Mostrando postagens com marcador Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy. Mostrar todas as postagens

domingo, 14 de setembro de 2025

O discurso de posse de José Guilherme Merquior na Academia Brasileira de Letras - Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy (Conjur)

 Embargos Culturais

O discurso de posse de José Guilherme Merquior na Academia Brasileira de Letras

19 de maio de 2024, 8h05

José Guilherme Merquior (1941-1991) foi um intelectual, na mais precisa expressão desse termo. Escritor com visão abrangente dos problemas de seu tempo, e todos os tempos, também escrevia em língua estrangeira, a exemplo do inglês, idioma que usou no seu portentoso estudo sobre o liberalismo, livro que já resenhei nessa coluna[1]. Nessa obra, traduzida para o português por Henrique de Araújo Mesquita, Merquior discorreu longamente sobre o tema (e o problema) do direito natural.


Graduado em Filosofia e em Direito, tratou também de vários assuntos de especulação jurídica, o que lhe vale, certamente, a posição de importante jusfilósofo.  Essa classificação certamente seria por Merquior desprezada; afinal, foi um pensador acima de quaisquer tipologias e classificações. Insisto, no entanto, que há um importante legado de filosofia do direito na obra de Merquior, tema que merece estudo mais profundo. Não é o caso da presente crônica, que se ocupa do discurso de posse de Merquior na Academia Brasileira de Letras, em 11 de março de 1983.

Como se lê em Fábio Coutinho, ainda que em outro contexto, “o ingresso nas grandes academias representa, via de regra, a consagração dos homens e suas obras, culminando vidas inteiramente dedicadas ao trabalho intelectual”[2]. É o caso, também exatamente, de José Guilherme Merquior. Um “caso único”, como lemos em instigante ensaio de Paulo Roberto de Almeida[3]; organizador de “José Guilherme Merquior: um intelectual brasileiro”[4]; cujo prefácio me parece o mais completo estudo sobre o intelectual aqui estudado. O discurso de Merquior como orador da turma do Instituto Rio Branco (em 1963), que Paulo Roberto Almeida acrescenta em seu livro, já revelava a intuição racionalizadora do orador: a verdade não seria apenas “a conformidade da ideia com o ser: é antes um comportamento (…) frente ao mundo objetivo, como se ele nos fosse estranho”.

Merquior foi antecedido na Academia por Paulo Carneiro, ocupou a cadeira n. 36, e foi saudado por Josué Montello. A cadeira fora ocupada por Afonso Celso, filho do Visconde de Ouro Preto, o último chefe de gabinete do segundo reinado. Merquior enfatizou as qualidades intelectuais de Afonso Celso, a exemplo da elegância do estilo (um estilo eminentemente verbal), o que despontava objetividade e clareza na exposição das ideias.

Segundo Merquior, integridade e paixão marcavam Afonso Celso. Um nacionalismo que identificava como “positivo” era nítido no intelectual que homenageava, autor de um livro hoje pouco lembrado: “Por que me ufano de meu país”. Trata-se de um livro publicado em 1900, e que foi de algum modo mais tarde ridicularizado, por sua forma laudatória.

O adjetivo “positivo” que Merquior acrescentou ao substantivo “nacionalismo” talvez revele, para o leitor contemporâneo, o pensamento requintado do acadêmico que tomava posse. Merquior enfatizou a coragem política de Afonso Celso, que fez o caminho inverso de seus contemporâneos. Com a Proclamação da República, muitos monarquistas se fizeram republicanos (os republicanos arrivistas de 15 de novembro). Afonso Celso fez a rota inversa: de republicano tornou-se monarquista, talvez até como enfrentamento ao oportunismo, a par de uma inegável homenagem ao próprio pai. Essa tensão (inclusive sob uma perspectiva freudiana, é tema de um instigante livro de Luís Martins, “O patriarca e o bacharel”).

Afonso Celso fora corajoso na política e versátil nas humanidades (um polígrafo de valor). Ao lado de Eduardo Prado, Afonso Celso quixotescamente se colocou contra a República, segundo Merquior, que também lembrou que o vocábulo “brasilidade” fora por criado por Afonso Celso, que também atuou na Ação Social Nacionalista. Merquior o identificou como o “criador do ufanismo”.

