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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 26 de março de 2018

Jair Bolsonaro em entrevista diz que vai vencer no 1ro turno

Sem um delator, caso Marielle “dificilmente” será desvendado, diz Bolsonaro

Deputado mantém silêncio sobre crime
Se eleito, privatizará “umas 70” estatais
Bolsonaro já fala em vencer no 1º turno
o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) em seu gabinete, decorado com as fotos de presidentes-generais Fernando Rodrigues/Poder360 - 22.mar.2018
 
Poder 360, 23.mar.2018 (sexta-feira) - 5h55
atualizado: 25.mar.2018 (domingo) - 0h12

O pré-candidato a presidente pelo PSL, deputado Jair Bolsonaro, 63 anos, acredita que o assassinato da vereadora do Rio, Marielle Franco (Psol), não terá uma solução fácil. “Se não tiver alguém denunciando e que tenha participado do evento, eu acho que dificilmente vai chegar a uma conclusão”.
Em entrevista ao Poder360 na 5ª feira (22.mar.2018), Bolsonaro preferiu manter sua decisão de não emitir juízo de valor sobre as motivações que possam ter levado ao assassinato.
Ele explica: “A gente conhecia a vida dessa parlamentar e suas bandeiras. Se eu falasse que ela era uma pessoa extremamente boa ou extremamente má, eu teria críticas de qualquer maneira. Então resolvi permanecer em silêncio, até para não politizar o assunto. Também poderia ser acusado de estar fazendo palanque em cima disso”.
Quando fala sobre economia, remete para o seu colaborador, o liberal Paulo Guedes, que defendeu numa entrevista recente a venda de todas as empresas estatais. Bolsonaro explica e matiza essa promessa: “Eu conversei com ele, que me falou: ‘Olha, como falavam que você era o estatizante, eu resolvi falar o contrário, mas se eu privatizar a metade, seriam umas 70 estatais, me dou por satisfeito’. Essa foi a intenção dele”.
Apontado nas pesquisas de intenção de voto como o 1º colocado quando Lula (PT) não está entre os candidatos, o capitão do Exército na reserva avalia que tem seguidores entusiasmados nas redes sociais porque quem entra em seu Facebook “sabe que não vai ter uma notícia fria ali”.
Não demonstra estar preocupado com o tamanho do partido, o PSL, que ontem (22.mar) tinha oficialmente apenas 3 deputados na Câmara. Diz que não cederá ao “toma lá dá cá” e acredita ser possível, se eleito, não repetir os problemas de relacionamento que Fernando Collor enfrentou ao chegar ao Planalto em 1990 –também com 1 partido minúsculo, o PRN.
O Collor de Mello chegou aqui um pouco jovem. Muito ímpeto e deu as costas para o Parlamento. Não quero dizer que você deva abraçar completamente o Parlamento, somos poderes distintos. Quando parlamentares chegam para conversar conosco nesse projeto, eles falam abertamente. Nós não podemos fazer política do ‘toma lá, dá cá’ ”.
Poder360 falou com Bolsonaro em seu gabinete na Câmara, decorado com fotos dos presidentes-generais que comandaram o país durante a ditadura militar e também 1 pato amarelo inflável, da campanha “não vou pagar o pato”. Indagado sobre qual candidato a presidente ele considera ter competitividade para ir ao 2º turno, o deputado respondeu o seguinte:
“No meu entender, dificilmente vai ter 2º turno. Acho que a gente encerra essa fatura no 1º turno. Os outros pré-candidatos são muito parecidos. Acho que a máquina de marketing não vai funcionar dessa vez. Vão funcionar a palavra e as mídias sociais. A calúnia, a meu entender, não vai colar. Batem em mim o tempo todo e a gente rebate. O pessoal acredita na nossa defesa. Vê que realmente setores da mídia me perseguem”.
Lembrado pela reportagem que o Brasil teve 7 eleições presidenciais diretas na atual fase democrática e que só duas terminaram no 1º turno, Bolsonaro emendou, sorrindo: “Vamos ter a 3ª, se Deus quiser”.:
A seguir, trechos da entrevista:
Poder360 – qual é a razão para o sr. ter um número tão grande de seguidores nas redes sociais?Jair Bolsonaro – Essa é a mídia mais viva que se tem conhecimento. Apesar das fake news, eu acho que tem que continuar livre. Procuramos fazer aquilo que toda a mídia deveria fazer: transmitir a verdade. Dificilmente a gente se equivoca ou erra. Quem abre o nosso Facebook, nossas redes sociais, sabe que não vai ter uma notícia fria ali. Acho que isso leva à nossa posição de estar na frente entre os políticos do Brasil.
O assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista teve grande destaque na mídia. O sr. preferiu não emitir opinião sobre o ocorrido. Por quê?A gente conhecia a vida dessa parlamentar e suas bandeiras. Se eu falasse que ela era uma pessoa extremamente boa ou extremamente má, eu teria críticas de qualquer maneira. Então resolvi permanecer em silêncio, até para não politizar o assunto. Também poderia ser acusado de estar fazendo palanque em cima disso.
Eu respeito as mortes no Rio de Janeiro. Respeito opiniões completamente contrárias à minha que ela [Marielle] sempre tinha.
Houve quase uma unanimidade por parte da mídia: me criticaram por causa do silêncio. A resposta que eu dou: eu tenho comparecido a enterros, basicamente policiais do Rio de Janeiro. Ontem [21.mar.2018], três ou mais perderam a vida lá.
São mortes de difícil apuração, mas é uma sinalização que a sociedade e aqueles que estão do lado da lei têm de se preocupar sobre o que está sendo feito de errado.
O meu diagnóstico é que [há uma] política de direitos humanos equivocada. As audiências de custódia, que não são uma lei, têm que acabar com isso aí. O politicamente correto, políticas de desencarceramento, de progressões de pena: você tem que mudar tudo isso aí. Até mesmo –apesar de estar garantido na Constituição– a questão do auxílio-reclusão. Tem que rever tudo isso aí.
E o mais importante de tudo: a questão do estatuto do desarmamento. O Estado que desarma apenas o cidadão de bem e deixa o outro lado a vontade, inclusive, com armas de guerra, é o Estado que não está preocupado com segurança pública.
No caso do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro, qual a hipótese que o sr. teria para esse crime ter sido cometido?Pode ser uma coisa feita por pessoas extremamente amadoras. Pode ser também algo muito planejado. E com quais objetivos? Aí só com a apuração. Eu confio na apuração: nós vamos ter resposta para isso, se é amadorismo ou profissionalismo e com que interesse.
