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segunda-feira, 15 de novembro de 2021

O farsante em 2014, quando perdeu a candidatura para seu fantoche - Editorial Estadão

 Em 2014, contrariando declarações anteriores, nas quais reconhecia (mentirosa e hipocritamente) que havia “sido traído” (pelos companheiros mafiosos Dirceu, Delubio e outros), mas que tentava, sem sucesso, voltar ao poder no qual havia colocado o seu fantoche e “provar” que o julgamento do Mensalão tinha sido “uma farsa”, o Estadão publicava um editorial desmentindo o chefão mafioso, que eu reproduzi nomeu blog, este mesmo.

Como diria uma série televisiva, vale a pena ler de novo.

Paulo Roberto de Almeida 

quarta-feira, 30 de abril de 2014

A maior fraude da politica brasileira volta a grasnar - Editorial Estadao

Não dá para levar a sério

Editorial O Estado de S. Paulo, quarta-feira, 30 de abril de 2014

Não se deve levar a sério quem não leva a sério a si mesmo. Diante das nuvens que ameaçam carregar de sombras o cenário eleitoral, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu abrir a caixa de ferramentas e "partir para cima" de quem ou o que quer que seja que represente risco para o projeto de perpetuação do PT no poder.

Tem aproveitado todas as oportunidades para exercitar sua conhecida e inexcedível desfaçatez. Na noite de sábado passado, em entrevista à TV portuguesa, chegou ao cúmulo, ao interromper a entrevistadora que queria saber o nível de suas relações com José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares e sair-se com uma inacreditável novidade: "Não se trata de gente de minha confiança".

Então está tudo explicado. E toda a Nação tem a obrigação de reconhecer que o ex-presidente falava a verdade em agosto de 2006, quando o escândalo do mensalão estourou: "Quero dizer, com franqueza, que me sinto traído. Não tenho vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que pedir desculpas". O fato de as pessoas (a "gente") a que Lula se referia serem o seu então ministro-chefe da Casa Civil - na verdade, um primeiro-ministro ad hoc -, o presidente nacional e o tesoureiro de seu partido tinha então toda a importância, a ponto de o presidente se sentir traído.

Mas, em 2006, surfando no prestígio popular garantido pelo sucesso de seus projetos sociais, Lula reelegeu-se presidente e, cheio de si, subestimando como de hábito o discernimento das pessoas, começou a, digamos, mudar de ideia sobre o mensalão.

Afinal, se estava tão bem na foto, por que posar de vítima?

Em novembro de 2009, já na pré-campanha eleitoral do ano seguinte, passou uma borracha nas declarações anteriores e proclamou diante das câmeras de televisão: "Foi uma tentativa de golpe no governo. Foi a maior armação já feita contra o governo".

Exatamente um ano depois, já comemorando a eleição da sucessora que havia escolhido a dedo, anunciou, onipotente, sua primeira proeza tão logo deixasse o governo: "Vou desmontar a farsa do mensalão".

Os fatos acabaram demonstrando que Lula não estava com essa bola toda. Provavelmente até hoje ele não entendeu direito como é que um colegiado de 11 ministros, dos quais 8 - esmagadora maioria - foram escolhidos por ele próprio e por sua sucessora, foi capaz de armar uma falseta dessas contra "nós".

Mas Lula nunca foi de dar bola para os fatos. Quando não gosta deles, simplesmente os descarta. Prefere criar suas próprias versões.

Uma dessas criativas versões, novidade no repertório do grande palanqueiro pela precisão quase científica que aparenta conter, foi revelada nessa entrevista televisiva que concedeu em Lisboa, durante sua estada em Portugal para as comemorações dos 40 anos da Revolução dos Cravos. E bota criatividade nisso: "O mensalão teve praticamente 80% de decisão política e 20% de decisão jurídica". Quer dizer: a Suprema Corte de Justiça do País tornou-se politicamente cúmplice da "maior armação já feita contra o governo".

A entrevistadora da TV portuguesa estranhou a esdrúxula divisão, mas o ilustre personagem não hesitou em, novamente, sacrificar a lógica e a coerência em benefício de sua cruzada contra o Mal. E encerrou o assunto: "O que eu acho é que não houve mensalão".

Pelo menos ele está "achando" - não tem a categórica certeza que demonstrou quando garantiu, na prematura apoteose do pré-sal, que o Brasil se tornara "autossuficiente" em petróleo.

Outra pérola do pensamento lulista foi oferecida aos telespectadores quando a entrevistadora provocou o entrevistado sobre o fato de sua popularidade manter-se incólume enquanto a de sua sucessora despenca. Ato falho ou exacerbação do ego, Lula sentenciou: "O povo é mais esperto do que algumas pessoas imaginam".

De resto, o fato de, certamente julgando a partir de seu próprio exemplo, entender que a "esperteza" é uma grande virtude do povo brasileiro, Lula dá a exata medida dos valores éticos que cultiva, na hipótese generosa de que cultive algum.

Levá-lo a sério é cada vez mais difícil.

sábado, 30 de outubro de 2021

Irresponsabilidade deliberada: descalabro fiscal - Editorial Estadão

Irresponsabilidade deliberada

O preço da demagogia pesará desproporcionalmente sobre os pobres. Por ironia (ou talvez justiça) do destino, é possível que a fatura chegue antes das eleições

Notas&Informações, O Estado de S.Paulo 

30 de outubro de 2021 | 03h00  

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,irresponsabilidade-deliberada,70003884555

Responsabilidade fiscal e responsabilidade social são aspectos da responsabilidade com os recursos públicos. A última garante que eles servirão o bem comum, em especial aos vulneráveis, auxiliando-os a conquistar sua independência. Mas para tanto é preciso que haja recursos. É isso o que a disciplina fiscal garante, além da estabilidade econômica, condição para que os negócios prosperem e, logo, para a ampliação do melhor programa social que existe: o emprego. 

O País deve a essa disciplina sua maior conquista econômica desde a redemocratização – o controle da inflação – e a saída de sua pior crise – a recessão. O retorno da indisciplina o põe na rota da inflação, juros altos, mais dívida pública, pressão tributária, fuga de investimentos, desvalorização cambial, deterioração da renda e desemprego. O alívio aos pobres hoje será pago com a multiplicação e a perpetuação da miséria amanhã. 

O rompimento do teto de gastos pode elevar as despesas de R$ 1,647 trilhão para R$ 1,680 trilhão. “Não é o fim do mundo”, ponderou Mansueto Almeida, um dos artífices da recuperação pós-recessão, “se bem justificado tecnicamente.” Nesse “se” está o x da questão. 

Uma “licença para gastar” deveria ser provisória. Em tese, diz-se que o auxílio de R$ 400 valerá até o fim de 2022. Na prática, está se constitucionalizando o calote (nos precatórios) e as pedaladas (na manipulação retroativa do cálculo dos limites de gastos). Em segundo lugar, essa licença deveria ser acompanhada por um plano convincente de corte de gastos e racionalização dos programas sociais. 

Se se preocupasse mais com a vida do que com o voto dos pobres, o presidente Jair Bolsonaro teria iniciado seu mandato articulando uma base parlamentar apta a implementar uma tributação progressiva e uma máquina pública mais eficiente e menos custosa. Só a eliminação dos privilégios do funcionalismo, como propõe a PEC 147/19, renderia um auxílio de R$ 250. 

A racionalização dos programas sociais permitiria remanejar recursos sem custos e com mais eficiência, amparando (continuamente) as pessoas em miséria crônica e (provisoriamente) as sujeitas à volatilidade de renda em excepcionalidades como a pandemia. O projeto de Lei de Responsabilidade Social, que jaz no Senado, foi formatado com esse fim. 

