sexta-feira, 10 de novembro de 2017

A economia e a politica do Brasil em tempos nao convencionais - Paulo Roberto de Almeida

Três anos e meio atrás, vindo ao Brasil para fins familiares e acadêmicos, fui convidado para fazer uma palestra a um grupo de estudantes na UnB. Sem tempo para elaborar algo mais sofisticado, acabei escrevendo no avião um texto meio impressionista sobre como eu via, do exterior, o Brasil, a partir do noticiário e da interação nas redes sociais.
Ainda não reli, mas creio que a situação não mudou muito no Brasil, a despeito do impeachment...
Paulo Roberto de Almeida


A economia e a política do Brasil em tempos não convencionais
(nunca antes mesmo...)

Paulo Roberto de Almeida
Palestra na UnB: 24/04/2014, 19hs
Em voo, de Bradley a Atlanta, e a Brasília, 17-18/04/2014

Na economia, a herança bendita da agricultura
Meio século atrás, quando se falava que o Brasil era um país essencialmente agrícola, essa era quase que uma expressão de culpa, um pedido de desculpas, era com certo sentimento de vergonha que reconhecíamos essa condição, pois nossa agricultura era extremamente atrasada. Aliás, toda a nossa economia se encontrava numa situação precária, com mais de 60% da população espalhada em zonas rurais dispersas, milhões de Jecas Tatus mal sobrevivendo às endemias, ao paludismo, ao bicho do pé. Na indústria, a crer num panfleto muito popular nessa época, Um Dia na Vida de Brasilino, que ainda pode ser encontrado no site do PCdoB, parece que devíamos tudo o que consumíamos às companhias estrangeiras: da manhã até a noite, Brasilino pagava royalties aos imperialistas, acordando e dormindo com a Light, escovando os dentes com Kolynos, tomando banho com Palmolive ou Lever, fazendo a barba com Williams e Gillette, comendo cereais americanos, comida feita com óleo americano, circulando em carros americanos, consumindo filmes de Hollywood e assim por diante.
Meio século depois, isto é, agora, o único setor verdadeiramente moderno da economia brasileira parece ser a agricultura, exportando milhões de toneladas de todos os tipos de produtos, garantindo o equilíbrio das transações correntes, com seus saldos anuais de dezenas de bilhões de dólares, compensando assim, pelo menos em parte, os crescentes déficits do setor manufatureiro. De fato, os agricultores no Brasil são modernos, conectados permanentemente aos mercados de futuros de Chicago e a outras bolsas de mercadores, para decidir, quase um ano antes o que plantar, quando plantar e, sobretudo, quando vender, no melhor momento dos picos de preços.
Parece que os únicos atrasados no campo, atualmente, são os militantes ignaros do MST, na verdade, quase totalmente urbanos, ou suburbanos, enganados criminosamente, usados como massa de manobra por reacionários de um partido neobolchevique que não tem nenhuma intenção de fazer reforma agrária, pois o que lhe interessa, de verdade, é viver das verbas do governo ou extrair dinheiro dos ONGs estrangeiras ingênuas, que pensam estar financiado um movimento que se preocupa com a justiça social. Não, a última coisa que interessa o MST é a reforma agrária, já que ele é um dos muitos movimentos autoproclamados sociais, que sobrevivem graças às riquezas produzidas pelo capitalismo, e que neste caso se dedica apenas a dificultar a vida do agronegócio, que é, cabe repetir, o único setor verdadeiramente avançado do Brasil atual.
Enfim, em pouco mais de meio século, demos a volta completa, e hoje podemos proclamar com orgulho que o Brasil é um país essencialmente agrícola.

