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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

A Conferência de Madri, fracasso ou sucesso? - José Goldemberg (OESP)

17/02/2020 | O Estado de S. Paulo | Espaço Aberto | 

A Conferência de Madri, fracasso ou sucesso?

    José Goldemberg
    O Estado de S. Paulo17/02/2020

    A 25.ª Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP 25), que se realizou em Madri, na Espanha, em dezembro de 2019, tem sido descrita frequentemente como um completo fracasso, porque as decisões mais importantes a serem tomadas foram adiadas para a COP 26, neste ano de 2020, em Glasgow, na Inglaterra.
    Essas decisões dizem respeito, basicamente, a recursos financeiros, tais como a transferência de recursos dos países mais ricos para os países em desenvolvimento para ajudá-los a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e reconhecer créditos por ações já realizadas no passado por esses países.
    Há anos que as discussões sobre esses temas se arrastam. A impressão que se pode ter, portanto, é de que os temas essenciais estão sendo transferidos de ano para ano e que as reuniões da COP são realmente convescotes em que se reúnem diplomatas, ativistas ambientais, celebridades e ministros do meio ambiente, nos quais a retórica é elevada, mas não tem consequências práticas.
    A realidade é bem mais complexa: apesar das emissões estarem aumentando, elas teriam aumentado muito mais sem as decisões tomadas pela Convenção do Clima assinada no Rio de Janeiro em 1992 e pelas COPs subsequentes, realizadas desde então, que alertaram o mundo todo para os problemas do aumento das emissões de carbono e o consequente aumento da temperatura global.
    Essa conscientização estimulou inovações tecnológicas (e sua adoção) que tornaram a economia mundial mais eficiente e, por conseguinte, reduzindo as emissões de carbono.
    Por exemplo, automóveis produzidos hoje podem rodar 15 quilômetros com um litro de gasolina, os produzidos há 20 anos atrás necessitavam 1,5 litro para rodar a mesma distância.
    Lâmpadas LED iluminam muito mais com menos consumo de eletricidade.
    O sucesso da globalização da atividade industrial que se verifica no mundo contribuiu para a redução das emissões: não existem mais automóveis produzidos no México, no Brasil ou nos Estados Unidos, mas uma cadeia internacional de componentes que permite que eles sejam fabricados em vários países.
    Em outras palavras, enquanto os diplomatas se reúnem nas COPs durante duas semanas, todos os anos, e parecem não chegar a um acordo - como não chegaram na Conferência de Madri -, uma revolução silenciosa está acontecendo no mundo e evitando um aumento assustador das emissões de carbono e de outros gases responsáveis pelo aquecimento global.
    Não entender essa realidade é que tornou difícil a implementação das medidas acertadas no Rio de Janeiro em 1992 e em Kyoto em 1997 para reduzir as emissões de carbono. Esse não é apenas um problema ambiental, mas um problema de política industrial e comercial, que só foi resolvido com a adoção do Acordo de Paris, em 2015, na COP 21. Nesse acordo ficou acertado que cada país decidiria de forma soberana o que pretende fazer no que se refere à redução das suas emissões, adotando metas e prazos para cumpri-las. Apesar de voluntárias, elas se tornariam mandatórias uma vez comunicadas ao Secretariado da Convenção das Partes e seriam revisadas a cada cinco anos. O Brasil fez isso sem exigir recursos para cumprir suas metas, como, por exemplo, reflorestar 12 milhões de hectares.
    A China, o maior emissor mundial e cujas emissões estão crescendo, comprometeu-se a reduzi-las substancialmente substituindo o uso de carvão por gás natural e estimulando o uso de energias renováveis. Ao fazê-lo, o governo chinês pretende resolver também o problema urgente da poluição urbana, cuja causa principal é o uso de combustíveis fósseis.
    Transferência de recursos para ajudar os países mais pobres a tomar medidas para reduzirem emissões se destina, realmente, a países da África, do Sudeste da Ásia e das ilhas do Oceano Pacífico, e não a países mais avançados e aspirantes a membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como o Brasil.
    Essas promessas 0 que inicialmente eram muito vagas - tomaram a forma de um aporte prometido de US$ 100 bilhões anuais na COP de Copenhague, em 2009. Mas esses US$ 100 bilhões se referem a "investimentos relacionados ao clima", como os que o Banco Mundial faz todos os anos e atingiriam US$ 43,1 bilhões em 2012.
    A Índia e outros países argumentam que esses recursos seriam transferidos para os seus governos, o que é considerado um entendimento equivocado.
    Além disso, foi criado o Fundo Verde para o Clima, em 2015, que levou anos para ser estruturado e só tem desembolsado alguns bilhões de dólares por ano em 123 projetos â apenas três deles no Brasil. Acelerar a apresentação de projetos a esse fundo é a principal ação que o Brasil deveria tomar, além de insistir para que ele se torne mais ágil.
    Esse parece ser um caminho muito mais promissor do que se envolver em intermináveis discussões sobre a expectativa de receber créditos por ações realizadas no passado, que parece muito problemática. Esse programa de créditos foi mal formulado e o seu valor de mercado se tornou irrisório. Insistir neles parece ser uma estratégia pouco construtiva.
    -
    PROFESSOR EMÉRITO E EX-REITOR DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), FOI MINISTRO DO MEIO AMBIENTE

