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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 4 de março de 2014

Cuba e seus medicos escravos: um artigo vergonhoso, de um academico emerito, e um comentario pontual, de um economista sensato

O artigo vergonhoso, lamentável, mas talvez refletindo a miséria intelectual de nossas universidades, é o de um físico que acha que os médicos escravos da ilha-prisão devem necessariamente servir ao regime, e suas políticas absurdas de miserabilização do povo.
O comentário é o de um economista conhecido, ambos transcritos abaixo.
Um comentário inicial.
Essa conversa de embargo americano para justificar a miséria econômica de Cuba é uma fraude monumental.
A miséria foi causada pelo regime, não pelo embargo.
Pior que a miséria material do povo cubano, é a sua miséria moral, ao ter de viver numa situação de ditadura totalitária durante mais de meio século, apenas para satisfazer o ego de um tirano que já estava mentalmente esclerosado quando começou a virada para o socialismo de tipo soviético (e nunca mais deixou o stalinismo).
O embargo não tem absolutamente nada a ver com essas misérias e tampouco com a escravatura dos médicos.
É apenas mais um exemplo sórdido de totalitarismo aberto, com o qual são coniventes os companheiros, para vergonha do Brasil.
Paulo Roberto de Almeida

Mais médicos, menos falácias
Rogério Cezar de Cerqueira Leite
Flha de S.Paulo, 4/03/2014

Um contrato como o que Cuba assinou com o Brasil serve para garantir a sobrevivência de centenas de milhares de indivíduos daquele país

O eminente jurista Ives Gandra acusa Cuba e o Brasil de serem responsáveis pela condição que classifica como de escravatura do contrato que rege o programa do governo federal Mais Médicos ("O neoescravagismo cubano", 17/2).
Sua argumentação exclusivamente burocrática ignora as condições em que Cuba se encontra. Para entendermos a realidade daquele país, comecemos por uma analogia.
Quando um país é ameaçado, o seu governo atribui a um grupo de cidadãos, voluntária ou compulsoriamente, a missão de defendê-lo. Essa é uma prática universal.
Com frequência, os salários desses soldados são insignificantes. Não obstante, se qualquer um se recusar a servir seu país, será considerado um criminoso.
Há mais de 50 anos, os Estados Unidos impuseram drásticas sanções econômicas contra Cuba, resultando na extrema pobreza daquele povo. Sua principal fonte de renda de então, a indústria de açúcar, perdeu competitividade e hoje está em frangalhos.
Para sobreviver e assegurar insumos vitais, tais como remédios, certos alimentos, combustíveis etc., conta Cuba quase que exclusivamente com a exportação de tabaco (charutos), rum e, intermitentemente, dos serviços prestados pelos seus médicos no exterior.
Podemos imaginar o quanto de renúncia do povo de um país pobre como Cuba significa custear a formação desses médicos.
Um contrato como esse que Cuba assinou com o Brasil não serve apenas para reduzir a miséria das famílias dos participantes do programa Mais Médicos, mas antes de tudo serve para garantir a sobrevivência de centenas de milhares de indivíduos daquele país.
Pergunto àqueles que argumentarem que os recursos provenientes do programa Mais Médicos vão para o bolso dos "opressores", baseados exclusivamente em hipóteses, sem evidências concretas, se sua atitude não poderia ser enquadrada naquilo que os juristas chamam de difamação.
Se meia dúzia de médicos cubanos oportunistas se valeu desse subterfúgio para se refastelar nas praias da rica Miami, às custas de um programa ignóbil da potência americana, não deveríamos enaltecê-la, mas deplorá-la, pois apenas 1 em 1.000 traiu o seu compromisso com o Brasil e com o seu povo.
Quantos na sua própria família e em seu país vão sofrer por causa da fuga de cada inadimplente?
Apoiar esses poucos infensos não é apenas uma falta de percepção da questão social envolvida, mas é, antes de tudo, falta de humanidade.
Reduzir a questão do Mais Médicos a uma infringência burocrática ou, pior ainda, a um conflito partidário ou ideológico --o que certamente não é o caso do jurista-- é uma indignidade.

