terça-feira, 5 de janeiro de 2021

2021, o ano Merquior (4): uma entrevista para o jornal Gazeta do Povo sobre Merquior - Paulo Roberto de Almeida

 Como Gazeta do Povo é um jornal de direita, foram eles que deram esse título, que eu jamais escolheria, pois seria diminuir terrivelmente o papel do grande intelectual José Guilherme Merquior no panorama cultural do Brasil. Ele dialogava com a direita, com a esquerda, com os liberais, conservadores, anarquistas, com todo mundo.

Em todo caso, o resumo foi do jornalista, eu devo ter falado muito mais...

Paulo Roberto de Almeida

 

"Perfil

Redescobrindo José Guilherme Merquior: um pioneiro em desmascarar a esquerda

Intelectual precoce e exímio polemista, o diploma José Guilherme Merquior ganhou notoriedade com seus ensaios eruditos nos quais desmascarava a esquerda

Por Gabriel de Arruda Castro, especial para a Gazeta do Povo

[07/02/2020] [10:46]

 

José Guilherme Merquior foi um intelectual precoce em quase tudo. Aos 18, já era crítico literário no Jornal do Brasil. Aos 22, diplomata de carreira. Aos 40, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras.

Capaz de discorrer com profundidade sobre literatura, história, sociologia e política, ele foi uma figura de primeira grandeza no cenário intelectual do país entre as décadas de 1960 e 1980 – e um raro expoente do pensamento liberal naqueles tempos.

Formado em filosofia e direito, o carioca Merquior tornou-se doutor em Letras pela Universidade de Paris e em Sociologia pela London School of Economics, na Inglaterra. Como diplomata, ele atuou em diversos cargos, incluindo o de representante do Brasil na Unesco e o de embaixador no México.

 

“Ele foi um adolescente brilhante e, quando entrou no Itamaraty, se distinguiu muito rapidamente mesmo entre os diplomatas mais velhos. Àquela altura, ele já tinha lido sobre tudo”, diz o embaixador Paulo Roberto de Almeida, um estudioso do liberalismo.

 

Cultura e mundo das ideias

Mas foi como crítico literário e ensaísta que Merquior se tornou mais conhecido. Não que seus textos cativassem o grande público. Embora colaborasse com jornais de ampla circulação, como o Jornal do Brasil e O Estado de S. Paulo, ele falava sobretudo de cultura e do mundo das ideias. Seus artigos combinavam um estilo provocativo com demonstrações de erudição e numerosas citações (inclusive em alemão e francês, sem tradução).

 

Quem pegasse o jornal para ler um artigo de Merquior poderia se deparar com trechos assim:

 “No nosso espaço político-cultural, o impulso desenvolvimentista e modernizador não só deve como pode assumir um caráter (também) nomocrático, sensível à polifonia dos interesses coletivos numa sociedade altamente diferenciada.”

 

O rigor com a língua portuguesa e, sobretudo, com a fidelidade aos autores que ele pretendia citar estavam, para Merquior, acima das preocupações com a popularização de suas ideias.

 

E as ideias eram de fato pouco populares à época. Merquior advogava por um regime liberal, na definição mais ampla do termo. Mais do que isso, ele tinha afinidade com o social-liberalismo (uma vertente do pensamento liberal que defende um regime de liberdade política e econômica, mas com prioridade para a redução da pobreza).

 

O diplomata também criticava aqueles que defendiam uma versão doutrinária e idealizada do liberalismo: “Num país com as nossas carências de capitalização e de serviços sociais, o antiestatismo sistemático não tem como ser um combate liberal, pelo simples motivo de que sua aplicação atrofiaria ou imobilizaria no Estado um dos principais, senão o principal instrumento de criação efetiva de liberdades – de oportunidades concretas de vida e de avanço para a maioria esmagadora da população”, escreveu.

 

Liberalismo social

O liberalismo social era, na visão que Merquior expressou no início dos anos 1980, a “única face legítima do liberalismo contemporâneo”.  A posição social-liberal, dizia ele, tinha como cerne “o desiderato da igualdade das oportunidades”.

 

O tema era recorrente nos escritos de Merquior, embora poucas vezes ele tratasse diretamente de economia e dedicasse a maior parte de seus escritos à crítica literária, à sociologia e à política.

 

A política diária não o atraía tanto quanto os grandes debates filosóficos e artísticos. Ainda assim, Merquior ajudou a elaborar o programa do Partido Liberal, em 1985, e tratava de política com alguma frequência. “No reino da censura e no império ideocrático, não pode haver independência intelectual; só na república das liberdades floresce a autonomia do espírito, a altivez da palavra, a bravura da opinião”, escreveu ele, em 1981, ainda sob o regime militar.

 

O embaixador Paulo Roberto de Almeida afirma que José Guilherme Merquior tinha uma erudição ímpar. “É um tipo de intelectual que não existe mais. Merquior se destacou mais pela sua inteligência e pela sua cultura do que pelo trabalho diplomático”, diz.

 

Antimarxista convicto

Em um tempo no qual o diálogo entre intelectuais de esquerda e direita era frequente, Merquior foi amigo de figuras mais à esquerda, como o escritor Carlos Drummond de Andrade e o professor Leandro Konder Comparato. Mas não deixou de marcar posição: anti-marxista convicto, ele era com frequência definido como “polemista” por causa de seus ataques à esquerda.

Em seu livro O Marxismo Ocidental, publicado originalmente em inglês, ele faz uma análise rigorosa da tradição marxista e, ao fim, chega à seguinte conclusão:

 “Em conjunto, o marxismo ocidental (1920-70) foi apenas um episódio na longa história de uma velha patologia do pensamento ocidental cujo nome é, e continua a ser, irracionalismo”.

 

Em 1981 Merquior envolveu-se em uma controvérsia quando acusou a professora Marilena Chauí, intelectual idolatrada no Partido dos Trabalhadores, de plagiar trechos do francês Claude Lefor em seu livro Cultura e Democracia. A afirmação, feita por ele em um artigo de jornal, lhe trouxe a antipatia de parte da esquerda.

Na mesma época, analisando um livro recém-lançado do consagrado antropólogo Roberto da Matta, ele foi implacável quanto ao estilo:

 “O autor expõe, em geral, com clareza, não raro com certa elegância; mas volta e meia sucumbe ao desleixo ou, pior ainda, a esse fraseado esquisito com que tantos textos universitários macaqueiam gratuitamente palavras e construções inglesas ou francesas. O desleixo abrange alguns anacolutos e várias regências incorretas, além da estranha menção a um tal ‘Alex’ de Tocqueville (que intimidades são essas, Professor Matta? O homem se chamava Alexis.)”

 

Merquior escreveu 22 livros, incluindo obras em francês e inglês. Naquele que talvez seja o mais conhecido deles, Liberalismo Moderno e Antigo, ele traça um panorama abrangente da origem e do desenvolvimento das ideias liberais e mostra como essa tradição intelectual abarca conceitos diferentes, por vezes contraditórios, de liberdade.

Em seus anos finais, o diplomata ocupou um cargo na Casa Civil do governo Figueiredo chegou a colaborar com a campanha presidencial e com o governo de Fernando Collor.

O precoce José Guilherme Merquior acabou não resistindo a um câncer e morreu em 1991, antes de completar 50 anos de idade. Boa parte de sua obra ainda está à espera de ser redescoberta"


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