A convite da embaixadora do Brasil na Bulgária, Ana Maria Sampaio Fernandes, preparei um pequeno artigo sobre a economia brasileira, para ser inserido, junto com vários outros artigos de colegas diplomatas e acadêmicos, em um número especial da revista búlgara Europa 2001, dedicada ao Brasil.
Reproduzo abaixo os dados relevantes dessa publicação, uma vez que se trata de meu primeiro, e até agora único, texto publicado em búlgaro, portanto em alfabeto cirílico. Mais abaixo transcrevo o original do artigo em português.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 13 de abril de 2019
Estes são dos dados editoriais deste número especial da revista búlgara.
Aqui o sumário da revista:
Aqui a introdução ao número especial pela embaixadora Ana Maria Sampaio Fernandes:
Aqui o início de meu artigo publicado:
E aqui, finalmente, o original escrito em português:
Economia brasileira: desenvolvimento histórico e
perspectivas
Paulo Roberto de Almeida
Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações
Internacionais (IPRI) da
Fundação Alexandre de Gusmão (MRE); professor no
Centro Universitário de Brasília.
1. A
economia brasileira em perspectiva histórica
A economia brasileira tem
uma longa trajetória de desenvolvimento desde a fase colonial, passando pela independência
– que preservou as mesmas estruturas produtivas, baseadas nas plantações
extensivas de produtos agrícolas de exportação e no trabalho escravo – até o
intenso processo de industrialização desde meados do século XX. No último meio
século o Brasil conheceu um processo bem-sucedido de fortalecimento de sua base
industrial, ao mesmo tempo em que a revolução agrícola nas terras centrais
sustentou a constituição de uma potente agricultura comercial.
O Brasil é um dos poucos
países do mundo perfeitamente habilitados a fornecer alimentos – carnes, grãos,
possivelmente lácteos – à ainda crescente população mundial, ao mesmo tempo em
que o agronegócio investe pesadamente em energias renováveis com base na
biomassa. Junto com as demais energias alternativas – eólica e solar –, o
Brasil promete sustentar igualmente a demanda futura nessas duas vertentes do
abastecimento estratégico: a segurança energética e a segurança alimentar.
2. Características
atuais e desenvolvimentos futuros
A despeito de
crises ao longo das últimas décadas – dívida externa nos anos 1980, inflação até
meados dos anos 1990, e crise fiscal no período recente –, a economia
brasileira apresenta solidez em seus principais componentes: agricultura,
indústria, serviços. O processo de modernização ocorrido desde os anos 1960,
trouxe o Brasil de uma posição secundária entre as grandes economias – entre 30a
e 40a naquela década – para um papel de maior relevo nos últimos
vinte anos, sempre situado entre as dez maiores do mundo. Tal posição deve se
manter no futuro, apesar de a renda per capita colocar os brasileiros numa
posição menos invejável: entre a 60a e 70a classificação.
A distribuição de renda também apresenta indicadores muito negativos,
basicamente devido a uma negligência histórica das elites com a educação de
massa, que recém supriu carências seculares no campo das taxas de escolarização
no ensino básico; a proporção de jovens no ciclo universitário também é
insuficiente para garantir uma taxa sustentada de crescimento da produtividade nos
dias atuais, o que representa um dos principais, e dos mais graves, desafios à
economia brasileira.
O desempenho
econômico nas três últimas décadas foi irregular: depois da estabilização
macroeconômica conduzida pelo Plano Real (1994-99), a economia do país se
beneficiou com a enorme demanda chinesa pelos seus produtos de exportação –
basicamente soja e minério de ferro –, período no qual o crescimento das
receitas de exportação e do crédito interno permitiu incluir num mercado em
expansão largos extratos dos setores mais pobres da população. Equívocos nas
políticas econômicas implementadas ao início da segunda década – expansão dos
gastos públicos, intervencionismo do Estado no setor privado, uso de bancos
públicos para financiamentos não diretamente produtivos – levaram o Brasil a
uma enorme crise fiscal. A gestão da economia está sendo corrigida por uma
orientação mais liberal da política econômica, com abertura, liberalização
comercial e maior integração do país às cadeias produtivas de valor. Na
conjuntura de 2017-2018, o PIB do Brasil se situava num nível pouco acima de 2
trilhões de dólares, o que reverte num PIB per capita – para uma população
superior a 209 milhões de habitantes – de cerca de US$ 10 mil.
3.
Desafios da economia brasileira: equilíbrio fiscal, investimentos,
produtividade
A economia
brasileira enfrenta três problemas conjugados, que requerem soluções
diferenciadas. Em primeiro lugar, uma grave situação de desequilíbrio fiscal: até
a década anterior, a principal rubrica dos gastos públicos era constituída pelo
pagamento de juros da dívida pública, agora largamente suplantado pelas
despesas previdenciárias, em crescimento alarmante nos anos recentes, sobretudo
no regime especial dos funcionários públicos, em total desproporção com o
regime geral do setor privado. Os gastos com salários e funcionamento da
máquina do Estado são elevados: o Judiciário, por exemplo, representa um gasto
total de cerca de 2% do PIB, o que representa mais do que o dobro para a média
desse tipo de gastos na maior parte dos países. Os salários no Legislativo
também estão em flagrante contradição com a média para funções equivalentes ou
similares no setor privado. Mais do que aumentar a arrecadação, cabe reduzir as
despesas públicas, o que significará desestatização de diversos serviços
públicos, privatização de companhias estatais e um regime de concessões e de
venda de ativos para reduzir o peso do Estado sobre a economia e a própria
sociedade brasileira.
