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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 16 de abril de 2019

Acesso a artigos cientificos mais facilitado - Revista Pesquisa (Fapesp)

Como sobreviver sem assinar revistas científicas

Ferramentas digitais e redes sociais ajudam estudantes e pesquisadores a encontrar artigos na internet


Bárbara Malagoli
Universidades de vários países estão criando novos arranjos para ampliar o acesso à literatura científica depois de suspender contratos de assinaturas com grandes editoras, considerados caros e abusivos. Para atender ao menos em parte as necessidades de informação de seus alunos e pesquisadores, as instituições apostam em ferramentas que ajudem a localizar na internet cópias de papers disponíveis em acesso aberto e no apoio de redes de bibliotecas e de mídias sociais para obter artigos de conteúdo restrito. A Universidade da Califórnia (UC), nos Estados Unidos, por exemplo, anunciou em fevereiro o rompimento com a editora holandesa Elsevier, por meio do qual, a um custo de quase US$ 11 milhões por ano, seus 273 mil estudantes e 68,4 mil docentes e pesquisadores podiam ler documentos publicados em 2,4 mil periódicos. Responsável por cerca de 10% de toda a produção científica norte-americana, a UC pressionava a Elsevier a aceitar um novo acordo, em que fariam parte de um único pacote o preço das assinaturas e as taxas pagas pelos pesquisadores da universidade para publicar seus artigos em acesso aberto em títulos da editora. A Elsevier insistiu em manter o esquema tradicional para a maioria de seus periódicos, cobrando assinaturas e taxas de publicação de artigos e exigindo quantias extras quando o autor quer divulgar seu paper livremente na web.
Sem poder consultar as revistas, a UC reuniu em uma página da internet um conjunto de caminhos alternativos para seus estudantes e pesquisadores. Sugeriu a eles adotar estratégias como a busca de papers em bases de dados acadêmicas, a exemplo do Google Scholar e do PubMed, e o uso de programas plugins, que oferecem funcionalidades específicas em navegadores da internet – nesse caso, localizar cópias em PDF de artigos científicos. Se isso não for suficiente, a recomendação é pedir ajuda às bibliotecas de seus 10 campi, que integram redes nas quais se compartilham artigos e livros, ou então usar redes sociais acadêmicas, em que é possível solicitar trabalhos diretamente a seus autores. “Apoiamos nossos professores, alunos e funcionários empenhados em quebrar as barreiras que impedem o compartilhamento de pesquisas inovadoras”, disse, em comunicado, a presidente da universidade, a advogada Janet Napolitano.
A estratégia da UC não chega a ser original. Recentemente, instituições de ensino superior da Alemanha, da Suécia e da Noruega também decidiram não renovar assinaturas de revistas da Elsevier e adotaram expedientes parecidos. “Essas ferramentas digitais deram às universidades um poder de barganha inédito”, avalia Abel Packer, coordenador da biblioteca de revistas de acesso aberto SciELO Brasil. “Antigamente, cortar assinaturas seria impraticável, pois inviabilizaria o trabalho dos pesquisadores. Hoje, as universidades têm alternativas.” Esse movimento ganhou mais fôlego em setembro do ano passado, quando a União Europeia e agências de fomento à pesquisa de 14 países lançaram o Plan S, iniciativa de alcance internacional que estabelece a partir de 2020 a publicação imediata em acesso aberto de artigos que receberam financiamento público (ver Pesquisa FAPESP nº 276).
Uma consulta a sites de busca, às vezes, é suficiente para localizar o PDF de um artigo – se ele estiver disponível, naturalmente. Nos últimos anos, surgiu uma série de ferramentas digitais gratuitas que tornam essa tarefa mais simples. Uma das mais populares é o Google Scholar Button, plugin que dá acesso ao conteúdo do Google Acadêmico e permite localizar textos disponíveis na web e em bibliotecas universitárias. Basta selecionar o título do documento na página que estiver sendo visitada e clicar no botão para localizar a íntegra.