O crime ocorreu há uma semana. O sr. acha que vão realmente encontrar os mandantes e os executores?Até o momento não temos imagem de todo o percurso [do automóvel com Marielle e dos assassinos]. Temos apenas a questão do lote da munição, que não entenderam e não vai ajudar em quase nada no esclarecimento. Se não tiver alguém denunciando e que tenha participando do evento, eu acho que dificilmente vai chegar a uma conclusão.
E não é só o caso dela. Mais de 90% dos crimes não são elucidados no Brasil. É uma Polícia Civil que não tem meios para exercer seu trabalho e que foi também, em grande parte, politizada no Rio de Janeiro ao longo dos tempos.
Ou seja, é muito difícil encontrar.É muito difícil. O crime no Brasil compensa.
O senhor é pré-candidato a presidente da República. O seu partido, o PSL, é pequeno no Congresso. Como pretende contornar esse obstáculo para ter uma exposição maior na propaganda eleitoral?Eu tenho conversado com colegas parlamentares. Nós não podemos fazer a mesma coisa que os demais partidos fazem. Senão a gente vai entrar numa rotina e seríamos engolidos pelo sistema.
Qualquer partido que queira conversar conosco, a gente conversa. Mas não podemos lotear a máquina pública. As indicações políticas são a origem da ineficiência e da corrupção por parte do Estado.
Se for eleito, como será sua relação com o Congresso? Em 1990, Fernando Collor foi eleito por um partido pequeno e teve dificuldades. Como o sr. contornaria esse obstáculo?Primeiro que o Collor de Mello chegou aqui 1 pouco jovem. Muito ímpeto e deu as costas para o Parlamento. Não quero dizer que você deva abraçar completamente o Parlamento, somos poderes distintos.
Quando parlamentares chegam para conversar conosco nesse projeto, eles falam abertamente. Nós não podemos fazer política do ‘toma lá, dá cá’.
O sr. não acha que alguns congressistas falam só da boca para a fora sobre não pedir cargos agora?Eu não vou bater de frente com o Parlamento caso chegue lá. Buscarei sempre o diálogo para mostrar que não dá para continuar fazendo essa forma de política.
O sr. ou quem for eleito terá uma pauta impopular aos olhos da população no início de 2019. Por exemplo, a reforma da Previdência. Isso pode drenar as energias de quem chegar ao Planalto. Como o sr. faria para tocar reformas?Você tem que priorizar. Até questões de privatizações ou extinção de estatais –a grande maioria dessas feitas pelo PT e que serviram apenas como cabide de empregos.
Sobre a reforma da Previdência, você tem que priorizar a mais importante: a pública ou a privada? Eu acredito que seja a pública. Dá para conversar sobre esse assunto sem prejudicar ninguém.
Idade mínima. O senhor é a favor?Você não pode agora simplesmente jogar 65 anos. Você pode até pensar daqui a algum tempo.
Para servidor público pode ser o homem se aposentar com 60 anos de idade e 35 anos de contribuição. Se colocar 61 e 36, talvez dê para aprovar. Não é o que você quer. Depende do gargalo que é o Parlamento.
Quando você vai para a Previdência privada é necessário considerar o tipo de emprego. A pessoa que não tem muito conhecimento e tem 1 trabalho braçal não vai aguentar ‘virar massa’ com 60 anos de idade. Muito menos com 65. Então tem propostas que a gente vai discutir, mas ninguém quer inventar nada e falar: eu quero ou não quero. Você tem de procurar o consenso, mexer e melhorar.
O economista Paulo Guedes deu uma entrevista e defendeu privatizar todas as estatais no Brasil. O que o sr. achou dessa entrevista?Eu conversei com ele, que me falou: ‘Olha, como falavam que você era o estatizante, eu resolvi falar o contrário, mas se eu privatizar a metade, seriam umas 70 estatais, me dou por satisfeito’. Essa foi a intenção dele.
A Eletrobras deve ser privatizada?Não estudei com profundidade ainda. Isso jogo para o Paulo Guedes. Em teoria, [a Eletrobras] entraria no meu entender como empresa estratégica. Teria que ser redobrada a atenção.
No caso da Embraer, o que acha?Foi privatizada e o Estado tem uma “golden share”. Uma empresa americana, a Boeing, quer uma parceria. De acordo com o que ficar acertado, acho que é bem-vinda essa parceria.
Se eleito, nos seus 4 primeiros anos as estatais mais icônicas como Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica e Eletrobras permaneceriam sobre o controle do Estado?Uma pergunta que eu fiz para o nosso economista: uma vez privatizado o Banco do Brasil, quem vai financiar nossa produção agrícola e com que taxa de juros? É 1 problema.
Ou seja, num 1º momento, seriam estratégicas essas empresas e não seriam privatizadas?Os setores! Quando você olha para a Caixa Econômica, qual é o grande problema ali? São as diretorias. Indicações políticas.
Uma ideia que surgiu aqui nos últimos dias e a gente vai adotar: para que Ministério das Cidades? Você pode pegar o dinheiro que está aqui e dar diretamente para o prefeito. Não tem dor de cabeça. É 1 problema do prefeito junto com seus vereadores e Tribunal de Contas do município.
No início de sua pré-campanha, seu discurso polarizava com o do ex-presidente Lula. Ele deve ser barrado pela Lei da Ficha Limpa. Quem seria o seu antípoda nessa eleição se Lula não estiver na disputa?O PT não estará fora das eleições. Eles têm uma massa e podem levar esse candidato ao 2º turno. Não vejo como nome do PT. Talvez seja para vice. Eu não posso estar preocupado com o que é melhor para mim.
E os outros pré-candidatos que têm mais de 5%: Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT). Quais desse grupo o sr. considera competitivo para chegar ao 2º turno?No meu entender, dificilmente vai ter 2º turno. Acho que a gente encerra essa fatura no 1º turno. Os outros pré-candidatos são muito parecidos. Acho que a máquina de marketing não vai funcionar dessa vez. Vão funcionar a palavra e as mídias sociais. A calúnia, a meu entender, não vai colar. Batem em mim o tempo todo e a gente rebate. O pessoal acredita na nossa defesa. Vê que realmente setores da mídia me perseguem.
O Brasil teve 7 eleições presidenciais desde a volta à democracia. Só duas terminaram no 1º turno….Vamos ter a 3ª, se Deus quiser (risos).