    terça-feira, 20 de maio de 2014

    As perspectivas (e o reverso) do pre-sal - Jose Goldemberg

    O eminente especialista em energia da USP traça um panorama realista da exploração inteligente do pré-sal, mas em condições "normais" de atividade empresarial, no que acredito que ele incorre em grande erro. A Petrobras, desde 2003, não é mais uma companhia normal, nem as políticas energéticas do governo foram "normais", ao contrário, foram absolutamente esquizofrênicas, em todas as áreas.
    Mas, não sei se o Professor percebe, a única coisa racional, nessa loucura toda, foi a operação Pasadena, que não tinha tanto a ver com Pasadena, ou com qualquer outra refinaria, mas sim com a operação em si.
    Não sei porque as pessoas não percebem isso...
    Paulo Roberto de Almeida

    As perspectivas do pré-sal

    19 de maio de 2014 | 2h 07
    José Goldemberg* - O Estado de S.Paulo
    Os problemas financeiros e administrativos da Petrobrás, com indícios de irregularidades em investigação pela Polícia Federal e o Ministério Público Federal, têm sido amplamente discutidos recentemente e não vou repeti-los aqui.
    Frequentemente, investimentos equivocados dão prejuízos maiores do que os resultantes da corrupção. No caso da Refinaria de Pasadena, por exemplo, seria o caso de perguntar por que comprá-la, mesmo que se tratasse de "um bom negócio". A Petrobrás teria sido criada para realizar esse tipo de atividade?
    O que vamos fazer é analisar a estratégia adotada pela Petrobrás e pelo governo federal de concentrar todos os esforços da empresa na exploração do petróleo em grandes profundidades no oceano, já que as reservas de petróleo "convencional" estão se esgotando, como já aconteceu em muitos países e ocorre agora, na Bacia de Campos.
    Para enfrentar esse problema, as empresas petrolíferas procuram desenvolver técnicas para retirar petróleo de reservas "não tradicionais", como areia asfáltica no Canadá ou exploração em grandes profundidades nos oceanos. O petróleo "não convencional" é mais difícil de produzir e, consequentemente, o seu custo é mais elevado. Sucede que as empresas de petróleo acreditam que a demanda por petróleo vai continuar crescendo e que os preços do produto vão aumentar, o que justificaria a exploração em áreas mais difíceis e problemáticas.
    No Brasil, a Petrobrás concentra seus esforços nos depósitos chamados de pré-sal, situados no oceano a grandes profundidades (mais de 5 quilômetros), abaixo de uma camada de sal de cerca de 2 quilômetros de espessura. Essa estratégia enfrenta três desafios: problemas técnicos e econômicos; problemas ambientais; e as alternativas ao uso do petróleo.
    Localizar petróleo nas profundezas do oceano é uma coisa, trazê-lo para a superfície e leva-lo até uma refinaria é outra. O otimismo permanente da Petrobrás, de que todos esses problemas vão ser resolvidos, não ajuda muito - nem a falta de transparência sobre os custos do petróleo produzido. Estimativas não oficiais são de que eles seriam superiores a US$ 50,00 por barril produzido. Em comparação, o petróleo "convencional" custa menos de US$ 10,00 por barril para ser produzido, e o fato de ser vendido a mais de US$ 100,00 por barril é consequência de acordos políticos e comerciais dos principais produtores.