Além de reformas para garantir a sustentabilidade fiscal e social, o governo poderia ter investido contra gastos como os Fundos Partidário e Eleitoral, emendas parlamentares exorbitantes ou os inúmeros subsídios corporativos. 

Essas medidas abririam espaço para gastos sociais e permitiriam até antecipar a revisão do teto sem convulsões no mercado. Mesmo sem elas, seria possível, segundo a Instituição Fiscal Independente, reservar ao abrigo do teto R$ 30 bilhões, ampliando para R$ 250 o Bolsa Família e incluindo os mais de 2 milhões de pessoas na sua fila. 

Mas o presidente optou de saída pelo confronto com o Congresso. Depois, sabotou a vacinação, retardando a retomada. Enquanto sua popularidade derretia, o Centrão sequestrava o Orçamento e submetia a política econômica a seus interesses paroquiais. As reformas foram subvertidas em contrarreformas. Não se esboçou qualquer modernização dos programas sociais. Os subsídios seguem intocados e os fundos partidários e emendas parlamentares foram anabolizados. 

A quebra da regra fiscal já está abrigando mais demandas fisiológicas por fundos e emendas e novos benefícios corporativistas, como o auxílio aos caminhoneiros. O teto despedaçado sofrerá mais investidas, e a credibilidade fiscal do País irá para o espaço. Em plena turbulência global, o Brasil entrará na rota da estagflação. As projeções do PIB estão em queda livre, o desemprego pode aumentar e a inflação acabará corroendo os ganhos com os benefícios sociais. O preço da demagogia pesará desproporcionalmente sobre os pobres. Por ironia (ou talvez justiça) do destino, é possível que a fatura chegue antes das eleições. 

A população já paga caro pela crônica irresponsabilidade social do governo. Com o surto de irresponsabilidade fiscal, a conta vai explodir.

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

O crime do calote nos precatórios - Editorial Estadão

Não se trata de simples imoralidade, mas de ILEGALIDADE e INCONSTITUCIONALIDADE.

 A desfaçatez da PEC dos Precatórios

Com a PEC 23/21, o Congresso articula aumentar o Fundo Eleitoral para R$ 5 bilhões e incluir emendas de relator no valor de R$ 16 bilhões

Editorial Estadão, 28/10/2021

O governo de Jair Bolsonaro tem tratado a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 23/21, que limita o pagamento dos precatórios, como se fosse medida imprescindível para as finanças estatais e o funcionamento dos serviços públicos. A realidade é, no entanto, muito diferente. Enquanto o Executivo federal tenta vender a ideia de que seria imprescindível dar um calote nas dívidas reconhecidas pela Justiça – afinal, é disso que trata a PEC dos Precatórios –, o Congresso articula aumentar o Fundo Eleitoral de R$ 2 bilhões para R$ 5 bilhões, além de incluir emendas de relator no valor de R$ 16 bilhões.

Eis a desfaçatez completa com o Direito e o interesse público. O governo de Jair Bolsonaro acionou um meio excepcionalíssimo (propõe mudar a Constituição) para que seja autorizado a não cumprir obrigações reconhecidas pela Justiça. Pretende, assim, institucionalizar da forma mais solene possível o calote. O descaramento, no entanto, não termina aí. A ideia negociada no Congresso é usar o dinheiro “poupado” pelo calote em campanhas eleitorais e emendas parlamentares.

Como se observa, a PEC dos Precatórios não é ruim apenas em razão dos meios utilizados, ao dar autorização para que o Estado não cumpra uma de suas obrigações mais básicas, que é pagar os credores. A medida é profundamente equivocada também em razão de seus fins. A depender das negociações em curso no Congresso, o dinheiro do calote servirá não somente para distribuir dinheiro aos famintos – que é o pretexto oficial do drible nos credores –, mas para saciar a voracidade eleitoreira de partidos e políticos fisiológicos.

Trata-se de apropriação abusiva por parte do Estado de recursos dos cidadãos e empresas. Deve-se recordar que o pagamento de precatórios não está na esfera de decisão do poder público. É uma obrigação reconhecida pela Justiça. Ou seja, um governo que se preocupa com fortalecer a segurança jurídica – isto é, um governo que não ignora que a existência de um ambiente de negócios com regras previsíveis é condição indispensável para o desenvolvimento social e econômico do País – não propõe, tampouco faz qualquer movimento para alterar o pagamento de precatórios.

Assim, com a PEC dos Precatórios, o presidente Jair Bolsonaro contraria, da forma mais incisiva possível, seu discurso de campanha, em que prometeu destravar a economia e dar um novo dinamismo aos negócios. É impossível estimular a economia com alteração das condições de pagamento de precatórios. No caso, não se pode sequer dizer que seria uma alteração das regras com o jogo em andamento. Trata-se de mudança das regras – e do resultado – com o jogo já finalizado. Perante um governo que ignora suas responsabilidades, é preciso recordar a realidade mais básica: todo precatório é resultado de decisão judicial transitada em julgado, sem possibilidade de recurso.

Nessa história absurda – a tentativa de criar na Constituição uma exceção para que o Estado não cumpra decisão judicial, aproveitando o dinheiro “poupado” com o calote para campanha eleitoral e emendas de relator –, há ainda outro grave defeito. Não é apenas que o Estado deveria cumprir suas obrigações judiciais, que recurso público não deveria ser destinado a partido político e que emenda de relator não deveria existir. O pagamento de precatórios representa o retorno de dinheiro que estava indevidamente nas mãos do Estado à sociedade – às pessoas físicas e jurídicas credoras daquelas obrigações.

Além da evidente questão relacionada à justiça – num Estado Democrático de Direito, o poder público não pode se apropriar à margem da lei de recursos dos cidadãos e das empresas –, esse movimento de retorno dos recursos financeiros à sociedade é de extrema relevância para a economia, para os investimentos, para a produtividade nacional. Não há nenhum sentido em literalmente queimar o dinheiro do credor privado – que poderia usá-lo, por exemplo, para empreender ou investir – com campanha eleitoral ou emenda de relator. A PEC dos Precatórios merece ser rejeitada. Além de injusta, vai-se configurando como caminho para uma utilização completamente irracional e contraproducente dos recursos nacionais.


segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Não esperem muito da América Latina nos próximos anos: nada se fará - matérias de imprensa

 A descoordenação é total, a confusão é muito grande, ninguém se entende, e a fragmentação vai continuar, dentro de um contexto extremamente mediocre.

Paulo Roberto de Almeida

Clarín, Buenos Aires – 1.8.2021

México propone a Alberto unirse a EE.UU. contra China

La propuesta mexicana es, paradójicamente, parecida al ALCA que se rechazó en tiempos de Néstor y Chávez

Ricardo Kirschbaum

 

López Obrador, presidente de México y Oráculo de Delfos para Alberto Fernández, acaba de hacerle una oferta a Estados Unidos que se traduce así: respeto de la autonomía política de los países a cambio de ayuda para evitar que China avance en América latina. La idea surge de una realidad pura y dura: México tiene una apabullante dependencia económica de EE.UU. y, a la vez, tiene una política exterior con rasgos independientes de su gran potencia vecina pero que, al final, no es contradictoria con sus necesidades nacionales. Esto es la intensa y ceñida trama de intereses económicos con Washington.

Nuestra cercanía nos obliga a buscar acuerdos y sería un grave error ponernos con Sansón a las patadas, pero al mismo tiempo tenemos poderosas razones para hacer valer nuestra soberanía (…)", explicó didáctico López Obrador en la última reunión de la Comunidad de Estados Latinoamericanos y el Caribe (CELAC), un organismo del que Hugo Chávez fue el partero en aquella recordada reunión de Mar del Plata, en la que el venezolano mandó al carajo al ALCA de George Bush. EE.UU. y Canadá están excluidos. El Brasil de Bolsonaro participa sin entusiasmo.