Ruy Camara escreve aos ministros do STF

Uma mensagem pessoal, com validade nacional e alcance universal:

Senhores ministros do STF:

É frustrante, é decepcionante e revoltante viver em um país no qual a sua mais alta corte de Justiça (STF), a pretexto de salvaguardar legalismos constitucionais que restringem o alcance da justiça, empenha-se na tarefa de abrir possibilidades para protelar os ritos processuais e, em consequência, evitar ab aeterno a punição de criminosos, escancarando desse modo as portas para a certeza da impunidade.

Não é custoso lembrar aos senhores que, no rol de 194 países membros da ONU, 193 permitem o cumprimento de sentença de prisão por decisão em 1ª ou 2ª instância. Perante o mundo civilizado, o Brasil tornou-se conhecido como o país da impunidade e da leniência. 

É óbvio que os senhores têm plena consciência de que vivenciamos tempos muito estranhos com a ‘judicialização nada elogiável da política’; com a leniência reprovável da justiça, notadamente em matéria criminal; e o que é mais vergonhoso, com a ‘politização da justiça nos julgamentos de criminosos que, mesmo já estando condenados por duas instâncias, ainda se presumem intocáveis e inalcançáveis pelas varas, colegiados e pelas cortes da justiça do Brasil. 

Os cidadãos e cidadãs que cumprem seus deveres e obrigações para com suas famílias e com o país, não podem e não devem aceitar calados que 5 ou 6 ministros do STF se reúnam em consistório, não para modificar o que já haviam decidido e resolvido por vontade da maioria da corte, mas para postergar ou mesmo livrar da prisão um criminoso renitente e empedernido que ainda comanda um bando de assaltantes do Estado que agiam e agem com plena convicção de que jamais serão punidos pelos crimes cometidos. 

Ora, postergar ou livrar da prisão um condenado em duas instâncias da justiça a pretexto de legalismos constitucionais distantes da realidade cotidiana de um pais vilipendiado com gana desmedida, é o mesmo que afirmar perante o mundo que o crime no Brasil compensa, e compensa muito, porque encontra amparo da lei penal e nas jurisprudências de correções que são muito mal defendidas pelas autoridades do país. 

Os senhores afirmam que a justiça não pode se apartar do bom direito, tampouco pode ferir direitos ou garantias fundamentais, mas também não pode se distanciar do senso de justiça-justa, e muito menos deve produzir insegurança capaz de despertar a desconfiança absoluta da sociedade na mais alta corte de justiça do país. 

O STF insiste em afirmar que tem compromissos com a Constituição e com o direito. Mas quantas vezes vimos certos ministros dessa corte inovando em matéria constitucional; interpretando a seu modo cláusulas pétreas da CF; ignorando solene jurisprudências firmadas ou mesmo atuando muito mais como advogado de defesa de criminosos do colarinho branco do que como juízes? 

Tanto é verdade que, por diversas vezes a constituição foi rasgada nessa corte para validar entendimentos que atenderam melhor casos isolados do que o direito como utilidade pública essencial para a garantia da ordem e da normalidade da vida social. 

Alguns ministros do Supremo Tribunal Federal andam desacreditados porque a sociedade já percebeu o empenho de parte da corte de manter o Brasil como o paraíso absoluto da impunidade. A sociedade já disse claramente que não aceita, nem mesmo a pretexto de legalismo constitucional, que o STF modifique regras jurídicas que prolonguem por décadas a impunidade de criminosos já condenados em 1ª e 2ª instâncias. 

Claro que o Brasil precisa virar essa página negra da sua história para reencontrar o caminho da Paz institucional, da Ordem e do Pleno desenvolvimento econômico e social e o STF não pode servir de instrumento para socorrer bandidos poderosos que roubaram o país durante décadas e pretendem continuar roubando. 

O compromisso dos ministros com a CF não pode sobrepujar o compromisso moral e institucional com o direito de proteção coletivo, que deve ser igual para todos os brasileiros. 

Até mesmo o mais ignaro cidadão brasileiro sabe que a corrupção desenfreada no Brasil precisa ser contida com rigor e rapidez, do contrário, nosso país continuará sendo por muitas décadas o reino absoluto da impunidade consentida e amparada por legalismos institucionais. 

Não faz sentido, nesse momento conturbado da vida nacional, um ministro do STF defender a protelação recursal a pretexto de salvaguardar dispositivos frágeis constitucionais, uma vez que as estatísticas do próprio judiciário demonstram que apenas 3% das sentenças prolatadas são revertidos na última instância. E no caso dos crimes de colarinho branco, esse percentual cai para 2%. 

Em todos os casos que se queira analisar, o cumprimento de sentença após decisão por órgão colegiado em 2ª instância evitaria de forma incontestável a continuação da impunidade como certeza e como regra jurídica amparada por norma constitucional. 

Como escreveu o Dr. Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, enquanto se aguarda o trânsito em julgado (que muitas vezes não acontece), abrem-se todas as portas e janelas da impunidade. O povo já vive cansado de ver os criminosos de colarinho branco vivendo muito fagueiros, afrontando a norma, a ordem e a lei com o argumento fajuto de presunção de inocência, quase sempre escudados na esperteza de hábeis defensores.

Está provado e arquiprovado que, a protelação recursal só beneficia os criminosos, que passam a gozam da plena liberdade durante todo o tempo processual, até a prescrição dos seus crimes, como frequentemente tem ocorrido. 

A sociedade brasileira, tão desiludida e vilipendiada, precisa ter a certeza de que a ordem penal é aplicada para todos e não para alguns, como vem ocorrendo no Brasil nesses tempos estranhos.

Como bem o disse a ilustre Procuradora Geral, Raquel Dodge, a protelação de recursos interpostos nas diversas instâncias só contribui para a inefetividade do direito penal, incentivando a incessante interposição de recursos pela defesa, apenas para evitar o trânsito em julgado da condenação e para alcançar a tão desejada prescrição da pena, o que reforça o sentimento geral de impunidade e descrédito na Justiça." Mas a manutenção da decisão do Supremo, que permite o cumprimento da pena de prisão após a condenação em 2ª instância, é fundamental para o combate à impunidade".

Ruy Câmara
Escritor e sociólogo brasileiro
www.ruycamara.com.br

sexta-feira, 23 de março de 2018

Hugo Chavez, um espectro - livro de Leonardo Coutinho


Acabo de receber, para ler e resenhar. Já verificando as fontes (o que faço em primeiro lugar), e o sumário, a organização, e percorrendo algumas páginas passo a recomendar, sem hesitação, este livro a todos os meus 18 leitores (acho que um pouquinho mais, agora, com o FB, mesmo deturpado).
Começo por reproduzir a primeira frase da introdução do autor, "A jornada" (p. 7)"

O jornalista tem por ofício a obrigação de duvidar.

