segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Após saída de Ernesto Araújo, Itamaraty busca controle de danos - Janaína Figueiredo (O Globo)

Mudou, sim, muita coisa na diplomacia, e o controle de danos começou dentre da Casa. Mas não se pode pedir que a diplomacia mude a política externa: esta é feita em outras esferas, com outras ferramentas, não apenas as do Itamaraty, que saberia conduzir uma boa diplomacia, ainda que pedestre e conservadora. Política externa é feita por líderes políticos e por decisores que detêm o poder real, o que não é o caso dos diplomatas, meros burocratas do Estado (não todos).

PRA


Após saída de Ernesto Araújo, Itamaraty busca controle de danos
Saída do chanceler em março enfraqueceu ala ideológica e abriu espaço para substituto, Carlos França, tentar recuperar credibilidade internacional do Brasil
Janaína Figueiredo
O Globo | Atualizado em 12/12/2021 - 13:06

Desde que Ernesto Araújo deixou o comando do Itamaraty, em março passado, os diplomatas brasileiros trabalham com a clara missão de fazer um controle de danos abrangente, que permita ao Brasil recuperar a credibilidade internacional. Como parte desse esforço, o Ministério das Relações Exteriores está mergulhado na preparação da presidência brasileira do G20, que começará em dezembro de 2023, no final do primeiro ano de mandato de quem for eleito em 2022. Será, afirmaram ao GLOBO fontes do governo, “uma oportunidade única para mostrar ao mundo que o Brasil está de volta”.

Ter a presidência do G20 — hoje com a Indonésia e posteriormente com a Índia — será, acrescentaram as fontes, “uma plataforma extraordinária para voltar a inserir o Brasil no cenário externo”. Numa agenda ainda preliminar de temas a serem defendidos pela presidência brasileira, à qual O GLOBO teve acesso, estão questões como meio ambiente, transformação digital, medidas anticorrupção, saúde, clima e energia.

Se governos passados tiveram eventos como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 para exibir o Brasil, o futuro governo terá uma série de reuniões de ministros do G20 e, como momento culminante do ano de 2024, a cúpula de chefes de Estado e governo do grupo.

A saída de Ernesto e a entrada do ministro Carlos França no governo devolveram, em palavras de uma fonte diplomática, “a alma ao Itamaraty”. Desde a troca de ministros, os diplomatas brasileiros, acrescentou a fonte, “respiram melhor”. A diplomacia foi despolitizada, e membros da chamada ala ideológica do governo praticamente saíram de cena. O deputado Eduardo Bolsonaro, que deixou este ano a presidência da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, está mais dedicado à campanha de reeleição do pai, o presidente Jair Bolsonaro. Com isso, o chanceler assumiu um controle quase total da política externa. França, que conhece e sabe lidar com os humores do Palácio do Planalto, comentaram as fontes consultadas, exerce uma “diplomacia serena e com visão de longo prazo”.

O esforço de reconstrução da imagem externa do Brasil foi evidente no envolvimento protagonístico do Itamaraty na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26). Muitos duvidam da capacidade do governo Bolsonaro de cumprir as metas e compromissos anunciados, mas é unânime o reconhecimento ao Ministério das Relações Exteriores por ter mostrado, de novo, uma diplomacia profissional, apegada às tradições do Itamaraty.

— É bom lembrar que nenhum representante do G20 veio à posse de Bolsonaro. A guinada da política externa é real, e veio depois da derrota de Donald Trump nos Estados Unidos e, também, de Benjamin Netanyahu, em Israel — afirma o professor de Relações Internacionais Mauricio Santoro, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

Para Santoro, “a visão negativa sobre o Brasil se deve ao tratamento do meio ambiente, ao comportamento do governo na pandemia e ao declínio da democracia no país”. O embaixador Alfredo Graça Lima, vice-presidente do Conselho Curador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e árbitro do Mecanismo Provisório de Apelação da Organização Mundial de Comércio (OMC), lamenta que Ernesto “tenha sido escalado para desconstruir o Itamaraty”, e celebra que “França esteja procurando fazer, sem alarde, uma volta ao Itamaraty normal”.

Conselho de segurança
Em janeiro de 2022, o Brasil assume novamente uma vaga rotativa no Conselho de Segurança da ONU, de onde está ausente desde 2010, outra oportunidade que o Itamaraty de França aproveitará na cruzada pela reinserção do Brasil na comunidade internacional, ainda sob Bolsonaro.

— A ausência prolongada do país no conselho também está relacionada a erros dos governos do PT. O que França está fazendo vai facilitar a transição, porque o próximo presidente não terá de fazer ajustes que já estão sendo feitos — avalia o embaixador Rubens Barbosa, que chefiou as embaixadas de Londres (1994-1999) e Washington (1999-2004), e atualmente preside o Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice).

A presença no conselho permitirá, assegura Barbosa, “fazer algumas correções e voltar a defender posições tradicionais do Brasil na ONU, entre elas a de não intervenção”.

Os novos ares que se respiram no Itamaraty permitiram a reaproximação do Brasil com países vizinhos e, em geral, a preservação da diplomacia em momentos de extrema polarização política, dentro e fora do Brasil. A escolha do país para presidir o G20 a partir de dezembro de 2023 (os mandatos são de um ano) ocorreu na reta final da gestão de Ernesto, mas fontes do governo confirmaram que o trabalho feito nos últimos meses, sem condicionamento políticos e ideológico algum, não teria sido possível sem a mudança de chanceler.

Sob coordenação do Itamaraty, vários ministérios do governo Bolsonaro estão elaborando uma agenda de prioridades para a presidência brasileira do G20 que já destaca, por exemplo, a reforma da OMC, redução de subsídios em todos os setores para fortalecer o comércio multilateral, desenvolvimento sustentável e a importância da bioenergia e de energias renováveis na transição energética dos países do grupo. No ministério, o homem do G20 é o embaixador Sarquis José Buainain Sarquis, secretário de Comércio Exterior e Assuntos Econômicos e sherpa do Brasil (nome dado ao representante do chefe de Estado que prepara o país para cúpulas do bloco).

‘Refazer fontes de diálogo’
O controle de danos pós-Ernesto, enfatiza o embaixador Gelson Fonseca, diretor do Centro de História e Documentação Diplomática da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) e conselheiro do Cebri, “deve ser feito em todos os foros multilaterais e para voltar a atuar é preciso refazer fontes de diálogo, mas, também, ter propostas”.

— Temos de ter capacidade de atuação e ideias. O que se espera nessa volta a sermos relevantes? Qual será nossa perspectiva de mundo? Como vamos nos encaixar na bipolaridade entre China e EUA? Controle de danos é se defender, mas o que vamos precisar, também, é propor uma agenda que nos faça novamente relevantes — frisa Fonseca.

Com Ernesto, o governo Bolsonaro escolheu um lado (os EUA de Trump) e praticamente se indispôs com grande parte do resto do mundo. O desafio é entrar novamente no jogo, com uma posição de peso, o que implicará a construção de uma nova agenda para a política externa brasileira.

A sensação no corpo diplomático estrangeiro em Brasília é de que o Itamaraty conseguiu começar a virar a página de pouco mais de dois anos nefastos para o país. As novas páginas, porém, ainda precisam ser escritas. Com França, um esboço está surgindo. Mas a real expectativa é o Brasil pós-eleição presidencial de 2022.

https://oglobo.globo.com/mundo/apos-saida-de-ernesto-araujo-itamaraty-busca-controle-de-danos-1-25315804

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