Merquior seguiu a tradição dos empossados, e proferiu discurso centrado na figura de seus antecessores, acentuando o pensamento humanista que os marcava, fixando pontos de conexão histórica que implicavam no papel do intelectual na sociedade.  Insistiu na necessidade de engajamento social do intelectual, tema recorrente nas reflexões sobre as relações entre os intelectuais e o poder, tema de um dos livros de Norberto Bobbio, “Os intelectuais e o poder”.

Merquior acentuou uma continuidade entre os ocupantes da cadeira n. 36, o que de alguma forma explicitava sua profissão de fé, simbolicamente, no sentido teológico de afirmação de posicionamento em relação aos dilemas da vida. Merquior havia discutido com profundidade a responsabilidade social do artista, em ensaio de 1963, publicado nessa obra prima de crítica e estética, que é a “Razão do Poema”, recentemente republicado em coleção coordenada por João Cezar de Castro Rocha. Nesse texto de crítica, Merquior sublinhou que “qualquer ideia acerca da responsabilidade social do artista tem de incorporar essa crença na arte como função cognitiva, porque, sob pena de andarmos em nuvens, não há outro meio de se exigir do artista uma determinada atitude a não ser reconhecendo nele um instrumento de visão”.

O patrono da cadeira n. 36 foi Teófilo Dias (o poeta das Fanfarras). Merquior lembrou que Teófilo Dias fora um protoparnasiano. Teófilo Dias era sobrinho de Gonçalves Dias, cuja “Canção do Exílio” Merquior analisou em “Poema do lá”, um dos mais conhecidos estudos de crítica literária que conhecemos, também republicado em “Razão do Poema”.

Certamente, Merquior é o intelectual brasileiro mais autorizado a falar sobre a relação entre os intelectuais e o poder, isto é, sobre a relação entre o pensador e a ação política. Celso Lafer, outro intelectual de importância superlativa, também da Academia Brasileira de Letras, afirmou em um documentário que Merquior fora o mais importante intelectual de sua geração.

A propósito desse papel (e dessa função, pensador e política) Merquior exemplificou a complexidade da tarefa, tratando de dois outros antecessores da cadeira n. 36: Clementino Fraga (médico, que trabalhou com Oswaldo Cruz) e Paulo Carneiro (que foi embaixador, para quem “saber é saber o quanto se ignora”, e que conviveu com Guimarães Rosa e Sousa Dantas no fim da segunda guerra mundial). Merquior tratava de um “humanismo inclusivo”, metáfora que bem mostrava uma disposição para aproximar a academia da vida real, mediando cultura e emancipação.

Ao tratar de Paulo Carneiro (que Merquior reputou como o último dos apóstolos de Augusto Comte no Brasil) o empossado fixou para o leitor atual as características dessa doutrina, distinguindo as diferenças entre positivismo-clima e positivismo-seita, fazendo-o inclusive com humor e graça, lembrando e contando uma anedota de Josué Montello.

Não nos esqueçamos, Merquior era um liberal (na tradição de Isaiah Berlin), no sentido de enfatizar liberdade e autonomia no fortalecimento do indivíduo em face do Estado. Foi um defensor da democracia liberal e da economia de mercado, pontos que o aproximavam de Roberto Campos, outro expoente máximo da história do pensamento brasileiro. A ação prática é necessária, e sem essa, não se pode pensar em mudança social significativa. Qual a função do acadêmico na sociedade? A pergunta, parece-me o ponto central desse discurso memorável, que é um manifesto sobre a posição dos intelectuais na sociedade.

Merquior encerrou sua fala lembrando que “mesmo na eventual divergência”, era a “via régia do conhecer e da paixão’ que o animava: “a paixão de compreender”. Essa orientação ao mesmo tempo prática e especulativa, a “paixão de compreender”, penso, seja o maior legado de José Guilherme Merquior, ainda que em forma de permanente inspiração.

[1] https://www.conjur.com.br/2022-out-16/embargos-culturais-jose-guilherme-merquior-historia-liberalismo/

[2] Fábio de Sousa Coutinho, “Leituras de Direito Político”, Brasília: Thesaurus, 2004, p. 223.