Exatamente isto, e deveria ser a regra para os acadêmicos também, e esta deveria ser a atitude geral do pesquisador: pesquisar duvidando, sempre...
O livro é o resultado de anos de trabalho duro, de centenas de entrevistas, de milhares de páginas percorridas nos mais diversos meios de comunicação.
Volto a insistir: quem quiser entender o que está acontecendo hoje na Venezuela, tem de ler este livro.
Voltarei a ele.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 23 de março de 2018

The death of liberal world order - Richard Haas

Project Syndicate, Praga – 21.3.2018
Liberal World Order, R.I.P.
America’s decision to abandon the global system it helped build, and then preserve for more than seven decades, marks a turning point, because others lack either the interest or the means to sustain it. The result will be a world that is less free, less prosperous, and less peaceful, for Americans and others alike.
Richard N. Haas

New Delhi - After a run of nearly one thousand years, quipped the French philosopher and writer Voltaire, the fading Holy Roman Empire was neither holy nor Roman nor an empire. Today, some two and a half centuries later, the problem, to paraphrase Voltaire, is that the fading liberal world order is neither liberal nor worldwide nor orderly.
The United States, working closely with the United Kingdom and others, established the liberal world order in the wake of World War II. The goal was to ensure that the conditions that had led to two world wars in 30 years would never again arise.
To that end, the democratic countries set out to create an international system that was liberal in the sense that it was to be based on the rule of law and respect for countries’ sovereignty and territorial integrity. Human rights were to be protected. All this was to be applied to the entire planet; at the same time, participation was open to all and voluntary. Institutions were built to promote peace (the United Nations), economic development (the World Bank) and trade and investment (the International Monetary Fund and what years later became the World Trade Organization).
All this and more was backed by the economic and military might of the US, a network of alliances across Europe and Asia, and nuclear weapons, which served to deter aggression. The liberal world order was thus based not just on ideals embraced by democracies, but also on hard power. None of this was lost on the decidedly illiberal Soviet Union, which had a fundamentally different notion of what constituted order in Europe and around the world.
The liberal world order appeared to be more robust than ever with the end of the Cold War and the collapse of the Soviet Union. But today, a quarter-century later, its future is in doubt. Indeed, its three components – liberalism, universality, and the preservation of order itself – are being challenged as never before in its 70-year history.
Liberalism is in retreat. Democracies are feeling the effects of growing populism. Parties of the political extremes have gained ground in Europe. The vote in the United Kingdom in favor of leaving the EU attested to the loss of elite influence. Even the US is experiencing unprecedented attacks from its own president on the country’s media, courts, and law-enforcement institutions. Authoritarian systems, including China, Russia, and Turkey, have become even more top-heavy. Countries such as Hungary and Poland seem uninterested in the fate of their young democracies.
It is increasingly difficult to speak of the world as if it were whole. We are seeing the emergence of regional orders – or, most pronounced in the Middle East, disorders – each with its own characteristics. Attempts to build global frameworks are failing. Protectionism is on the rise; the latest round of global trade talks never came to fruition. There are few rules governing the use of cyberspace.
At the same time, great power rivalry is returning. Russia violated the most basic norm of international relations when it used armed force to change borders in Europe, and it violated US sovereignty through its efforts to influence the 2016 election. North Korea has flouted the strong international consensus against the proliferation of nuclear weapons. The world has stood by as humanitarian nightmares play out in Syria and Yemen, doing little at the UN or elsewhere in response to the Syrian government’s use of chemical weapons. Venezuela is a failing state. One in every hundred people in the world today is either a refugee or internally displaced.
There are several reasons why all this is happening, and why now. The rise of populism is in part a response to stagnating incomes and job loss, owing mostly to new technologies but widely attributed to imports and immigrants. Nationalism is a tool increasingly used by leaders to bolster their authority, especially amid difficult economic and political conditions. And global institutions have failed to adapt to new power balances and technologies.
But the weakening of the liberal world order is due, more than anything else, to the changed attitude of the US. Under President Donald Trump, the US decided against joining the Trans-Pacific Partnership and to withdraw from the Paris climate agreement. It has threatened to leave the North American Free Trade Agreement and the Iran nuclear deal. It has unilaterally introduced steel and aluminum tariffs, relying on a justification (national security) that others could use, in the process placing the world at risk of a trade war. It has raised questions about its commitment to NATO and other alliance relationships. And it rarely speaks about democracy or human rights. “America First” and the liberal world order seem incompatible.
My point is not to single out the US for criticism. Today’s other major powers, including the EU, Russia, China, India, and Japan, could be criticized for what they are doing, not doing, or both. But the US is not just another country. It was the principal architect of the liberal world order and its principal backer. It was also a principal beneficiary.
America’s decision to abandon the role it has played for more than seven decades thus marks a turning point. The liberal world order cannot survive on its own, because others lack either the interest or the means to sustain it. The result will be a world that is less free, less prosperous, and less peaceful, for Americans and others alike.

Richard N. Haass, President of the Council on Foreign Relations, previously served as Director of Policy Planning for the US State Department (2001-2003), and was President George W. Bush's special envoy to Northern Ireland and Coordinator for the Future of Afghanistan. He is the author of A World in Disarray: American Foreign Policy and the Crisis of the Old Order.

quinta-feira, 22 de março de 2018

Dialogos Internacionais do IPRI: a serie continua...

Diálogos Internacionais do IPRI
Os eventos realizados até aqui (21/03/2018):

Diálogos Internacionais é uma série de palestras seguidas de debates organizadas pelo IPRI, com diversas personalidades como palestrantes. Nesta página é possível acessar o conteúdo das apresentações (se disponível) e o mini cv dos palestrantes das edições anteriores dos Diálogos.
20 de março - A presença da China no Brasil e na América do Sul
Rotativo Baumann
  • Acesse aqui a apresentação utilizada na palestra (PDF)
  • Renato Baumann possui graduação (1972) e mestrado em Economia pela Universidade de Brasília (1976) e doutorado em Economia pela University of Oxford (Reino Unido, 1982). Foi diretor do Escritório da Cepal no Brasil entre abril de 1995 e novembro de 2010. Atualmente é Secretário-Adjunto de Assuntos Internacionais (SAIN/MP) e professor de economia da UnB. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Relações do Comércio; Política Comercial e Integração Econômica.  Pela Funag, foi um dos autores do livro: BRICS - Estudos e Documentos.
14 de março - Direitos humanos no Brasil e no mundo
rotativo direitos humanos
  • José Augusto Lindgren-Alves é diplomata, aposentado em nível de embaixador. Tem mais de 30 anos dedicados aos direitos humanos, assunto em que começou a trabalhar quando era conselheiro da Missão do Brasil junto às Nações Unidas, em Nova York, em 1985. Desde então participou como delegado das reuniões da então Comissão dos Direitos Humanos, até 1996, em Genebra, e como membro, a título pessoal, da antiga Subcomissão sobre Prevenção da Discriminaçao e Proteção das Minorias, de 1994 a 1996. Eleito e reeleito quatro vezes pelos Estados-partes da respectiva convenção, foi membro (perito independente), de 2002 a 2017, do Comitê para a Eliminação das Discriminação Racial – Cerd, nas Nações Unidas, em Genebra. Ex chefe da Divisão das Nações Unidas do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília, de 1999 a 2005, e primeiro diretor geral do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do mesmo ministerio (1995-1996), preparou e coordenou como delegado a participação do Brasil nas conferências mundiais da década de 1990: de Viena, sobre direitos humanos (1993), do Cairo, sobre população (1994), de Copenhague, sobre desenvolvimento social, de Pequim (Beijing, 1995), sobre a mulher, de Istambul (1996), sobre assentamentos humanos. Depois, como delegado, participou também da Conferência de Durban, de 2001, sobre a discriminaçao racial, e da Conferência de Revisão de Durban, em Genebra, de 2011. Foi Coordenador Nacional para  Aliança de Civilizações das Nações Unidas, de 2008 a 2010. Exerceu a função de Secretário Executivo do Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos do Mercosul, em Buenos Aires, de janeiro de 2017 a fevereiro de 2018. Foi embaixador em Sófia (Bulgária, 2002-2006), Budapeste (Hungria, 2006-2008), Sarajevo (Bósnia e Herzegovina, 2011 a 2015), assim como cónsul-geral em S. Francisco (Estados Unidos, 2006-2002) e Barcelona (Espanha, 2015-2016).
  • Livros pela Funag: 
Diálogos Internacionais -
  • Acesse aqui a apresentação utilizada na palestra (PDF)
  • Livro do palestrante publicado pela Funag (2017): The Energy Statecraft of Brazil: The rise and fall of Brazil’s ethanol diplomacy (PDF)
  • Klaus Guimarães Dalgaard:  professor adjunto de política internacional e comparada do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É mestre em Política e Governança Europeia (2004) pela London School of Economics and Political Science (LSE), no Reino Unido, onde também foi professor assistente, lecionando nos cursos de verão, graduação e mestrado do Departamento de Relações Internacionais. Pós-doutorado em engenharia de energia e planejamento energético no Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (NIPE) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Especialista no tema de energias renováveis e biocombustíveis, tendo publicado artigos e livros sobre o tema.