Fernández sintonizó rápido con su mentor y propuso que la CELAC reemplace a la Organización de Estados Americanos (OEA), a la que acusa de ser portadora de todas las plagas, y a su titular, Luis Almagro, de instrumentar la política del garrote contra los “gobiernos populares”.

López Obrador rara vez habla de cuestiones internacionales. Su ghost writer es Marcelo Ebrard, su canciller y bastonero de la alianza con Argent

López Obrador rara vez habla de cuestiones internacionales. Su ghost writer es Marcelo Ebrard, su canciller y bastonero de la alianza con Argentina, en la que México siempre es mano. Ebrard impulsa acciones que se reproducen aquí en espejo. Esta iniciativa es la posta que recibe el presidente argentino.

La propuesta mexicana, paradójicamente, es en el fondo -no en la inflamada retórica antiimperialista- parecida al ALCA que se rechazó en tiempos de Néstor y Chávez, en los que cualquier acción común en América del Sur debía ser antinorteamericana. Ahora se propone volver sobre esos pasos, sacar ventaja de la disputa de Washington con China y, a cambio, que todos se traguen el carozo de la situación de Cuba, Nicaragua y Venezuela, con el argumento de que la violación de derechos y la supresión de libertades democráticas son cuestiones inopinables para la comunidad internacional.

Fernández quiere coronar su gestión presidiendo la CELAC y de paso conseguir al menos el gol del honor después de perder en el BID y en la CAF.

Según como se vea, conseguir que Argentina sea electa -algo que es más un trámite burocrático que una votación en regla- y ofrecer un acuerdo a Estados Unidos contra China, sería también presentado como un triunfo diplomático tan necesario para Felipe Solá, en tiempos en que el gabinete de Fernández se parece demasiado a un tembladeral por el resultado de las elecciones de noviembre.

 

*

 

El Cronista, Buenos Aires – 2.8.2021

"La OEA, así como está, no sirve": Alberto cargó contra el organismo regional y le cayó con todo a su titular

El Presidente consideró que la Organización de Estados Americanos funcionó como "una suerte de escuadrón de gendarmería para avanzar sobre los gobiernos populares" de la región. También alzó la voz en contra de los bloqueos económicos que pesan en pandemia sobre Cuba y Venezuela.

 

El presidente Alberto Fernández llamó este viernes a profundizar la institucionalidad del progresismo en América latina y a alzar la voz en contra de los bloqueos económicos en tiempos de coronavirus. Así lo expresó a partir del convencimiento de que el continente está "signado por la desunión" promovida por el ex presidente estadounidense Donald Trump y el accionar de la OEA como "una suerte de escuadrón de gendarmería" sobre los gobiernos populares.

Fernández disertó ayer en forma virtual en el encuentro por el Segundo Aniversario del Grupo de Puebla, bajo el título "Democracia, integración y justicia social en Latinoamérica", en una jornada que tuvo como oradores a referentes de 16 naciones, como el expresidente del Gobierno de España, José Luis Rodríguez Zapatero; al ex mandatario de Ecuador, Rafael Correa; y al dirigente político chileno Marco Antonio Enríquez-Ominami, entre otros.

En su disertación, el Presidente hizo un repaso sobre la situación del progresismo en Latinoamérica en los años en los que fue perdiendo lugares en los gobiernos de la región, donde -en paralelo- fue ganando terreno el "conservadurismo", a instancias de la influencia de Trump en el continente.

"Trump imponía su política sobre América Latina y eso explica muchas cosas que pasaron; eso explica la OEA que tenemos, explica el BID que tenemos, la división que tenemos, el nacimiento del Grupo de Lima, del Foro Prosur; todos mecanismos que servían a la política de Trump y no servían a la unidad de América latina ni al desarrollo ni al progreso de los latinoamericanos", reflexionó Fernández.

Ante este retroceso, el mandatario argentino convocó a los integrantes del Grupo de Puebla a profundizar e institucionalizar la unidad regional, a través de instrumentos como la Celac, porque -advirtió- "la OEA, tal como está, no sirve".

"El primero que tiene que hacer su mea culpa es su secretario general (Luis) Almagro por la cantidad de cosas que ha hecho y también la institucionalidad de los Estados Unidos por haber propuesto y sostenido a un hombre como Almagro", opinó.

Consideró que "los años de Trump" hicieron que la organización "no fuera un lugar de encuentro para América Latina", sino más bien "una suerte de escuadrón de gendarmería para avanzar sobre los gobiernos populares" de la región.

"Lo que la OEA ha hecho en Bolivia necesariamente debe ser investigado y necesariamente debe ser juzgado porque ahora no caben dudas de lo que pasó", remarcó Fernández, quien se refirió así a cómo "se impidió" la consagración como Presidente de Evo Morales, primero, y el golpe de Estado cometido después, en 2019.

El Grupo de Puebla, entonces, en la mirada del jefe de Estado, "aporta a un debate muy sustancioso" en el objetivo de "encontrar caminos alternativos" para que América Latina logre "salir adelante" y sacarse el "triste estigma" de ser el continente "más desigual" del mundo.

"Las políticas de los últimos años profundizaron esa desigualdad y además vino la pandemia y quedó más en evidencia esa desigualdad", planteó Fernández, quien reivindicó la "importancia del Estado" y el valor de darle sustento al carácter público de la salud y de la educación.

"Es imprescindible que la educación sea pública y gratuita para el progreso de nuestras sociedades; en Argentina tuvimos un presidente que distinguía a quienes tenían la suerte de estudiar en la educación privada, de los que tenían la desgracia de caer en la educación pública", reflexionó y aludió, aunque sin nombrarlo, a Mauricio Macri.

Marcó, en esa línea, que "la pandemia enseñó la trascendencia del Estado" porque "es el mayor garante de la solidaridad", esbozó, y aseveró: "Si el Estado no arbitra y pone igualdad donde la igualdad no existe, ningún mercado promueve la igualdad".

El Presidente describió el contexto regional para renovar su certeza de que los países deben "unirse" para lograr mejores renegociaciones de sus "deudas", un problema que -pronosticó- impactará a nivel global.

"En el mundo de la pospandemia, el FMI decidió disponer u$s 50.000 millones para atender las necesidades de los países más pobres del mundo; a la Argentina de Macri le prestó 57.000 millones; eso me exime de todo comentario de explicar por qué el gobierno de Trump respaldó que el Fondo dé ese crédito", advirtió Fernández e ironizó: "En nuestro país decimos que Trump pagó la campaña electoral más cara del mundo".

En otro orden, el Presidente planteó que América latina tiene la "obligación moral" y el "deber ético" de alzarse frente a los bloqueos económicos que pesan sobre Cuba y Venezuela en tiempos de pandemia de coronavirus y evaluó que los Estados, por una cuestión "humanitaria", no pueden "quedarse callados" ante esas situaciones.

"Los bloqueos deberían avergonzar a quienes los promueven y en América latina hay dos bloqueos que se sostienen en medio de la pandemia que privan a los pueblos, ya no sólo de alimentos, ya no sólo de insumos para que la industria produzca, sino de insumos médicos, de respiradores y de lo elemental para hacer frente a la pandemia; humanitariamente nosotros no podemos quedarnos callados", expresó.

Pidió al resto de los miembros del Grupo de Puebla poner en alto las "ideas, las convicciones" para llevar estos debates "a todas las sociedades" de la región.

"Ser progresista no es tampoco sólo distribuir riqueza de un modo más igualitario, eso sí, pero también es garantizar la igualdad de género, terminar cualquier tipo de discriminación, es promover la unidad del continente en un tiempo en el que el mundo se regionaliza; todas esas son deudas que tenemos en nuestras sociedades", concluyó Fernández.

