domingo, 6 de abril de 2014

1964: o mito da intervencao americana - Olavo de Carvalho

Não posso garantir a fiabilidade do relato abaixo, aliás já bem antigo, e que tinha me passado despercebido durante este tempo todo, até alguém me mandar.
Verdadeiro ou não, trata-se de algo plausível, embora o autor, conhecido jornalista polêmico -- contra quem pesam várias acusações, e não somente as da esquerda tradicional -- não aprofunde outros dados sobre esse agente tcheco de inteligência.
Mas reputo possível essas montagens, conhecendo um pouco o mundo da espionagem -- dos dois lados -- e tendo vivido na Tchecoslováquia comunista do início dos anos 1970. Os serviços tchecos de inteligência, atuando em conjunto com a KGB, conseguiram recrutar pelo menos um embaixador brasileiro, o que já está documentado, com o nome fantasia do dito cujo (ainda não se sabe o nome verdadeiro, e talvez nunca se saiba).
Em todo caso, a tentativa de fazer do golpe militar de 1964 apenas uma maquinação americana, como repetem incansavelmente certos sábios da esquerda, é patética, pois os brasileiros, militares e civis, tinham motivos de sobra para derrubar Goulart.
Obviamente, os americanos, escaldados pelos episódios cubanos -- não exatamente a revolução de 1959, mas a conversão comunista de 1961 e a instalação dos mísseis soviéticos em 1962 -- não estavam dispostos a ver uma nova Cuba na região, não do tamanho de uma ilha (que podia ser cercada, como foi, em 1962), mas um país continental, como o Brasil, tecer relações íntimas com soviéticos e chineses, numa época de exacerbação da Guerra Fria e de acenos "neutralistas" e de "política externa independente" em direção dos socialistas.
Os que defendem a "soberania" do Brasil não se dão conta de que esse foi uma das poucas fases, ou momentos, da Guerra Fria, em que nosso país foi relativamente importante para os EUA, pois em todo o resto do tempo fomos absolutamente marginais no grande jogo estratégico do século 20.
Uma interpretação realista de 1964, tanto do lado da direita, como do lado da esquerda, precisa levar em conta certas realidades, ao considerar esse aspecto da "intervenção americana".
Paulo Roberto de Almeida

Olavo de CarvalhoÉpoca, 17 de Fevereiro de 2001

Por que ninguém entrevista Ladislav Bittman, o ex-espião tcheco que sabe tudo sobre 1964?

Milhões de crianças brasileiras, nas escolas oficiais, são adestradas para repetir que o golpe militar de 1964 foi obra dos Estados Unidos, como parte de um projeto de endurecimento geral da política exterior ianque na América Latina.
Sabem quem inventou essa história e a disseminou na imprensa deste país? Foi o serviço secreto da Tchecoslováquia, que naquele tempo subsidiava numerosos jornalistas e jornais brasileiros. O próprio chefe do serviço tcheco de desinformação, Ladislav Bittman, veio inspecionar as fases finais do engenhoso empreendimento que se chamou "Operação Thomas Mann". O nome não aludia ao romancista, mas ao então secretário-adjunto de Estado, Thomas A. Mann, que deveria constar como responsável por uma "nova política exterior" de incentivo aos golpes de Estado.
A safadeza foi realizada através da distribuição anônima de documentos falsificados, que a imprensa e os políticos brasileiros, sem o menor exame, engoliram como "provas" do intervencionismo americano. O primeiro lance foi dado em fevereiro de 1964: um documento com timbre e envelope copiados da Agência de Informação dos EUA no Rio de Janeiro, que resumia os princípios gerais da "nova política". A coisa chegou aos jornais junto com uma carta de um anônimo funcionário americano, investido, como nos filmes, do papel do herói obscuro que, por julgar que "o povo tem o direito de saber", divulgava o segredo que seus chefes o haviam mandado esconder.
O escândalo explodiu nas manchetes e os planos sinistros do senhor Mann foram denunciados no Congresso. O embaixador americano desmentiu que os planos existissem, mas era tarde: toda a imprensa e a intelectualidade esquerdistas das Américas já tinham sido mobilizadas para confirmar a balela tcheca. A mentira penetrou tão fundo que, três décadas e meia depois, o nome de Thomas A. Mann ainda é citado como símbolo vivo do imperialismo intervencionista.
A essa primeira falsificação seguiram-se várias outras, para dar-lhe credibilidade, entre as quais uma lista de "agentes da CIA" infiltrados nos meios diplomáticos, empresariais e políticos brasileiros, que circulou pelos jornais sob a responsabilidade de um "Comitê de Luta Contra o Imperialismo Americano", o qual nunca existiu fora da cabeça dos agentes tchecos. Na verdade, confessou Bittman, "não conhecíamos nem um único agente da CIA em ação no Brasil". Mas a mais linda forjicação foi uma carta de 15 de abril de 1964, com assinatura decalcada de J. Edgar Hoover, na qual o chefe do FBI cumprimentava seu funcionário Thomas Brady pelo sucesso de uma determinada "operação", que, pelo contexto, qualquer leitor identificava imediatamente como o golpe que derrubara João Goulart.
Toda uma bibliografia com pretensões historiográficas, toda uma visão de nosso passado e algumas boas dúzias de glórias acadêmicas construíram-se em cima desses documentos forjados. Bem, a fraude já foi desmascarada por um de seus próprios autores, e não foi ontem ou anteontem. Bittman contou tudo em 1985, após ter desertado do serviço secreto tcheco. Só que até agora essa confissão permaneceu desconhecida do público brasileiro, bloqueada pelo amálgama de preguiça, ignorância, interesse e cumplicidade que transformou muitos de nossos jornalistas e intelectuais em agentes ainda mais prestimosos da desinformação tcheca do que o fora o chefe mesmo do serviço tcheco de desinformação. Quantos, nesses meios, não continuam agindo como se fosse superiormente ético repassar às futuras gerações, a título de ciência histórica, a mentira que o próprio mentiroso renegou 15 anos atrás?
Neurose, dizia um grande psicólogo que conheci, é uma mentira esquecida na qual você ainda acredita. Redescobrir a verdade sobre 1964 é curar o Brasil. Entrevistar Ladislav Bittman já seria um bom começo

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