O Globo, 22/06/2013
A eleição presidencial iraniana produziu dois resultados importantes: a vitória do candidato menos radical, Hassan Rouhani, e o fim do lamentável Mahmoud Ahmadinejad, presidente desde 2005. O presidente eleito fez campanha com o slogan “prudência e esperança”, o que está longe de ser uma plataforma arrojada, mas acenou com um ambiente de maior liberdade pessoal. Muito relevante foi sua postura, como ex-negociador nuclear, favorável a uma redução das tensões nessa matéria entre o Irã e os principais países ocidentais para permitir o abrandamento das sanções do Conselho de Segurança da ONU que estão sufocando a economia iraniana.
Quanto a Ahmadinejad, ele teve um de seus poucos momentos de glória no dia 16 de maio de 2010, quando o presidente do Brasil ergueu seu braço e proclamou vitória no confronto com aqueles que queriam cercear o programa iraniano de “uso pacífico” da energia nuclear”.
Deu no que deu: uma derrota esmagadora no Conselho de Segurança da ONU. Ao fim de seu mandato, restam para o povo iraniano uma das maiores taxas de inflação do mundo, elevados índices de desemprego, violenta queda das receitas de petróleo em resultado das sanções internacionais da ONU. Mestre da bazófia inflamada e das posições radicais, Ahmadinejad entra para a História como um pária internacional.
As eleições presidenciais do dia 14 de junho podem vir a reduzir a intransigência do regime. É óbvio que Rouhani, como aiatolá que é, não representa um opositor ainda que velado da teocracia. Alguns de seus predecessores no cargo também eram clérigos xiitas e também buscaram uma abertura política, com êxito muito relativo. Quem detém o poder, acima de todos, é sempre o aiatolá Khamenei, “líder supremo”. Para usar a expressão de um estrategista político brasileiro do passado, o regime iraniano avança por sístoles e diástoles. Em todo caso, pelo que se pode ler na imprensa internacional, Hassan Rohani, que foi o negociador nuclear de seu país, é o mais moderado de todos os que disputaram a eleição.
É interessante sublinhar que, mesmo com ênfases teocráticas e militaristas, o regime de Teerã promove regularmente transições de poder, fenômeno raro no Próximo Oriente.
Contudo, como atesta a violenta supressão do Movimento Verde de protestos, com sua agenda reformista, em 2009, o Irã não é uma democracia nos moldes ocidentais.
Com a recentíssima eleição, o regime adquiriu indiscutivelmente mais legitimidade. A questão que se põe é se o Irã poderá desempenhar um papel internacional mais construtivo sob o próximo presidente. A busca de armas nucleares poderá abrandar, permitindo uma atenuação das sanções do Conselho de Segurança? Veremos.
Haverá modificação em outra coluna mestra da política regional de Teerã: o apoio ao regime sanguinário de Bashar Assad? Sabe-se que a ingerência direta do Irã nos assuntos da Síria e do próprio Líbano continua a atear mais fogo nos conflitos internos desses países. Em minha opinião, o propósito de aumentar e consolidar sua influência em toda a região é um cânone do política externa iraniana que será mantido, seja qual for o resultado das eleições, com os métodos que forem necessários.
Resta a conhecer quais métodos serão empregados doravante pelo Irã.
Se Rohani não tiver poder para alterar profundamente os rumos do Irã, enquanto durar o regime retrógrado dos aiatolás o país não poderá exercer na sua região uma influência positiva, no plano cultural e político, compatível com sua grande herança cultural, seu peso específico e a contribuição do segmento mais culto de sua população. O presidente eleito vai assumir suas funções com muitos desafios.
O primeiro deles será afirmar-se na política iraniana em meio às lutas entre ultraconservadores que sempre ameaçam o equilíbrio interno.
O segundo desafio estará em combater a crise econômica que deriva sobretudo do maior conjunto de sanções jamais impostas a um país e que cortaram mais de 50% das exportações de petróleo e gás do Irã. O terceiro teste de Rouhani será conseguir avanços nas negociações nucleares sem ser atacado internamente como um vende-pátria. Três enorme desafios.
A Pérsia foi a primeira superpotência da Antiguidade.
Na época em que atacou a Grécia, sob Dario, em 490 AC, e dez anos depois, sob seu filho Xerxes, o império chegava à Índia e poderia ter-se firmado na Europa, não fossem as vitórias gregas em Maratona e Salamina.
Com os hebreus, os persas são os únicos povos antigos cujos textos sobreviveram nos tempos modernos. “A ascensão dos aiatolás tem sido um rebaixamento do país no sentido da violência feita às grandes tradições do passado iraniano”, como disse Robert Kaplan. Esperemos que Hassan Rouhani consiga reverter este curso.
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