terça-feira, 31 de março de 2020

Cenários para o Brasil até 2022 decorrentes da pandemia Covid-19 - Paulo Roberto de Almeida

Cenários para o Brasil até 2022 decorrentes da pandemia Covid-19

Paulo Roberto de Almeida

Respostas a consulta efetuada por Grupo de Pesquisas e Estudos Prospectivos

Brasília, 31 de março de 2020 

Recebi, recentemente, solicitação de um grupo de pesquisa e de estudos prospectivos para responder a uma consulta que estava fazendo sobre os cenários que se abrem ao Brasil, desde agora até 2022 (ou seja, o atual mandato), a partir da pandemia do Covid-19. Não encontro muita lógica nessa data de estudar, ou prospectar os “possíveis impactos econômicos e sociais para o período pós pandemia do coronavírus no Brasil até 2022”, uma vez que tanto a pandemia, quanto os impactos econômicos, sociais e políticos possuem uma dinâmica própria, que não se submetem a um período político preciso, o de um mandato conferido nas urnas. Mas entendo que essa fase é regulada por políticas públicas específicas, que dependem de um determinado governo.

Vou transcrever as minhas respostas, mas também as explicações e diretrizes da coordenação da pesquisa, pois acredito que essa consulta apresenta interesse geral, e de meu lado não tenho razões para esconder o que penso do atual governo.

 

Apresentação da consulta pelos organizadores: 

Esta segunda parte do processo terá como objetivo levantar tendências, incertezas e possíveis rupturas relacionadas a Questão Orientadora dos cenários e seus aspectos fundamentais, levantados na primeira pesquisa.

A pesquisa levará, no máximo, 10 min, e as informações coletadas serão tratadas de forma integrada e os resultados serão compartilhados com todos os respondentes.

 

Identificação

Name: Paulo Roberto de Almeida

E-mail: xxx

Formação - fornecer a última titulação: Pós-doutorado

Área de Conhecimento: Ciências Humanas

Área de atuação: Administração pública

 

Informações para auxiliar a responder a pesquisa

QUESTÃO ORIENTADORA:

Até 2022, o Brasil será bem-sucedido ao lidar com os desafios sociais e econômicos gerados pela pandemia do Coronavirus?

ASPECTOS FUNDAMENTAIS:

(1) ECONOMIA – Abrange as atividades produtivas formais e informais de empresários, trabalhadores e terceiro setor, bem como as políticas econômicas (fiscal, tributária, monetária, cambial, de crédito e de comércio exterior), de infraestrutura e de ciência, tecnologia e inovação. Destacam-se como resultados a geração de trabalho, produção e renda, além da produtividade e competitividade nacional.

(2) SOCIEDADE E DEMOGRAFIA – Abrange as questões ligadas à qualidade de vida em seus múltiplos aspectos, tais como: demografia; formas e relações de trabalho e de convívio social; habitação e mobilidade urbana; sensação de segurança e criminalidade; previdência e assistência social; desigualdades de renda e pobreza; e acesso à educação, à nutrição saudável, à cultura e lazer e aos serviços em geral, públicos e privados.

(3) SAÚDE E MEIO AMBIENTE – Abrange a redução e prevenção de riscos e agravos à saúde da população por meio das ações de vigilância sanitária e epidemiológica, promoção e proteção, com o controle das doenças transmissíveis e na promoção do envelhecimento saudável; a atenção básica, especializada, ambulatorial e hospitalar, buscando reduzir as mortes evitáveis e melhorando as condições de vida das pessoas; o desenvolvimento científico, tecnológico e da produção industrial em saúde; a formação de profissionais; e a mobilidade urbana e água, esgoto e resíduos sólidos.

(4) GEOPOLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS – Aborda a posição do Brasil no contexto das relações geopolíticas internacionais. Engloba: cooperação internacional bilateral e papel dos organismos multilaterais; alianças e disputas geopolíticas e políticas de fronteira; relação de força entre USA e China e deles com os demais países; crescimento econômico mundial e protecionismo econômico; nacionalismo e globalização produtiva, comercial, financeira, de pessoas e de comunicação e informação.

