Infraestrutura
Governo patina na hora de privatizar — mas ainda dá tempo de
aprender
Reportagem do site de VEJA aponta os principais problemas
nas concessões e especialistas em infraestrutura sugerem soluções viáveis
Ana Clara
Costa, Naiara Infante Bertão e Talita Fernandes
As concessões de
infraestrutura do governo Dilma já começaram — ainda que titubeantes. Dois
trechos rodoviários (BR-050 e BR-262) foram ofertados
ao setor privado em setembro e um deles fracassou. Até o final de 2013, outros
sete trechos de rodovias e dois aeroportos serão leiloados: o de Galeão, no Rio
de Janeiro, e Confins, em Minas Gerais. Em algum momento, portos e ferrovias
deverão compor o conjunto de privatizações, mesmo que até agora não possuam
sequer um edital. O setor privado não economiza queixas em relação a todo o
processo. Considera as taxas de retorno insatisfatórias e
algumas exigências descabidas, como a duplicação de alguns trechos
de rodovias, mesmo se não houver demanda de tráfego para tanto. O governo
anunciou que subsidiará algumas obras com o intuito de torná-las mais
atrativas. Mas empresários estão desconfiados por ainda não saberem os
termos de tais subsídios. O contexto econômico também não ajuda. O Brasil pode
ter sua nota rebaixada pelas agências de classificação de risco devido à
deterioração das contas públicas.
O governo
enfrenta as limitações regulatórias e armadilhas típicas de um país que
tem pouca experiência em privatizar. Transformar-se em uma nação de economia
liberal não é tarefa simples para os latino-americanos — historicamente adeptos
de políticas estatizantes. Com o PT, tal cenário se agrava porque o
partido sempre se mostrou contra privatizações enquanto esteve na oposição.
Agora, deixa claro ao setor privado que as concessões só estão acontecendo
porque é inviável para o Estado financiar tantas obras — uma constatação óbvia,
mas louvável, considerando os entraves ideológicos. O fato é que para que as
concessões tenham sucesso, é preciso que mudanças ocorram. E isso o governo já
percebeu ao leiloar a BR-262, que não teve
interessados. Em conversa com investidores durante um evento do banco Goldman
Sachs em Nova York, em setembro, a presidente Dilma falou sobre as
rodovias. "Uma (a BR-050) teve uma ótima avaliação dos investidores. A
outra (BR-262), estamos revendo. Inicialmente os investidores disseram que
ela era viável, mas depois começaram a temer pelo tamanho do pedágio e da
região. Vamos rever se ela precisa virar PPP ou obra pública",
afirmou a presidente.
Leia também:
Bancos privados aceitam financiar concessões - para alívio do BNDES
Governo eleva tarifa de pedágio de próximos leilões de rodovias
Bancos privados aceitam financiar concessões - para alívio do BNDES
Governo eleva tarifa de pedágio de próximos leilões de rodovias
A constatação do setor privado sobre o fracasso, no entanto, foi
outra. "O problema da BR-262 é que as premissas (engenharia, custeio
e retorno) dos estudos feitos pelo governo estavam muito diferentes daquilo que
o setor privado calculou", explica o advogado Felipe Kfuri, do
escritório da advocacia L. O. Baptista SVMFA, especializado em
obras de infraestrutura. Segundo Kfuri, o governo superestimou a demanda e
os investimentos necessários, afugentando interessados. A exigência de
duplicação da rodovia sem que houvesse projeção de demanda suficiente
também criou desinteresse. Além disso, há o 'risco Dnit', que significa
que o setor empresarial não confia no órgão ligado ao Ministério dos
Transportes como 'mão forte' das concessões rodoviárias. "É preciso fazer
estudos e projetos confiáveis, com detalhes realistas sobre o fluxo de carga,
alto contingente populacional da região, quais vias estarão interligadas a
outros modais. Enfim, é preciso integrar o trabalho estratégico e de
engenharia. Sem isso, será um fracasso", aponta outro advogado do
setor, Renato Poltronieri, do Demarest Advogados.
O fracasso da concessão da BR-262 é emblemático porque reúne
praticamente todos os erros apontados por especialistas ouvidos pelo site de
VEJA sobre o programa de privatizações do governo Dilma. Houve falha no
planejamento, insegurança jurídica (risco Dnit), taxa de retorno pouco
atrativa, falta de diálogo com o setor privado. O governo, contudo, percebeu
que se mantiver a mesma atitude, colherá novos fracassos. Assim, após uma
reunião de emergência convocada pela presidente Dilma um dia após o leilão,
novas ideias surgiram: revisar o fluxo estimado de veículos, os investimentos
necessários e, consequentemente, a necessidade de duplicação de determinados
trechos. Para o setor privado, o governo, de certa forma, "caiu na
real". Mas perceber o erro de apenas um projeto não é suficiente para um
país que ocupa o 114º lugar em qualidade de infraestrutura num ranking de 148
nações feito pelo Banco Mundial. O site de VEJA conversou com especialistas do
setor de infraestrutura que apontam os principais problemas e sugerem soluções
para melhorar o programa de privatizações da administração petista.
Como melhorar o programa de privatizações do PT
O problema: planejamento e
execução
"O processo está todo confuso. Não há um programa de privatizações bem fundamentado em um plano logístico. E sem planejamento, não há como controlar a execução. É tudo muito casuístico e fluido, com muita gente querendo mandar. E esse processo nasceu todo errado porque prevê que o investidor carregue nas costas o setor público. Não faz sentido, por exemplo, a Infraero estar presente na privatização de aeroportos e nem o Dnit permanecer em rodovias. Se eles fizeram um bom trabalho nessas áreas, por que o governo está privatizando, então?"
"O processo está todo confuso. Não há um programa de privatizações bem fundamentado em um plano logístico. E sem planejamento, não há como controlar a execução. É tudo muito casuístico e fluido, com muita gente querendo mandar. E esse processo nasceu todo errado porque prevê que o investidor carregue nas costas o setor público. Não faz sentido, por exemplo, a Infraero estar presente na privatização de aeroportos e nem o Dnit permanecer em rodovias. Se eles fizeram um bom trabalho nessas áreas, por que o governo está privatizando, então?"
Como resolver: refazer
"A minha sugestão é parar tudo e reconstruir o arcabouço que foi levado adiante no governo FHC, com conselho, planejamento, aval do TCU antes de o modelo ser anunciado. Se não houver um processo mais estruturado, vai ser um fracasso atrás do outro. E, com a falta de interesse dos investidores, talvez essas privatizações rendam mais ônus para o Tesouro do que ganhos."
"A minha sugestão é parar tudo e reconstruir o arcabouço que foi levado adiante no governo FHC, com conselho, planejamento, aval do TCU antes de o modelo ser anunciado. Se não houver um processo mais estruturado, vai ser um fracasso atrás do outro. E, com a falta de interesse dos investidores, talvez essas privatizações rendam mais ônus para o Tesouro do que ganhos."
Entenda o que são as concessões do governo Dilma
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.