    Os problemas ambientais da exploração de petróleo em grandes profundezas são, na realidade, "terra incógnita". Não há muita experiência prévia das companhias internacionais nesta área e a liderança da Petrobrás em exploração em águas profundas traz consigo problemas novos. Prudência e humildade seriam uma boa estratégia a seguir nessa área.
    Quanto a acidentes na produção de petróleo, é útil comparar as experiências de Estados Unidos, Noruega, Inglaterra e Brasil.
    As empresas de petróleo classificam acidentes em várias categorias: segurança ocupacional, colisões, pequenos incêndios e perda total de poços de petróleo. Os Estados Unidos, por causa do acidente da British Petroleum no Golfo do México, têm o pior desempenho em todas as categorias. O Brasil, no entanto, é o pior em colisões e pequenos incêndios. E a Noruega é o líder em segurança.
    Os custos elevados na produção de petróleo "não convencional" são o calcanhar de aquiles da estratégia de explorar esse petróleo e pode justamente inviabilizá-la, porque tornam mais competitivas as alternativas ao petróleo.
    E quais são essas alternativas?
    A primeira delas - e a mais simples - é o aumento da eficiência dos motores usados na indústria automobilística. Tanto a União Europeia quanto os Estados Unidos fixam de tempos em tempos, desde 1980, a quilometragem média por litro de combustível que os veículos automotores devem atingir. Por exemplo, nos Estados Unidos, ela foi fixada em 10,6 quilômetros por litro em 1975; deveria atingir 16,6 quilômetros por litro em 2016; e deverá atingir 23 quilômetros por litro em 2025. Com isso, se a frota não aumentar muito, o consumo de derivados de petróleo diminui.
    A segunda é a produção de biocombustíveis como o etanol da cana-de-açúcar, no Brasil, e de milho, nos Estados Unidos. Atualmente, eles substituem 3% do petróleo que é consumido no mundo, mas essa porcentagem poderá facilmente atingir 10%. Há, aqui, uma grande oportunidade para o Brasil exportar sua tecnologia de produção de cana-de-açúcar e de produção de etanol, que já atingiu elevado nível de produtividade.
    Grandes empreendimentos em produção de petróleo "não convencional", como o pré-sal, têm grandes riscos. Alternativas existem e elas deveriam ser implementadas com a mesma energia e determinação com que a Petrobrás procura retirar petróleo de grandes profundidades do oceano. O que a prudência recomenda é que a Petrobrás deveria tentar reduzir os seus custos e dividir os riscos com outras empresas petrolíferas mundiais com experiência nessa área.
    Contudo, o que estamos presenciando nas políticas adotadas pelo governo brasileiro na área de petróleo desde 2008 é exatamente o oposto. A Petrobrás ficou praticamente sozinha na exploração do pré-sal, endividando-se enormemente a ponto de suas ações terem perdido cerca de 80% do seu valor. Contribuiu para isso o congelamento dos preços de derivados de petróleo, o que levou a empresa a vender gasolina com prejuízo e, nesse processo, asfixiando o Programa do Álcool de cana-de-açúcar.
    Esse não é o caminho a seguir e uma correção de rumos torna-se cada vez mais urgente.
    *José Goldemberg é professor emérito da Universidade de São Paulo, foi secretário de Ciência e Tecnologia da Presidência da República. 