BannerZanderNavarro
  • Acesse aqui a apresentação utilizada na palestra (PDF)
  • Zander Navarro: Doutor em Sociologia pela Universidade de Sussex (Inglaterra) e pós-doutoramento no MIT (Estados Unidos). Foi professor visitante nas universidades de Amsterdam e Toronto. Foi professor e pesquisador no "IDS - Institute of Development Studies" (Inglaterra) entre os anos de 2003 e 2009. Consultor de inúmeras organizações, nacionais e internacionais, foi assessor especial do Ministro da Agricultura. É autor de dezenas de artigos e 17 livros publicados. Os mais recentes, publicados em 2017 (em coautoria), são "Globalization and Agriculture" (Lexington Books) e "Brasil, brasileiros. Por que somos assim?" (Verbena Editora).  

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  •  Carlos Márcio Cozendey: Nascido em 1963, no Rio de Janeiro, é Formado em Ciências Econômicas (UFRJ) e Mestre em Relações Internacionais pela UnB. Foi Secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, posição em que atuou como Vice-Ministro de Finanças no G20, BRICS e UNASUL. Foi presidente do Conselho de Administração da Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF) e é o Diretor Alterno do Brasil no Conselho de Diretores do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e membro do Conselho de Administração do BNDES. No Itamaraty, dirigiu o Departamento Econômico, o de Assuntos Financeiros e Serviços e a Divisão do Mercado Comum do Sul. Serviu na Missão junto às Comunidades Europeias, em Bruxelas, na Delegação junto aos Organismos Internacionais, em Genebra, e na Delegação junto à ALADI, em Montevidéu. Foi Assessor Especial na Secretaria Executiva da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX). Atuou como Professor de Economia no Instituto Rio Branco. Desde agosto de 2015 é Subsecretário-Geral de Assuntos Econômicos e Financeiros, posição na qual é o “sherpa” do Brasil no G20 e é responsável, entre outros, pela supervisão da atuação do Brasil em organismos econômicos e financeiros internacionais como a OMC, a OCDE e a UNCTAD, nas negociações comerciais do Mercosul com países extra-regionais e em discussões econômicas e financeiras bilaterais.

Guimaraes Rosa
  • João Almino de Souza Filho: Diplomata e um dos nomes mais importantes da literatura nacional,  tem sido aclamado pela crítica por seus romances Ideias para onde passar o fim do mundo (indicado ao Jabuti e ganhador de prêmio do Instituto Nacional do Livro), Samba-enredo, As cinco estações do amor (Prêmio Casa de las Américas 2003), O livro das emoções (indicado ao 7o Prêmio Portugal Telecom 2009), Cidade livre (Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon 2011; finalista do Jabuti e do Portugal Telecom) e Enigmas da primavera (finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2016; prêmio Jabuti, 2.o colocado, pela edição em inglês). Entre facas, algodão é seu mais recente romance (2017). Alguns desses romances foram publicados na Argentina, Espanha,  EUA, França, Itália, México e em outros países. Seus escritos de história e filosofia política são referência para os estudiosos do autoritarismo e da democracia. Também autor de ensaios literários, doutorou-se em Paris, orientado pelo filósofo Claude Lefort. Ensinou na UNAM (México), UnB, Instituto Rio Branco, Berkeley, Stanford e Universidade de Chicago. Em 2017 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras.

quarta-feira, 21 de março de 2018

Acordo UE-Mercosul, realista? - Marcos Troyjo (FSP)

Coluna Marcos Troyjo
Folha de S. Paulo 

Risco de desglobalização aproximou UE e Mercosul

Populismo força europeus a reagir contra cisão em momento de governos sul-americanos pragmáticos


