Brasil - Ex-presidente da
Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, o senador Ricardo
Ferraço (PMDB-ES) era o único peemedebista presente na comitiva de oito
senadores que voltou ao Brasil após ser hostilizada durante frustrada
tentativa de visitar políticos presos na Venezuela. Integrante de um dos
principais partidos da base aliada, Ferraço faz coro à oposição e acusa
o governo brasileiro de mentir sobre o tratamento dispensado aos
parlamentares em Caracas. O senador afirma que o grupo foi abandonado
pelas autoridades diplomáticas do Brasil na Venezuela e, em momento
algum, foi informado de que não seria acompanhado por representantes do
consulado. “Isso é uma brutal mentira”, rebateu Ferraço, nesta
entrevista concedida ao Congresso em Foco.
Ele disse que Henrique Capriles, um dos líderes da oposição
venezuelana ao governo Maduro, é a prova viva de que a diplomacia
brasileira mentiu no episódio. Fundador do partido Primero Justicia e
governador do Estado de Miranda, Capriles pediu desculpas aos senadores
brasileiros e confirmou que havia uma agenda pré-definida com eles na
Venezuela, contrariando versão divulgada por governistas como o assessor
especial da Presidência Marco Aurélio Garcia. Marco Aurélio acusou os
senadores de tentar fazer da visita frustrada um embate ideológico.
“Há a manifestação pública do Capriles nessa direção. O Capriles,
inclusive, virá ao Brasil agora em agosto, e poderá falar. No fundo, no
fundo, não desejaríamos qualquer tipo de privilégio da embaixada
brasileira lá em Caracas. O que desejávamos era ter o apoio
institucional que nos faltou. Não apenas o embaixador, como nenhum
membro da chancelaria do Brasil na Venezuela nos acompanhou. Nenhum
conselheiro, nenhum diplomata esteve conosco, de modo que as ações
deliberadas pelo governo da Venezuela contaram com a conivência,
lamentavelmente, do Itamaraty”, protestou Ferraço.
Coincidências
“Foi uma ação deliberada. As coincidências são extraordinárias. A
primeira delas é que, quando os oficiais do avião da Força Aérea
Brasileira desejaram fechar o avião para irem almoçar, os membros da
polícia nacional bolivariana da Venezuela disseram a eles: ‘Não precisa
fechar, não precisa almoçar, eles [senadores] logo estarão voltando’.
Foram muitos os fatos que se seguiram para impedir que nós pudéssemos
cumprir a agenda que havíamos estabelecido”, declarou o senador.
A comitiva pretendia visitar prisioneiros como o líder do partido de
oposição Vontade Popular, Leopoldo López; o ex-prefeito de Caracas
Antonio Ledezma e o ex-prefeito de San Cristobal Daniel Ceballos. Entre
outras acusações, eles estão presos por incitar a violência em protestos
nacionais que paralisaram o país vizinho no início de 2014. Eles se
queixam de não ter direito a ampla defesa. Preso desde fevereiro do ano
passado, López está em greve de fome há quase um mês.
Segundo relatos ouvidos pelo Congresso em Foco de jornalistas
brasileiros que estavam em Caracas, ficou evidente que o protesto foi
armado propositadamente por simpatizantes de Maduro. O grupo, de acordo
com esses profissionais, pretendia fazer os senadores voltarem ao país
com agressões verbais e socos no veículo em que circulavam. Além disso,
observam esses jornalistas, o bloqueio da pista foi seletivo. Figuras
conhecidas que defendem o governo Maduro tiveram acesso livre. O
deputado petista João Daniel (SE), que também estava em Caracas naquele
dia, contestou a versão dos senadores. Segundo ele, um acidente é que
impediu a passagem dos parlamentares.
Vídeo feito pelo líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB),
mostra homens esmurrando o micro-ônibus alugado pela Embaixada do Brasil
e entoando palavras de ordem de apoio ao presidente venezuelano,
Nicolás Maduro. Houve relatos de que pedras foram atiradas no veículo,
que transitou por poucos quilômetros, a partir do aeroporto de Caracas,
até ser parado por um bloqueio na pista.
Ditadura?
Herdeiro político de Hugo Chávez (1954-2013), Maduro é visto como
ditador também pela oposição brasileira e por organismos internacionais
como a Human Rights Watch, a Anistia Internacional e a própria
Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo Ferraço, houve omissão por
parte do governo Dilma Rousseff e uma ação orquestrada, inclusive com a
participação de brasileiros, para impedir o cumprimento da agenda dos
senadores, que incluía uma visita à prisão militar de Ramo Verde, onde
López, Ledezma e Ceballos estão presos.