    quarta-feira, 21 de agosto de 2013

    Professores sao contra a meritocracia; eles preferem a mediocracia... - artigo de Jose Goldemberg

    Estou sabendo de manifestação e greve de professores (ou do sindicato de professores) no Rio de Janeiro, nesta semana, sendo que um dos slogans dos ditos cujos é:
    Fim da Meritocracia.
    Certamente: a meritocracia é uma coisa chata, pois premia os mais esforçados e deixa na amargura os incompetentes os vagabundos, os relapsos, uma tremenda injustiça.
    Melhor é a isonomia, todo mundo ganhando o mesmo, socialisticamente, independentemente de resultados e do desempenho dos alunos. Afinal de contas, nossa Constituição coloca a igualdade como um dos valores fundamentais do país.
    Essa coisa de meritocracia atrapalha tudo isso, os altos princípios constitucionais...
    Esse professor aí abaixo, só pode ser maluco...
    Nossa Constituição não está fazendo 25 anos (com 73 emendas) por nada. Ela está aí para isso mesmo: consagrar a mediocracia, e o atraso.
    Paulo Roberto de Almeida

    Universidade e meritocracia

    19 de agosto de 2013
    José Goldemberg * - O Estado de S.Paulo
    Suficiente já foi dito sobre as propostas de plebiscito, democracia direta e outras que foram feitas pelo Poder Executivo em respostas às grandes manifestações populares de junho. Várias delas são notoriamente atabalhoadas e demagógicas e, felizmente, estão sendo gradativamente abandonadas, à medida que o bom senso se impõe.
    Há, porém uma consequência duradoura e deletéria da orientação política geral que se implantou há cerca de dez anos no País, que é a de tentar agradar a todos os setores da sociedade e cooptá-los em nome do sucesso eleitoral e da permanência no poder. O que é alarmante é esse comportamento estar atingindo agora as melhores universidades brasileiras. Ora são cotas de diversos tipos para ingresso nas universidades públicas para compensar discriminações ocorridas no passado; ora são propostas de eleições diretas para dirigentes universitários, como se essas instituições de ensino superior fossem clubes recreativos ou sindicatos; ora é serviço civil obrigatório para resolver os problemas do precário atendimento médico à população; ora a importação de médicos - e por aí vai.
    O que tudo isso tem em comum é que tenta eliminar algo fundamental: a meritocracia. Isto é, que a aptidão ou o conhecimento sejam o critério principal do sucesso, quer na conquista de cargos de direção, quer na realização de trabalhos técnicos e científicos, no caso das universidades.
    A meritocracia foi uma das grandes conquistas da Revolução Francesa (1789-1799), em que foram eliminados os privilégios da aristocracia. O sucesso posterior de Napoleão Bonaparte como grande general deveu-se em grande parte à escolha de oficiais pelo mérito, e não por seus títulos de nobreza, como ocorria antes de 1789.
    É esse o significado da palavra igualdade na trilogia que caracterizou aquela revolução - liberdade, igualdade e fraternidade. O que se almejava na ocasião era igual oportunidade para todos.
    A mesma característica têm as grandes escolas de ensino superior criadas na França pós-revolução, como a Escola Politécnica de Paris, a Escola Normal Superior e a Escola Nacional de Administração, que formam até hoje os quadros dirigentes franceses e nas quais o ingresso é feito exclusivamente pelo mérito. Vale a pena mencionar aqui que a ideia básica da meritocracia foi incorporada até por Karl Marx, ao esboçar como seria um mundo onde a exploração do trabalho pelo capital fosse eliminada: um mundo em que "cada um daria de acordo com suas habilidades e cada um receberia de acordo com suas necessidades".
    A meritocracia é um princípio que sempre esteve presente no desenvolvimento da ciência, área em que ela é soberana e o uso de títulos e de poder nada pode contra a evidência. A História está cheia de episódios em que autoridades tentaram suprimir ou manipular a evidência científica. Todas essas tentativas falharam.
    As grandes universidades do mundo seguem o mesmo princípio e as brasileiras que pretendem atingir um nível comparável ao delas não poderiam adotar critérios diferentes. O que está ocorrendo no Brasil, contudo, é que existem visões conflitantes dentro do próprio governo federal quanto ao papel das universidades públicas.
    Por um lado, o governo cria programas de incentivo à inovação tecnológica, promove estágios no exterior por meio do programa Ciência sem Fronteiras e de outros que se destinam a melhorar o desempenho das universidades, essencial para aumentar a competitividade econômica do País. Por outro, cria cotas sociais e raciais, que no curto e no médio prazos tendem a baixar o nível dessas universidades, que já deixam a desejar em muitas áreas.
    Introduzir cotas nas universidades públicas brasileiras como instrumento para compensar/corrigir discriminação racial ou social pode ser mais fácil e menos oneroso do que resolver o problema fundamental, que é tornar o ensino médio melhor, o que daria mais oportunidades aos estudantes de menor renda. Mas essa é uma falsa solução.
    O que a experiência nacional e internacional da introdução de cotas nas universidades nos diz é que elas não garantem que os alunos cotistas tenham o desempenho esperado, encorajam a evasão e, em particular nas áreas mais competitivas (medicina, engenharia e direito), podem levar a uma redução da qualidade dos cursos. Além disso, estabelecem um novo tipo de discriminação: contra o branco pobre (em relação ao negro pobre) e contra o pobre (branco ou negro) cuja família economizou para mandar o filho à escola privada a fim de prepará-lo melhor para os vestibulares. Há um documento recente sobre Ações Afirmativas nas Universidades Brasileiras, preparado pela Academia de Ciências do Estado de São Paulo, que discute essas questões.
    Outro problema é a gestão das universidades públicas, ameaçada pela escolha de reitores por eleições diretas. Universidades têm autonomia didática, científica e administrativa, como determina o artigo 207 da Constituição da República, mas não são soberanas, sendo fundamental que não percam de vista os interesses gerais da sociedade. A eleição direta de reitores pela comunidade universitária implica sério risco de tornar as universidades prisioneiras de demandas corporativas.
    Essa é a razão por que os reitores são escolhidos pelos governadores dos Estados nas universidades estaduais e pela presidente da República no caso das federais, em listas preparadas pelos conselhos universitários, nos quais os professores titulares são a maioria e os alunos e funcionários estão amplamente representados. Introduzir eleições diretas cria também o não menor risco de as universidades deixarem de cumprir suas funções básicas: o ensino, a pesquisa e a prestação de serviços à sociedade.
    * José Goldemberg é professor emérito da USP e foi reitor da mesma universidade. 