 

*

 

La Tercera, Santiago – 2.8.2021

América Latina, ¿queremos quedar al margen?

Ricardo Lagos

 

Desde que México asumió la presidencia pro tempore de la Comunidad de Estados Americanos y del Caribe (CELAC), en 2020, el Canciller Marcelo Ebrard se ha esforzado por mantener viva a la entidad, no obstante la crisis que la cruza desde los últimos años, derivada de la carencia de una política exterior regional común para hablar con el resto del mundo. Para ello, Ebrard ha optado por impulsar aquellos temas que no generen mayores confrontaciones ideológicas y, en cierta forma, ello ocurrió en la XXI Reunión de Cancilleres de este organismo, celebrada recientemente de manera presencial. Se habló de la pandemia, de impulsar un fondo para afrontar contingencias y desastres y un grupo de países –encabezados por Argentina y México– suscribieron un documento de trabajo para crear una Agencia Latinoamericana y Caribeña del Espacio. Ya veremos que opinan de ello los Jefes de Estado de CELAC que, se supone, se reunirán en México a mediados de septiembre.

No cabe por cierto estar en contra de esos esfuerzos. Pero la realidad mundial y los cambios de la era digital nos reclaman una articulación mucho más potente, aspirar a ser más. Y no estamos en eso. Brasil ya no participa de CELAC y es, junto a Argentina y México, parte del G20.Sin la coordinación de estos tres países para llevar la voz de la región a ese foro de alcance global y con las economías más grandes y ricas del mundo, seremos irrelevantes. La pregunta es: si están pasando tantas cosas en un mundo en transformación profunda, ¿por qué hemos optado por quedarnos al margen?

Sólo dos semanas antes de esa cita latinoamericana en México, se reunieron en Venecia los ministros de Hacienda y directores de los bancos centrales del G20. Y allí se acordó, ni más ni menos, crear un impuesto global mínimo para las empresas transnacionales que facturen más de 20 mil millones de euros y que obtengan una utilidad sobre el 10% antes de pagar impuestos, independientemente de donde tengan su sede. Se excluyó de este impuesto a las industrias extractivas y los servicios financieros regulados.

La base teórica de esta tasa, expuesta en el documento Cómo abordar los desafíos fiscales derivados de la digitalización de la economía, redactado por la OCDE y economistas del G-20, es resultado de la globalización de la economía mundial. La propuesta busca que el impuesto se pague, no en el lugar donde la empresa tiene registrada o acredita su dirección comercial, sino que en el territorio donde genera la renta. Esto implica un cambio enorme en el sistema tributario mundial y obliga a los países del G-20 a concordar un cobro porcentual equivalente para todos. Algunos dicen que debería ser el 15% sobre la utilidad del 10%, y otros, como Argentina y Francia, sugieren aumentarlo al 25%. La decisión final sobre este impuesto transnacional se adoptará en la próxima reunión del G20, en octubre.

Gravar y pagar el impuesto donde se genera la renta es un cambio histórico. En primera instancia, evitará que las multinacionales –principalmente las gigantes digitales– se alojen en paraísos fiscales y evadan impuestos. También generará una redistribución impositiva más justa y estable, de acuerdo a las utilidades obtenidas en cada país. De esta forma, las principales economías del mundo reconocen su interdependencia en este plano y se hacen cargo de las consecuencias de la digitalización económica. Se abandona el concepto de “soberanía tributaria de los países” porque las empresas transnacionales operan más allá del concepto del Estado–Nación. A partir de ahora, los países deberán ordenar y coordinar sus acciones para hacer frente a estas entidades, que juntas generan la mitad de las ganancias mundiales.

Pero este cambio de época tan concreto llega cuando América Latina ha dejado de coordinarse para actuar en estos escenarios globales.No existe el diálogo necesario entre los tres países que nos representan en el G20 y es difícil que ocurra de aquí a octubre, para la cumbre de esta entidad. En el pasado, los líderes regionales acostumbraban a tener una conversación franca y distendida antes de la reunión del G20 para definir un camino común; hoy eso es muy difícil. Probablemente, los tres países regionales integrantes del G20 expondrán sus visiones de manera separada y desarticulada. ¿Pero no sería más lógico, por ejemplo, tener antes un debate en el ámbito latinoamericano sobre si estamos o no de acuerdo con el aumento al porcentaje del impuesto como lo propone Argentina?

América Latina debe asumir la diversidad de sus gobiernos y lograr una coordinación mínima para hacer frente a estas tareas supranacionales. Actualmente, la digitalización y la globalización económica, junto a las nuevas prácticas que la pandemia trajo a la educación, el trabajo y los métodos productivos, hacen inevitable el surgimiento de nuevas reglas que superen las fronteras. Ahí se inscribe esta propuesta de impuesto global. Si en el siglo XIX las nacientes naciones americanas coordinaron criterios para modificar el sistema tributario heredado del dominio español, hoy se hace urgente superar nuestras diferencias y formar parte de la discusión del naciente sistema impositivo planetario.

Si nos quedamos al margen, el costo político será profundo. Nuestro destino será asumir las medidas que adopten los países más grandes y lejanos, marginándonos del proceso y perdiendo soberanía en materias económicas. Se anuncia para septiembre un amplio encuentro de mandatarios en México, el primero después de mucho tiempo. Ojalá allí se reactive esta coordinación esencial, para actuar en los verdaderos escenarios donde se está jugando el devenir del siglo XXI.

 

Ricardo Froilán Lagos Escobar (Santiago, 2 de marzo de 1938). Doctor en Economía, abogado y político del Partido Socialista de Chile y del Partido por la Democracia. Presidente de la República entre el 11 de marzo de 2000 y el 11 de marzo de 2006. Ministro de Educación entre el 11 de marzo de 1990 y el 28 de septiembre de 1992, en la presidencia de Patricio Aylwin Azócar. Ministro de Obras Públicas, entre el 11 de marzo de 1994 y el 1 de agosto de 1998, durante la presidencia de Eduardo Frei Ruiz Tagle.



A ARMADILHA LATINO-AMERICANA!

Editorial - O Estado de S. Paulo, 30/07/2021 

Entre a desigualdade social e o baixo crescimento é difícil saber qual é o ovo e qual a galinha, mas ambos se reforçam mutuamente: países mais pobres são mais desiguais e vice-versa. A América Latina é a segunda região mais desigual do mundo e a mais desigual em sua faixa de renda. Não surpreende que o último relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para a região se intitule Presos numa Armadilha.

Na década de 2000, o crescimento econômico, a redução da lacuna entre os salários dos empregos mais e menos qualificados e os programas de transferência de renda reduziram a desigualdade. Mas a tendência se estancou na década de 2010, que naturalmente se encerrou com uma onda de protestos em 2019, sufocados pela pandemia em 2020.

A pandemia pesou mais sobre quem já estava para trás. As perspectivas são mais tenebrosas ante o impacto desigual sobre os estudantes. A América Latina tem a menor taxa de mobilidade educativa intergeracional e a pandemia deve reforçar esse padrão ligado ao seu crescimento volátil e medíocre.

A percepção de injustiça é generalizada, não só na distribuição de renda, mas no acesso a serviços públicos e garantias legais. Para 3 em 4 latino-americanos, seus governos servem aos interesses de uns poucos poderosos. A maioria acha que a carga tributária deveria aumentar com a renda, mas o apoio é muito maior entre os 20% mais pobres e muito menor entre os 20% mais ricos – que concentram 56% da renda.

A concentração de poder político e econômico resulta em instituições débeis e políticas distorcidas, míopes e ineficazes. Os mercados latino-americanos tendem a ser dominados por um pequeno número de empresas gigantes, o que conduz a preços mais altos, incentivos para tecnologias ineficientes e baixo investimento em inovação.