Há outras extensões com as mesmas características, como o Open Access Button, desenvolvido por um grupo do Reino Unido ligado a uma rede de bibliotecas que promovem a publicação em acesso aberto. O serviço tem uma funcionalidade importante: se o artigo não estiver disponível na web, solicita-se diretamente ao autor uma cópia do trabalho. A manutenção e a atualização do Open Access Button foram garantidas, nos últimos dois anos, por uma doação de US$ 420 mil feita pelo fundo filantrópico Arcadia, mantido por Peter Baldwin, filantropo e professor de história da Universidade da Califórnia, Los Angeles. “Essas ferramentas funcionam dentro da legalidade e têm boas intenções. Mas seus resultados são sempre limitados, porque há muita pesquisa que não é publicada em acesso aberto”, afirma Moreno Barros, bibliotecário na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutor em história da ciência.
Outro exemplo bem-sucedido é o Unpaywall, serviço gratuito criado nos Estados Unidos que dá acesso a 22,7 milhões de artigos e manuscritos em preprint disponíveis em acesso aberto e papers de acesso pago que tiveram uma cópia arquivada legalmente em repositórios de instituições. Segundo a ImpactStory, criadora da ferramenta, ela atingiu em fevereiro a marca de 200 mil usuários ativos. Não é a solução para todas as demandas de pesquisadores, mas resolve ao menos a metade delas sem desrespeitar direitos autorais. Um levantamento feito em 2017 com base em buscas feitas por usuários do Unpaywall mostrou que 47% dos papers solicitados estavam disponíveis para leitura em algum lugar na web. “Oferecemos limonada de graça bem ao lado das bancas de limonada das grandes editoras”, disse ao The Chronicle of Higher Education o cientista da informação Jason Priem, que lançou o serviço em parceria com Heather Piwowar, pesquisadora da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos.
A popularidade dessas ferramentas se explica: nem sempre é fácil encontrar um artigo mesmo quando ele está disponível em acesso aberto. Uma coisa é localizar um paper publicado em uma revista que não cobra assinatura e oferece todo o seu acervo na web – uma simples pesquisa na internet, nesses casos, consegue resolver. Desafio mais complexo é encontrar um texto divulgado em um periódico de conteúdo restrito, que teve uma cópia arquivada no repositório de alguma instituição. Frequentemente, eles não ficam bem indexados em sites de busca. Essa situação é frequente e os plugins facilitam o acesso ao rastrear múltiplos repositórios.
Embora disponíveis em acesso aberto, artigos arquivados em repositórios nem sempre são fáceis de encontrar
Em fevereiro, a FAPESP aperfeiçoou sua política para acesso aberto a publicações científicas, que foi lançada em 2008 e resultou na criação do Repositório da Produção Científica do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp), abastecido com artigos, teses, dissertações e outros trabalhos científicos publicados por pesquisadores das universidades de São Paulo (USP), Estadual de Campinas (Unicamp) e Estadual Paulista (Unesp). As novas diretrizes estabelecem que artigos que resultem, total ou parcialmente, de pesquisas financiadas pela Fundação deverão ser divulgados em revistas que permitam o arquivamento de uma cópia dos papers em um repositório público, onde eles possam ser consultados na web por qualquer pessoa.
