quarta-feira, 23 de novembro de 2022

O BRICS, questão relevante na próxima diplomacia - Paulo Roberto de Almeida

Reproduzo, pois que considero o tema mais relevante da próxima política externa.

Paulo Roberto de Almeida, 23/11/2022

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

De volta à questão crucial do BRICS para a diplomacia brasileira- Paulo Roberto de Almeida 

 Um artigo que escrevi em junho último e que me parece ainda mais relevante depois da vitória de Lula em 30 de outubro. Tenho um livro sobre a Grande Miragem do BRICS no Kindle da Amazon:

ema

O Brics e o Brasil: quem comanda? 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor (pralmeida@me.com)

Artigo para a revista Crusoé.  

 

A longa marcha do grande hegemon mundial

Em 1947, logo ao início da Guerra Fria, o Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos tomou uma decisão, que guiou a conduta do país nos assuntos internacionais pelo meio século seguinte, e provavelmente até a atualidade: manter uma inquestionável supremacia estratégica em termos militares e geopolíticos, não apenas no confronto com possível adversários (a União Soviética era o único, na ocasião), mas também em relação aos seus próprios aliados. Essa postura foi mantida sob todas as circunstâncias nas décadas seguintes, atravessando desde a fundação da Otan (1949), a adoção da doutrina da destruição mutuamente assegurada (MAD) nos anos 1950, a negociações de acordos de limitação de armas e limitadores da proliferação atômica (TNP, a partir de 1968), e até na implosão do antigo inimigo de 45 anos, a União Soviética. Os Estados Unidos se encontravam então, nos anos 1990, no seu momento unipolar, o hegemonismo levado ao seu extremo, depois da queda do muro de Berlim, da dissolução da URSS em mais de uma dúzia de repúblicas independentes (algumas apenas formalmente) e em consequência da extraordinária demonstração de força foi a primeira guerra do Golfo, em 1991, a expulsão das tropas de Saddam Hussein do Kuwait.

Os americanos tinham obtido um feito extraordinário, no meio daquele longo percurso de supremacista geopolítico: separar a China da União Soviética em termos de um possível cenário estratégico de eventual confrontação global. A visita de Nixon a Mao e a subsequente ascensão da China comunista à cadeira da República da China no Conselho de Segurança consolidaram um panorama de ruptura entre os dois grandes inimigos do capitalismo e das democracias de mercado: a China se tornou uma aliada estratégica, ainda que disfarçada, dos Estados Unidos, contra a União Soviética, contra a qual ela tinha várias diferenças antigas e recentes nos milhares de quilômetros de fronteiras e de terras roubadas em séculos passados. Essa aquisição extremamente significativa no quadro do seu planejamento geoestratégico foi completamente perdida no curso dos mesmos anos 1990, quando os EUA, depois de terem patrocinado a incorporação da China à economia global, passaram a tratá-la como adversária estratégica. Essa inversão de postura motivou uma pequena revolução na política externa e na postura global da China, que passaram a encarar os Estados Unidos, não como uma aliado, num eventual confronto com a confusa Rússia desse período, mas como uma potência hegemônica fixada num objetivo que pode ser classificado como demencial e impossível: conter a irresistível ascensão econômica e política da China, o grande Império do Meio, temporiamente diminuído e humilhado pelas grandes potências ocidentais e pelo Japão, durante o século dos tratados desiguais (desde as guerras do ópio até a conquista do poder pelo PCC, em 1949). 

 

Uma nova longa marcha para o Império do Meio

Esse novo cenário pode ter atuado como motivação principal para que os novos imperadores da China decidissem pela sua incorporação ao exercício começado pouco antes pela Rússia e pelo Brasil no sentido de transformar um mero projeto de “carteira de negócios” de um banco de investimentos, um simples exercício intelectual articulado em torno do acrônimo BRIC, em um grupo diplomático. Deve ter sido, provavelmente, o primeiro grupo, ou bloco de países, que não nasceu em torno de um projeto deliberada e racionalmente articulado pela vontade de seus membros constitutivos, com vistas a objetivos comumente determinados, em função dos interesses nacionais de cada um deles, mas que foi induzido externamente, com baseunicamente em projeções de retornos ampliados a partir de quatro economias então relativamente dinâmicas (Rússia e Brasil degringolaram depois das simulações de crescimento rapidamente desenhadas pelo economista do Goldman Sachs). 

A China já representava, desde o início, mais da metade do peso total do BRIC, em termos de PIB, comércio, finanças, capacidade de investimento, infraestrutura e demais indicadores econômicos. De certo modo ela já podia determinar para que direção caminharia o novo grupo, muito artificial sob todos os demais aspectos políticos, diplomáticos, culturais e, sobretudo, geopolíticos. Ela o fez, quase imediatamente após a conformação oficial do BRIC, na primeira reunião de cúpula dos quatro dirigentes, em Ecaterimburgo, em 2009. Já animando uma reunião anual com países africanos desde alguns anos antes – pois que tinha enormes projetos de investimentos no continente africano –, ela fez com que a África do Sul fosse admitida no bloco desde 2011, e foi assim que ele se converteu em Brics, preservando um acrônimo ainda significativo, mas integrando um país que pouco tinha a ver com o espírito inicial do seu “projetista” de investimentos. De certo modo, esse ingresso era aceitável para o Brasil, pois que a África do Sul já fazia parte do primeiro exercício brasileiro de “diplomacia de grupos” sob o lulopetismo: o IBAS, que desde 2003 já integrava a Índia.

A criação do New Development Bank e do mecanismo de empréstimos contingentes, na cúpula de Fortaleza, em 2014, parecia sinalizar uma maior adequação do Brics aos seus objetivos originais, ou seja, a promoção do crescimento econômico, o reforço de mecanismos de cooperação recíproca voltados para a promoção dos intercâmbios comerciais e financeiros com vistas ao desenvolvimento dos cinco países e sua incorporação de maneira mais ou menos coordenada aos grandes circuitos da economia mundial. Tudo isso começou a ser alterado no próprio ano de 2014, quando da violenta irrupção da Rússia de Putin na Ucrânia oriental e no sequestro e anexação da península da Crimeia à sua soberania. A Rússia passou a sofrer sanções dos países ocidentais, mas os demais membros do grupo permaneceram estranhamente silenciosos em face dessa violação flagrante da Carta da ONU e do próprio direito internacional. 

A China, totalmente empenhada na realização da sua nova Rota da Seda, trilhando caminhos nas antigas satrapias da URSS, começou a reforçar sua cooperação com a Rússia, ao mesmo tempo em que desenvolvia novos caminhos para superar os obstáculos que o ainda insuperável hegemon mundial estava criando para conter sua ascensão agora inevitável. Este é o novo grande jogo estratégico na Ásia, de contornos ainda indefinidos, depois da guerra de agressão de Putin contra a Ucrânia e de uma possível redefinição dos cenários estratégicos que serão traçados entre as potências ocidentais. 

 

A pequena marcha do Brasil no Brics

Não se sabe ainda como a futura diplomacia brasileira – a atual já quase não conta mais – vai reagir ante os recentes “projetos” de incorporação de novos membros ao Brics: Argentina, Irã e vários outros candidatos a um grupo que pode ir além do G7 (mas apenas em números). As propostas vêm sendo articuladas pela China, que convidou uma série de outros países, grandes e pequenos, à reunião virtual de cúpula de 2022. Nenhuma decisão será tomada de imediato, mas tal perspectiva permite retornar ao tema que mais importa para a China neste momento: como articular uma coalizão suficiente de países para se contrapor às manobras dos Estados Unidos de contê-la em sua irresistível ascensão?

Este é o ponto fulcral dos objetivos chineses na atual conformação do Brics, que por acaso também podem contemplar os interesses russos no cenário pós-invasão da Ucrânia a mando de Putin: lograr escapar do isolamento conduzido pelas principais potências ocidentais contra os países que contestam o hegemonismo americano e sua arrogância unilateral. Depois da anunciada “aliança sem limites” entre as duas potências autocráticas da Eurásia, o Brics passa a ser usado para fins diversos daqueles concebidos inicialmente. Depois de demonstrar sua total indiferença à anexação russa da Crimeia, a diplomacia brasileira continuará a demonstrar a mesma indiferença em relação a uma guerra cruel que, claramente, afronta todos os valores e princípios pelos quais sempre se bateu sua política externa e que também afrontam diversas cláusulas constitucionais de relações internacionais? Esse é o quadro que se apresenta ao Brasil, depois de ter patrocinado, como um aprendiz de feiticeiro, uma aventura diplomática que as modestas capacidades de projeção externa do país não estão em condições de controlar para objetivos puramente nacionais de crescimento econômico e desenvolvimento social (que deveriam supostamente ser as molas básicas de suas iniciativas no campo da política externa).

O Brasil de Lula-Amorim e a Rússia de Putin-Lavrov deram a partida a um projeto, aceito imediatamente pela China e pela Índia, por razões próprias a cada um deles. A África do Sul entrou de arrastro, e não conta para outros objetivos que não os da China em relação ao continente africano. O que pretendia o Brasil no BRIC-Brics, na origem, e o que pode ele pretender agora, quando o grupo está sendo claramente manipulado pela China e pela Rússia, em função de interesses exclusivamente nacionais, tanto no plano estratégico, quanto nos seus objetivos táticos? Essa é uma pergunta que não terá resposta imediata, nem pode ter, em virtude da conjuntura eleitoral brasileira, mas que permanece como uma das definições de grande diplomacia a serem equacionadas no futuro de médio prazo.

O fato é que o Brics se tornou um animal muito grande para ser encabrestado por um país de recursos limitados como o Brasil, talvez até pela própria Índia, num cenário que não tem muito a ver com a velha Guerra Fria, nem mesmo com alguma nova, qualquer que seja ela. questão de saber quem manda no Brics está posta: o Brasil saberá responder?

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 418828 junho 20224 p. 

 

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