Marcelo de Paiva Abreu*
O Estado de São Paulo, quarta-feira, 18.9.2013
Alguns poderiam pensar que a significativa desvalorização cambial ocorrida nos últimos meses poderia ter contribuído para moderar as reivindicações do setor industrial. Ledo engano. É o que mostra recente trabalho da FIESP intitulado “ Por que Reindustrializar o Brasil”.
O argumento é assim. Para o Brasil aumentar a renda per capita seria necessário aumentar a participação da indústria de transformação no PIB e a taxa de investimento. Os dois indicadores vêm decaindo desde as décadas de 1980 e 1970, respectivamente. A desindustrialização teria começado na década de 1980 e a participação da indústria de transformação no PIB caiu aos níveis de 1955. A desindustrialização teria sido prematura e nociva à continuidade do desenvolvimento econômico. Haveria evidência de que maior participação da indústria de transformação no PIB e elevada taxa de investimento contribuiriam para aumentar a taxa de crescimento da economia. O documento conclui: por que o Brasil ficaria de fora do movimento reindustrialização que pode ser detectado até mesmo nos EUA e na Europa?
O estudo não levou em conta R. Bonelli, S. Pessoa e S. Mattos, “Desindustrialização no Brasil: Fatos e Interpretações” em E. Bacha e M. de Bolle (orgs.), O futuro da indústria no Brasil, Rio de Janeiro, 2013, que propõe ajustes fundamentais nas séries relativas à participação da indústria de transformação no PIB. Em primeiro lugar, os altos percentuais alcançados até 1982, baseados em valores correntes, são dramaticamente reduzidos quando se leva em conta as alterações metodológicas pertinentes: o valor máximo de mais de 35% em 1985 é reduzido para 24%. Em segundo lugar, os autores, sublinhando que boa parte da queda da participação da indústria no PIB deve-se à queda dos preços de produtos industriais em relação aos demais preços da economia, apresentam a série computada a preços de 2009. Deste segundo ajuste decorrem duas afirmações que contrariam o estudo da FIESP. O pico da participação da indústria no PIB, de mais de 24%, ocorreu nos primeiros anos da década de 1970, ou seja, a “desindustrialização” ocorreu bem antes do que supõe a FIESP e conviveu com crescimento alto. A desindustrialização recente é bem menos espetacular do que sugerido a preços correntes.
Há outros problemas com o estudo fiespino. Não se entende a razão técnica para combinar argumentos sobre baixo investimento com argumentos sobre a baixa participação da indústria de transformação no PIB como causas de desempenho econômico fraco. O argumento de que o Brasil não cresce porque não investe é trivial. Já atribuir a estagnação brasileira por quase um quarto de século, a partir de 1980, à redução da participação da indústria de transformação no PIB é claramente equivocada. A pretensa comprovação empírica da tese que associa peso da indústria de transformação a ritmo de crescimento é equivocada. Alega-se que para uma “amostra” de 25 países, 9 foram capazes de dobrar a renda per capita em períodos entre 13 e 33 anos e todos tinham participação mínima de 20% da indústria de transformação no PIB. A relação causal sugerida entre crescimento e peso da indústria não passa de conjectura que está longe de passar como desinteressada. O documento cita os EUA e a União Europeia como economias nas quais tem sido adotadas políticas de “reindustrialização” sem especificar, entretanto, quais deveriam ser adotadas no Brasil.
O caminho para possível reindustrialização depende de política industrial baseada em programas maciços de capacitação tecnológica que resultem em efetivo aumento da competitividade industrial. Não deve envolver prolongamento infindável dos sacrifícios da sociedade em benefício da indústria. Para que se possa conceber tal política é preciso que haja compreensão adequada do processo de desindustrialização no Brasil.
*Doutor em economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular no Departamento de Economia da PUC-Rio
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