[3] https://oantagonista.com.br/brasil/paulo-roberto-de-almeida-na-crusoe-o-caso-unico-de-jose-guilherme-merquior/

[4] https://www.academia.edu/46954903/Jose_Guilherme_Merquior_um_Intelectual_Brasileiro_2021_

  • é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), advogado e parecerista em Brasília.                                                         

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Em homenagem a Ronaldo Poletti - Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

 EM HOMENAGEM A RONALDO POLETTI

 

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

 

Faleceu em Brasília o Dr. Ronaldo Poletti. Humanista, homem de letras, jurista, professor, historiador, Poletti foi um polímata, um homem de conhecimento múltiplo e profundo. Na Universidade de Brasília lecionou Direito Romano, Introdução ao Estudo do Direito e Filosofia do Direito. Deixou-nos, entre outros, um de nossos primeiros estudos de controle de constitucionalidade das leis. É de sua autoria o volume sobre a Constituição de 1934, editado pelo Senado Federal. 

De agosto de 1984 a março de 1985, Ronaldo Poletti conduziu a advocacia consultiva federal, na qualidade de consultor geral da República. Poletti alçou esse altíssimo cargo, na continuidade de intensa vida pública. Essa experiência, temperada por superlativo preparo cultural, justificou a indicação, em época particularmente difícil da vida política brasileira, que então vivenciava a transição pacífica para a ordem civil. Poletti participou intensamente da formulação dos arranjos institucionais que sobreviriam. Deixou marcas na construção do novo direito brasileiro.

Poletti veio de São Paulo para Brasília, no início da década de 1970, já com registro intenso de atuação pública. Formado em Direito pela Universidade do Largo de São Francisco, em 1966, Poletti advogou no foro de São Paulo até 1969. À época, chefiou o departamento jurídico da Associação Brasileira de Revendedores Autorizados de Veículos (Abrave).

Ainda em 1969, muito jovem, com 27 anos, Poletti foi nomeado promotor em São Paulo, após aprovação em concurso público. Poletti fora aprovado em segundo lugar. Como membro do Ministério Público do Estado de São Paulo, Poletti, atuou em Penápolis, Bilac, bem como na capital do estado.

Em Brasília, Poletti atuou no Ministério da Justiça, onde, entre outros, foi consultor jurídico, de 1972 a 1979. Ao longo da década de 1970, Poletti representou o Brasil em conferência sobre repressão aos entorpecentes, em Buenos Aires; presidiu grupo de trabalho interministerial sobre ocupação de áreas rurais; presidiu comissão interministerial que tratou de legislação sobre concessão de títulos de utilidade pública a entidades de direito privado; coordenou grupo de trabalho que elaborou anteprojeto de lei complementar relativa à criação do estado do Mato Grosso do Sul; participou ativamente de comissão que elaborou anteprojeto de lei sobre desapropriações. Em 1983, Poletti foi nomeado Diretor-Geral de Secretaria do Supremo Tribunal Federal.

À frente da Consultoria-Geral da República, Poletti tratou de vários assuntos de muita importância. Estudou a acumulação de emprego de médico do antigo Inamps com o de médico do trabalho. Nesse parecer, Poletti revelou-se como um realista, afirmando, por exemplo, que “a compatibilidade de horário deve ser examinada pela Administração, em cada caso, de maneira rigorosa; ela não deve ser meramente formal; em relação a isto devem também ser observadas as normas relativas à medicina e à segurança do trabalho, bem como aquelas atinentes aos direitos dos trabalhadores”.

Poletti opinou também sobre reajustamento de preços em contratos de obra, a propósito de decisões presidenciais pendentes, e que deviam aguardar pronunciamento das respectivas autoridades ministeriais. Nesse parecer, Poletti estudou profundamente o instituto da avocação, que trata com muito equilíbrio, sobremodo no contexto dos tempos em que vivíamos.

A propósito da estruturação jurídica de fundação mantenedora de estabelecimento de ensino superior, especialmente no que se referia a submissão de estatutos a aprovação governamental, Poletti explicitou a natureza jurídica das fundações. Trata-se de parecer seminal no contexto de uma história das ideias no direito administrativo brasileiro. Datado de 10 de dezembro de 1984 o referido parecer cuidava também da atuação do Conselho Federal de Educação, no sentido de que este “há de velar para que as atuações das entidades mantenedoras não repercutam negativamente no campo do ensino”.