O arquivamento da cópia deverá ser feito assim que o paper for aprovado para publicação ou em prazos compatíveis com as restrições de cada revista – algumas delas impõem períodos de embargo entre seis meses e um ano. Os pesquisadores têm liberdade para selecionar os títulos nos quais querem publicar seus artigos, mas a recomendação é que a escolha recaia sobre títulos que permitam o depósito de cópias em um repositório. Para saber qual é o modelo de cada periódico, a sugestão é consultar o site Sherpa-Romeo, um serviço oferecido por um grupo de universidades de pesquisa do Reino Unido que reúne as normas adotadas por editoras ou sociedades científicas em relação ao acesso aberto de suas publicações.
Há revistas que permitem o depósito não do artigo publicado, mas de versões do texto anteriores ao processo de revisão por pares. A ferramenta Kopernio, que funciona como uma extensão de browsers, rastreia também cópias preliminares. Segundo seus criadores, consegue encontrar 70% dos manuscritos procurados pelos usuários. O serviço foi criado por uma startup e adquirido em 2018 pela Clarivate Analytics, responsável pela base de dados Web of Science. Baseia-se em um plugin que utiliza um software de inteligência artificial e pode ser usado também por quem tem direito de acessar artigos de periódicos fechados. O usuário deve abrir uma conta no serviço e informar se é afiliado a uma instituição ou assinante de alguma revista.
Biblioteca Geisel, da Universidade da Califórnia, em San Diego: contrato da instituição com a editora Elsevier custava quase US$ 11 milhões por anoLou Stejskal/Flickr
O Kopernio armazena os direitos de acesso e remete instantaneamente ao conteúdo se o artigo solicitado for de uma revista fechada. Essa facilidade pode ser útil, segundo os criadores do plugin, para quem tem assinaturas legítimas patrocinadas por suas instituições mas usa ferramentas de busca ilegais, apenas porque elas fornecem artigos com mais rapidez. “Muitos pesquisadores usam sites piratas não por necessidade, mas porque é mais conveniente”, disse à revista TheBookseller o norueguês Jan Reichelt, um dos criadores do Kopernio. Ele se referia ao Sci-Hub, repositório que franqueia cópias obtidas irregularmente de 64 milhões de artigos científicos. Antes de fundar a Kopernio, Reichelt foi um dos criadores do Mendeley, software organizador de bibliografias acadêmicas que se converteu em uma rede social de pesquisadores e foi comprado pela editora Elsevier em 2013.
Redes sociais também podem desempenhar um papel importante na busca de artigos científicos. Às vezes, pesquisadores com perfis na Research Gate, Academia, Mendeley e Humanities Commons oferecem cópias de seus trabalhos para download. Também é possível enviar mensagens diretas ao autor pedindo o artigo desejado. Outras estratégias são menos eficazes e não garantem que a obtenção do arquivo respeitou direitos autorais. É o caso da hashtag #icanhazpdf, usada na rede social Twitter. Pesquisadores associam a palavra-chave ao endereço da publicação desejada e esperam que outro usuário com acesso ao documento o compartilhe. A rede social Reddit também tem uma página usada para solicitar e divulgar cópias de artigos e livros.
De acordo com Abel Packer, da biblioteca SciELO, o compartilhamento de artigos em meio digital tornou-se uma versão moderna do empréstimo interbibliotecário – antes do advento da internet, pesquisadores procuravam bibliotecas em busca de artigos e livros e elas obtinham cópias em papel de instituições parceiras. “Hoje isso se faz por meio de redes sociais. Quando preciso de um artigo de difícil acesso, peço para alguém que o tenha”, afirma. Em algumas situações, a fronteira da legalidade é ultrapassada, mas esse limite, observa Packer, tornou-se difuso na comunicação científica. Um estudo publicado em 2017 por Heather Piwowar, do Unpaywall, mostrou que 58% dos artigos consultados livremente na internet vinham de periódicos de acesso fechado e foram disponibilizados pelas próprias editoras sem que houvesse licença formal para isso. “Editoras acabam fazendo um jogo duplo, pois não querem reduzir as chances de que os artigos de suas revistas sejam citados e tenham impacto”, explica.
Republicar