(5) POLÍTICO-INSTITUCIONAL – Trata de questões como a relação entre os poderes da República (Legislativo, Executivo e Judiciário), seus entes federados (União, Estados e Municípios) e o Ministério Público; a organização e o funcionamento do sistema político e das instituições; a eficiência, a eficácia e a efetividade das políticas públicas; e a capacidade do planejamento nacional de longo prazo orientar a alocação de recursos e as ações de curto prazo.

 

 

Tendências

Na sua opinião, quais as principais tendências até 2022 ligadas a questão principal e aos seus aspectos fundamentais? 

Liste no máximo 5. Vamos exercitar a priorização!

TENDÊNCIAS são eventos cuja perspectiva de direção e sentido é suficientemente consolidada e visível para se admitir sua permanência no período de cenarização considerado.

Até 2022, o Brasil será bem-sucedido ao lidar com os desafios sociais e econômicos gerados pela pandemia do Coronavirus?

Aspectos fundamentais: Economia; Sociedade e demografia; Saúde e meio ambiente; Geopolítica e relações internacionais; Político-institucional 

 

Comentários de Paulo Roberto de Almeida

 

Tendência 1 

Economia: Antes da pandemia do Covid-19, o cenário para a economia brasileira era o de uma lenta recuperação, quase letárgica, em virtude da gravidade do impacto da Grande Recessão do período final do lulopetismo econômico, que eu identifico, na verdade como a Grande Destruição lulopetista da economia, um legado terrível em termos de emprego e redução de crescimento que prometia arrancar as poucas possibilidades que o Brasil tinha de lograr um mínimo de crescimento para acomodar os novos jovens ingressando no mercado de trabalho e o volume crescente de novos aposentados e pensionistas sob cuidados dos regimes previdenciários (público e geral).

Imaginava que zerar o déficit orçamentário tomaria pelo menos até 2023, que a produção de superávits primários significativos poderia ser delongada até 2029, e que o Brasil continuaria, durante todo o período, e mais além, num ritmo de crescimento medíocre. Isso era antes, até 2019. 

Agora, com o impacto da pandemia, tudo está alterado e o único cenário previsível é uma deterioração ainda maior da economia, em todos os setores possíveis – sobretudo desemprego, mas também crescimento, déficit público, maior déficit de transações correntes, possível estrangulamento cambial, desarranjos diversos no plano microeconômico e perda de qualidade das políticas econômicas. Ou seja, de agora até 2022, o cenário é o de uma deterioração grave da economia, com impactos sociais significativos.

 

Tendência 2

Sociedade e demografia. São tendências que não dependem tanto das políticas públicas, e sim de estruturas sociais de caráter impessoal e incontroláveis. A demografia, já consolidada em padrões evolutivos típicos de país avançado – ou seja, a transição demográfica já ficou para trás, e o Brasil vai acumular cada vez mais idosos em sua pirâmide demográfica –, não vai mudar muito até 2022, a não ser acentuar tendências já presentes na curva populacional e na pirâmide etária, quais sejam, menos jovens, mais idosos, maior carga sobre os orçamentos previdenciários (privados, individuais, e públicos).

A sociedade, já bastante dividida politicamente desde o início do presente século, está se tornando ainda mais dividida em função das crises políticas criadas pelo lulopetismo e agora pelo bolsonarismo, aparentemente opostos, mas profundamente similares e reciprocamente dependentes. Mas essa é uma divisão conjuntural, não estrutural. A divisão estrutural, permanente, talvez até em agravamento, na sociedade brasileira, é a profunda, iníqua, inaceitável desigualdade social, entranhada em nosso tecido social, na psicologia coletiva, nas mentalidades desde o início da formação da nação, e muito tem a ver com a base escravista da organização do trabalho, mas sobretudo com a própria constituição estamental da sociedade, e sua preservação na sociedade nacional depois da abolição. 

A responsabilidade das elites nesse quadro lamentável é patente, pois elas jamais cogitaram de estabelecer um sistema de educação pública de massas, e ainda por cima desmantelaram, sem colocar nada no lugar, o único sistema de ensino que funcionava no Brasil colonial, que era o dos jesuítas. Até praticamente os anos 1930, o Brasil nunca contou com um sistema de escolas públicas nos dois primeiros ciclos, e depois que a democratização pressionou para baixo a qualidade do sistema de ensino nas escolas publicadas criadas entre os anos 1930 e 1950, nada de mais substantivo se fez para melhorar os padrões. 

A sociedade hoje paga um preço enorme em função da baixa produtividade do trabalho no sistema produtivo. O que a pandemia do Covid-19 pode fazer, agora, é uma deterioração ainda maior do pequeno sentimento de solidariedade sociedade criado a partir da fase de grande crescimento econômico do Brasil, e não se pode excluir cenários de violência anômica por causa do agravamento das condições de emprego e renda criados no presente momento. 

Ou seja, podemos chegar a 2022 com uma sociedade fragmentada e profundamente deprimida, como nunca tivemos em fases anteriores da história da nação. A população mais pobre, ainda que tenha aceitado conformadamente a reforma da previdência, vai mais uma vez constatar que foi deixada ao relento em termos de serviços básicos do setor público (saneamento básico, escola, educação, segurança, etc.

 

Tendência 3

Saúde e meio ambiente. A CF-88 estabeleceu um Sistema Universal de Saúde perfeito no papel e na sua vocação igualitária, a exemplo do NHS britânico do pós-guerra. O problema é que o Brasil não tem uma economia suficientemente produtiva, e um Estado suficientemente organizado e eficiente para fazer do SUS uma política realmente efetiva em benefício da população mais carente, daí o desenvolvimento de consórcios de saúde privados nas últimas décadas.

O SUS não é exatamente um sistema, não é exatamente único (dada a sua fragmentação federativa) e não é bem de saúde, que deveria ser, antes de mais nada, preventiva, do que curativa. De toda forma, como no caso do sistema britânico, o ponto crucial é o da administração eficiente dos recursos disponíveis, que por uma definição elementar, nunca serão suficientes, a partir da suposta universalização do atendimento, o que gera ineficiências em todas as etapas da cadeia. Por outro lado, disposições constitucionais que visam garantir recursos constantes e garantidos, obviamente crescentes, ao sistema, atuam em detrimento de ganhos de produtividade, sem mencionar a corrupção e as disfunções “normais” existentes no Estado, nos três níveis da federação. 

O nacionalismo protecionista nas compras públicas do setor, o preconceito contra o capital e os investimentos estrangeiros e a contaminação política do sistema também são fatores profundamente deletérios para o setor como um todo. Com relação ao meio ambiente, o Brasil estava caminhando para o estabelecimento de alguns padrões razoáveis de equilíbrio entre a devastação localizada (inevitável) em áreas de biomas em perigo e a manutenção do ritmo de atividade econômica, que sempre será agressora em relação ao meio ambiente. Mas, desde os anos 1990, o Brasil vinha adotando padrões de sustentabilidade progressivamente convergentes com demandas de cientistas e pressão da opinião pública internacional. 

A chegada ao poder de “novos bárbaros”, amigos da motosserra e aliados da destruição ambiental, joga novamente o Brasil na contramão da história e da política ambientalista, por mais que existissem pressões exageradas por parte de ambientalistas não científicos, ou seja, não baseados em dados da ciência quanto à sustentabilidade econômica e natural dos recursos do meio ambiente. O Brasil caminha para chegar, em 2022, na condição de pária universal no terreno da preservação ambiental. A situação geral, que já não era adequada, ou minimamente satisfatória, tanto na parte da saúde quanto do meio ambiente (devastações urbanas, por exemplo, em acidentes naturais) tende a se agravar ainda mais.

 

Tendência 4

Geopolítica e relações internacionais. A despeito de alguns equívocos motivados por opções político-ideológicas na política externa dos governos das primeiras duas décadas deste século, o Brasil projetou, ao longo do período, uma imagem bastante positiva de seu envolvimento externo, nos grandes temas das agendas diplomáticas conectadas aos planos multilateral, regional ou bilateral. Os equívocos – motivados pelas alianças políticas do partido no poder – se concentraram mais no plano regional, uma vez que o PT tinha antigos laços afetivos e ideológicos com o castrismo e outros partidos esquerdistas, e seus líderes ainda mantinham a visão anacrônica de um mundo dividido entre países ricos hegemônicos e exploradores, e países pobres dependentes e dominados. 

Mas, excluindo esses resquícios, o restante da pauta diplomática se conformava bastante bem à ideologia “desenvolvimentista” da diplomacia brasileira, ao multilateralismo, ao terceiro-mundismo e outras manias normais numa Casa identificada com o projeto nacional de desenvolvimento. A ruptura introduzida pelo olavo-bolsonarismo na política externa é a mais grave fissura a comprometer uma política externa sóbria, identificada com os interesses nacionais, pragmática em suas diversas vertentes e sobretudo atuando com base em uma identificação técnica dos diferentes aspectos da agenda externa que mais convém ao Brasil. 

A nova diplomacia posta em marcha pelo núcleo reduzido de ideólogos que a comandam é basicamente feita com base em preconceitos, erros e equívocos de análise e de julgamento, de uma ideologia anacrônica de extrema-direita, de prevenção contra o globalismo e o multilateralismo – os dois principais esteios da atuação diplomática no século XXI – e de um retorno a um nacionalismo tosco, inculto e enviesado por obsessões anticomunistas totalmente ultrapassadas num mundo que se pauta, obviamente, pela globalização capitalista, tendo a China como um dos esteios dessa integração mundial baseada no livre comércio. 

Se não houver uma correção de rumos na trajetória alucinante traçada pelos bárbaros que ocupam atualmente o poder, o Brasil vai continuar pelo resto do mandado do inepto presidente um país marginalizado dos grandes debates internacionais, desprovido de maiores alianças políticas nos principais cenários diplomáticos, além do punhado de líderes iliberais, nacionalistas de extrema-direita que hoje são os parceiros principais do governo bolsonarista. Nunca houve, na história bissecular do Itamaraty e da diplomacia brasileira, uma política externa tão medíocre e ineficiente quanto a atual.

 

Tendência 5

Político-institucional. O sistema político brasileiro sempre foi caracterizado por alta dose de fragmentação e de difícil equilíbrio entre a maioria presidencial, emanada do voto direto dos eleitores numa personalidade política, e a maioria proporcional, e dispersa entre diferentes setores da sociedade, expressa no Congresso e nos grupos de interesse que atuam nele e através dele. Sobre isso incidem velhas deformações do patrimonialismo luso-brasileiro, que conformaram uma classe política – em todos os níveis da federação – vivendo em si e para si, um verdadeiro estamento em defesa de privilégios e prebendas, que tem em outras corporações do Estado o mais elevado índice de total descomprometimento com os interesses mais amplos da cidadania. A magistratura é, provavelmente, o mais próximo que temos da aristocracia do Antigo Regime, totalmente indiferente à situação geral do país, unicamente focada na extração de recursos em seu próprio favor. 

O Estado, de maneira geral, é um extrator de recursos de toda a sociedade, em favor dos estamentos burocráticos que o povoam, e é o principal vetor de construção de desigualdades e de concentração de renda. Não se imagina uma correção radical dessas deformações no curto prazo, uma vez que esse processo demandaria um tempo necessariamente longo de educação política, ou de educação tout court, numa sociedade que raras vezes valorizou o ensino de boa qualidade como prioridade nacional. 