O poder dos monopólios é em boa parte responsável pela baixa tributação corporativa e pela resistência a impostos progressivos. Já os sindicatos, quando não se aliam às grandes empresas para obter privilégios, com frequência trabalham para reduzir as desigualdades entre empregadores e empregados exclusivamente do seu segmento, exacerbando as disparidades nos demais.

Um fator que é perpetuado pela armadilha latino-americana é a violência. A região abriga 9% da população mundial, mas responde por 34% dos homicídios. A violência deteriora direitos e liberdades; prejudica resultados educativos e a saúde física e mental; reduz a participação no trabalho e na política; ameaça instituições democráticas; e obstrui a provisão de bens públicos aos vulneráveis.

Outro fator são os incentivos políticos a soluções demagógicas, de curto prazo, fragmentadas e ineficazes. A cisão da seguridade latino-americana entre trabalhadores formais (cobertos por programas contributivos, estabilidade de emprego e regulações de salário mínimo) e trabalhadores informais (servidos por programas não contributivos) é responsável pela baixa eficácia do sistema de proteção e impactos contraditórios sobre a desigualdade. O Pnud enfatiza a importância de uma agenda de proteções sociais universais, mais inclusivas e redistributivas, fiscalmente sustentáveis e favoráveis ao crescimento.

“Os lares pobres precisam de transferência de renda e seguridade social, não de um ou de outro.” Mas “ao invés de atuar ex ante para prevenir a pobreza, as políticas reagem apenas ex post para mitigá-las”. Em geral, as taxas de pobreza na região diminuem por programas de transferência de renda e não porque a renda dos pobres aumentou. Uma boa arquitetura social deveria não só assegurar o bem-estar das famílias vulneráveis, mas incentivar trabalhadores e empresas a melhorar sua produtividade.

À armadilha da desigualdade e do baixo crescimento subjazem engrenagens complexas, como a concentração de poder, a violência, e programas de proteção social e marcos regulatórios do mercado de trabalho ineficientes e distorcidos. Enquanto o enfrentamento a esse quadro não for igualmente complexo, os latino-americanos seguirão aprisionados em seu subdesenvolvimento.



quinta-feira, 8 de julho de 2021

Editoriais e artigos de opinião sobre o cenário político brasileiro - Editorial Estadão, Fernando Gabeira, Sergio Fausto

 Teste de estresse

O presidente Jair Bolsonaro testa as instituições democráticas de todas as maneiras desde que entrou para a política. Qual país emergirá dessa terrível experiência?

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, 8/07/2021

O presidente Jair Bolsonaro testa as instituições democráticas de todas as maneiras desde que entrou para a política. Hoje, seus crimes de responsabilidade se multiplicam, do mesmo modo como, quando era deputado, abundavam suas agressões ao decoro parlamentar – sem mencionar as suspeitas de “rachadinhas” e outras estripulias. Seus ataques à imprensa e à Justiça mostram sua ojeriza a alguns dos principais pilares da democracia. Sua campanha feroz para cindir a sociedade é antidemocrática por definição.

Como não há perspectiva de que Bolsonaro se emende – ao contrário, é bem provável que o presidente intensifique sua ofensiva liberticida, pois é de sua natureza –, pergunta-se: qual país emergirá dessa terrível experiência?

Será um país em que as instituições democráticas afinal resistiram a seu maior teste de estresse desde o fim do regime militar, fazendo prevalecer o espírito da Constituição sobre o projeto destrutivo liderado pelo bolsonarismo sob os auspícios do Centrão e de corporações parasitárias do Estado?

Ou será um país em que as instituições democráticas se deixaram emascular pelos interesses mesquinhos de quem se acomoda ao poder para ter ganhos imediatos? Em que se faz exegese heterodoxa da Constituição para fazê-la caber em projetos autoritários de poder? Em que grupos com acesso privilegiado ao Estado conseguem manipular o Orçamento sem qualquer transparência nem prestação de contas? Em que se modificam as leis eleitorais e os modelos de representação para perpetuar o atraso? Em que se considera legítimo um governo que atua contra os mais básicos preceitos éticos e técnicos da administração pública, fazendo terra arrasada na educação, na cultura e na área ambiental? Em que se fecham os olhos para a tentativa de transformar as forças militares em guarda pretoriana do presidente da República? Em que não causa comoção a transformação do Brasil em pária mundial?

Se depender dos democratas brasileiros, o País sairá fortalecido dessa provação, mas não será sem um esforço extraordinário, pois são evidentes os sinais de que os inimigos da democracia ganharam muito terreno desde a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência.

Há instrumentos constitucionais para conter a insana marcha bolsonarista. No entanto, o contubérnio de Bolsonaro com o Centrão tem garantido até aqui a sobrevivência política do presidente, mesmo diante da catástrofe que seu governo impõe ao País. Não se sabe o quanto vai durar esse arranjo – afinal, quanto mais Bolsonaro se enrosca em escândalos, mais caro fica esse apoio.

Por ora, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), eleito para o cargo com o apoio de Bolsonaro, diz que não há razões para dar andamento a um processo de impeachment contra o presidente, embora haja uma profusão de crimes de responsabilidade.

Em recente entrevista a O Globo, Lira declarou que não há votos para o impeachment, que Bolsonaro tem “base popular” e que o afastamento do presidente demanda “circunstâncias como uma política fiscal desorganizada, uma política econômica troncha”. Já os mais de 500 mil mortos na pandemia contam menos, no cálculo do presidente da Câmara, do que a aritmética dos votos no plenário.

Não é à toa que o presidente Bolsonaro referiu-se a Arthur Lira recentemente como “prezado amigo e companheiro” e qualificou como “excepcional” o trabalho do presidente da Câmara.

Para completar, Bolsonaro, no mesmo discurso, revelou seu desejo de acabar com a separação de Poderes, inscrita na Constituição, ao dizer que “não são Três Poderes, não, são dois, Arthur: é o Judiciário e nós para o lado de cá”. Ou seja, Bolsonaro transformou sua Presidência em apêndice do Centrão no Congresso, em contraposição ao Judiciário.

No entanto, as seguidas derrotas do presidente nas Cortes superiores e no encaminhamento de projetos de seu interesse no Congresso, além do suadouro que a CPI da Pandemia está lhe dando no Senado, mostram claramente que o arranjo que mantém Bolsonaro no poder ainda não pode tudo – e está ao nosso alcance fazer com que jamais possa.

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Bolsonaro no seu labirinto 

Vendo sua margem de manobra se estreitar, ele parece cada vez mais desesperado

Fernando Gabeira, O Estado de S.Paulo, 8/07/2921

É um certo desperdício usar um pensamento de Isaac Deutscher para analisar a extrema direita. Mas, como ele dizia, cada vez que a margem de manobra política se estreita as pessoas começam a fazer bobagens, independentemente até de seu nível de inteligência.

A extrema direita mundial vive um momento difícil. Eslovênia, Hungria, Polônia e agora o Brasil, todos estão às voltas com uma conjuntura negativa. E de certa forma o fracasso diante da pandemia foi fator decisivo nas eleições americanas, contribuindo para a derrota de Donald Trump.

Na Eslovênia cai a popularidade do governo, na Hungria forma-se uma ampla coalizão contra Viktor Orbán e na Polônia o governo está sendo empurrado para posições mais à esquerda.

Aqui, no Brasil, Bolsonaro está com toda a carga negativa sobre ele. Não conseguiu atender às frustrações sociais que o levaram ao governo, tornou-se órfão de Trump e realizou uma política letal no campo sanitário. O País não só ultrapassou os 500 mil mortos, como deve superar os Estados Unidos nessa contagem fúnebre.