Tempo de macartismo no Itamaraty - revista IstoE

Não tenho certeza de já ter postado esta matéria da revista IstoÉ. Seja como for, é sempre bom lembrar das trapalhadas da atual equipe de inquisidores.
Paulo Roberto de Almeida

Ou segue a ideologia ou está fora

Em meio ao clima de caças às bruxas, diplomatas que não rezam na cartilha ideológica do governo preparam-se para deixar o Itamaraty. Competentes ou não, já receberam o recado: sairão por bem ou por mal

Crédito:  Pedro Ladeira/Folhapress
“DEUS VULT” Sob o comando de Ernesto Araújo, o Itamaraty virou palco de perseguições contra quem não concorda com a catilinária obscurantista do chanceler (Crédito: Pedro Ladeira/Folhapress)
“DEUS VULT” Sob o comando de Ernesto Araújo, o Itamaraty virou palco de perseguições contra quem não concorda com a catilinária obscurantista do chanceler (Crédito: Pedro Ladeira/Folhapress)
ELE CAIU ATIRANDO O experiente diplomata Mario Vilalva deixou a presidência da Apex, na última semana, sem poupar o chanceler Ernesto Araújo de pesadas críticas
A demissão de dois quadros de grande relevância na diplomacia brasileira retrata o tóxico ambiente que se instalou no Itamaraty desde a posse do novo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Na última semana, o diplomata Mario Vilalva, assim como já acontecera com seu antecessor, foi defenestrado da presidência da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex). E o embaixador Sérgio Amaral deixou a embaixada dos Estados Unidos, cumprindo o que já avisara o presidente Jair Bolsonaro antes da viagem aos Estados Unidos. É provável que, a partir dessas saídas compulsórias, haja uma debandada voluntária no corpo diplomático brasileiro nas próximas semanas. Não exatamente em solidariedade a eles. Mas pela condução extremamente ideológica de Ernesto Araújo no ministério, que tem tornado o clima na diplomacia brasileira insuportável. Há, segundo diplomatas ouvidos por ISTOÉ, uma verdadeira perseguição macarthista no ministério – uma referência à caçada contra pretensos comunistas que conduzia na década de 1950 nos Estados o senador Joseph Mcarthy. Uma perseguição radical e injusta que levou à expulsão do país mesmo de ícones populares, como o ator Charles Chaplin. Neste caso, quem não reza na cartilha ideológica do governo – que condena delírios como o “marxismo cultural” e luta contra o que chamam de “globalismo” – é posto para fora.
“Nunca pensei que um ministro (Ernesto Araújo) faria isso. Legislando sem transparência, modificando o estatuto da Apex e tentando me induzir ao erro”
“Comecei a receber pressão do próprio Ernesto Araújo e de Otávio Brandelli (secretário-geral do Itamaraty). Os dois me disseram para deixar os diretores fazerem o que quisessem. Desse tipo de esquema, eu não participo”
“À medida que eu neguei, tentaram me constranger”
ISTOÉ apurou que muitos diplomatas que consideram não se encaixar exatamente no perfil político desejado por Araújo estão tentando transferência para cargos em outros Poderes, especialmente o Legislativo. O maior incômodo são com as decisões administrativas de Ernesto. Uma delas seria a nova política de remoção, cujo critério para escolha das melhores representações nacionais mundo afora agora é a afinidade do interessado com a filosofia do novo governo, algo que nunca havia sido feito antes. “Estou vendo gente que ama o que faz querendo sair porque não aguenta esse ministro”, disse um diplomata, sob a condição de não ser identificado para não sofrer perseguições. De acordo com ele, há um clima de “caça às bruxas”.
O medo tem fundamento. Os dois recém-demitidos foram criticados por fazer “corpo mole” na defesa da política externa do novo governo. Tanto Vilalva como Sérgio Amaral, ex-porta-voz do presidente Fernando Henrique Cardoso, são embaixadores dotados de grande experiência. Serviram a vários governos. Vilalva, por exemplo, afirma que sua saída está diretamente ligada a pressões que sofria para dar liberdade plena a dois subordinados indicados por gente de fora do quadro da agência. A ordem de Ernesto Araújo com relação a eles, segundo Vilalva, é que estariam autorizados a fazer o que bem entendessem na agência. A primeira é Letícia Catelani, pivô de outra demissão na Apex em três meses: a de Alecxandro Carneiro. Ela é diretora indicada por Ernesto, a pedido de Eduardo Bolsonaro. O outro é Márcio Coimbra.
MAIS UM BODE EXPIATÓRIO O embaixador Sérgio Amaral deixou posto nos EUA acusado de não blindar Jair Bolsonaro de ataques fora do País (Crédito:Marlene Bergamo/Folhapress)
Marlene Bergamo/Folhapress
Vilalva recusava-se a dar aos dois a autonomia exigida por Araújo. A situação tornou-se irreversível quando foram instaladas portas eletrônicas com senha na entrada da ala de acesso às salas de Catalani e Coimbra. Sem o código de acesso, o presidente da Apex era simplesmente barrado dos gabinetes dos subordinados – algo impensável para qualquer repartição de esquina, quiçá num importante órgão de governo. Ao sair, Vilalva não poupou crítica ao ministro, a quem chamou de desleal. “Desse tipo de esquema, eu não participo”, afirmou. O embaixador Sergio Amaral deixou a chancelaria brasileira em Washington, nos Estados Unidos, um dia depois da queda de Vilalva. A interlocutores, Bolsonaro se queixou que a imagem dele não estava boa lá fora, pois era apresentado como ditador, racista e homofóbico “sem a devida defesa dos diplomatas brasileiros”, como se Amaral fosse o culpado pelas diatribes do mandatário do País.
Os dois episódios marcam o estilo de gestão de Ernesto Araújo no Itamaraty. Diplomatas que atuam em países fora do eixo principal de interesse dos Estados Unidos dizem ter sido orientados a não celebrar negócios e adiar compromissos até segunda ordem. Outros casos que provocam incômodo são as relações com a China e os países árabes. ISTOÉ apurou que, por conta dos riscos econômicos, já há setores dos Ministérios da Economia e da Agricultura trabalhando nos bastidores para que Ernesto Araújo deixe o governo. Por ora, ele segue prestigiadíssimo, sobretudo por professar o mesmo rosário do presidente da República. Enquanto isso, os tempos no Itamaraty seguem nada diplomáticos.