Na política, a mentalidade sempre atrasada das elites
Não foi fácil essa volta às origens, pois as elites, sempre de mentalidade atrasada, tentando mimetizar o que nos vinha do exterior, se contentaram apenas em abolir a escravidão, aliás, tardiamente, e acharam que já tinham feito muito. Elas desprezaram as recomendações de Joaquim Nabuco, que queria os negros libertos, mas com distribuição de terras e com educação, o que não havia sequer para brancos pobres. Nabuco foi um derrotado, como já o tinha sido, desde a independência José Bonifácio, e depois Irineu Evangelista de Souza, que conseguiu apenas o título de Barão de Mauá, mas não a concretização de suas ideias de progresso industrial e financeiro. Rui Barbosa também tentou, à sua maneira, fazer o Brasil avançar, como o gigante do norte, mas tudo o que conseguiu foi estimular o espírito rentista das elites parasitárias.
Nada do que pregavam esses estadistas se fez, e os negros libertos, os mestiços e todos os brasileiros pobres continuaram a vegetar no interior do Brasil, ou às margens das grandes cidades, se empregando precariamente, sem educação e sem capacidade de se inserir produtivamente numa economia que recém começava a se industrializar, aos soluços, aos trancos e barrancos, ao sabor das políticas comerciais, que visavam mais defender as receitas do Estado do que propriamente estimular uma indústria nacional. Sim, as elites preferiam importar agricultores brancos da Europa, e foram estes que, dotados de uma ética que Max Weber pensava encontrar unicamente nos protestantes, verdadeiramente modernizaram o Brasil.
A modernidade se espalhou gradativamente pelo Brasil, ao ritmo da urbanização e da industrialização, mas também com a expansão das fronteiras agrícolas, graças ao trabalho de novos bandeirantes. Aqui é preciso fazer uma homenagem aos gaúchos, filhos de imigrantes, que levaram a agricultura moderna para os mais diversos rincões do interior brasileiro. Os novos bandeirantes civilizaram o interior atrasado do Brasil, onde quer que eles tenham tocado, com seu vigor no trabalho, seu espírito cooperativo, suas máquinas agrícolas e suas churrascarias. Foram eles que venceram a linha de Tordesilhas econômica, que fazia a atividade produtiva do Brasil depender de uma estreita faixa atlântica de não mais de 200 quilômetros a partir da costa.
Mas as elites, em geral, continuaram atrasadas, o que é manifestamente patente na política e na educação. Incapazes de se entender sobre os rumos do país, os políticos provocaram mais de uma vez, aliás incontáveis vezes, intervenções dos militares na vida política. Militares são típicos representantes da classe média, amantes da ordem, inimigos da corrupção política – que eles desprezam fundamentalmente –, encarregados constitucionalmente da segurança da pátria e diretamente interessados num país poderoso, dotado de uma indústria moderna, que seja capaz de assegurar a autonomia nacional no abastecimento prioritário e nos equipamentos que lhes são necessários. Foi por causa das desordens civis, da inflação destruidora das poupanças dos cidadãos, do caos administrativo e da incapacidade da classe política em resolver, sem corrupção, os problemas básicos da nacionalidade que os militares interviram tantas vezes na vida civil, alegadamente para colocar o Brasil nos trilhos do desenvolvimento, como eles não se cansam de dizer.
A República começou com um golpe militar, porque o império já estaria carcomido, segundo se dizia. Depois de muitas turbulências, e revoltas militares e civis, foi a República que ficou carcomida em muito pouco tempo. Os militares voltaram a se envolver nos assuntos públicos desde o início dos anos 1920, em ondas sucessivas, até culminar, com apenas uma parte das Forças Armadas, na revolução de 1930, que de fato alterou o padrão das intervenções militares, como seria o caso novamente em 1964. A despeito de uma fratura em 1932, a vigilância contra a desordem civil e no caso de ameaças ao Estado continuaram a constituir prioridades da agenda política dos militares. A intentona comunista de novembro de 1935 selou definitivamente o anticomunismo como doutrina oficial do Estado brasileiro, estabelecendo um dos critérios básicos para a intervenção dos militares na política.

A história virtual das tentativas comunistas e do autoritarismo brasileiro
Uma suposição plausível é cabível nessa conjuntura da história nacional: se não tivesse havido a intentona comunista de novembro de 1935, provavelmente não teria havido a Lei de Segurança Nacional do ano seguinte, e logo em seguida o golpe de novembro de 1937 e a implantação da longa ditadura do Estado Novo, bem mais repressiva e autoritária do que o regime militar dos anos 1960 e 70. Devemos esses oito anos de ditadura completa, sem congresso e sem partidos políticos, aos ingênuos dirigentes da Internacional Comunista e aos equivocados bolcheviques tupiniquins, entre eles o idiota do líder comunista Luis Carlos Prestes. Da mesma forma, se não tivesse havido ações de guerrilha urbana e rural, estimuladas pelos comunistas cubanos e chineses, provavelmente não teríamos tido a descida numa verdadeira ditadura militar a partir de 1968, com todos os excessos da repressão policial e militar, muita tortura e muitos mortos e desaparecidos (mas muito longe dos números chilenos e argentinos). Devemos isso, mais uma vez, a “patriotas equivocados” – como o Partidão chamava os comunistas que foram para a guerrilha – e a um punhado de maoístas deslocados no tempo e no espaço. Os atentados da guerrilha, a mobilização para a luta armada, as provocações aos militares, tudo isso antecedeu, não sucedeu à descida para a ditadura e o pior da repressão durante o longo regime militar de 1964 a 1985 (que não foi uno, não foi uniforme, sobretudo não foi planejado para ser dessa forma).
É simplesmente mentira alegar agora, como fazem os herdeiros daqueles que foram derrotados na luta armada, que, por meio da guerrilha, se estava levando uma luta de resistência contra uma ditadura militar para trazer o Brasil de volta à democracia. Eu estava dentro desses movimentos e posso dizer que não é verdade: ninguém ali estava lutando para trazer de volta a democracia burguesa, que desprezávamos. O que queríamos mesmo era uma bela ditadura do proletariado, ao estilo cubano ou chinês, que inevitavelmente teria de começar fuzilando burgueses e latifundiários, para dar o exemplo, e talvez até alguns acadêmicos de direita. Esse era o nosso projeto, e foi ele que afastou o Brasil durante vários anos da redemocratização, trazendo sofrimentos inúteis, por culpa de elites alternativas, também atrasadas e até mesmo anacrônicas.
Obviamente, antes da guerrilha, seguida da repressão violenta por parte dos militares, nessa ordem, tínhamos tido o golpe militar de 31 de março de 1964, aqui também por culpa das elites tradicionais. Incapazes de se entenderem sobre como encaminhar, pela via parlamentar e democrática, os muitos problemas do processo de modernização – a rápida urbanização, a industrialização, a incorporação das massas no jogo político, as reformas a serem feitas para colocar o Brasil na nova ordem global, pós-colonial, as agruras da inflação, o caos administrativo criado por um presidente inepto, e vários outros problemas mais – as elites novamente apelo aos militares para resolver suas diferenças políticas. Havia militares de esquerda, poucos, havia militares de direita, também poucos, pois a maioria dos militares, como da população civil, queria apenas ordem, crescimento, baixa inflação, essas coisas corriqueiras e banais. Muitos deles se preocupavam com os comunistas, bastante assanhados nesses tempos de Guerra Fria e de aparente ascensão da União Soviética. Mais uma vez, o idiota do Prestes mostrava seu atrevimento, clamando que “ainda não somos governo, mas já estamos no poder”. O mesmo idiota, ao fugir da repressão que se abateu mais uma vez sobre os comunistas, deixou para trás, de presente para os militares, suas famosas cadernetas, onde estavam anotadas todas as discussões mantidas com os colegas do comitê central.
Também é mentira que o golpe começou em Washington, como alegam muitos. Obviamente que depois da “perda da China” para Mao Tsé-tung, depois que Fidel Castro proclamou o caráter marxista-leninista da revolução cubana, em abril de 1961, e sobretudo depois do episódio dos mísseis soviéticos em Cuba, em outubro de 1962, quando o mundo quase chegou à beira de uma confrontação nuclear entre os dois gigantes da Guerra Fria, depois de tudo isso é evidente que os americanos estavam preocupados com a possibilidade de uma nova Cuba no hemisfério, de uma nova China no mundo, ali, logo abaixo. Eles conspiraram, por certo, vigiaram, espionaram, se alarmaram e se prepararam, mas não foram eles que deram o golpe, nem o sinal de partida. Mesmo sem qualquer conspiração americana, sem qualquer estímulo prático, os militares brasileiros tinham motivos de sobra para dar o golpe, de qualquer jeito, entre eles a quebra da hierarquia militar pelo próprio presidente. Não foi apenas o medo do comunismo e o temor da inflação que os moveu, e sim todo o caos político criado por elites incompetentes e por dirigentes ineptos.