Bolsonaro já não é muito hábil politicamente. Mas vendo sua margem de manobra se estreitar parece cada vez mais desesperado, a ponto de agredir verbalmente jovens repórteres no exercício de sua função.

O avanço da CPI da pandemia tem representado também uma grande derrota para a tese negacionista de Bolsonaro. Aos poucos vai se definindo algo que para alguns já foi obviamente demonstrado: a política do governo contribuiu para muitas mortes no País.

Outro fator de estreitamento são as próprias alianças políticas. O grupo que o apoia no Parlamento sabe explorar o espaço, aberto pelo início das grandes manifestações populares contra ele. Ainda não o suficiente para derrubá-lo, elas já representam importante agregação de valor ao apoio fisiológico: quanto mais gente na rua, mais cara se torna a amizade com o Centrão.

O mundo que o bolsonarismo encontrou ao chegar ao poder não mudou para melhor, ao contrário, as frustrações se aprofundam. Grande parte da juventude brasileira, por falta de horizonte, quer deixar o País. Isso significa que as possibilidades de derrota de Bolsonaro são grandes, mas algumas das causas que o levaram ao poder não foram removidas.

Assim como lá fora surgem alianças às vezes surpreendentes, como a de Israel e agora a da Hungria, aqui, no Brasil, a possibilidade de unificação do campo oposicionista também é, potencialmente, considerável. Em primeiro lugar, as próprias manifestações de rua, no seu crescimento, precisam atrair novas forças de oposição, ganhar uma cara de unidade nacional que transcende o poder da esquerda. Em segundo lugar, está o próprio futuro pós-Bolsonaro. Seria razoável enfrentá-lo sem levar em conta os mecanismos que impulsionaram sua ascensão?

Algumas dessas frustrações já estavam latentes no grande movimento popular de 2013. Ele é certamente interpretado de muitas maneiras. Mas havia nele um certo descontentamento diante dos serviços públicos, muito aquém da expectativa dos pagadores de impostos.

Depois de uma vitória nacional, a extrema direita não vai desaparecer. Provavelmente será reduzida a uma dimensão mais real, uma força minoritária, ainda que ruidosa.

Sempre haverá, daqui para diante, a compreensão de que ela não pode ganhar o governo, o que determina uniões republicanas, como na França, prontas para derrotá-la caso chegue ao segundo turno.

Derrotá-las nas urnas, porém, não vai resolver o problema. É necessário buscar uma estabilidade dificilmente ao alcance de uma força política única.

Collor não tinha partido, assim como Bolsonaro. Os presidentes que tinham partidos atrás de si acabaram tendo de fazer coalizões que trazem uma falsa estabilidade, uma vez que garantem votos, mas arruínam a legitimidade diante da opinião pública.

Programa e instrumento adequado de governo são temas ainda indefinidos na era pós-Bolsonaro. Não creio que seja algo muito extemporâneo. Na medida em que cresce a oposição a Bolsonaro, certamente são questões importantes. O interessante ao concluir um período como esse seria iniciar um grande estudo não só dessas, mas de todas as grandes questões que nos possam dar uma sensação de caminhar para a frente, sem esbarrar de novo nesse fantasma regressivo e autoritário que assombra a nossa História contemporânea.

Apesar do sofrimento humano e da devastação ambiental, a ascensão de Bolsonaro é também um período de aprendizado. Supor que vamos simplesmente voltar ao período anterior a ele, como se nada tivesse acontecido, é muito perigoso, pois pode nos trazer Bolsonaro de novo, ou alguma composição ainda pior que ele, por mais absurda que possa parecer essa hipótese.

Tudo isso tem um sentido maior, porque não estaremos concluindo apenas um período político. Estaremos vivendo um momento pós-pandemia. Não me lembro historicamente de outro tão estimulante como o pós-guerra na Europa. Muitas certezas cairão por terra, novas ideias afloram, seria um certo contrassenso reiniciar com fórmulas que já não respondem ao desafio do presente.

JORNALISTA

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O bicho-papão do comunismo

Hoje é a extrema direita paranoica e obscurantista que representa perigo real

Sergio Fausto, O Estado de S.Paulo, 8/07/2021

Trinta anos atrás, em agosto de 1991, o comunismo recebeu seu atestado de óbito, com a dissolução da União Soviética. Morreu de morte morrida, provocada pela esclerose múltipla de um sistema político e econômico dirigido por uma burocracia hipertrofiada a serviço de si mesma.
Quando a Cortina de Ferro começou a se entreabrir, o bloco soviético não resistiu à comparação com o nível de bem-estar alcançado pelos países da Europa Ocidental, onde havia mais liberdade e melhores condições materiais de vida. Gorbachev bem que tentou reformar o sistema para evitar a dissolução da União Soviética, mas já era tarde demais. Ela ruiu, assim como havia ruído o Muro de Berlim dois anos antes, marcando o fim do domínio soviético sobre o Leste Europeu.
Mesmo antes de morrer, o comunismo já não representava ameaça ao Ocidente. Com a ascensão de Gorbachev à Secretaria-Geral do Partido Comunista da União Soviética, em 1985, as relações entre a pátria do socialismo e as potências capitalistas mudou definitivamente de natureza. “I like Mr. Gorbachev. We can do business together” (eu gosto do sr. Gorbachev. Nós podemos trabalhar juntos), disse ninguém menos que a conservadora primeira-ministra do Reino Unido Margareth Thatcher, depois de se encontrar em Londres com uma delegação de representantes soviéticos chefiada por Gorbachev, então estrela ascendente no Politburo. Era dezembro de 1984. Bom lembrar que a outra pátria do comunismo, a China, já havia normalizado desde a década anterior as suas relações com os Estados Unidos.
Para quem conhece a História é espantoso que o comunismo tenha sido ressuscitado como arma política 30 anos após a sua morte. Como disse o velho Marx, em adendo a Hegel, a História acontece duas vezes: a primeira como tragédia, a segunda como farsa. A ameaça comunista hoje só existe no discurso farsesco de uma extrema direita que faz da fabricação do pânico um componente central da sua estratégia política. No passado, a ideia da ameaça comunista era plausível, embora inflada para justificar golpes de Estado e regimes autoritários, em especial na América Latina. Salvo no Chile, os partidos comunistas nunca alcançaram grande expressão político-eleitoral. Pequenos grupos mais radicais, que optaram pela via armada para combater ditaduras, foram logo massacrados. Cuba foi um caso singular.
Quem representaria hoje o bicho-papão do comunismo? Faz quase 50 anos, a China deixou de exportar revolução para exportar produtos manufaturados, cada vez com maior conteúdo tecnológico. Mais confiante que nunca na sua capacidade de superar os Estados Unidos como potência econômica, busca também expandir seu poder e influência a outras partes do mundo. Sua estratégia, porém, não passa por mudar regimes políticos, muito menos por criar uma alternativa ao capitalismo, no qual aprendeu a nadar de braçada, com estilo próprio. Ela representa um desafio às democracias liberais, não uma ameaça ao capitalismo, como no passado representou a União Soviética.
Teria a Rússia assumido esse papel? Nada disso. Ex-agente da KGB, Putin é hoje um autocrata que apela à tradição cultural e religiosa da Rússia czarista e empresta apoio à ultradireita nacionalista europeia. Venezuela, um Estado falido, Cuba, que mal se aguenta nas próprias pernas? Ora, tenhamos senso do ridículo.
Diante do evidente despautério, o bolsonarismo se apropriou da ideia de que o comunismo teria reencarnado sob novas vestes: o marxismo cultural. Essa categoria está para a compreensão do mundo como a hidroxicloroquina está para a cura da covid. Serve como droga política para arregimentar fanáticos e disseminar teorias conspiratórias. Faz crer que existe uma ideologia que articula e impulsiona toda e qualquer manifestação cultural e política de questionamento a visões ultraconservadoras sobre a religião, a pátria, o Estado e a família. Junta no mesmo saco de inimigos a combater o liberal que defende a liberdade de expressão e a laicidade do Estado, as feministas que lutam pelos direitos das mulheres, o ativista do movimento LGBT, o dirigente da ONG ambiental, o intelectual “progressista”, o artista “devasso”, o libertário “maconheiro”, o jornalista da “mídia lixo” e até mesmo militares ditos “bundas-moles”.
O velho anticomunismo tinha um pé na realidade. É fato que o Komintern (a 3.ª Internacional) existiu de 1919 a 1945 e que o movimento comunista internacional continuou a ter vida nas décadas posteriores, com centro União Soviética e partidos comunistas em diversos países. É fato que Cuba treinou guerrilheiros e financiou a luta armada. Já o bicho-papão do marxismo cultural é pura fabricação mental. O que existe é uma extrema direita paranoica e obscurantista. Os sinais dela estão por toda parte: na negação da ciência, no uso da religião para fins políticos, na indiferença à morte, no desrespeito à liberdade de expressão do pensamento, do afeto e da sexualidade, no estímulo ao ódio, na linguagem chula. Ela representa o perigo real. O comunismo é um inimigo imaginário, a seu serviço.
DIRETOR-GERAL DA FUNDAÇÃO FHC, É MEMBRO DO GACINT-USP