Sobre essas tendências fortes, que devem continuar – num jogo contínuo de chantagens entre os três poderes, e que estão na base do famoso “presidencialismo de coalizão”, que redunda ser, no mais das vezes um presidencialismo de cooptação e de corrupção –, se acresce o atual governo de um líder inepto, inculto, autoritário, provavelmente desequilibrado, animado por aliados íntimos – em primeiro lugar sua própria família – unicamente focados na manutenção do poder, em sua expressão mais crua. 

A despeito de algum controle burocrático por parte de militares que o sustentaram na trajetória de ascensão ao poder, a tendência é a de contínua disfuncionalidade da presidência, e, portanto, de uma incapacidade manifesta de conceber e aplicar projetos racionais de reformas ou mesmo da condução de programas identificados com as necessidades básicas da sociedade (na economia, na educação, nas relações exteriores, no meio ambiente e em diversos outros setores). 

Um pequeno núcleo de ministros racionais, auxiliados por tecnocratas de boa qualidade, tenta dar sentido e direção a um governo que carece de ambos, mas os obstáculos criados pelo próprio núcleo do poder, ou seja, o presidente e seus áulicos, são uma constante ameaça à continuidade de políticas equilibradas. A tendência pode ser a deterioração progressiva e uma provável crise da governança, não sendo sequer previsível se essa tendência se manterá até 2022, ou se ocorrerá nova ruptura política na esfera do Executivo.

 

 

Incertezas

Na sua opinião, quais as principais incertezas ou rupturas até 2022 ligadas a questão principal e aos seus aspectos fundamentais? 

Liste no máximo 3. Vamos exercitar a priorização!

INCERTEZAS referem-se a eventos futuros cuja trajetória ainda é indefinida no período considerado de cenarização. Trata-se de uma pergunta sem resposta. 

Até 2022, o Brasil será bem-sucedido ao lidar com os desafios sociais e econômicos gerados pela pandemia do Coronavirus?

Aspectos fundamentais: Economia; Sociedade e demografia; Saúde e meio ambiente; Geopolítica e relações internacionais; Político-institucional 

 

Incerteza 1 

A primeira incerteza tem a ver com a capacidade dos dirigentes nacionais – tanto do Executivo quanto do Congresso – de administrar os diferentes impactos – econômicos, sociais, políticos, de relações internacionais – da atual pandemia, que vai causar um enorme stress sobre as condições já extremamente frágeis da economia. O Brasil já era, desde muito tempo, um país totalmente preparado para NÃO crescer, em razão da sua baixa capacidade de poupança e de investimento, de inovação e de produtividade, dos baixos níveis de educação formal da maioria de seu povo, sobre o que se exercia um Estado extrator, um ogro famélico que atual como despoupador líquido das riquezas criadas pelo setor privado. 

O choque atual tem tudo para: aumentar o desemprego, frear o investimento, aumentar o nível do endividamento público, criar potenciais focos inflacionários, desorganizar o sistema produtivo e aumentar o grau já elevado de elisão e de evasão fiscal, numa economia que retorna a altas taxas de informalidade e conhece até mesmo retrocessos no provimento de serviços básicos (saúde, segurança, educação, justiça). 

 

Incerteza 2

A segunda maior incerteza tem a ver com a capacidade dos homens públicos conseguirem preservar o funcionamento mínimo das instituições com um presidente altamente prejudicial ao seu bom funcionamento, justamente. O foco principal de TODAS as crises está no próprio presidente e no seu círculo íntimo e é altamente improvável que a marcha da política até 2022 o converta num administrado racional, ou pelo menos neutro. 

Existe um potencial disruptivo no seu estilo de “fazer política” altamente cumulativo, em vista das frustrações que esse próprio estilo não cessa de criar continuamente. Ou o presidente se converte num eunuco controlado por forças mais sensatas, ou as tendências à implosão são altamente prováveis. As reações irracionais aos desafios do Covid-19 são exemplos desse descontrole pessoal com a administração de crises. Não parece provável alguma melhoria no futuro previsível. 