Do golpe à ditadura: acidentes de percurso
Não era a intenção inicial dos militares se instalar no poder e instaurar uma ditadura militar. Chamados pelos civis – inclusive três governadores candidatos a presidente nas eleições de 1965 – os militares pretendiam apenas limpar o terreno, colocar o Brasil em ordem, e se afastar, como sempre o fizeram das vezes precedentes. Só que desta vez, as coisas não aconteceram como no passado. Como eles pretendiam fazer um serviço completo, antes de entregar o poder novamente aos civis, eles tiveram de se esforçar mais um pouco, ao se deparar com um quadro ainda mais caótico do que imaginavam anteriormente, tanto na frente interna, quanto na externa, aqui, inclusive, bem mais ameaçador, do ponto de vista da segurança nacional, um dos mais sagrados princípios da doutrina militar.
Na frente interna, os militares viam políticos incompetentes e corruptos como o principal obstáculo a que o Brasil empreendesse o grande projeto de desenvolvimento que eles tinham em mente, que sempre tiveram, desde os anos 1930, quando foram chamados pela primeira vez para participar realmente dos destinos do país (excluindo-se a fase inicial da República, quando eles não sabiam exatamente o que fazer e se dividiram quanto aos rumos do país). Na frente externa, a ameaça foi representada pela luta armada, de inspiração cubana ou maoísta. Os militares tratariam desses dois problemas à sua maneira, isto é, com a mão forte, nem sempre bem dirigida.
Eles começaram por eliminar alguns dos líderes que eles julgavam corruptos (como Adhemar de Barros, por exemplo, o inventor da expressão “rouba mas faz”), outros por demais ambiciosos (Carlos Lacerda, dito O Corvo, o homem que esteve atrás de todas as crises políticas da República de 1946), e alguns até desejosos de voltar ao poder (e JK era candidatíssimo nas eleições previstas para 1965, jamais realizadas). Vários deles tinham incitado os militares ao golpe, esperando depois recolher os frutos de suas conspirações. Por um conjunto de circunstâncias fortuitas, e também pela amplitude da reação, dos cassados e dos novos opositores do governo militar, tornou-se difícil manter o projeto original, ou seja, limpar o terreno e depois voltar aos quartéis. A presidência Castelo Branco foi prolongada, reformulou-se totalmente o sistema partidário, com a criação pelo alto de apenas dois partidos – um obrigatoriamente do governo, a Arena, o outro artificialmente de oposição, o MDB – e se elaborou uma nova Constituição, a de 1967, eliminando-se o voto direto para presidente (e domando, de maneira conveniente, a escolha para os demais cargos executivos na federação). Radicais de ambos os lados começaram então a se movimentar, nas esquerdas (pois havia muitas) e na direita, também bastante dividida, mas comprometida com o regime militar que então surgia com sua nova institucionalidade formal, isto é, autoritária.
Os militares estavam unidos no combate à luta armada, mas atenção, não foram eles que começaram a brincadeira. Não nos esqueçamos que logo em seguida ao golpe, Carlos Marighela viaja a Cuba e de lá volta com a nova palavra de ordem: criar dois, três, muitos Vietnãs, como proclamava Ché Guevara, em suas frustradas aventuras guerrilheiras na África e no coração da América Latina, na Bolívia mais precisamente. Os comunistas cubanos deram todo o apoio logístico e financeiro ao empreendimento guerrilheiro, não apenas de Marighela, como de outros líderes comunistas também. Isto precisa ficar bem claro, para que não se confundam as coisas e não se invente uma falsa história da resistência ao regime militar. O grosso da repressão, as torturas bárbaras que foram impostas à maioria dos guerrilheiros, ou simples “subversivos” capturados, os desaparecimentos, os assassinatos cometidos contra os guerrilheiros não vieram antes, mas bem depois que os atentados da luta armada começaram de forma algo improvisada e bastante ingênua: assaltos a bancos, atentados a quartéis, eliminação de “inimigos da revolução” e de “agentes do imperialismo”, mortes a sangue frio, cabe relembrar.
Não estou aqui escrevendo a história, apenas testemunhando o que vi, o que assisti, como aprendiz de guerrilheiro que nunca chegou a entrar em ação. Quando vi a precariedade de meios, a insanidade do projeto armado, a profunda debilidade política de todos esses movimentos, o total descolamento dos grupos guerrilheiros de qualquer base social que eles pretendiam representar – e eu conheci três, a ALN, a VPR e a VAR-Palmares – decidi auto-exilar-me voluntariamente. Passei boa parte dos anos de chumbo na Europa, sempre lutando contra o regime militar, mas lendo, estudando, visitando todos os socialismos, refletindo sobre tudo aquilo, e aprendendo. Mas não pretendo oferecer agora um depoimento pessoal sobre o que se passou nos anos da luta armada. Vamos voltar ao nosso assunto principal.