    segunda-feira, 18 de março de 2013

    Brasil: nao perde oportunidade de perder oportunidades...

    O título merece uma correção. A frase é de Roberto Campos, o genial diplomata maldito entre os diplomatas -- por ter concepções totalmente divergentes da maioria dos outros diplomatas, uma espécie de Raymond Aron numa (Santa?) Casa recheada de Sartres... -- que não queria obviamente referir-se ao Brasil enquanto tal, uma vez que países não possuem vontades próprias e sim os dirigentes que -- feliz ou infelizmente -- os governam temporariamente.
    De fato, o Brasil é um país que tem perdido muitas oportunidades, como revelado ainda neste artigo do maior cientista "energético" brasileiro, um homem com experiência e longevidade suficientes para confirmar tudo o que escreveu, inclusive a informação (que espero não estar errada) de que desde 1973 o Estado de São Paulo já apoiava a fabricação de motores flexfuel (ele devia ser secretário de tecnologia nessa época, talvez).
    O fato é que o governo dos companheiros, depois de um repente de lucidez no comecinho, ao impulsionar a produção e exportação de etanol, e ao pretender transformar o Brasil no grande país das energias renováveis -- o que é o certo e já estava sendo feito anteriormente, ao ter o governo anterior colocado o programa do alcool combustível em corretas bases de mercado -- despencou, logo depois, para uma série de políticas insanas, ao estabelecer um programa totalmente irracional de biodiesel, misturando matriz energética e preocupações sociais (e ao impor uma lei sem qualquer sustentação econômica), e sobretudo a partir da descoberta das reservas do pré-sal, quando o governo finalmente descambou para a irracionalidade total, provocando a confusão que aí está em torno dos royalties, do preço da gasolina e muito mais, com suas diretrizes alucinadas em relação à Petrobras.
    O Brasil está perdendo oportunidades, e pode se atrasar décadas, com prejuízos totalmente dispensáveis se a lucidez predominasse. Mas esse é um artigo raro em Brasília.
    Paulo Roberto de Almeida