segunda-feira, 1 de março de 2021

A decepção com Bolsonaro - Editorial Estadão

 

A decepção com Bolsonaro

  • Mesmo os crédulos que confiaram nas promessas liberais e modernizantes de Bolsonaro começam a suspeitar que foram enganados

O desapontamento com o governo Bolsonaro não é um fato novo. Há quem tenha se desencantado com Jair Bolsonaro em razão, por exemplo, da saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça em abril de 2020. Na ocasião, o ex-juiz da Lava Jato relatou tentativas de interferência por parte do presidente na condução da Polícia Federal. O episódio levou a que muita gente revisse sua ideia sobre a suposta carta branca que Jair Bolsonaro teria dado a Sérgio Moro para o combate à corrupção.

Na semana passada, a interferência de Jair Bolsonaro na presidência da Petrobrás produziu uma nova onda de decepção. Além dos efeitos devastadores sobre a empresa, com prejuízos muito concretos para as centenas de milhares de acionistas minoritários, a ordem para mudar a chefia da empresa consolidou a percepção de que Jair Bolsonaro não tem nenhum compromisso com a agenda liberal proposta na campanha de 2018. Não há mais nem mesmo o cuidado de manter as aparências.

Sempre houve bons motivos para desconfiar da adesão de Jair Bolsonaro a uma pauta de reformas. Basta pensar, por exemplo, que, por mais de duas décadas, a atuação do ex-capitão na Câmara dos Deputados foi oposta a todo o conjunto de reformas anunciado por Paulo Guedes na campanha eleitoral do então candidato do PSL à Presidência da República.

O fato, no entanto, é que muita gente confiou em Jair Bolsonaro: em sua disposição e capacidade de promover uma profunda mudança liberal no Estado brasileiro. A ideia era a de que, sob a batuta de Paulo Guedes, haveria um choque de gestão. O déficit fiscal acabaria, muitas privatizações seriam feitas, o poder público seria mais eficiente e o ambiente de negócios sofreria uma revolução.

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“Quando candidato, Bolsonaro falava em privatização, e o ministro Guedes, que é liberal, defendia a tese da redução do tamanho do Estado. Me senti motivado a deixar meus negócios para contribuir com isso”, disse o empresário Salim Mattar ao Estado. De janeiro de 2019 até agosto de 2020, Salim Mattar foi o secretário especial de Desestatização e Privatização do Ministério da Economia.

Hoje, ao falar daquele sonho liberal, Salim Mattar não esconde sua decepção. “O ministro Guedes é resiliente, obstinado e determinado, mas não percebeu que foi vencido. Por exemplo, há quanto tempo a história da Eletrobrás está no Congresso e não consegue autorização?” Como se sabe, a resistência à venda da Eletrobrás não vem apenas do Legislativo. Até a edição da MP 1.031/21, Jair Bolsonaro tinha colocado mais condições do que defendido sua privatização.

Ao avaliar o panorama atual do País, citando, entre outros pontos, o episódio do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) e a mudança no comando da Petrobrás, Salim Mattar não é otimista. “Nós perdemos o foco como país, não vai dar certo, não tem jeito de dar certo. O País precisa de foco para aquilo que é importante para o cidadão”, disse.

Paulo Uebel também não esconde sua decepção com os rumos do governo federal. Segundo o ex-secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, mais do que simplesmente não promover as reformas, o presidente Jair Bolsonaro segue o caminho das administrações petistas. “Isso (a interferência na política de preços da Petrobrás) é uma mudança que vai contra o que foi aprovado nas urnas e aproxima Bolsonaro de práticas que o PT fazia. E isso é o oposto do que o eleitor de Bolsonaro gostaria de ver”, disse Paulo Uebel ao Estado. Em sua avaliação, o resultado da interferência pode ser a “destruição de valor muito grande da empresa, como vimos durante a gestão do PT”.

O abandono de qualquer imagem de governo reformista se dá num momento em que a aprovação de Jair Bolsonaro caiu para 44%, uma queda de oito pontos em quatro meses, de acordo com a pesquisa realizada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) em parceria com o Instituto MDA. No período, também diminuiu a avaliação positiva do governo (ótimo e bom) de 41% para 33%. Por diferentes motivos – a irresponsável atuação do governo federal na pandemia é apenas um deles –, mesmo os crédulos que confiaram nas promessas liberais e modernizantes de Bolsonaro começam a suspeitar, ora vejam, que foram enganados.


terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Bolsovirus mete as patas na Petrobras - Editorial Estadão (23/02/2021)

 Uma intervenção desastrosa

 Opinião / O Estado de S. Paulo, 23/02/2021

A intervenção na Petrobrás combina com o fracasso econômico da gestão Bolsonaro, evidente já antes da pandemia

Gente esforçada, os americanos acordaram cedo para se livrar de papéis da Petrobrás ontem de manhã. Títulos da empresa despencaram 16% no pré-mercado, isto é, antes da abertura oficial do pregão. Ao mexer na empresa, como sempre desastrado, o presidente Jair Bolsonaro assustou também os estrangeiros, importantes fontes de capital para a estatal brasileira. Talvez ele ignorasse, ou ainda ignore, também esse detalhe. No Brasil ações da petroleira estavam em queda de 19% por volta do meio-dia, arrastando para baixo papéis de estatais, como o Banco do Brasil (BB) e Eletrobrás, e o Ibovespa. Esse índice, o principal da bolsa brasileira, recuou 4,84% durante a manhã.

Nessa altura, a Petrobrás acumulava perda de cerca de R$ 100 bilhões de valor de mercado, iniciada no último fim de semana. No fechamento da quinta-feira, a empresa ainda valia R$ 382,99 bilhões. Só na sexta-feira foram perdidos R$ 28,2 bilhões. O presidente prometeu novas intervenções e mencionou o setor de energia elétrica. Mas, no fim de semana, circulou no mercado a hipótese de mudança na direção do Banco do Brasil, ensaiada recentemente, mas ainda irrealizada.

O motivo dessa intervenção seria o programa de fechamento de agências físicas e de redução de pessoal apresentado recentemente pela presidência do banco. O presidente Bolsonaro já havia interferido na gestão do BB ao condenar moralmente uma campanha publicitária. A censura foi aceita e cumprida, embora incompatível com as normas de administração de empresas como o BB. O presidente da instituição acabou renunciando ao posto, bem mais tarde, por outro motivo.