Romanista, historiador do Direito, dissertou sobre a vertente romanista da dicotomia entre direito público e privado quando, no mestrado, foi orientado pelo Professor Inocêncio Mártires Coelho. Ronaldo Poletti doutorou-se também pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, onde lecionou por muitos anos. No dia 14 de dezembro de 2011 Poletti proferiu palestra em tema de Reflexões sobre a Justiça, tratando da democracia social, da igualdade, da liberdade, da fraternidade e da jurisdição. 

Atencioso, gentil, afável, acessível, lhano, Poletti faz parte de uma linhagem intelectual que metaforicamente diríamos que remonta aos alunos da academia de Platão. 

À frente do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal Poletti foi um gestor incansável. Um homem de fibra, um líder, uma permanente inspiração, uma voz de comando, que nos deixa saudosos.

 

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Brasili, 19/04/2024

domingo, 3 de março de 2024

O dever fundamental de pagar impostos, de Casalta Nabais - Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy (Conjur)

Mais um Embargo Cultural de Arnaldo Godoy, chagando, se já não alcançou, seu 500o. embargo, sempre falando de livros e da cultura em geral.

 

O dever fundamental de pagar impostos, de Casalta Nabais

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Conjur, 3/03/2024

https://www.conjur.com.br/2024-mar-03/o-dever-fundamental-de-pagar-impostos-de-casalta-nabais/

 

Já se vão alguns anos, eu estava no Recife, participando de um Congresso de Direito Tributário, então muito tradicional. Mary Elbe Queroz e Heleno Taveira Torres estavam à frente do evento. A palestra de Heleno foi memorável. No elevador, encontrei-me com um autor português, jurista convidado, que eu já admirava, que já havia lido, e cuja obra apreciava. Era José Casalta Nabais, professor em Coimbra. Não podia perder a oportunidade de ouvi-lo. Puxei conversa. Fiz referência ao sucesso que sua tese de doutoramento fazia entre nós. Muito espontaneamente, ele me respondeu que o título do livro era mal-entendido[1]. Fiquei intrigado.

O título, segundo Nabais, não se resumia em “O dever fundamental de pagar impostos”. Segundo o autor, o livro deveria ser recepcionado como “O dever fundamental de pagar impostos, de acordo com a lei”. Ele enfatizou a vírgula, pronunciando em voz alta o sinal de pontuação, gesticulando. Certamente, o dever de pagar impostos é um dever, fundamental, o que não significa que o Estado possa cobrar impostos como bem entenda. Há limites. E é justamente esse o tema central desse texto canônico da literatura jurídico-tributária de expressão portuguesa.

Trata-se de um livro escrito com profunda erudição, redigido como tese definitiva. Nabais enfrentava o tema da tributação sobre a ótica de “deveres fundamentais”. Essa opção metodológica representava uma virada de chave na literatura do direito público, então empolgada com “direitos fundamentais”. Só se falava de direitos. Não se falava de deveres. Nabais mudou a perspectiva.

Na parte I há capítulo que cuida de um efetivo regime dos deveres fundamentais. O autor tratava de um regime geral, de sua aparente inaplicabilidade direta, de seu significado normativo, bem como das relações entre os deveres fundamentais e o legislador, a par da revisão constitucional, em face dos deveres fundamentais, que é o núcleo conceitual do livro.

De fato, segundo Nabais, “o tratamento constitucional e dogmático dos deveres fundamentais tem sido descurado nas democracias contemporâneas”. O autor chamava a atenção para o fato (indiscutível) de que a agenda dos direitos fundamentais contava com uma sólida construção dogmática, o que não se podia afirmar em relação aos deveres fundamentais. Nabais rejeitava “os extremismos de um liberalismo que só reconhece direitos e esquece a reponsabilidade comunitária dos indivíduos”. O tema é de permanente atualidade.