    Uma oportunidade histórica perdida?

    O Estado de S.Paulo, 18 de março de 2013 | 2h 04
    José Goldemberg *
     
    A História está cheia de exemplos de que uma escolha errada tem consequências funestas e uma escolha certa produz milagres. O grande desafio é fazer as escolhas certas - e o próprio conceito de "governar" significa escolher entre as opções disponíveis.

    O governo brasileiro, em pleno regime militar, fez em 1975 uma escolha de grande sucesso, que foi lançar o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), o único combustível, existente até hoje, capaz de substituir a gasolina em grandes quantidades, com as características que todos desejam: ser economicamente competitivo e renovável, isto é, sem os problemas que caracterizam os combustíveis fósseis.

    O programa sofreu muitos tropeços ao longo dos últimos 35 anos, mas sobreviveu. E chegou a substituir 50% da gasolina que seria consumida no País se ele não existisse.

    As expectativas de expansão da produção de etanol da cana-de-açúcar no Brasil sempre foram bem fundadas. Ele poderia ser exportado para os Estados Unidos, onde o uso do milho para produzir etanol não tem as vantagens econômicas e ecológicas do nosso álcool de cana. Tampouco dispõem de tais vantagens os países da Europa, que usam beterraba e outros produtos e nos quais o etanol é mais caro. Não é de admirar, pois, que esses países tenham adotado medidas protecionistas que impediram a conquista do seu mercado interno pelo etanol brasileiro.

    Sucede que as barreiras adotadas pelos Estados Unidos já caíram. E as europeias vão acabar caindo também, porque simplesmente não há condições geográficas e climáticas para produzir grandes quantidades de etanol na Europa. O Brasil poderia, portanto, ocupar o espaço deixado pelos Estados Unidos.

    Com a tecnologia existente atualmente, somente etanol produzido da cana-de-açúcar, em países tropicais, pode atender às necessidades de combustível renovável. Novas tecnologias, as de segunda geração, poderão mudar esse quadro. Isso, contudo, levará alguns anos. Até agora os trabalhos nessas áreas estão sendo testados em diversas plantas-piloto, que não se mostraram ainda economicamente viáveis e em alguns casos, até mesmo tecnologicamente inviáveis.

    Além disso, a produtividade em litros de álcool produzidos por hectare da tecnologia em uso no Brasil tem aumentado sistematicamente em cerca de 3% ao ano desde 1980, o que é realmente extraordinário. Novos ganhos de produtividade são ainda possíveis. Não é preciso esperar pela segunda geração para competir.

    Há, pois, uma janela de oportunidade para o etanol do Brasil e de outros países com clima adequado e terra abundante, o que significa, principalmente, a África abaixo do Saara e alguns países da América Latina. Apenas para dar um exemplo, a União Europeia acaba de sobretaxar a importação de etanol dos Estados Unidos - cerca de 600 milhões de litros por ano - para proteger sua indústria. Essa sobretaxa não se aplica ao Brasil, que poderia facilmente conquistar esse mercado.

    Os países da Europa e os Estados Unidos acabarão por se render à evidência: produtos tropicais são produzidos nos trópicos, mas podem ser importados e comercializados pelas empresas europeias e norte-americanas. Isso é verdade desde os tempos da Roma imperial, 2 mil anos atrás, quando o trigo consumido na Itália, produto essencial para o Império, era produzido no Norte da África, que na época era bem mais fértil do que é hoje. Parte da riqueza do Império Britânico veio da produção de chá na Índia - que não era produzido na Inglaterra, mas era comercializado pelos ingleses.