O incidente provocou imediata reação no Congresso brasileiro e teve
repercussões na própria Venezuela e por todo o mundo. Moções de repúdio
foram aprovadas na Câmara e no Senado, onde autoridades diplomáticas
darão explicações à Comissão de Relações Exteriores – colegiado
presidido por Ferraço entre 2013 e 2014. Diversos parlamentares já
defendem a exclusão do país vizinho no Mercosul, bloco comercial que
reúne, além do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e, desde 2012,
Venezuela. Com críticas ao grupo de senadores da oposição, uma nova
comissão do Senado tentará manter o diálogo bilateral. O Ministério das
Relações Exteriores, por meio de nota, lamentou o episódio e pediu
esclarecimentos ao governo Maduro “pelos canais diplomáticos” e “à luz
das tradicionais relações de amizade entre os dois países”.
“Existem questionamentos muito vigorosos de que todos nós que somos
parte do bloco temos obrigações, deveres e responsabilidades. E, se a
Venezuela não está cumprindo com essas pré-condições – e cláusulas
democráticas são premissas –, o Senado vai discutir caminhos para que ou
a Venezuela reveja todo esse modelo que está levando o país para o
buraco, ou de fato tenhamos que discutir o afastamento dela do
Mercosul”, emendou o senador capixaba, para quem os indicadores
socioeconômicos venezuelanos são os piores possíveis.
Confira a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco – Há ditadura na Venezuela?
Ricardo Ferraço - O déficit de democrático na Venezuela me faz
afirmar que o não funcionamento das instituições e a escalada do
autoritarismo, que a falta de uma Justiça neutra e independente e que a
ausência de liberdade de expressão me dão a conclusão de que, sim, a
Venezuela está mergulhada em uma ditadura.
Houve uma ação orquestrada pelo governo venezuelano em relação à comitiva?
Foi uma ação deliberada. As coincidências são extraordinárias. A
primeira delas é que, quando os oficiais do avião da Força Aérea
Brasileira desejaram fechar o avião para irem almoçar, os membros da
polícia nacional bolivariana da Venezuela disseram a eles: “Não precisa
fechar, não precisa almoçar, eles [senadores] logo estarão voltando”.
Foram muitos os fatos que se seguiram para impedir que nós pudéssemos
cumprir a agenda que havíamos estabelecido.
E a versão de que os senhores sabiam que não receberiam
acompanhamento do consulado brasileiro em território venezuelano? Também
foi falado que não havia agenda definida com os presos políticos…
Isso é uma brutal mentira. Já foi desmentido. Já há a manifestação
pública do Capriles nessa direção. O Capriles, inclusive, virá ao Brasil
agora em agosto, e poderá falar. No fundo, no fundo, não desejaríamos
qualquer tipo de privilégio da Embaixada Brasileira lá em Caracas. O que
desejávamos é que pudéssemos ter o apoio institucional que nos faltou.
Não apenas o embaixador, como nenhum membro da chancelaria do Brasil na
Venezuela nos acompanhou. Nenhum conselheiro, nenhum diplomata esteve
conosco, de modo que as ações deliberadas pelo governo da Venezuela
contaram com a conivência, lamentavelmente, do Itamaraty.
O aparato de segurança era suficiente?
Era uma piada. Nós fomos levados para um corredor polonês. E, nesse
corredor polonês – uma espécie de funil –, os manifestantes milicianos
contratados estavam lá na hora em que chegamos, no dia em que chegamos.
Os batedores que nos estavam acompanhando assistiam a tudo
pacificamente.
Houve um acidente com um caminhão de farinha na pista em que os
senhores tentavam se deslocar? O deputado João Daniel (PT-SE), que
estava lá, disse que o automóvel estava atravessado na rodovia, de
maneira a impedir o tráfego…
O que houve, na prática, foi que na exata hora em que nós chegamos
havia um congestionamento monstruoso em toda a região metropolitana de
Caracas. Para sairmos do aeroporto para chegar a Caracas, tínhamos que
passar por três túneis. Exatamente no dia em que chegamos, na hora em
que chegamos, eles [membros do governo venezuelano] resolveram fazer
manutenção nesses túneis. Essa manutenção impediu o livre trânsito. E
nesse mesmo dia, nessa mesma hora, eles afirmam que estavam recebendo um
criminoso venezuelano que cometeu um assassinato na Colômbia. Esse dois
fatos levaram a uma paralisia da região metropolitana de Caracas. E
tudo isso, ao meu juízo, foi deliberado. Uma ação absolutamente
orquestrada.