Nabais discutia os fundamentos da tributação. O Direito Tributário é o ramo do Direito Público que se ocupa da arrecadação de recursos com os quais o Estado atende suas despesas. Trata-se de conjunto sistematizado de regras e princípios que orienta a atividade financeira do Estado, com fortes reflexos na organização da economia e da vida dos cidadãos.

John Marshall, juiz da Suprema Corte norte-americana, afirmou, em julgado célebre (de 1819) que o poder de tributar envolvia, necessariamente, o poder de destruir. Por outro lado, Oliver Wendell Holmes Jr., também juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, afirmava (em 1927) que o pagamento de tributos o tornava feliz, porque era o preço que pagava pela vida civilizada. Não sei. Tenho dúvidas. Essa tensão, que opõe a organização da vida privada à necessidade de recursos, por parte do Estado, é um dos pontos centrais da discussão que Nabais apresentava.

O Direito Tributário tem como objeto central a construção conceitual das várias modalidades tributárias, bem como os arranjos institucionais que organizam as exigências fiscais. Radica no Direito Constitucional, de onde colhe seus princípios norteadores e suas linhas gerais. As normas de direito tributário são de natureza cogente. O Direito Tributário cuida da instituição, da arrecadação e da fiscalização das várias espécies tributárias. A justificação da tributação e a discussão acerca da justiça tributária é assunto para a Ciência das Finanças. Esses postulados são incontornáveis.

A tributação é assunto constante na história dos povos. Ainda que não se possa afirmar que houve um modelo tributário racionalmente organizado no passado, há evidências de que civilizações que nos antecederam se preocuparam seriamente com o problema da tributação.

Quais são os fundamentos da tributação nas sociedades contemporâneas? Em que extensão se revelam como obrigações (deveres) sem as quais não se podem fruir direitos? Nabais propõe que há uma categoria jurídico-constitucional própria para os deveres fundamentais, que integram, por uma razão muito mais do que óbvia, os direitos, também fundamentais. É que esses (direitos) não se realizam sem aqueles (deveres).

Para Nabais, deveres fundamentais também qualificam a soberania do Estado, que radica na dignidade da pessoa humana. Os deveres fundamentais submetem-se “ao princípio da tipicidade ou da lista constitucional”, revelando-se (na prática) na esfera de seus destinatários. Mencionados deveres fundamentais, prosseguia o Professor, contam com uma estrutura externa (que radica em várias relações jurídicas) e com uma estrutura interna (que é seu próprio conteúdo).

Os deveres fundamentais, continua Nabais em seu livro, são diretamente ligados à realização de valores que a comunidade escolheu, e que de alguma forma se encontram constitucionalizados. No caso de Portugal, os deveres fundamentais também se destinam a estrangeiros e a apátridas, premissa que também vale para a realidade empírica brasileira. Os deveres fundamentais afetam também as pessoas jurídicas, que Nabais nomina de pessoas coletivas.

O que chama a atenção é que Nabais vincula os deveres fundamentais aos direitos fundamentais, no sentido de que ambas as expressões qualificam o estatuto constitucional dos indivíduos. Intui-se, assim, que não há como se usufruir de direitos fundamentais sem que se tenha a necessária concretude para tal. Isto é, os direitos somente podem ser usufruídos se há financiamento.

Pode-se perceber, nessa linha, alguma semelhança com o pensamento de Stephen Holmes e Cass Sunstein, em livro que vincula a tributação ao exercício de direitos. O argumento central do livro “Os Custos dos Direitos- Por que a liberdade depende da tributação “consiste na afirmação de que direitos custam dinheiro; é que direitos não podem ser protegidos sem apoio e fundos públicos.

Holmes e Sunstein tratam dos custos enquanto custos orçamentários e de direitos como interesses que podem ser protegidos por indivíduos ou grupos mediante o uso de instrumentos governamentais. Direitos somente existiriam quando efetivamente passíveis de proteção. E a proteção se faz com recursos que o Estado obtém da sociedade. Para simplificar: tem-se na realidade uma justificativa para a tributação, que se reconheceria como legítima.

A lógica de Nabais aproxima-se da lógica dos autores norte-americanos acima citados, com a diferença de que o autor português se preocupa com os limites da extração fiscal, que devem ser fixados em lei. Vale dizer, se os direitos fundamentais contam com um delineamento constitucional objetivo, o outro lado da relação, os deveres fundamentais, de igual modo, escora-se com igual razão na lei. Não há como se fixar um dever fundamental de pagamento de impostos sem que se operacionalize essa obrigação dentro dos exatos limites da lei.