Mas os danos causados pelo presidente Bolsonaro, incapaz de entender as funções presidenciais e, mais amplamente, a própria noção de governo, vão muito além dos males causados diretamente à Petrobrás ou a qualquer outra entidade vinculada ao poder federal. A incompetência presidencial, manifestada com o máximo de truculência e nenhuma percepção das questões econômicas, legais, sociais e empresariais mais importantes em cada caso, afeta largamente o funcionamento da economia brasileira e as expectativas de quase todos os grupos de agentes.

A piora das expectativas foi claramente mostrada, ontem, no último boletim Focus divulgado pelo Banco Central. Em uma semana, a mediana das projeções da inflação oficial passou de 3,62% para 3,82%. O dólar estimado para o fim do ano subiu de R$ 5,01 para R$ 5,05. A taxa básica de juros esperada para dezembro aumentou de 3,75% para 4%, o dobro daquela em vigor neste momento. O déficit primário (sem juros) do setor público voltou a 2,80% do Produto Interno Bruto (PIB), depois de haver recuado para 2,70%. O crescimento do PIB foi revisto de 3,43% para 3,29%. Quatro semanas antes ainda se apostava em 3,49%.

Resumindo: as expectativas são de inflação maior, dólar mais caro, rombo fiscal mais amplo, juros mais altos e menor expansão econômica. Outras pesquisas já indicaram piora das expectativas dos empresários industriais e aceleração dos preços por atacado.

Ao comentar reações do mercado, o vice-presidente Hamilton Mourão falou em “rebanho eletrônico”. É um comentário estranho, quando se vê a mudança de orientação de grandes instituições financeiras. Analistas da XP Investimentos, do Bradesco e do Crédit Suisse passaram a recomendar a venda de papéis da Petrobrás. Seus colegas do BTG Pactual e da Mirae Asset foram mais contidos, mas deixaram de recomendar a compra. Nada, no currículo do vice-presidente, parece credenciá-lo para menosprezar dessa maneira a resposta de tantos analistas.

Afinal, trata-se mesmo de uma intervenção grosseira, confirmada pela demissão do presidente da empresa antes do fim de seu mandato. Esse episódio combina com o fracasso econômico da gestão Bolsonaro, evidente já antes da pandemia, com a grotesca propaganda da cloroquina, com a imprevidência no caso da vacinação, com sua política armamentista e com a fixação nos assuntos familiares e na reeleição. Nenhum vice-presidente contemporizador poderá disfarçar essas barbaridades.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

A diplomacia brasileira vive o seu PIOR momento - Editorial Estadão (19/02/2021)

 ‘É parte da cura o desejo de ser curado’

É muito triste constatar que a diplomacia brasileira vive o seu pior momento

Editorial Estadão | 19/02/2021, 3h

 

Sábias palavras do filósofo romano Sêneca, o Jovem, ainda no distante século 1.º. Pena que essa antiga máxima não tenha sido adotada pelo governo brasileiro ao tratar a pandemia de covid-19. Ao contrário, assumindo explícito negacionismo o presidente Jair Bolsonaro só colecionou atos contrários ao fundamental “desejo de ser curado”: o rebaixamento de uma doença nova, desconhecida e por vezes mortal a “gripezinha”, a demissão dos ministros Mandetta e Teich, culminando com a convocação de um militar especializado em logística para a pasta da Saúde. Apesar de sua “expertise”, o planejamento do atual ministro mostrou-se caótico e obscurantista: recomendou medicamentos não apropriados e foi negligente com a necessária pressa na compra de vacinas, sobretudo pelas interferências do presidente.

Não bastasse, foi de enorme gravidade o vergonhoso papel desempenhado pelo Brasil na defesa de seus próprios interesses e de potenciais aliados em causas comuns na cena internacional. Em outubro, Índia e África do Sul propuseram à Organização Mundial do Comércio (OMC) a liberação do licenciamento compulsório e temporário de patentes com vista às pesquisas de vacinas e medicamentos de combate à epidemia. O Brasil votou contra a proposta dos parceiros do Brics, contrariando uma tradição de pioneirismo nesse assunto nas últimas décadas, preferindo seguir a orientação de Donald Trump. Dado o apoio chinês e russo à proposta de liberação, o Brasil ficou totalmente isolado na entidade que agrega as potências emergentes.

A ideia de licença compulsória obrigatória de patentes numa circunstância grave que a justifique não é modismo atual. Essa possibilidade de suspensão temporária de um direito de propriedade intelectual diante de um motivo de grande interesse público foi prevista na legislação britânica contida no Estatuto dos Monopólios do Reino Unido, votado no Parlamento em 1624. Posteriormente o tema foi tratado em acordo internacional firmado em Paris em 1883, quando foram estabelecidas regras gerais de licença contra o exercício abusivo de direitos sobre patentes. Só em 1967 foram estabelecidas regras específicas, num congresso em Estocolmo.

Por fim, em 1994 foi firmado na OMC o Trade-Related Aspects in Intelectual Property Rights (Trips), ou direitos sobre propriedade intelectual relacionados ao comércio. O Trips prevê a quebra de patentes em situações emergenciais, mas antes deve ser feita uma tentativa de negociação entre governo e empresa detentora. Caso não cheguem a acordo, está prevista a liberação temporária da patente e uma compensação em royalties ao proprietário intelectual.

Rússia e China não assinaram o tratado. Índia firmou, mas conseguiu exercer por dez anos uma carência de suspensão temporária, durante a qual montou sua próspera indústria farmacêutica atual.

Já o Brasil não exigiu a carência e perdeu o bonde industrial que a Índia pegou. Mas fez insistente pressão para enfrentar as patentes dos medicamentos contra a aids, conseguindo grandes conquistas com os genéricos, liberações e preços junto aos grandes laboratórios detentores da propriedade intelectual. Essa atitude constante brasileira foi elogiada e admirada pelo mundo todo, tendo a Índia como apoiadora de primeira hora nessa direção. Dentro desse contexto histórico, foi grande a decepção na África do Sul e na Índia com a posição brasileira em plena pandemia, alinhada com os grandes laboratórios norte-americanos e europeus na reunião da OMC. Até manifestações de rua houve nesses países criticando o Brasil. Embora derrotada pelas pressões americanas e europeias, a proposta foi apoiada por mais de cem países e cerca de 400 entidades internacionais.

É realmente muito triste constatar que a diplomacia brasileira vive erraticamente seu pior momento em sua respeitada história. Herdeira da eficiente diplomacia portuguesa do século 18, conduzida por brilhantes diplomatas como dom Luís da Cunha e Alexandre de Gusmão e continuada no século 19 pelos não menos brilhantes visconde do Rio Branco e seu filho, o barão. Este último e Joaquim Nabuco adentrariam o século 20 com um trabalho decisivo na discussão e consolidação de nossas fronteiras. E no decorrer do século o Itamaraty firmou-se no cenário internacional como exemplo de boas práticas diplomáticas para todo o mundo, despertando admiração e respeito. Prestígio confirmado pela atuação de Oswaldo Aranha no comando da Assembleia-Geral da ONU em 1947/48.

O mais surpreendente nessa guinada ideológica inconsequente da nossa diplomacia é que ela contraria até a política externa praticada pelo regime militar a partir de março de 1974, no governo Ernesto Geisel. O então chanceler Antônio Azeredo da Silveira, notabilizado como Silveirinha, anunciou a nova postura diplomática do “pragmatismo responsável”, em oposição ao anterior alinhamento automático aos Estados Unidos. Ironicamente, o Brasil adotava o mesmo pragmatismo comercial praticado pelos Estados Unidos em relação aos seus interesses. Ou como dizia John Foster Dulles, experiente diplomata conservador norte-americano dos anos 1950, “não existe amizade entre os países, apenas interesses comuns”.

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