    Isso é o que deve acontecer com o etanol da cana-de-açúcar. Existem no mundo mais de cem países produtores de açúcar (usando cana), a maioria na África e na América Latina, e eles poderiam com relativa facilidade usar parte da produção de cana para produzir etanol. Aos poucos isso está ocorrendo na Colômbia, em Angola, Moçambique e vários outros países. Neles é que existe uma grande oportunidade de expansão e o governo brasileiro precisa acordar para ela.

    Quando houver muitos produtores, o etanol se transformará numa commodity, como é o açúcar, e contratos de fornecimento a longo prazo - que são raros hoje - passarão a ser a norma. Para não perder a oportunidade histórica de liderar a adoção do etanol da cana-de-açúcar como substituto da gasolina no mundo o governo brasileiro precisa, contudo, remover com urgência os obstáculos que estão asfixiando a sua produção, no momento, como o congelamento do preço da gasolina desde 2007, o que viola as mais elementares regras de uma economia de mercado.

    Que a Venezuela, que é um grande produtor de petróleo, o faça, em nome de beneficiar sua população mais pobre, é até compreensível. Mas importar gasolina a preços internacionais de hoje e vendê-la a preços de 2007 é irracional. E a Petrobrás está pagando caro por isso.

    O Programa do Álcool no Brasil já enfrentou outros percalços no passado, como o de não ser capaz de abastecer os carros usando etanol puro - em motores especialmente construídos para tal no nosso país -, o que quase destruiu o programa quando o petróleo baixou de preço. O desenvolvimento de motores flexfuel, cuja introdução no mercado foi entusiasticamente apoiada pelo governo do Estado de São Paulo, em 1973, resolveu, todavia, esse problema.

    As dificuldades que o setor enfrenta agora, entretanto, são de âmbito nacional e só o governo federal pode resolvê-las. Ao fazê-lo, ele estaria tomando uma decisão histórica: hoje mais energia renovável é produzida como o etanol do que com qualquer outra opção - eólica, fotovoltaica, geotérmica ou solar.

    O programa brasileiro de etanol não representa o passado, mas o futuro.

    * José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo.