Após quase duas décadas de conversações, União Europeia (UE) e Mercosul estão mais próximos do que nunca de assinarem um acordo comercial.
A constatação da iminência de um tal entendimento, que pode ser formalizado ainda este ano, ocorre justamente num contexto de enormes pressões protecionistas no mundo todo . Isso não deixa de chamar atenção.
Não é exagero algum identificar a eleição de Donald Trump e o brexit como símbolos tangíveis do “risco de desglobalização” que, ominoso, se projeta sobre as relações internacionais. 
Trump trabalha quotidianamente para minar o sistema mundial arquitetado pelos EUA desde o final da Segunda Guerra. Os EUA estão menos “globais” e mais “individualistas”. E a saída britanica da União Europeia (UE) mostra que blocos de integração regional não são necessariamente veículos conducentes a mais globalização. 
Quando se iniciaram as negociações entre UE e Mercosul em 1999, o palco internacional era caracterizado por uma quase certeza de que livre comércio, democracia representativa e ganhos de escala empurravam blocos para um entendimento. 
Havia mais, no entanto, do que essas forças de “globalização profunda” movendo as duas dinâmicas de integração para um maior intercâmbio. As estruturas econômicas de europeus e sul-americanos são complementares tanto na frente do comércio como na dos investimentos. Os dois blocos foram feitos um para o outro.
O fato da negociação se arrastar por quase vinte anos tem de ser visto de forma crítica. Alguém examinando o processo com olhos do setor privado diria que uma concertação que leva duas décadas para tomar forma é um fracasso. O mundo em que as negociações começaram não é o mesmo em que elas terminam.
E, de fato, muita água passou por debaixo da ponte nesse período. Quando as conversações se iniciaram em 1999, o euro já era moeda de referência, mas não meio circulante —o que apenas se viabilizou a partir de 2002.
O peso específico de diferentes países na geoeconomia também era outro. Em 1999, a China tinha um PIB duas vezes maior que o da maior economia latino-americana (o Brasil). Hoje, o PIB chinês é 7,5 vezes maior que o brasileiro.
No fim dos anos 1990, a economia digital, comparada com o que vemos agora, ainda engatinhava. Não havia tablets ou smartphones, e as grandes vendedoras de telefonia celular no mundo eram a Motorola e Nokia
Ora, se os ventos da globalização profunda eram favoráveis, as economias complementares e as partes negociadoras punham em marcha um processo formal de negociação, por que o acordo jamais saiu? 
Bem, a melhor resposta é a de que, embora hoje o protecionismo represente ameaça sistêmica ao comércio internacional, suas particularidades no eixo UE-Mercosul inviabilizaram um acordo rápido já no início da década passada. 
Percebam o absurdo. No começo dos anos 2000, saía mais barato para um consumidor europeu adquirir uma vaca na Argentina, colocá-la num voo da Air France e a trazer para Paris do que arcar com pesadíssimos impostos transformados em subsídios aos agropecuaristas europeus. 
Na mesma forma e período, ficava mais econômico para um consumidor brasileiro comprar uma passagem aérea para Copenhague, lá passar dois dias num hotel quatro estrelas e comprar um aparelho de som da Bang & Olufsen do que adquirir o mesmo equipamento no Brasil. E ainda sobrava um dinheirinho para comprar um Lego pequeno.
Além disso, UE e Mercosul também abraçaram o conforto da inércia negociadora como resultado da emergência de outros fenômenos. 
À medida que a China demonstrava apetite cada vez mais voraz por commodities sul-americanas, diminuía a urgência do Mercosul em estabelecer acesso privilegiado ao mercado europeu. Este, por seu turno, estava muito ocupado em priorizar relações com os países ao leste que há um tempo compuseram a esfera de influência do bloco soviético. 
E havia ainda, claro, a Rodada Doha da OMC como uma plataforma de negociação supostamente viável, o que poderia tornar redundantes algumas das conversações UE-Mercosul
Bem, por que então as tratativas deslancham agora? 
Por um lado, Bruxelas passou a ter de contabilizar seriamente o risco de fragmentação do edifício comunitário europeu. 
O “brexit” é símbolo maior de tal pesar, eleições na França, Áustria, Holanda e mais recentemente Itália mostram quão forte é o flerte nacional-populista europeu com alternativas ao Velho Continente integrado.
Diante desse quadro, ao estabelecer tratados com outros blocos a UE mostra que não se abala com a saída, real ou possível, deste ou daquele estado-membro, e que portanto sua perpetuação é inquestionável. 
Por outro, com o esgotamento de um ciclo nacional-populista (kirchnerismo e lulopetismo) nos dois principais sócios do Mercosul, o bloco retomou sua postura negociadora em bases pragmáticas e algo que deixou de lado seu terceiro-mundismo.
Estão a caminho rodadas negociadoras do Mercosul também com Canadá, Japão e países da Aliança do Pacífico (México, Colômbia, Peru e Chile). 
Por estranho que possa parecer, um contexto de globalização profunda e múltiplas oportunidades não deram a UE e Mercosul, no passado, a proximidade e sentido de urgência necessários. 
Agora, é a conclusão de ciclos políticos internos e o espectro de protecionismo e desglobalização em outros quadrantes que impulsionam os dois blocos à ação. 

Marcos Troyjo
Diplomata, economista e cientista social, é diretor do BRICLab da Universidade Columbia. 

Elliott School of Int'nal Affairs, GWU - Working Papers



Working Papers

2018
Working Paper No. 8, March 2018
by Jonathan Madison, M.A. Candidate

2017
Working Paper No. 7, August 2017
by Mark S. Langevin, Ph.D.

August 2017
by Mark S. Langevin, Ph.D., Director of the Brazil Initiative

Working Paper No. 6, January 2017
by Eduardo Munhoz Svartman, PhD
2016
Working Paper No. 5, October 2016
by Oliver Della Costa Stuenkel, PhD 
2015
Working Paper No. 4, December 2015
by Emilio Lèbre La Rovere, PhD and Claudio Gesteira

Working Paper No. 3, August 2015

Working Paper No. 2, March 2015
by Robert Muggah, PhD

Working Paper No. 1, February 2015
by Esther Brimmer, PhD


BRAZIL INITIATIVE

ELLIOTT SCHOOL OF INTERNATIONAL AFFAIRS

THE GEORGE WASHINGTON UNIVERSITY

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Os novos zumbis de uma velha ideologia - Paulo Roberto de Almeida

Os herdeiros de uma derrota intelectual e de um fracasso prático: os adeptos do marxismo cultural

Paulo Roberto de Almeida
Doutor em ciências sociais, mestre em economia internacional;
professor de Economia Política no Uniceub (Brasília); blog Diplomatizzando.


O objetivo deste ensaio improvisado, rapidamente escrito, é claro: demonstrar que o socialismo morreu, mas que o marxismo cultural tenta mantê-lo vivo, por uma absoluta necessidade de persistência de alguma crença nas supostas virtudes salvadoras do socialismo original. Para isso, seus adeptos usam todos os tipos de manobras, mesmo as mais inconsistentes e incoerentes. Meu objetivo é apenas o de lutar contra os zumbis do pensamento, se é que existe algum pensamento por trás dos novos ideólogos.
Qualquer pessoa medianamente bem informada – ou seja, educada em algum sistema formal de ensino, ou pelo menos alfabetizada, acompanhando o noticiário corrente pelos meios de comunicação disponíveis, conhecedora de um mínimo de história do Brasil e do mundo – sabe que o socialismo morreu. Socialismo aqui deve ser entendido como propostas ou projetos de engenharia social, empreendidos a partir de uma base teórica – os escritos de Marx e Engels – e de exercícios de política prática, por meio de partidos e movimentos voltados para a conquista do poder – a exemplo de líderes comunistas como Lênin, Stalin e Mao Tsé-tung – e cujo resultado mais evidente foi uma imensa tragédia social no decorrer do século XX: estatísticas compiladas por historiadores de renome colocam a conta dos empreendimentos comunistas na casa dos 100 milhões de mortos, em diversos continentes.
Esse socialismo, mais comumente chamado de comunismo, tomava como ponto de partida as teses de Rousseau sobre as origens das desigualdades sociais – que ele colocava na propriedade privada –, amplificou suas demandas igualitárias nas demandas mais radicais da Revolução Francesa sobre a construção da igualdade social com base no poder do Estado, passou pelo Terror da guilhotina contra aqueles que eram julgados “inimigos do povo”, manifestou-se filosoficamente na primeira metade do século XIX nas propostas dos chamados “socialistas utópicos” – tal como designados por Karl Marx – e consolidou-se doutrinalmente nos escritos de filosofia política de Marx e Engels, começando pelo Manifesto de 1848, que pregava a “luta de classes” para derrubar o “Estado da burguesia” e para instaurar por meio da luta revolucionária do proletariado uma sociedade sem classes, com a abolição completa da propriedade privada e a atribuição de todo o poder a um “Estado democrático”, que se encarregaria de construir a sociedade ideal, aquela baseada no trabalho de cada um, “segundo suas capacidades”, e a garantia de meios de vida a qualquer um, “segundo suas necessidades”.
Essa utopia revolucionária de uma sociedade sem classes, radicalmente justa e igualitária, cujo sistema político prometia o desaparecimento progressivo do “Estado dos trabalhadores”, substituído pela “administração das coisas”, como pretendia Engels, nunca teve nenhuma condição de ser estabelecida, pelo menos sem que a implantação e o funcionamento de tal sistema de organização social e política requeresse graus inéditos de violência, como foi efetivamente o que se passou, quando revolucionários influenciados pelas ideias da dupla  tentaram colocar em prática esses gigantescos projetos de engenharia social. Esse vasto empreendimento de transformação sistêmica começou pela Rússia, em 1917, foi tentado em diversos outros países com fracassos espetaculares na primeira metade do século XX, e só conseguiu ser implementado na sequência imediata da Segunda Guerra Mundial, pela força do Exército Vermelho na Europa central e oriental, e na China como consequência da invasão japonesa e da guerra civil deslanchada pelos comunistas contra um governo corrupto e militarmente ineficaz. Alguns outros poucos exemplos se manifestaram aqui e ali, sempre com altas doses de violência contra aqueles que se opunham ao monopólio do poder por um único partido, e rotundos fracassos econômicos em todos os casos.
Esse é o segundo aspecto da utopia marxista, o de suas propostas econômicas, que muitos ainda consideram possuir algum sentido “legítimo”, ou historicamente “justificado”, em vista de supostas “contradições” do capitalismo: crises, desigualdade, concentração de renda, exclusão, desemprego e pobreza. Marx acreditava que o “modo de produção burguês” estava inevitavelmente condenado ao desaparecimento, por se basear na “exploração dos trabalhadores” – via “extração da mais-valia”, uma tese que não possui qualquer consistência econômica – e por aprofundar a polarização social, ao conduzir a sociedade à dominação de um punhado de ricos de um lado, os capitalistas, e da maioria de trabalhadores oprimidos e explorados, de outro. A solução, segundo ele, seria a estatização, depois a coletivização, de todos os meios de produção, e a operação de uma economia administrada pelos próprios trabalhadores. Lênin deu um passo adiante ao tentar implementar essas teses desprovidas de qualquer fundamento empírico de Marx: ele, que era um gênio em política, mas um completo ignorante em economia, decidiu simplesmente abolir os mercados, em favor de um sistema de planejamento centralizado, administrado por burocratas. Obviamente não deu certo, e levou a Rússia à sua primeira “epidemia de fome” (haveria outras), o que interrompeu provisoriamente o experimento e levou a uma “Nova Política Econômica”, com funcionamento parcial dos mercados.
Interessante notar que, nessa mesma época, entre 1919 e 1920, um jovem economista austríaco, Ludwig von Mises, que tinha sido socialista antes da Grande Guerra, ao observar as propostas socialistas e o experimento comunista de Lênin, escreveu um “panfleto” econômico, cuidadosamente intitulado “O Cálculo Econômico na Comunidade Socialista”, no qual ele contestava a possibilidade de funcionamento de um sistema econômico que dispensasse os preços de mercados e pretendesse organizar a produção unicamente a partir de preços administrados por burocratas do Estado. Um sistema desse tipo, disse Mises, seria impossível de funcionar em bases racionais, justamente devido à inexistência de cálculo econômico com base na raridade relativa dos insumos, ou seja, dos fatores de produção. O que sabemos, depois disso, foi que Stalin foi capaz de colocar um elefante a voar, ou seja, fazer o socialismo “funcionar”, mas ao custo de milhões de mortos, de uma opressão tão descomunal que o comunismo soviético pode ser equiparado à reprodução moderna de um gigantesco modo escravista de produção, com níveis baixíssimos de consumo popular. Essa, aliás, junto com a total falta de liberdade política, foi a causa da implosão e derrocada final do modo socialista de produção, nunca qualquer derrota para os inimigos ocidentais, ou os capitalistas das economias de mercado, que por acaso estavam financiando todos os regimes socialistas durante a maior parte do pós-guerra.
O socialismo de tipo soviético, e suas derivações terceiro-mundistas – hoje reduzidos a dois pequenos resquícios de completa tirania –, foi, portanto, um completo fracasso, e não há ninguém que possa contestar essa realidade, nem mesmo o PCdoB. A China pós-Mao, teve a “sorte” de contar com mandarins comunistas mais esclarecidos, que deram a partida ao mais gigantesco experimento de transformação social da era moderna, com base numa economia de mercado, ainda que dominada por um sistema autocrático de partido único, mas dispondo de mais liberdade de empreendimento, e de menor “opressão tributária” estatal, do que o supostamente capitalista Brasil. Não se conhecem, na atualidade, propostas sérias – isto é, fora dos delírios universitários que conhecemos bem – de retorno à economia planificada centralmente, o que confirma, portanto, a primeira frase do título: o socialismo morreu.
O fracasso de propostas utópicas de organização política e social, de projetos pouco racionais de organização da produção e distribuição de bens e serviços, não significa, porém, o desaparecimento das ideias que lhes deram origem. Ideias são muito mais poderosas do que se pode pensar, mais “permanentes” do que empreendimentos eventuais que delas partiram para algum exercício concreto de implantação efetiva, mas seguido de sua derrota prática. Aqui cabe considerar que o marxismo foi, parcialmente acompanhado pelo freudismo, a mais poderosa ideologia política e social do século XX, e se prolonga no século XXI, mesmo sem qualquer regime socialista digno desse nome, mas com base nas ideias relevantes vindas da vertente rousseaniana do Iluminismo, agregado das pregações igualitárias da Revolução Francesa, passando obviamente pela filosofia social marxista, até chegar na doutrina política do leninismo derrotado, o marxismo soft de Antonio Gramsci. O comunista italiano revisou a doutrina leninista com base na leitura de Maquiavel – não só o Príncipe, mas também os Discursos da Primeira Década de Tito Lívio – e de outros clássicos, e daí formulou uma estratégia de conquista suave do poder, pela via da penetração nos principais aparelhos do Estado, dispensando o putsch leninista e formulando as bases da apropriação gradual do poder.
O gramscismo é esse marxismo cultural disseminado amplamente no Brasil pós-derrota da esquerda tradicional em 1964, ao lado de alguns empreendimentos leninistas, castristas e maoístas que foram evidentemente derrotados pela força superior do Estado militar. A estratégia transmutou-se na conquista gradual, quase imperceptível, desses aparelhos do Estado – na área educacional, por exemplo – e das diversas correias de transmissão da ação do Estado, ou seja, o corporativismo dos mandarins do Estado e sua expressão social, os sindicatos. Eles passam a disseminar um marxismo vulgar – que tem pouco a ver com a doutrina original marxista – e um esquerdismo simplório, mas que alcança razoável sucesso político e eleitoral pelas mesmas razões pelas quais partidos socialistas ou socialdemocratas são ainda bem votados atualmente: eles prometem igualdade de condições, justiça social, políticas públicas redistributivas, amplos canais de assistência, medidas setoriais de proteção de grupos de interesse, enfim, a “sopa política” de promessas generosas e de reivindicações “justas”, que são amplamente bem acolhidas por um eleitorado sumariamente instruído ou informado.
Essas características da política brasileira – igualmente encontradas em diversos outros países, sobretudo na América Latina – estão muito bem refletidas no grande contorcionismo conceitual levado a efeito pelos adeptos do “marxismo cultural”. Os que se refugiam nos desvãos de um pensamento que não possuir qualquer coerência são todos aqueles que encontramos no ambiente universitário animados dos mesmos propósitos salvacionistas. Eles são os típicos representantes do gramscismo vulgar que domina a esquerda brasileira desde várias décadas: os sindicalistas da educação, os militantes do politicamente correto, os defensores de privilégios corporativos, os agitadores das novas causas das minorias, raciais ou de gênero. Num ambiente já amplamente dominado pelo agenda do politicamente correto poucos são os que têm a coragem e a ousadia de contraditar os defensores dessas causas sem futuro, de desmentir seus argumentos capciosos, e de enfrentá-los na palavra e na escrita, se preciso nas ruas.
Os representantes do marxismo cultural, do gramscismo vulgar, da idiotice do politicamente correto podem ser contraditados por simples argumentos lógicos, e por demonstrações empíricas sobre como são inconsistentes seus argumentos, pelo fato de simplesmente não se adequarem à realidade do mundo presente, tal como ele é. Não é difícil encontrar argumentos corretos para desmontar os discursos e as propostas dos marxistas culturais, mas para isso é preciso que pessoas sensatas, ou simples amigas da verdade, se disponham a tomar da pena, ou do teclado, para assentar-lhes alguns golpes de realidade, não como fazia o jovem Marx na “Ideologia Alemã”, com base em argumentos puramente filosóficos, mas com base em relatórios, estudos, estatísticas.
O aspecto que eu mais destacaria na atualidade – revelador das expressões mais delirantes do politicamente correto, que tende a se espalhar no país, como várias outras tendências idiotas de nossa época –– é o do desmoronamento das instituições de ensino, seja pela influência nefasta das ideologias gramscianas amplamente dominantes nesses meios, seja pela ação quase mafiosa dos sindicatos de professores (sobretudo do ensino médio, mas também encontrável no terceiro ciclo), um processo que nos condena ao descalabro pedagógico e à mediocridade no desempenho educativo, incidindo, portanto, sobre o futuro previsível da produtividade em nosso país. Essa erosão da qualidade do ensino no Brasil – em praticamente todos os níveis, do pré-primário ao pós-doc – tem basicamente duas origens: de um lado o efeito nefasto da “pedagogia do oprimido”, uma herança nefasta daquele que foi elevado à condição de “patrono da educação brasileira” pelo regime companheiro, Paulo Freire, a quem considero o supremo idiota da “não educação” brasileira; de outro, a ascensão e o “empoderamento” – esse horrível conceito da terminologia politicamente correta – dos sindicatos de mestres e de professores, o que aliás corresponde inteiramente à ideologia predominante durante o regime petista, que foi uma repetição mais bem sucedida da natimorta “República Sindical” do início dos anos 1960.
De certa forma, ainda vivemos sob a “República Sindical”, e ela é evidente no corporativismo exacerbado sob o qual vivemos, a partir de um Estado omnipresente e onipotente (mas obviamente não onisciente). Na outra ponta, a organização pedagógica brasileira ainda é dominada pela ideologia do “freirismo” educacional, um conjunto de banalidades políticas – de inspiração maoísta, cabe esclarecer – que desvinculam o ensino brasileiro de suas funções básicas: formar as crianças e jovens no ensino da língua, das matemáticas e das ciências elementares. Os exames do PISA demonstram a total inconsistência, na verdade, o fracasso da educação brasileira, e isto é uma tragédia superior a qualquer crise fiscal ou recesso econômico.
O marxismo cultural representa um dos maiores desafios ao desenvolvimento do Brasil, na medida em que ele é uma tentativa de sobrevivência do socialismo, mas baseado em mentiras, meias verdades, diagnósticos simplistas da realidade, e prescrições totalmente equivocadas para a solução dos nossos problemas. Um dos exemplos mais evidentes dessas tendências nefastas é o chamado “afrobrasileirismo”, uma importação de teses já equivocadas em sua origem – a ideologia African American nos Estados Unidos – e que pode estar provocando o nascimento de um novo tipo de Apartheid no Brasil, o que separa os supostos “afrodescendentes” de todos os demais brasileiros; considero ser meu dever intelectual, me contrapor aos desatinos dessas concepções anti-meritocráticas, em defesa de uma concepção mais elevada da sociedade e da cultura brasileira.
O combate apenas começou: ele precisa ser continuado, se não quisermos soçobrar na mediocridade intelectual e no atraso mental que caracteriza, infelizmente, nossas elites. O meu combate é este: o da racionalidade econômica, o da qualidade da educação e o da defesa da dignidade da pessoa humana em face do primitivismo das causas particularistas que estão fragmentando o conceito de direitos humanos nos últimos anos. Não tenho nenhuma hesitação em fazer a defesa da verdade política, do sentido não corporativo das políticas públicas, da noção correta de bem comum, contra o assalto dos “novos bárbaros” gramscianos contra a sociedade e o Estado no Brasil. Não é fácil, mas não se pode renunciar a certos imperativos de consciência.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 21 de março de 2018