O fato de o escritor brasileiro Fernando Morais ter cumprido agenda
na Venezuela, nesse mesmo dia, com um grupo de esquerdistas alinhados ao
governo Maduro tem a ver com essa confusão toda?
É evidente. Isso foi organizado de modo a neutralizar a nossa
visita, que era uma visita de solidariedade a presos políticos – uma
outra coisa que reforça essa minha convicção de ditadura: que país
democrático tem preso político? E sem direito a defesa? Que país
democrático cassa mandato de parlamentar sem direito a contraditório,
sem direito a defesa, como foi o caso da Corína [Machado, líder
oposicionista], que foi cassada? Que democracia cassa o mandato o
prefeito da capital [Caracas], acusando-o de golpismo sem fundamentação
de provas? Enfim, a produção em série desses fatos é que confirma que
estamos, de fato, diante de uma ditadura.
Mas não há um numeroso contingente populacional que apóia o governo Maduro?
Mas nas poucas ditaduras que existem no mundo há manifestações
favoráveis. Em Cuba há manifestações favoráveis ao regime. Porque, na
verdade, o que o ditador [Hugo] Chávez fez, e o que o atual faz? O
Chávez governou em um momento de preços extraordinários do barril de
petróleo. A Venezuela é um país que depende, fundamentalmente, da
produção de petróleo. Nada produz além de petróleo, e importa 70% de
seus alimentos. O Chávez e o Maduro se favoreceram desse modelo em que
os preços do petróleo estavam lá em cima para se apropriar da PDVSA e
financiar um conjunto de programas sociais que, no começo, foi
importante. Houve, nos últimos anos, avanços sociais na Venezuela, mas
esses avanços foram financiados por programas que não são sustentáveis. É
como você…
O senhor parece falar do Brasil…
Evidentemente que sim, porque também no Brasil o governo da
presidente Dilma, nos últimos anos, meio que desafiou a Lei da
Gravidade, meio que quis fazer chover debaixo para cima, convivei com a
inflação, não respeitou as regras de governança fiscal, e estamos
mergulhados aí nessa crise. Há pouquíssimos meses tínhamos a presidente
falando na expansão do ProUni [Universidade para Todos], na expansão do
Fies [financiamento estudantil], do Pronatec [ensino técnico]. E hoje,
na verdade, todos esses programas estão sofrendo recessão. Por quê?
Porque por trás desse programas não tinha uma estrutura consistente de
manutenção de sua sustentabilidade por anos a fio. Então a Venezuela,
durante alguns anos, produziu ganhos e conquistas sociais que estão se
dissipando. A Venezuela deve ter, se não me engano, a maior inflação do
mundo. A então está calculada entre 80% e 120%. Com um dólar, compra-se
400 bolívares! A miséria e a pobreza avançam a olhos nus na Venezuela.
Aquilo ali está se desmanchando, porque esses governos que preconizam
essa coisa de socialismo do século 21 se estabelecem por meio da
mentira, do populismo e da demagogia. Esses são princípios e valores que
não se sustentam no tempo.
Mas é apenas isso o que está por trás da situação na Venezuela?
Não apenas isso. Evidentemente, esses programas sociais só com porta
de entrada e sem porta de saída são uma forma de se manter a
dependência das pessoas do modelo e do regime. Em algum período, por
algum momento, dá-se o peixe, mas isso tem de ser um processo
progressivo para você ir substituindo o peixe pela vara, para as pessoas
irem pescar – até porque, eu percebo também, as pessoas não querem
viver de favor. Esses programas sociais e assistencialistas, na prática,
são formas modernas, e até mesmo sofisticadas, de se manter o povo
administrado pelo estômago.
O que será feito a partir de agora? A intenção é mesmo a exclusão da Venezuela do Mercosul?