    segunda-feira, 19 de março de 2012

    Nuclear: Iran 2010 = Brasil 1970? - Jose Golbemberg


    O Irã e as armas nucleares

    JOSÉ GOLDEMBERG 
    O Estado de S.Paulo19 de março de 2012

    Não há nada de original na estratégia utilizada pelo Irã para justificar sua opção de desenvolver energia nuclear como um símbolo da soberania nacional que unifica o país em torno de seus dirigentes. Esses argumentos já foram usados no Brasil na década de 1970, durante o regime militar, e temos, portanto, experiência em entendê-los.
    O uso de energia nuclear para fins pacíficos envolve tecnologias bem conhecidas, algumas muito benéficas, como as inúmeras aplicações médicas. A produção de eletricidade em reatores nucleares é, porém, mais controvertida, porque o custo da eletricidade produzida, em geral, é mais elevado que o de outras formas, como hidreletricidade e usinas queimando carvão ou gás natural. Além disso, acidentes com reatores nucleares podem ser extremamente graves, não só do ponto de vista dos riscos para a vida de grandes populações que habitam o entorno dos reatores, como também extraordinariamente dispendiosos. O recente desastre com os reatores nucleares no Japão teve seu custo estimado em US$ 275 bilhões.
    Há países que não têm outras opções para produzir eletricidade, como a França e a Rússia, e não se mostram dispostos a abrir mão dessa fonte de energia. Já outros, como a Alemanha, a Suíça e a Bélgica, se convenceram de que podem produzir a energia de que necessitam com outras fontes menos problemáticas. O Irã, a rigor, está nesta categoria: do ponto de vista técnico, esse país não tem nenhuma justificativa plausível para usar reatores nucleares para a produção de eletricidade, uma vez que dispõe de enorme reserva de gás natural (a segunda maior do mundo).
    Esse é também o caso do Brasil, que possui recursos hidrelétricos abundantes. Não era essa, contudo, a visão dos militares na década de 70. Se ela tivesse vingado, Itaipu não teria sido construída. Afinal a razão acabou prevalecendo e dos 60 reatores nucleares planejados para o ano 2000 existem hoje apenas 2 funcionando, em Angra dos Reis (RJ).
    Adotar a opção de instalar reatores nucleares para a produção de eletricidade pode ser, todavia, apenas uma tática para ocultar intenções de produzir armas atômicas, e há exemplos de países onde isso ocorreu. O Irã parece seguir esse mesmo caminho e as inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) reforçam tais desconfianças.
    Na realidade, é mais fácil produzir armas do que eletricidade com energia nuclear. O que há em comum entre essas duas possibilidades é o acesso ao urânio enriquecido (ou plutônio). Se o nível de enriquecimento for baixo (de 3% a 5%), ele é usado em reatores nucleares. Se for maior que 80%, pode ser usado para produzir bombas atômicas. No urânio encontrado na natureza há menos de 1% do material que é útil para reatores ou armas nucleares. É preciso, por isso, um processo que aumente essa porcentagem, chamado de "enriquecimento".
    A Índia "pirateou", de um reator canadense instalado no seu país, o plutônio para fazer a sua primeira explosão nuclear, em 1974. Apesar disso, não conseguiu ainda construir reatores nucleares de grande porte para a produção de eletricidade. O mesmo ocorreu na Coreia do Norte. Já o Paquistão usou centrífugas "pirateadas" por Abdul Qadeer Kahn, técnico paquistanês que trabalhou na Urenco, na Holanda. O Irã está usando centrífugas do tipo paquistanês e tentando melhorá-las.
    Os grandes progressos na área nuclear que o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, anuncia de tempos em tempos não são realmente significativos. Fazer varetas de combustível nuclear com urânio enriquecido para usar num reator de pesquisas, que é o seu último "sucesso", foi feito na década de 80 no Instituto de Energia Atômica na Universidade de São Paulo (USP).
    Infelizmente, porém, não há barreira técnica intransponível entre enriquecer urânio a 5% (para reatores nucleares) ou 90% (para bombas atômicas). A barreira é uma decisão política.
    Países que aderiram ao Tratado de Não Proliferação Nuclear, como o Brasil e o Irã, estão comprometidos a não produzir bombas, mas o único mecanismo existente para garantir que isso não aconteça de fato são as inspeções da AIEA, que o Irã frequentemente impede. O Brasil e a Argentina têm o seu próprio acordo de inspeções mútuas desde 1992 e que até hoje não deu origem a problemas.
    Por causa das constantes transgressões, o Irã tem recebido sanções dos países europeus e do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o que internamente é usado para consolidar a solidariedade ao governo, que se apresenta como vítima de uma conspiração internacional. Essa é a estratégia tradicional de governos totalitários para se legitimarem - que a Alemanha nazista utilizou em grande escala para justificar a sua política de agressão militar e até mesmo o holocausto.
    Um ataque militar de Israel ou dos Estados Unidos para destruir as instalações nucleares iranianas não está excluído - operações desse tipo já foram feitas no passado por Israel contra o Iraque e a Síria. O sucesso de tal operação no Irã é, contudo, problemático.
    A alternativa é um acordo político com o Irã para que abandone seus planos nucleares com fins militares, como fez recentemente a Coreia do Norte. O problema é que o atual regime identifica sua sobrevivência com o prosseguimento desses planos. No Irã a energia nuclear é apresentada como uma tecnologia modernizante e um passaporte para o Primeiro Mundo, como, aliás, se tentou fazer na década de 70 no Brasil.
    Sucede que há muitas tecnologias modernizantes e o que a História mostra é que modernizar não é produzir armas, mas resolver os problemas fundamentais de infraestrutura, saúde e educação do país.
    *PROFESSOR EMÉRITO DA USP, FOI MINISTRO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA