atitude atual do Mercosul em relação à Venezuela é um bom exemplo. Uma coisa tão politicamente correta como a recontagem de votos ante uma evidente manipulação eleitoral é desvirtuada no momento em que os governos reagem fazendo vista grossa para a demanda da outra metade do país.
Na Venezuela, temos visto a cumplicidade de muitos governos e atores internacionais em face de muitas injustiças e violações que foram cometidas no país nos últimos anos. Há alguns dias, recordei um episódio com um dos protagonistas da política do avestruz.
Num restaurante do bucólico povoado de Coppet, nos arredores de Genebra, nos reunimos, em meados de 1999, sete diplomatas latino-americanos no que era um encontro de rotina que havíamos estabelecido para falar em caráter pessoal sobre temas de política internacional e avaliar a situação econômica e política de nossos países. Carlos Pérez del Castillo (Uruguai), Celso Amorim (Brasil), Roberto Lavagna (Argentina), Hemando JoséGómez (Colômbia), Alejandro Jara (Chile) e o que escreve essas linhas. Entre tantos temas da agenda que ocupava nossa atenção naqueles dias, chegamos a um enredo que já começava a causar indagações nos meios internacionais e entre analistas; a situação política da Venezuela.
O tenente-coronel Hugo Chávez acabava de tomar posse como presidente. Fiz uma explicação geral ao grupo de qual eram, no meu entender, as razões objetivas pelas quais um militar que havia tentado derrubar um governo eleito havia conseguido conquistar eleitoralmente o governo de uma das democracias mais sólidas do continente. Amorim, então embaixador do Brasil na Organização das Nações Unidas e na Organização Mundial do Comércio, um diplomata brilhante no melhor estilo dos homens formados no Itamaraty, interrompeu-me para fazer um comentário sucinto.
Ele garantiu aos presentes: "Anos muito difíceis esperam a Venezuela". Não pode terminar bem, assegurou, um governo que, embora livremente eleito,
origina-se com um líder que tentou derrotar pelas armas um governo legítimo.
Celso Amorim é o atual ministro da Defesa do Brasil e foi chanceler de Lula por oito anos. Ironicamente, ele foi um dos artífices da bem-sucedida relação do Brasil com o governo de Chávez.
Seguramente, ele nunca pensou que, depois daquela frase lapidar com que brindou um grupo de colegas há mais de uma década, se converteria, na sua condição de chanceler e diplomata disciplinado, em um dos esteios que daria força a Chávez em sua cruzada contra os Estados Unidos, enquanto seu país aproveitava para fazer negócios rendosos com o governo do socialismo do século 21. Viram a Venezuela como um pote de oportunidades em dólares e não como recipiente de valores democráticos que no passado foram o esteio de muitos países da região.
O sul mais uma vez dará as costas às justas demandas de milhões de venezuelanos.
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