Nossas elites continuaram seu percurso de atraso mental
As melhores elites que o Brasil teve, durante algum tempo em seu processo de modernização, foram as militares, tanto nos anos 1930, quanto nos 60 e 70, mas com alguns pecados veniais, e alguns outros mais graves. As elites civis, com poucas exceções – que se contam nos dedos superiores – se voltavam, como já mencionado, para os militares, cada vez que tinham contradições internas, como diriam os marxistas. Os militares vinham, com seus cavalos ou tanques, e depois se entendiam com os tribunos civis, os latifundiários, os burgueses mais destacados.
Mas essas elites também eram atrasadas sociologicamente falando, sobretudo porque se acostumaram a delegar ao Estado funções e atribuições que poderiam, talvez, ter sido melhor encaminhadas pela via da própria sociedade civil e no âmbito dos mercados livres, como o financiamento da produção, da realização de obras de infraestrutura, de muitos serviços coletivos, como comunicações, transportes, energia, saneamento urbano, etc., como aliás vinha se fazendo desde o Império e até o começo da República. Não se diga, justamente, que tais serviços e empreendimentos não poderiam ser realizados por capitais privados, e que só um Estado forte, centralizado, dispondo de vastos recursos, teria de assumir o encargo exclusivo de fazê-los. Durante todo o Império e na velha República, todas, repito TODAS, as obras de infraestrutura, e comunicações, de serviços urbanos, de transportes foram realizadas em regime de concessões públicas, ou seja, por capitais privados, geralmente estrangeiros, e na base de joint undertakings, ou seja, em regime de PPPs, as famosas parcerias público-privadas, que alguns imaginam ser uma novidade inventada recentemente. O Império contraia esses empreendimentos já que carecia dos capitais e da capacidade técnica para fazê-los, geralmente dando a partida em alguma companhia constituída na City de Londres, com alguns conselheiros brasileiros no board da empresa. Desde a ferrovia pioneira de Mauá, a Rio-Petrópolis, até as últimas railways pelo interior do Brasil já nos anos 1920, todos esses empreendimentos se constituíam ao abrigo de contratos de direito comercial, mercantil ou privado, regulando a concessão – algumas por até 99 anos – para os quais o Império oferecia a famosa garantia de juros, em média de 6% ao ano, bem mais do que a média histórica do capitalismo, de apenas 3 ou 3,5%.
O Brasil era um bom negócio para a globalização da belle époque, junto com a Argentina, que o superou amplamente, e o México, pelo menos até 1912 (quando os zapatistas mergulharam o país novamente no atraso). Depois as coisas se complicaram um pouco: os capitais se retraíram (teve o calote argentino da crise do Barings, em 1891), o protecionismo comercial se instalou, os financiamentos internacionais se tornaram mais difíceis, os investimentos secaram um pouco, mas o desastre mesmo veio com a primeira guerra mundial, quando se suspende a conversibilidade e o padrão-ouro, e o Estado, ou melhor, os políticos, aprenderam a fabricar inflação e a intervir na economia. Os tempos nunca mais seriam os mesmos.
Tudo mudou então, na política, mas sobretudo na economia. Os mercados se fecharam, as moedas se desvalorizaram, e a inflação se instalou, inclusive porque os governos, depois de esgotarem todas as possibilidades de financiamento voluntário e compulsório, começaram a emitir moeda sem lastro metálico. Eles nunca mais pararam desde aqueles tempo, apenas refreados por surtos repentinos de hiperinflação, quando então se trocava a moeda e se seguia adiante, no mesmo ritmo. A América Latina, mesmo sem guerra, fez melhor do que qualquer governo dos demais continentes: os países produziram inflação praticamente em moto contínuo.
E as nossas elites? Não se pode culpar inteiramente as elites brasileiras por esses pecados veniais, partilhados igualmente com os militares. Elas estavam acostumadas, desde sempre, a viver sob a sombra d’El Rey, o que começou nas sesmarias, passou pela confirmação do tráfico e do escravismo na época da independência, continuou sob a Lei de Terras de 1850 e se prolongou no nascimento da República. Não se pode dizer que elas não tenham sido correspondidas nesse amor involuntário por um Estado que ainda não era o ogro famélico que conhecemos atualmente. O Estado brasileiro do início do século 20 deveria se apropriar de no máximo 4 ou 5% do PIB (noção que ainda não era conhecida nessa época, obviamente). A carga fiscal já tinha subido para 12%, quando os militares deram o golpe e chegou a 24% ao final do seu regime, e continuou subindo sempre, inapelavelmente: deve andar na casa de 35 a 38% do PIB, dependendo da metodologia aplicada. Na prática, o Estado gasta mais de dois quintos do produto, aqui incluídos os acréscimos ao estoque da dívida pública, não cobertos pelos juros liberados pelo superávit primário (uma invenção conveniente para esconder uma contabilidade mais elementar).
Não se deve acreditar, por outro lado, quando adeptos da contabilidade criativa disserem que a dívida pública líquida é de apenas 43% do PIB, e que a bruta não supera 70%, uma vez que estes dados não medem toda a amplitude do problema, tanto o seu custo, de mais de 10% ao ano – quando os japoneses, por exemplo, que exibem uma dívida total de mais de 250% do PIB, a financiam internamente e a um custo próximo de zero – como o fato de que um quarto dela está de posse do Banco Central. Mas retornemos às nossas elites.