Há um dever fundamental de se pagar impostos, como condição de exercício de direitos fundamentais na vida social. Estes dependem daquele. O que os equipara – direitos e deveres – é a fixação normativa, de índole constitucional. O dever de pagar impostos é um dever fundamental, cujo exercício (mandatório) é limitado pela lei. É essa, na minha compreensão, o “lead” do livro de Casalta Nabais, um clássico, publicado pela Almedina.

[1] Dedico essa resenha, em forma de ensaio, aos colegas Paulo Caliendo, Luis Alberto Reichelt e Édison Porto, com quem participei na banca de mestrado de Edimilson Cardias Rosa, também grande colega, autor de belíssima tese sobre economia comportamental e recolhimento de tributos, ocasião em que a contribuição de Nabais foi realçada.

 

 

 

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Embargos Culturais: a coluna de livros de Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy no Conjur

EMBARGOS CULTURAIS: a coluna de livros no Conjur de ARNALDO SAMPAIO DE MORAES GODOY

 https://www.conjur.com.br/colunistas/embargos-culturais/

Imperdível, todos os domingos, para os que gostam de livros, em geral, em especial na conexão com mundo jurídico (mas literário também).

Contei, aproximadamente, 494 ou 496 colunas (13 colunas, cada bloco, em 38 blocos), desde a primeira, abaixo reproduzida, sobre Macbeth, que é de 31 de julho de 2011. Ou seja, dentro de SEIS domingos, ele poderá comemorar 500 colunas (e alguns milhares de livros citados paralelamente). Trata-se de um dos mais vigorosos empreendimentos culturais do e no Brasil, à altura de um Wilson Martins, que publicou sete volumes da História da Inteligência Brasileira, falando, se possível, de todas as obras produzidas no Brasil, ou por brasileiros, desde o século XVI até os anos 1970.

A mais recente, logo abaixo, é de 18 de fevereiro de 2024. Ou seja, neste domingo, 25 de fevereiro, teremos uma nova, a qual acessarei assim que disponível (estamos na madrugada do domingo).

Mas não se trata de apenas uma resenha de UM livro cada domingo. Paralelamente, Arnaldo Godoy cita muitas outras obras. Por exemplo, coloquei as notas remissivas para a sua resenha de Macbeth, ao final desta postagem: 

Começo pelos mais recentes, ou seja, das últimas semanas de 2023 e as primeiras de 2024:

RECENTES:

(...)

Passo agora para o primeiro bloco, o 38. do total, com resenhas desde 2011.

Citações desta primeira coluna sobre Macbeth: 

[1] BRADLEY, A. C., A Tragédia shakespeariana, São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 255. Tradução de John Russell Brown.

[2] Cf. MOURTHÉ, Claude, Shakespeare, Porto Alegre: L & PM, 2010, p. 164. Tradução de Paulo Neves.

[3] Cf. FREUD, Sigmund, Os Arruinados pelo êxito, in Obras Completas, Rio de Janeiro: Imago, 1999, Volume XIV, pp. 331 e ss. Tradução sob direção de Jayme Salomão.

[4] Cf. HELIODORA, Bárbara, Reflexões shakespearianas, Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2004, pp. 159 e ss.

[5] BORGES, Jorge Luís, Prólogos, com um prólogo de prólogos, São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 193. Tradução de Josely Vianna Baptista.

[6] BLOOM, Harold, Gênio- os 100 autores mais criativos da história da literatura, Rio de Janeiro: Objetiva, 2003, p. 44. Tradução de José Roberto O´Shea.

[7] Cf. HONAN, Paul, Shakespeare, uma vida, São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 399. Tradução de Sonia Moreira.

[8] Cf. CARBER, Marjorie, cit., loc.cit.

[9] Cf. FREUD, Sigmund, cit., p. 335


Trabalho excepcional, que deveria ser publicado em formato de livro digital, para podermos acessar facilmente as quase 500 colunas produzidas.


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 25 de fevereiro de 2024

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...