Existem questionamentos muito vigorosos de que todos nós que somos
parte do bloco temos obrigações, deveres e responsabilidades. Da mesma
forma que o Brasil tem deveres e responsabilidades, o Paraguai, o
Uruguai, a Argentina e a Venezuela também têm que ter. E, se a Venezuela
não está cumprindo com essas pré-condições – e cláusulas democráticas
são premissas –, o Senado vai discutir caminhos para que ou a Venezuela
reveja todo esse modelo que está levando o país para o buraco, ou de
fato tenhamos que discutir o afastamento dela do Mercosul. Isso é uma
regra comum aos nossos países – se a Venezuela puder violar, significa
dizer que o Brasil pode, também? Significa dizer que os outros podem? A
regra precisa valer para todos. Esse debate vai se acelerar na medida em
que a escalada da violência, da truculência e do autoritarismo na
Venezuela está chegando a níveis insuportáveis. E não somos nós que
falamos. Primeiro, nós constatamos isso lá. Mas são organismos
insuspeitos que acompanham essas regras democráticas. Tem Cruz Vermelha,
Anistia Internacional, OEA [Organização dos Estados Americanos], a
própria ONU [Organização das Nações Unidas], a Human Watch, que é uma
instituição de presença global, que fez um capítulo específico sobre
Venezuela, colocando um conjunto de coisas que eles estão vendo.
Há espaço, no Congresso, para a expulsão da Venezuela?
Não posso afirmar que haja espaço para expulsão, mas ambiente para
debater o tema já está posto, está colocado, formado. É preciso ver que o
juízo de valor os senadores vão formar. Mas não dá para a gente
assistir a tudo isso como se nada estivesse acontecendo.
O senhor foi presidente da Comissão de Relações Exteriores e
integrou a comitiva que foi impedida de cumprir a missão oficial. No dia
seguinte à tentativa frustrada, uma nova comitiva, com viés de
esquerda, foi criada para visitar a Venezuela – na justificativa de
criação do colegiado, senadores dizem que desfarão o atrito que teria
sido provocado pela primeira comissão. Como o senhor reage a isso?
Meu desejo é que essa comitiva possa ser bem sucedida na sua missão.
O que não tem cabimento é uma missão formada por simpatizantes do
regime [venezuelano] sem bem recebida e uma missão que não é
simpatizante ser mal recebida, como nós fomos. Isso não tem cabimento, é
preciso haver respeito institucional.
Como a CRE procederá daqui em diante, no que diz respeito às futuras convocações?
Já esteve aqui a Maria Corína; já estiveram aqui as esposas do
Antonio López, do Ledezma… O que está na pauta, na quinta-feira [25], é a
deliberação para convocação do chanceler [DelcyRodriguez] e do
embaixador [Ruy Pereira], para que a gente possa discutir não apenas as
questões relacionadas a essa nossa missão e a omissão do Itamaraty em
nos dar apoio institucional. O Itamaraty, efetivamente, nos entregou à
própria sorte. Mas vamos discutir até mesmo as questões relacionadas à
escalada do autoritarismo.
Há quem diga que os senhores fizeram uma espécie de intervenção na
soberania nacional da Venezuela. Como o senhor responde a isso?
Isso é uma coisa absolutamente descabida. A nossa missão – e, agora,
eu sou informado que o Parlamento Europeu está constituindo uma missão
para visitar a Venezuela. É óbvio que não se trata de intervenção, até
porque nossa Constituição define que nossa política externa será movida e
presidida pela autodeterminação dos povos. Agora, na medida em que
somos membros do mesmo bloco, e à medida que há, nesse bloco, algumas
premissas e pré-condições como cláusulas democráticas, temos a obrigação
e a responsabilidade de fiscalizar o cumprimento desse acordo. Por que o
estamos fazendo? Porque o governo brasileiro tem sido omisso e tem
silenciado diante das atrocidades que temos percebidos. E a Unasul
[União de Nações Sul-Americanas], que poderia atuar nessa direção, se
transformou em uma instituição absolutamente parcial.
Questiona-se, também, por que os senhores não vão visitar Guantánamo. Lá também é América…
É uma boa ideia. Esse tema pode ser discutido, sim, na Comissão de
Relações Exteriores. Acho que faz sentido, sim, que a gente possa
ampliar esse nosso protagonismo para que não pareça que estamos agindo
seletivamente. Acho que a prisão de Guantánamo merece, sim, e acho que
com essa sua pergunta eu vou fazer um requerimento na Comissão de
Relações Exteriores visando fazer uma visita a Guantánamo. Não pode
haver dois pesos e duas medidas.
O senador Aécio Neves está usando o episódio eleitoralmente, em um
momento de fragilidade da presidenta Dilma Rousseff, como também o têm
acusado?
Acho que não. O senador Aécio Neves está no exercício do seu
mandato. Como senador da República, tem manifestado toda a preocupação
com o futuro do Mercosul. E a nossa obrigação, como senadores, é
fiscalizar o cumprimento das cláusulas constitutivas do Mercosul.