Em segundo lugar,
existe um problema de médio prazo relativo ao volume, notoriamente
insuficiente, dos investimentos, tanto privados quanto públicos. A taxa de
poupança é historicamente modesta no Brasil – entre 15 e 17% do PIB –, sendo
que o nível dos investimentos públicos vem caindo a cada ano, tanto em razão do
crescimento das despesas correntes, quanto em função da crise orçamentária dos
últimos anos e da redução das receitas pela recessão criada pelas próprias
políticas do governo. Reformas estruturais nos mercados de capitais, na
concentração do setor bancário, no regime previdenciário, bem como um programa
radical de abertura econômica, com flexibilização nos regimes regulatórios setoriais,
permitiriam elevar a taxa de investimentos a níveis compatíveis com uma média
de crescimento sustentado acima de 2,5% ao ano.
A questão da baixa
produtividade geral da economia é, justamente, o terceiro grande problema do
Brasil. As razões são complexas e têm tanto a ver com deficiências de
infraestrutura e de ambiente de negócios quanto com a má qualidade dos sistemas
de ensino no Brasil, o que acaba se refletindo na baixa produtividade da
pesquisa aplicada conduzida nas universidades. Em média, um trabalhador
brasileiro é cinco vezes menos produtivo do que trabalhadores de países membros
da OCDE, o que se explica pelo diferencial dos anos de estudo (geralmente o
dobro nestes do que no caso do Brasil).
De forma geral,
indicadores bem conhecidos da maior parte dos especialistas em desenvolvimento
econômico permitem identificar claramente as principais deficiências da
economia brasileira comparativamente não apenas aos países líderes da economia
mundial, mas também a emergentes partindo de patamares semelhantes de
desempenho produtivo e no mundo dos negócios. Relatórios anuais do tipo Doing Business, do Banco Mundial, o de
competitividade, do World Economic Forum, e das liberdades econômicas, do
Fraser Institute oferecem, numa leitura combinada, um panorama negativo do
ranking geral da posição brasileira em indicadores de desempenho, assim como
uma postura modesta em indicadores setoriais, como carga tributária,
protecionismo comercial, custos de transação derivados da burocracia pública,
ausência de infraestrutura, custos de comunicação e transportes, e vários
outros índices setoriais.
De modo geral,
apesar de um bom volume de investimentos diretos estrangeiros no Brasil,
comparativamente a outros países emergentes, esse nível é bastante modesto
quando visto em proporção do PIB, e também no direcionamento atribuído a grande
parte desses investimentos, muitas vezes visando mais o mercado interno – que
é, compreensivelmente, bastante amplo no Brasil – do que as exportações, uma
vez que o país é bastante introvertido em termos de coeficiente de abertura
externa, a mais reduzida de todos os membros do G20, em média inferior à metade
da média mundial. O Brasil e os demais membros do Mercosul – o bloco de
integração regional integrado ainda pela Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia
– registram uma participação diminuta nas cadeias globais de valor, o que
também explica os baixos níveis de competitividade internacional – praticamente
reduzida à exportação de produtos de base – apresentados pelo grupo em face de
outros países ou blocos (como a Aliança do Pacífico, por exemplo, formada por
México, Colômbia, Peru e Chile, na perspectiva de se integrarem ao grande
espaço econômico da Ásia Pacífico).
Outro grande
desafio da economia, e da sociedade, do Brasil reside nos níveis elevados de
desigualdade distributiva, com índices de Gini gradualmente cadentes, mas ainda
muito elevados para países de renda per capita similar. Em geral, menos de 10%
da população se apropria de quase a metade da renda nacional, restando pouco
menos de 10% dessa renda para mais de 40% da população. O desemprego cresceu
bastante em função da crise – mais de 13% da população economicamente ativa –,
mas os níveis de informalidade são também muito elevados, em função de uma
legislação laboral muito rígida para as características da força de trabalho e
dos níveis de produtividade. Finalmente, a dívida externa já não é mais um
problema, como foi em décadas passadas, mas sim o crescimento preocupante da
dívida doméstica, não tanto em função de seus níveis absolutos, mas
simplesmente em razão dos níveis elevados dos juros correspondentes, o que aumenta
o peso do seu serviço no conjunto dos gastos públicos.
Não
obstante, o Brasil apresenta condições favoráveis a novos surtos de crescimento
sustentado nos anos à frente, uma vez implementadas reformas estruturais e
administrativas necessárias. Sua base energética é notoriamente limpa, com um
grande componente de renováveis – hidráulica e biomassa, mas também um grande
impulso nas fontes alternativas, sobretudo eólica e solar –, ao lado das
imensas jazidas de óleo do pré-sal, o que garante investimentos e exportações
satisfatórios por muitos anos no futuro. Uma população perfeitamente
multirracial, aberta a todos os credos religiosos e tradições culturais,
receptiva às modernidades tecnológicas, uma diplomacia atuante nos planos
bilaterais e multilateral, o estrito respeito ao direito internacional e a
outros princípios das relações internacionais, junto com o reforço das instituições
democráticas nacionais e a defesa ampliada dos direitos humanos nos mais
diferentes recantos do país, também constituem fatores amplamente positivos no
futuro que se desenha para o Brasil no médio e no longo prazo. O encaminhamento
de todas essas questões depende basicamente da capacidade do povo brasileiro em
encontrar respostas adequadas aos principais desafios, o que é totalmente compatível
com o otimismo inerente à sua gente.
Brasília, 23 de janeiro de 2019