Uma obra que mereceria ser reeditada pelo Itamaraty: seu autor recomendava coisas que NUNCA foram feitas pelo Brasil...
1778. “Expansão Econômica Mundial: 100 anos de uma obra pioneira”, Brasília, 7 agosto 2007, 3 p. Curto ensaio sobre a obra de Brazílio Itiberê da Cunha, Expansão Econômica Mundial (Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 2 volumes, 1907 e 1908). Publicado na Revista Acadêmica Espaço da Sophia (Tomazina, PR, ISSN: 1981-318X, Ano I, nº 8, p.1-04, novembro 2007. edição eletrônica). Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros (ano XIV, n. 59, outubro-dezembro 007, p. 28-30; link: http://www.adb.org.br/boletim/ADB-59.pdf). Republicado Via Política(Porto Alegre: n. 77, 10 dezembro 2007). Relação de Publicados nº 795.
Expansão Econômica Mundial: 100 anos de uma obra pioneira
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 agosto 2007
Brazílio Itiberê da Cunha:
Expansão Econômica Mundial
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, dois volumes, 1907 e 1908.
Cem anos atrás, o Brasil era o café e o café era o Brasil, ou pouco mais do que isso: nossa diplomacia e a própria política econômica estavam centradas na “defesa do café”, como atestam o Convênio de Taubaté e as garantias oficiais aos empréstimos contraídos no exterior para financiar a estocagem do produto, como forma de forçar a alta dos preços nos mercados mundiais. A elite política tinha consciência do atraso da Nação, resquício da ordem escravocrata do século XIX, e muitos dos seus representantes exibiam idéias políticas e econômicas avançadas, em contradição com os parcos esforços efetivamente feitos para colocá-las em prática, de molde a diminuir a distância que nos separava das potências da época.
A diplomacia brasileira, em particular, se destaca por sua grande capacidade analítica, sua organização avançada, sua forte presença política e geográfica nos mais diferentes foros abertos ao engenho e arte de seus representantes profissionais ou delegados ad hoc, num país que estava longe de conformar um paradigma do capitalismo pioneiro ou um palco ideal para o exercício das vantagens comparativas de um êmulo do bourgeois conquérant, em uma versão tropical. Um dos mais lúcidos diplomatas do ancien régime, servindo com entusiasmo a nova República, junto com o Barão do Rio Branco, foi Brazílio Itiberê da Cunha, que, em 1907, publicaria uma obra notável sobre as causas do crescimento econômico das nações, na qual ele discorre igualmente sobre as condições e requisitos do progresso brasileiro, ressaltando o papel da educação como elemento estratégico na equação desenvolvimentista.
Nos dois volumes de Expansão Econômica Mundial (Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1907 e 1908), Itiberê da Cunha tenta condensar, depois de ter participado como delegado oficial do Brasil nos congressos de “expansão econômica” do Rio de Janeiro (1905), de Mons (1906) e de Liège (1907), seus “estudos e observações que, de longa data, temos feito sobre os palpitantes problemas econômicos que atualmente preocupam as classes pensantes e dirigentes, empenhadas em dar-lhes uma solução mais prática para o maior desenvolvimento da fortuna pública e expandi-la para além das fronteiras nacionais” (vol. 1, Prefácio, p. vii). A trajetória diplomática de Brazílio Itiberê da Cunha e a importância de sua contribuição intelectual em várias outras vertentes da vida cultural brasileira – como sua rica produção musical, por exemplo – já foram devidamente redescobertas e enfatizadas por um outro colega, Celso de Tarso Pereira, [1]o que me permite concentrar a atenção em sua reflexões comparadas sobre as causas do atraso econômico e social brasileiro, como registradas na obra em questão.
Nos dois volumes de Expansão Econômica Mundial, Itiberê discorre sobre o processo de crescimento econômico nos mais diversos países, com destaque para aqueles mais avançados, mas ele têm o cuidado de iniciar sua obra pela necessidade da educação do povo, em especial da instrução comercial, como forma de se promover o progresso econômico e social de economias atrasadas como a do Brasil. O manual de um país novo como o Brasil, diz Itiberê em sua obra, “deve ser antes O Império dos Negócios, do filântropo milionário Andrew Carnegie, do que as Pandectas ou o Corpus Iuris, acompanhando assim o crescente movimento de expansão econômica das principais potências, que nos precederam em civilização, graças, sobretudo, à superioridade do seu ensino técnico-profissional, hoje reconhecido com razão, o verdadeiro complemento obrigatório do ciclo de estudos elementares...”. [2]
Apoiado nas idéias do filósofo argentino Juan Bautista Alberdi, também diplomata, Itiberê da Cunha ressalta que “a primeira dificuldade da América do Sul para escapar da pobreza é que ignora sua condição econômica, com a persuasão de que é rica e por causa desta persuasão vive pobre, porque toma como riqueza o que não é senão instrumento para produzi-la” (ou seja, os recursos naturais abundantes nesses países).[3] O diplomata brasileiro formula uma questão que poderia resumir, basicamente, a atitude contemplativa das elites brasileiras em face do problema essencial do desenvolvimento econômico, por ele assim respondida e plenamente válida ainda hoje: “por que somos uma nação sumamente pobre? A razão é simples: quando afirmamos que o Brasil é um país riquíssimo, confundimos riqueza com instrumento ou fator de riqueza. [Esquecemos] que a riqueza capaz de produzir não está produzida, e que o solo e o clima, que consideramos riquezas, não são mais que instrumentos para produzir riqueza nas mãos dos homens, que é o produtor imediato, pela força destes dois processos humanos — o trabalho e a economia, ou a conservação e guarda do que o trabalho produziu”. [4]
Essa concepção do “valor-trabalho” e, mais ainda, do poder da inteligência e da tecnologia eram dificilmente aceitas pela oligarquia cafeeira do começo da República, como tinham sido persistentemente ignoradas pela aristocracia “fisiocrática” do regime imperial. Itiberê classifica como “fenômeno vulgaríssimo” o fato de no Brasil se considerar como revestidos de prestígio especial aqueles que detinham diplomas de doutor ou de bacharel, ecoando nesse particular críticas que, naquele mesmo momento, se faziam na Câmara de deputados aos “bacharéis presunçosos” da diplomacia brasileira: “O ser bacharel em direito, como quase toda gente o é hoje em dia, constitui presunção legal de saber: daí vem que, livres da obrigação dos exames, muita gente penetra na diplomacia, vazia de conhecimentos e abarrotada de presunção. Em regra, a diplomacia é procurada pelos indivíduos de alguma fortuna e infelizmente no Brasil os ricos não são os mais estudiosos”.[5]
Ao completar-se um século de sua primeira e única edição, a obra constitui, ainda hoje, um manancial de conselhos utilíssimos aos homens de Estado do Brasil e da América Latina, sempre tão propensos a encontrar em fatores externos as razões do subdesenvolvimento de seus países. Pela riqueza de seus argumentos, pela clarividência de suas posições, pioneiras e, de fato, antecipatórias, o livro de Itiberê mereceria ser reeditado, provavelmente em formato resumido, extirpando-o de comentários puramente circunstanciais, mas retendo seus ensinamentos ainda válidos, nos dias que correm. Talvez as “classes pensantes e dirigentes” disponham, hoje, de indicadores econômicos e de “ferramentas” de políticas macroeconômicas e setoriais que não estavam ao alcance de suas congêneres de um século atrás, mas muitos dos problemas brasileiros permanecem teimosamente os mesmos – como a má educação da população, por exemplo –, enquanto outros se acumulam na indiferença dos seus sucessores, como os “monopólios de Estado” e o “mercantilismo político”, ambos condenados por Itiberê. Censurando, ainda, os acordos comerciais baseados na estrita reciprocidade, ele confiava em que “a política liberal há de triunfar um dia” (vol. 2, p. 81). Talvez, mas a luta continua...
Brasília, 7 agosto 2007
Publicado na Revista Acadêmica Espaço da Sophia (Tomazina, PR; ISSN: 1981-318X, Ano I, nº 8, p. 1-04, novembro 2007; edição eletrônica).
Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros (ano XIV, n. 59, outubro-dezembro 2007, p. 28-30.
[1] Cf. Celso de Tarso Pereira, Ritmos de uma vida: Brazílio Itiberê, músico e diplomata (Brasília: Instituto Rio Branco, 1996, monografia apresentada na disciplina Leituras Brasileiras), trabalho resumido no artigo “Brazílio Itiberê da Cunha, músico e diplomata”, Boletim ADB(Brasília: ano IV, nº 29, 09.10.1996, p. 18-22). Ver igualmente o capítulo de Pereira, sobre Itiberê, na obra coletiva coordenada por Alberto da Costa e Silva, O Itamaraty na Cultura Brasileira (Brasília: Funag, 2001; São Paulo: Francisco Alves, 2002).
[2] Cf. Brazílio Itiberê da Cunha, Expansão Econômica Mundial, op. cit., 1o. vol., p. 154-5.
[3] Idem, Cunha, Expansão, 2o. vol., p. 267.
[4] Idem, p. 267-68.
[5] Anais da Câmara dos Deputados, sessão de 2.09.1891, apud Clodoaldo Bueno, A República e sua Política Exterior, 1889-1902 (São Paulo: Editora da UNESP; Brasília: FUNAG, 1995), p. 56.
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