 

Incerteza 3

No plano social, existe a possibilidade de que, numa sociedade já estressada por altos níveis de desemprego e de insatisfação com os serviços públicos – reflexo da falência progressiva dos estados e de muitos municípios –, o grau insuportável de empobrecimento geral da população trazida pela pandemia redunde em maior nível de anomia, e daí para explosões de violência ainda não conhecidos no Brasil como já o foram em outros países (na própria Argentina, por exemplo, ou no Chile), com saques a supermercados e lojas, e ataques a entes públicos. 

Ou seja, o Brasil não está imune a uma deterioração sensível da civilidade e do simples controle estatal sobre o tecido social, para impedir que o caos e a violência errática se difundam nos estratos mais baixos da sociedade. Nessas condições, as FFAA seriam chamadas a intervir, com consequências imprevisíveis no momento atual.

 

 

Rupturas

Na sua opinião, quais as principais rupturas poderão ocorrer até 2022 ligadas a questão principal e aos seus aspectos fundamentais? 

Liste no máximo 3. Vamos exercitar a priorização!

RUPTURA representa uma grande mudança causada por um novo fenômeno que pressiona o equilíbrio existente e o quebra, e que possa ocorrer no período considerado de cenarização.

Até 2022, o Brasil será bem-sucedido ao lidar com os desafios sociais e econômicos gerados pela pandemia do Coronavirus?

Aspectos fundamentais: Economia; Sociedade e demografia; Saúde e meio ambiente; Geopolítica e relações internacionais; Político-institucional 

 

Ruptura 1

As dúvidas são enormes sobre a possível evolução do cenário econômico, a principal chave do futuro do Brasil. Se o choque do Covid-19 puder ser bem absorvido pela administração da política econômica – ou seja, enormes gastos estatais, num ambiente de defesa acirrada pelas corporações e lobbies poderosos de seus interesses particularistas, contra os interesses gerais das grandes massas excluídas – pode ser que o Brasil escape da deterioração geral do sistema produtivo, aproveitando os desafios para fazer algumas reformas que tardam décadas para se realizar. As chances são, no entanto, bem reduzidas. As elites dirigentes no Brasil são medíocres, autocentradas e bastante egoístas, o que deixa antever muitas dificuldades nesse terreno. A principal ruptura seria uma crise da governança, e a abertura para dois cenários: mais populistas e demagogos, ou uma administração tutelada pelas instituições castrenses, os novos pretorianos de um regime mais autoritário do que democrático.

 

Ruptura 2

No plano social, a ruptura pode ocorrer a partir da revolta dos despossuídos contra a insensibilidade dos privilegiados, que somos todos nós, classe média-média para cima. É um cenário jamais conhecido no Brasil, salvo pequenas revoltas localizadas, muito marginais e ligados a problemas geralmente locais. Grandes crises nacionais raramente se traduziram em revolta das massas, e consequente repressão pelas forças de ordem. Talvez o Brasil não esteja imune a esta possibilidade.

 

Ruptura 3

No plano político, não existe na pauta do Congresso uma coalizão esclarecida em favor de reformas estruturais fundamentais, a não ser os remendos de ocasião, quando a pressão emerge da área econômica ou de algum estrangulamento externo. Esse descompromisso da classe política com algum programa de reformas modernizantes pode jogar o Brasil numa fase de ainda maior fragilidade política, o que representa uma porta aberta para novos demagogos e populistas, tanto de esquerda, quanto de direita. A consequência será uma possível quebra de legalidade, e a necessidade de introdução de mecanismos “corretores” estabelecidos ad hoc, sob a pressão do momento, não como resultado de algum consenso estabelecido entre as elites. Estas são muito medíocres e pobremente equipadas intelectualmente para definir e implementar um plano consensual de reformas progressivas.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 31 de março de 2020


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