Paulo Roberto de Almeida
ECONOMIZANDO0
O dia em que Hayek enfrentou a máfia dos táxis em defesa de um aplicativo de celular
Por Rafael Hotz Arroyo · 30/06/2014
Boa parte da filosofia política e da pesquisa econômica de Hayek teve como base sua visão sobre a natureza do conhecimento na sociedade.
Hayek compreendia que o conhecimento na sociedade se encontra disperso entre seus diversos membros, além do mesmo possuir características tácitas (difíceis de serem transmitidas) e subjetivas.
Hayek compreendia que em qualquer sistema de organização social existe um grande problema a ser solucionado: como coordenar as ações e expectativas individuais independentes para produzir bens e serviços demandados utilizando recursos escassos.
Em sua visão, o sistema de preços é a ferramenta necessária para “condensar” esse conhecimento disperso na sociedade e auxiliar os produtores a produzir os produtos mais demandados da forma mais barata.
Isso vem a complementar os ensinamentos de Mises - sem mercados (possíveis apenas com propriedade privada dos meios de produção), não há preços em termos de moeda. Sem preços em termos de moeda, não há como calcular a lucratividade de um processo produtivo. Ou seja, não se produz o que mais se demanda. Produz-se errado e com desperdícios.
Mises e Hayek provaram a impossibilidade teórica do sistema produtivo socialista desde 1920 com estudos nessa linha de pesquisa. A URSS, Cuba, Leste Europeu, China Pré-Reformas, Sudeste da Ásia, África Pós-colonial e agora a Venezuela são apenas aplicações históricas desses teoremas.
O pensamento de Hayek foi fundamental para Jimmy Wales e sua principal invenção: a Wikipedia. Como o próprio Jimmy disse:
“O trabalho de Hayek sobre a teoria de preços é fundamental para o meu próprio pensamento sobre como gerenciar o projeto Wikipedia. Não se pode compreender minhas idéias sobre a Wikipedia sem entender Hayek.”
Mas Hayek não para por aí.
O Aplicativo Uber
Já ouviu falar em Uber? Uber é um aplicativo digital que conecta potenciais motoristas a potenciais demandantes de transporte. Parte da receita da corrida é revertida para o aplicativo, que demanda o uso de um cartão de crédito cadastrado no sistema.
A empresa Uber não fornece os carros, porém exige que sejam carros habilitados para uso comercial e motoristas em condições de dirigir. Tanto nos EUA como no Brasil já existem aplicativos concorrentes (Lyft e Zaznu), embora o Zaznu siga mais o modelo de “carona remunerada” ao invés do sistema “motorista profissional remunerado”.
Atualmente, o Uber é a startup com maior valoração de mercado: 85x o múltiplo das vendas. A expectativa de crescimento é grande, afinal de contas o modelo de negócio pode capturar parte das receitas que até então eram destinadas para táxi, transporte coletivo público, compra e manutenção de carros privados, estacionamentos, gasolina, dentre outras imagináveis.
Source: http://www.statista.com/chart/1967/startups-valued-at-one-billion-or-more/
A tecnologia do Uber e demais aplicativos são exatamente a aplicação dos ensinamentos de Hayek.
A tecnologia do Uber e demais aplicativos são exatamente a aplicação dos ensinamentos de Hayek.
Há pessoas demandando deslocamentos e uma infinidade de formas de se deslocar, todas elas consumindo recursos escassos. Uma dessas formas inclui compartilhar veículos e economizar motoristas, seja com outras pessoas dentro do carro numa única viajem, seja em diversas viagens com um único carro.
Os aplicativos são capazes de fazer algo até então impossível no mundo analógico: fornecer um “matching” detalhado de locais de destino demandados e carros disponíveis se deslocando.
Ao reduzir os custos de transação, os aplicativos permitem também ampliar a oferta e variedade de parceiros de viajem. São capazes até de reduzir o espaço físico necessário para ser utilizado como ponto de taxi, bem como filas desnecessárias em locais congestionados (a tecnologia permite escolher o local de encontro).
Com isso, quem ganha é o consumidor: mais variedade e menores preços, além de viagens mais rápidas.
A Reação Das Guildas
No final da Idade Média, as guildas eram associações de profissionais que controlavam o comércio de um determinado serviço, recebendo uma autorização governamental para restringir a oferta.