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 82, físico, é professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha

Mansueto Almeida
Blog do Mansueto, 4/03/2014
O artigo do eminente físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite na Folha de São Paulo desta terça feira de carnaval (clique aqui) é para mim um tanto quanto esquisito. Em sua defesa do programa Mais Médicos e da questão dos médicos de Cuba, o professor da Unicamp tem, na minha opinião pessoal, três grandes erros.
Primeiro, tentar culpar os EUA e as sanções econômicas deste país contra Cuba com o culpado da “extrema pobreza daquele povo”. O que os EUA fez pode sim ser criticado, mas daí dizer que isso explica “a pobreza daquele povo” é a mesma coisa que tentar dizer o mesmo para a Coreia do Norte. Cuba é um país pobre por causa de um modelo econômico de uma ditadura de esquerda.
A propósito, existe no mundo algum país rico que seja governado por uma ditadura de esquerda? A china? mas a China é muito mais  aberta para investimentos estrangeiros e abraçou práticas de uma economia capitalista desde o final da década de 1970. Por que Cuba não fez o mesmo? Assim, o culpado da pobreza de Cuba são os seus dirigentes. Mas é impressionante muita gente em pleno século XXI ainda achar um regime ditatorial algo normal.
Segundo, o eminente físico defende o contrato dos médicos cubanos com o duplo propósito de (1) reduzir a miséria das famílias dos participantes do programa Mais Médicos, (2) garantir a sobrevivência de centenas de milhares de indivíduos daquele país. Aqui tem outro grande erro. Achar que redução de pobreza em um país é questão de bondade dos outros.
Os livros do William Easterly (professor da NYU),  o livro Why Nations Fail, 2012 do Acemoglu e Robinson, e o mais recente do Angus Deaton da universidade de Princenton (The Great Escape: Health, Wealth, and the Origins of Inequality, 2013) mostram de forma um tanto quanto clara que redução de pobreza depende do funcionamento de instituições domésticas e da boa governança que, infelizmente, não pode ser importada.
A melhor forma de Cuba reduzir a sua miséria é permitir o empreendedorismo dos seus habitantes, permitir eleições livres e democráticas, atrais investimento estrangeiro e tributar esses investimentos para continuar investindo em saúde e educação. A mudança pode ser gradual, mas no vaso da ilha há um gradualismo exagerado.
Terceiro, me causou espanto quanto o físico escreveu que: “Se meia dúzia de médicos cubanos oportunistas se valeu desse subterfúgio para se refastelar nas praias da rica Miami, às custas de um programa ignóbil da potência americana, não deveríamos enaltecê-la, mas deplorá-la, pois apenas 1 em 1.000 traiu o seu compromisso com o Brasil e com o seu povo.
O que me causa espanto aqui, dado que estamos falando e um cientista do conselho editorial da Folha de São Paulo, é chamar de “oportunista” decisões de indivíduos que têm o direito legítimo de desejar liberdade de escolha e o que fazer de sua vida. É uma versão até mais radical do Brasil dos anos 70: “Cuba, ame ou não ame e não deixe”.
Qual o problema de uma pessoa querer morar nas praias ricas de Miami, do Rio ou da França? Absolutamente nenhum. Parece que o eminente físico não sabe que as pessoas que tentam a sorte em Miami vão trabalhar duramente e não “refastelar” (acomodar-se, recostar-se, etc.) nas praias ricas.
Por que resolvi comentar este artigo aqui? Por duas coisas. Primeiro, devido ao currículo de quem o escreveu. Não esperava ver um professor emérito de física da Unicamp escrever tamanho absurdo. Segundo, porque mesmo os físicos mais brilhantes cometem erros grandes quando se trata de desenvolvimento econômico, como este aqui:
“I am convinced there is only one way to eliminate (the) grave ills (of capitalism), namely through the establishment of a socialist economy....A planned economy, which adjusts production to the needs of the community, would distribute the work...and guarantee a livelihood to every man, woman and child. (Albert Eistein, Why Socialism?)
No entanto, há uma grande diferença. Albert Einstein escreveu isso em 1949, quando ainda se podia aceitar ou questionar se o socialismo daria certo. Mas em pleno século XXI e depois da queda do muro de Berlim e com toda a evidência história e científica da riqueza das nações ou por que as nações fracassam é difícil aceitar que o problema de Cuba seja os EUA ou que o tipo de contratação dos médicos cubanos seja uma ajuda humanitária. E o mais impressionante é que este tipo de argumentação venha de um Doutor em física formado na prestigiosa Universidade de Sorbonne em Paris. Tenho certeza que outros doutores formados por Sorbonne pensam diferente.

Um comentário:

Anônimo disse...

Decepcionante o artigo do Professor R. C.Leite ; lembra um texto de um aluno de ensino fundamental , devido a análise de pouca abrangência , bem destacadas pelo sr. Economista . Eu colocaria mais um fato : se somente 1 em cada 1000 fugiu para Miami , não significa que somente este está insatisfeito , mas ele ( o que fugiu ) teve coragem (aquí , os médicos cubanos , são vigiados , e , vale lembrar que , em tendo ocorrido a fuga , a família do médico é responsável pelos "prejuízos" causados ao acordo ) e condições de conseguir fugir ( dinheiro e
" logística " para concretizar a fuga ) . Na verdade são conhecidas muitas razões para taxarmos este programa de espúrio , porém o fato de ser baseado (todo o programa) em "um peso e duas medidas" já seria o suficiente para a sua condenação .