E as novas elites: quem são elas, o que fazem elas?
Qual a diferença entre as velhas elites, hoje submissas, e as novas elites? As antigas elites brasileiras viviam SOB o Estado, ao passo que as novas elites, vivem DO Estado, PARA o Estado, PELO Estado, COM o Estado. A nova classe, a Nomenklatura do partido neobolchevique, parece ter a intenção de manter indefinidamente o controle do Estado, se possível exclusivamente, se não der, em coalizão, desde que ela mantenha a hegemonia do processo decisório e dos mecanismos pelos quais fluem os recursos. As antigas elites obtiveram do Estado o que necessitavam para sobreviver e prosperar: proteção à indústria infante, subsídios setoriais generosos, políticas acomodatícias, como a lei do similar nacional, tarifas comerciais sempre defensivas, em todo caso muito elevadas, fechamento quase completo da economia e, como consequência de tudo isso, um grande mercado interno cativo, passivo, ao seu inteiro dispor. Elas desfrutaram do Estado varguista, que foi também o Estado dos militares, os mesmos que derrubaram Vargas, mas que continuaram a sua obra econômica, aperfeiçoaram o Estado interventor e o levaram aos seus extremos. Tem gente que adora esse tipo de coisa.
Os militares, tanto nos anos 1930-45, quanto no período 1964-85 fizeram no Brasil aquilo que Stalin estava fazendo na União Soviética com o seu socialismo num só país: eles praticaram o que pode ser chamado de stalinismo industrial, e construíram um sistema integrado verticalmente, pouco dependente do exterior, com um índice de nacionalização da oferta interna poucas vezes visto em outras experiências desse tipo: ao final do regime militar, o “made in Brazil” representava provavelmente perto de 95% dos produtos de consumo. Os militares praticaram esse capitalismo num só país em benefício de grandes grupos nacionais, de algumas multinacionais integradas a esse espírito industrial e em benefício do próprio Estado, obviamente.
E as nossas novas elites?  Quem são, o que fazem, como vivem, do que vivem? Elas não são mais, obviamente, aqueles coronéis de chapelão, aqueles burgueses de cartola e charuto (mas as novas não dispensam os charutos cubanos), elas não são mais os industriais que se beneficiaram do stalinismo industrial praticado tanto pelo Estado varguista quanto pelo regime militar. As novas elites, quando ainda não eram tão ricas quanto hoje – mas elas já eram, de certa forma, elites, ainda que do tipo da aristocracia operária que conhecemos bem, ou como guerrilheiros reciclados que também sabemos quem são –, nos velhos tempos do Ancien Régime burguês (desculpem a contradição nos termos), essas novas elites que se tornaram velhas antes do tempo viviam às turras com o Estado burguês, com a sociedade capitalista, imaginem vocês. Antes desses tempos de fim da História, elas pretendiam – vejam que pretensão – derrocar o Estado burguês, aplastar o capitalismo perverso, e colocar em seus lugares respectivos o glorioso Estado proletário e o modo de produção socialista, com algumas loucuras maoísta em complemento.
Patriotas equivocados, como diria o Partidão – e eu fui um deles –, ou ainda, guerrilheiros improvisados, brincando de mocinho e bandido com os gorilas da ditadura militar. Fomos derrotados, obviamente, embora eu continuasse a lutar contra o regime militar até o final, ainda pensando em construir o socialismo, mas já numa feição mais democrática, à face humana como se dizia na ocasião, para distinguir do sovietismo já esclerosado, não mais dos tempos do stalinismo com Gulag, que funcionava apenas na base da repressão a dissidentes e internação em clínicas psiquiátricas. Eu já tinha feito minhas observações ao vivo, tendo morado num dos socialismos reais durante breve tempo, mas visitado todos os outros socialismos, do real ao surreal, e conhecia bastante bem os diversos capitalismos, do ideal ao perverso, como se encontra na periferia.
Mesmo marxista, nunca fui fundamentalista, e sempre li meu Raymond Aron ao lado de Marx e Sartre, e Roberto Campos para compensar os economistas estruturalistas e keynesianos a que estávamos acostumados na faculdade. Ou seja, fiz o meu dever de casa, aquilo que os camaradas do Partido Soviético chamavam de autocrítica, algo que os companheiros atuais nunca fizeram. Isso me habilitou a tirar certas conclusões, não apenas sobre o sentido da História, como gostam de dizer os marxistas, mas também sobre as políticas públicas, macroeconômicas ou setoriais, que funcionam e as que não funcionam. Minhas conclusões são muitas, mas eu vou me ater às características das novas elites.