Os táxis atuais nada mais são do que uma guilda. A oferta de taxis é controlada pelo governo, que vende caríssimas “licenças”, e em troca persegue os taxistas “irregulares”. O mesmo vale para as empresas de ônibus – as empresas concorrem a licitações, que nada mais são do que leilões de monopólio. E quando os “clandestinos” aparecem são perseguidos.
O sistema de metrô e trens, por sua vez, tende a ter apenas um operador por trajeto por razões técnicas (embora pudéssemos conceber trens privados concorrentes numa mesma infraestrutura de trilhos privados), porém trata-se de um concorrente a ambos em alguns trechos.
Aplicativos como os citados são simplesmente capazes de driblar o controle estatal sobre esses mercados, controle esse que impede a entrada de novos concorrentes e diferenciação de produtos.
Ao ser uma fonte de concorrência, o aplicativo vem sendo motivo de protesto por parte das guildas – especialmente das guildas de táxi.
Em Barcelona o governo local deu razão para os taxistas e exigiu o fim das atividades da Uber. Só não perguntou aos consumidores se preferem pagar mais caro nos táxis convencionais e aos57% de jovens espanhóis desempregados que poderiam obter renda prestando serviços de motorista. Na socialista França, vândalos atiraram pedras e ovos nos carros do Uber.
No Rio de Janeiro, única cidade atendida pelo Uber no Brasil (até então), um representante da guilda deu a seguinte declaração:
“Não existe a menor possibilidade de os taxistas aderirem ao Uber”, afirmou por telefone André Oliveira, organizador do movimento Taxinforme, depois de participar da manifestação no Rio. “Trata-se de concorrência desleal. Investimos em licença, em seguro, em vistorias. Uma empresa não pode simplesmente chegar e promover a liberação geral do mercado.”
A declaração apenas mostra como o mercado é completamente distorcido pelo governo em conjunto com as guildas de táxi: preços tabelados, não há concorrência (ausência de barreiras legais à entrada no mercado) e o governo extrai parte da renda do trabalho dos taxistas via licenças, regulamentações de seguro (aqui forçosamente distribuídas para seguradoras) e vistorias. A mentalidade é a de que competição é ruim.
Quem Ajuda A Resolver o Problema do Transporte?
Pessoas de tendência pró-empreendedorismo costumam dizer que o inventor do pendrive fez muito mais pelas florestas do que os abraçadores de árvore do Greenpeace.
Quem mais ajuda a resolver o problema do transporte urbano?
De um lado temos o Movimento Passe Livre/Catraca Livre, hostis ao empreendedorismo, falando que transporte não é mercadoria e desejando um preço igual a zero.
Ou seja, desejam exatamente a situação que Mises e Hayek provaram levar a um caos produtivo e à escassez. De quebra costumam protestar bloqueando as mesmas vias que julgam estar tentando libertar.
Do outro lado temos empreendedores utilizando tecnologias para aumentar a oferta e a variedade do produto demandado – transporte.
O Uber mostra que o caminho correto é o segundo – empreendedorismo e avanços tecnológicos ao invés de batalhas políticas e infantilismo econômico.
Ao tratar o transporte como um bem escasso e precifica-lo, assim conforme sugerem Mises e Hayek, seu processo empreendedor tende a descongestionar as vias e oferecer preços mais baixos. De quebra, ainda tende a reduzir a poluição gerada pelos carros.
Nós poderíamos citar aqui outros tantos casos. Como a tecnologia do Bitcoin, que permite um sistema monetário livre das perversidades governamentais. Ou a tecnologia de software open source e das impressoras 3D, que permite o barateamento e a produção local de produtos patenteados e recheados de impostos e outras barreiras governamentais à importação. E até mesmo o Skype e o Whats App, que reduzem nossa dependência do sistema de telefonia regulamentado.
Os aplicativos de transporte são apenas mais um dos capítulos. E pode apostar: veremos mais deles nos próximos tempos.
RAFAEL HOTZ ARROYO
Rafael Hotz Arroyo é economista, formado pela Unicamp, e defensor do livre mercado. Vencedor do prêmio Fréderic Bastiat, concedido pelo Ordem Livre, e do VII prêmio Donald Stewart Jr, concedido pelo Instituto Liberal, ambos em 2010. Traduziu "Contra a Propriedade Intelectual", de Stephan Kinsella, para o Instituto Mises Brasil. Trabalha no mercado financeiro, no segmento de securitização.
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