Blog Mansueto Almeida, 8/02/2014
Sempre escuto de pessoas “boas” que não há como “parar a economia” para fazer um ajuste fiscal, pois as pessoas necessitam de melhores serviços de educação, saúde, transporte, etc. Quem discorda disso? Acho que ninguém, mas algumas pessoas esquecem que os países que conseguem ter educação, saúde e transporte público de qualidade são países ricos.
Nos últimos 20 anos, a nossa estratégia de reduzir desigualdade e pobreza se transformou em forte aumento do gasto público (% do PIB). No caso da política do salário mínimo que tanto estimulou o consumo, muitos falam que foi mérito do governo Lula notar que aumento do salário mínimo levaria a mais consumo, criação de uma classe média e a mais crescimento.
Eu e vários outros economistas discordamos dessa análise, pois o que permitiu o maior crescimento no governo Lula foi uma combinação do efeito positivo das reformas (no crescimento da produtividade) que tiveram continuidade no primeiro governo Lula e a bonança do crescimento mundial e seu impacto no preço das commodities, que permitiu uma expansão do consumo muito além do crescimento do PIB. Se demanda ocasionasse crescimento estaríamos muito bem hoje, pois déficit em conta corrente significa excesso de demanda.
Dito isso, acho que chagamos em um ponto no qual a continuidade dos ganhos na política de valorização do salário mínimo e a expansão dos programas sociais vai cada vez mais depender do crescimento, que em um economia com baixa taxa de desemprego e com crescimento lento da força de trabalho, dependerá do crescimento da produtividade.
Para terminar, quero enfatizar dois pontos. Primeiro, não será fácil manter o ritmo de queda da desigualdade de renda e da pobreza que observamos na chamada década inclusiva (2000-2010) pelo presidente do IPEA, Marcelo Neri, com o simples aumento dos gastos sociais. A presidente Dilma tentou fazer isso em uma economia que cresce apenas 2% ao ano. Qual foi o resultado? Em três anos de governo Dilma, a despesa não financeira do Governo Central já cresceu 1,6 pontos de percentagem do PIB; o maior crescimento em um mandato presidencial desde 1999, quando introduzimos o regime de metas e praticamente equivalente aos 8 anos do governo Lula.
Crescimento da Despesa Não Financeira do Governo Central - 1999-2013 - pontos de percentagem do PIB por mandato presidencial
Quer um notícia ruim? Eu vou dar. Se continuarmos crescendo 2% ao ano, a única forma de manter o crescimento recente dos programas sociais é com um aumento forte da carga tributária – algo como entre 3 a 4 pontos de percentagem do PIB: 1,5 pontos (no mínimo) para recuperar o resultado primário e 2 pontos para compensar o aumento da despesa primária no mesmo ritmo do governo Dilma. Com isso a nossa carga tributária passaria para 40% do PIB, em 2018.
Segundo, você pode até pensar que o combate à corrupção e ao desperdício disponibilizariam mais recursos para os programas sociais. Sim, algum ganho teria, mas eficácia de uma política pública não leva necessariamente a redução do gasto. Pode até aumentar. Nós teremos que mudar regras que afetam a dinâmica do crescimento dos gastos sociais, que foram as despesas que puxaram o crescimento da despesa não financeira do Governo Central desde 1999.
Coloco abaixo dois gráficos. O primeiro mostra que os programas de transferência de renda de Pedro para João (INSS, bolsa-família, seguro-desemprego, abono salarial e LOAS) explicam 80% do crescimento da despesa não financeira do Governo Central de 1999 a 2013. As demais despesas (pessoal, investimento, custeio de saúde e educação, etc.) explicariam os outros 20%.
Gráfico 1 - Crescimento da Despesa Não Financeira (Primária) do Governo Central de 1999 a 2013 - Programas de transferência de renda vs. outros
OBS: programas de transferência de renda = INSS, seguro-desemprego, abono-salarial, bolsa-família e LOAS.
Mas se juntarmos aos programas de transferência de renda o custeio dos programas de saúde e educação, a política social passa a explicar 90% do crescimento da despesa não financeira do Governo Central de 1999 a 2013. É isso mesmo: 90% do crescimento da despesa primária do Governo Central desde 1999 decorreu de programas de transferência de renda somados ao custeio de saúde e educação.
Gráfico 2 - Crescimento da Despesa Não Financeira (Primária) do Governo Central de 1999 a 2013 - Programas sociais versus outros
OBS: política social = INSS, seguro-desemprego, abono-salarial, bolsa-família, LOAS, custeio dos programas de educação e saúde.
Queremos manter o ritmo de expansão dos gastos sociais? Excelente, então teremos que encontrar uma forma de crescer mais rápido, caso contrário, não será possível, a não ser com um forte aumento da carga tributária.
O mais provável é que alguns programas sociais sejam revistos, algo que já se escuta com certa frequência no próprio Ministério da Fazenda. Quem andou recentemente por lá escutou isso, principalmente, em relação aos programas seguro desemprego, abono salarial, sistema de pensões e até mesmo sobre a regra de reajuste do salário mínimo. Todos esses assuntos eram tabus, mas hoje técnicos do Min. da Fazenda já falam sobre o assunto para 2015. O que não se sabe é se combinaram isso com os seus superiores.
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