Nova classe, novo pensamento, nova língua, como nunca antes...
Para simplificar, pode-se retomar o padrão já descrito: as novas elites vivem do Estado, para o Estado, com o Estado, pelo Estado, e sem ele não conseguiriam mais sobreviver, já que não se pode mais contar com mensalão cubano ou mesada chavista. A verdade que elas agora não mais precisam disso, pois possuem meios próprios, inclusive uma vaca petrolífera para ordenhar à vontade. À diferença das antigas elites, que viviam em contubérnio com o Estado, mas que também produziam alguma coisa – que fossem produtos rústicos para o mercado interno, ou um pouco de inteligência jurídica ou acadêmica – as novas elites não produzem nada, sequer um grama de conhecimento, só marxismo rastaquera e gramscismo de fancaria. Elas são, como já disse um jornalista, a burguesia do capital alheio, a nossa Nomenklatura, a nova classe que vive sugando o Estado e extorquindo a verdadeira burguesia, muitas vezes com a conivência da própria.
Elas sequer pensam em construir o socialismo; para quê? Nem o PCdoB acredita mais nisso, e seus panfletos só servem para enganar estudantes ingênuos e já iludidos. O capitalismo é muito melhor, já vem pronto para desfrutar: iPhone, iPad, fast food, viagens à Disneyworld, filmes de Hollywood e, sobretudo, não tem aquela pobreza igualmente distribuída – menos para a Nomenklatura – de todos os regimes socialistas; os companheiros só precisam visitar a miséria cubana nas reverências rituais que eles prestam regularmente aos patrões ideológicos (com alguma parada em paraísos fiscais). Essa coisa de prateleiras vazias, cartões de racionamento, penúria de dólares, isso é só para socialista estúpido economicamente, não para os companheiros da nova elite.
De fato, as novas elites companheiras não precisam mais viver de mensalão cubano, como ocorria nos primeiros tempos; são elas, agora, que ajudam os hermanos da ilha caídos na lata de lixo da História, por serem tão estúpidos a ponto de acreditar que uma economia socialista poderia funcionar. Não foi por falta de aviso: Ludwig von Mises já tinha dito que seria como fazer uma vaca voar, no seu Cálculo Econômico na Comunidade Socialista, escrito em 1919. Os companheiros aprenderam que, mesmo periférico, deficiente e subdesenvolvido, como o brasileiro, o capitalismo é muito melhor, inclusive porque se pode ter charutos cubanos e vinhos franceses, se pode assinar sem medo manifestos em favor da “democratização da mídia”, e sobretudo se pode ir fazer compras em Nova York ou Paris, sem aquela burocracia socialista, chata, aborrecida, controladora, idiota, como toda burocracia socialista (às vezes nem isso).
Tem mais: estando no poder, não precisa mais ficar improvisando maneiras de desviar umas merrecas no recolhimento de lixo ou em transportes públicos de pequenos municípios de interior. Agora, o dinheiro chega sozinho, quase sem precisar fazer força, e por meios quase legais (mas os hábitos da clandestinidade persistem). Nem precisa mais extorquir banqueiros e capitalistas industriais, são eles que agora se oferecem generosamente para financiar campanhas eleitorais e datas festivas. Os mais pródigos, obviamente, são os donos de construtoras: esses possuem a corrupção no DNA, e não conseguem viver sem corromper um funcionário aqui, outro acolá, de preferência nos mais altos escalões. Claro, contrapartidas são de rigor: superfaturamento garantido, com aditivos pré-agendados e rapidamente aprovados, subsídios de mãezona para filhão do BNDES, gordos juros da dívida pública e expedientes do gênero.
Nem adianta esses técnicos do TCU apresentarem laudos arrasadores, capazes de impugnar até a compra de um prego; os conselheiros políticos sempre dão um jeito de salvar o pão deles de cada dia. De outra forma, como seria possível explicar a construção de uma refinaria que passa de 2 a 20 bilhões de dólares sem maiores contestações ou surpresas? Como justificar o preço final de uma outra refinaria que, na verdade, entra como Pilatos no Credo, não tem nada a ver com a verdadeira operação, que transcorreu muito bem, deu resultados e constituiu um ótimo negócio para eles?
As novas elites foram extremamente bem sucedidas na neutralização mental do país, na operação de lobotomia das outras elites, inclusive a acadêmica, que não vê nada de errado na construção do maior curral eleitoral do mundo, com quase um terço da população colocada numa condição de assistida, com recursos extraídos da metade que trabalha e paga impostos. Atualmente, para esse tipo de dominação, não se requer nem mesmo alguma doutrina sofisticada, uma ideologia completa, sequer um peronismo de botequim; nada disso é preciso. Basta demonizar o neoliberalismo, vilipendiar as privatizações, atacar os inimigos de classe – as tais das “zelites” – e enganar os incautos com PACs imaginários, fazer muitas conferências nacionais de inclusão (de qualquer coisa) e fazer discursos na base do nunca antes.
De fato, pouca gente ficou ao relento: temos uma Argentina inteira vivendo aqui com cartão magnético, um imenso exército de assistidos oficiais; a burguesia ficou com a Bolsa-BNDES e os banqueiros continuam vivendo de déficit público e da dívida que segue junto. E a classe média? Depende: tem uma parte que paga mais impostos – 4 pontos do PIB a mais para cobrir a conta de todos esses favores – e tem a tal de nova classe média, que ainda mora na favela, mas já está em ascensão, ou pelo menos assim dizem, pois comprou uma TV a plasma (em dez vezes sem juros, obviamente) e tem direito a vaga numa Faculdade Tabajara, com subsídio público (ou seja, nosso).
As novas elites são realmente espertas: elas estão construindo um tipo de fascismo corporativo, quase consensual, com a ajuda da burguesia e das grandes massas encantadas com o discurso do nunca antes. Tenho a impressão de já ter visto esse filme antes, e de fato já conheço a história, de leituras e visitas a museus. Ainda recentemente, morando em Paris para dar aulas na Sorbonne, fomos visitar, Carmen Lícia e eu, o museu dos congressos nazistas em Nuremberg, um prédio impressionante de concreto, aproveitando parte do altar cerimonial de onde um outro guia genial do povo arengava as massas, que carregava tochas e bandeiras. No interior do museu, se pode assistir a documentários da época, filmagens de ocasião: aquilo me relembrou o nunca antes, o mesmo discurso inflamado, as mesmas invectivas contra as “zelites”, contra os inimigos do povo, os exploradores estrangeiros, enfim, todas essas coisas que vocês conhecem bem. Nunca antes eu tinha saído de um museu com tamanha sensação de desconforto, nem mesmo após visitar Auschwitz, ou ao deixar o Museu do Holocausto.
Nunca antes mesmo: pode-se imaginar que os companheiros, se pudessem, praticariam o mesmo stalinismo industrial que eles tanto admiravam nos militares, e tentariam construir o mesmo fascismo corporativo que deixou tão amargas lembranças em outros povos. Claro, já não é mais preciso ir à guerra por qualquer espaço vital; este já foi conquistado. O Estado já é deles: a partir do ogro famélico, eles disseminam o mais possível esse gramcismo tupiniquim em todos os níveis de ensino, do jardim de infância ao pós-doc, com apoio naquela pedagogia idiota que as saúvas freireanas instaladas no MEC apresentam sob a forma de diretrizes das educação nacional.

Existe saída do fascismo corporativo já instalado entre nós?
Não gostaria de terminar por uma nota pessimista, mas, leitor da História, sempre penso nos possíveis paralelos, ou analogias em torno da decadência de certos países, aliás algumas grandes civilizações. Três exemplos contemporâneos me veem à mente – e deixo de lado a Roma dos Césares e o império otomano – e me detenho nos casos da China, da Grã-Bretanha e da Argentina.
A China foi, outrora, o Estado weberiano mais avançado do mundo, muito antes de Weber obviamente, uns quatro mil anos antes, a civilização mais refinada, na vanguarda das descobertas científicas e das invenções práticas: a bússola, o papel, a pólvora, o spaghetti e várias outras mais, sem esquecer o kung fu. No entanto, a China decaiu, durante dois ou três séculos, sendo humilhada pelas potências ocidentais e esquartejada pelo militarismo japonês. Como isso foi acontecer? Parece que bastou um imperador idiota que resolveu fechar a China aos estrangeiros, privando-a da revolução industrial e de outras inovações importantes, sobretudo no terreno militar. A cupidez de hordas de mandarins empenhados em assaltar o Estado, e os camponeses, fez o resto. Bem, parece que nós já temos os mandarins, sem ter tido civilização sofisticada...
Pensem na Grã-Bretanha, não o império britânico, mas a pequena ilha que Deus na Mancha ancorou, como diria nosso poeta condoreiro. Depois de oferecer ao mundo o know-how da revolução industrial, ela estagnou, e foi ultrapassada pela Alemanha e pelos Estados Unidos, e vários outros, inclusive por sua colônia de Hong Kong. Não foram só os socialistas Fabianos que a inviabilizaram: conservadores também se renderam aos mitos do Estado de bem-estar social, da nacionalização, ou estatização, dos serviços públicos, e por aí veio a decadência. Ela declinou durante o pós-guerra, até que uma dama de ferro conseguisse resgatá-la de uma condição de terceira classe, invertendo um declínio que parecia inevitável.
Mirem os hermanos, aqui ao lado, que já foram muito ricos, cem anos atrás, aliás mais ricos do que vários europeus, com 70% da renda per capita dos americanos, já então o povo mais rico do planeta (o que não é o caso atualmente). Primeiro, eles foram sequestrados por um caudilho fascista, depois pela esposa, mesmo mumificada, e ainda hoje são reféns mentais de dois cadáveres, cultivados pelas máfias sindicais e por políticos medíocres, que continuam afundando a Argentina, contra toda lógica e contra toda racionalidade instrumental. Também tem o caso de um outro caudilho fascista, mais acima, que conseguiu destruir a economia do país mais rico da região, mesmo se à base de uma vaca petrolífera que só confirma a maldição do petróleo, que espero não se abata sobre o Brasil.
Seriam capazes, os companheiros, de nos arrastar para trás, como o fizeram os mandarins chineses, os Fabianos britânicos, a máfia sindical do peronismo argentino e os socialistas anacrônicos do chavismo moribundo? Talvez! Em todo caso, eles são tão incompetentes economicamente – ainda que espertos politicamente – quanto os êmulos de outras decadências. Eles não apenas sonham, como já praticam o fascismo tropical, qualquer que seja o rótulo sob o qual escondem os seus intentos e instintos. Eles só não conseguiram, ainda, desmantelar o Brasil, como o fizeram esses companheiros de outras paragens, não porque não queiram, mas porque não podem, temporariamente, ao menos. Mas eles já conseguiram arrastar o Brasil para trás, atrasá-lo, em mais de uma vertente.
Economicamente, eles conseguiram a proeza de desmentir Keynes, produzindo inflação sem qualquer crescimento: o Brasil cresce hoje menos do que a média da região, e mundial, e três vezes menos do que os emergentes dinâmicos. Politicamente, eles conseguiram submeter vários órgãos do Estado: o Congresso, certamente, várias, ou todas, as agências públicas, sem nenhuma dúvida; eles avançam sobre o Judiciário e desmoralizaram até as Forças Armadas, acusadas de todos os crimes do período militar sem que eles assumam a responsabilidade pela precedência dos ataques a quartéis que provocaram a sanha dos militares contra si. Socialmente, estão criando um Apartheid no país, com suas políticas racistas de divisão do país. Moralmente, também, conseguiram desmoralizar a ética pública, tentando colocar todo mundo na mesma indústria de corrupção que foi aperfeiçoada a partir da corrupção artesanal que era comum nos meios políticos. O retrocesso é mental, por fim, já que a própria burguesia industrial e os banqueiros de pés juntos rendem visitas  ao grande chefe, implorando que ele coloque um pouco de ordem na bagunça feita por companheiros menos competentes (e que na verdade tinha sido criada exatamente pelo próprio guia genial dos povos).
Lamento ter de terminar assim, mas é um fato que eu vejo sinais profundos de decadência institucional se espalhando por vários poros do Estado, e se disseminando pela sociedade. Nunca antes eu tinha encontrado, nos meus retornos regulares ao país, tal estado de desalento, de desconforto, de falta de rumos. Não existe outra conclusão possível: nosso país continua servido por elites incompetentes, inclusive na oposição. Nossas elites, as velhas e as novas – aliás aliadas na promiscuidade política – seguem arrastando o Brasil para trás.
Até quando isso será possível? Sinceramente, eu não sei. Toda situação de crise, ou de retrocesso, requer, em primeiro lugar, um diagnóstico correto, para depois se pensar em aplicar as prescrições adequadas. Não pretendi oferecer aqui um diagnóstico científico da situação brasileira, apenas quis transmitir minha percepção sobre o estado atual da nação. Meu diagnóstico, por certo impressionista, é apenas este: nossas elites padecem de atraso mental. Isso se corrige, mas costuma passar por algumas crises e um doloroso processo de reformas. Que isso venha o quanto antes!
[Em voo, Bradley-Atlanta-Brasília, 17-18 de abril de 2014]
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Textos que guardam relação com o diagnóstico feito acima:

2035. “De la Démocratie au Brésil: Tocqueville de novo em missão”, Brasília, 10 agosto 2009, 10 p. Resumo de relatório da missão ao Brasil empreendida por Alexis de Tocqueville, a pedido do Banco Mundial, para determinar a situação do Brasil em termos de democracia e de economia de mercado. Antecipa relatório detalhado, que poderá ser preparado na categoria dos clássicos revisitados. Publicado na Espaço Acadêmico (ano 9, n. 103, dezembro 2009, p. 130-138; ISSN: 1519-6186; http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/8822/4947). Revista Espaço da Sophia (ano 3, n. 33, dezembro 2009).  Postado no blog Diplomatizzando (12/07/2011; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/07/tocqueville-de-novo-em-missao-o-brasil.html). Relação de Publicados n. 939.


2116. “O Direito, a Política e a Economia das Relações Internacionais do Brasil: Uma abordagem não-convencional”, Brasília, 19 fevereiro 2010, 8 p.; revisto 20.03.2-10. Texto suporte para palestra-debate na abertura dos cursos de Direito, Ciência Política, Economia e Relações Internacionais da UnB, no dia 22.03.2010. Postado no site pessoal (www.pralmeida.org/05DocsPRA/2116PalestraDebateAcadem.pdf). Revisto em 25/03/2010 em Lisboa, para publicação, sob o título de “A coruja de Tocqueville: fatos e opiniões sobre o desmantelamento institucional do Brasil contemporâneo”, em Espaço Acadêmico (ano 9, n. 107, abril 2010, p. 143-148; ISSN: 1519-6186; link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/9800/5484). Relação de Publicados n. 958.


Postada no blog Diplomatizzando em oito partes, e depois apenas com o esquema e o link usado para transcrevê-la (http://cl.ly/2z2B473f0l1W);

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