Personagens obscuros que ocupam a linha de frente da História: Joseph Fouché, por Stefan Zweig

De vez em quando, personagens perfeitamente obscuros, que jamais deveriam ter saído dos bastidores (ou das catacumbas) da História, conseguem a ocupar posições de relevo em determinadas circunstâncias e em momentos excepcionais de processos dramáticos de transformação social e política de uma nação, como foi o caso, por exemplo, da Revolução francesa e dos momentosos episódios que se lhe seguiram: Assembleia Constituinte, Convenção, Diretório, Comitê de Salvação Pública no Termidor, consulado, primeiro cônsul, Império, Waterloo, Cem Dias (êpa!), Restauração, fracasso dos Bourbons, nova realeza (e depois a monarquia burguesa, antes de 1848 e sua segunda República, logo substituída por um novo Império).
Tal foi o caso de Fouché, que atravessou pelo menos cinco regimes políticos franceses, entre o Ancien Régime e a monarquia medíocre dos Bourbons – aqueles que, como disse Talleyrand, "nada esqueceram, nada aprenderam" –, e a todos eles serviu de forma subserviente, como muito bem descrito na genial biografia de Stefan Zweig sobre um dos mais execráveis personagens da história da França moderna e contemporânea. A genialidade de Zweig consiste justamente nisso: ter focado num personagem obscuro – que só tinha sido reconhecido como relevante pelo outro genial escritor que foi Balzac – e, através dele, seguir toda a trajetória da França do Antigo Regime até a Restauração. A sua biografia tem validade universal, pois podemos também encontrar na história do Brasil, até recente, personagens tão medíocres, traiçoeiros e nefastos, ainda que menos relevantes, quanto Fouché. Vocês sabem de quem estou falando (mas ele não é chefe da Polícia, ainda bem).
Leiam o Prefácio de Zweig à biografia de um dos maiores personagens menosprezados da história da França, texto que recolhi no site da Casa Stefan Zweig de Petrópolis, que visitei numa rápida estada na cidade serrana do Rio de Janeiro.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16 de abril de 2019


Prefácio de Joseph Fouché – retrato de um homem político

Stefan Zweig

Joseph Fouché, um dos homens mais poderosos de sua época, um dos mais notáveis de todos os tempos, encontrou pouca simpatia entre os contemporâneos e ainda menos justiça na posteridade. Napoleão em Santa Helena, Robespierre entre os jacobinos, Carnot, Barras, Talleyrand em suas Memórias, a pena de todos os historiadores franceses, sejam monarquistas, republicanos ou bonapartistas, enche-se de fel quando escreve seu nome. Traidor nato, intrigante miserável, réptil escorregadio, desertor profissional, alma pequena de policial, amoralista deplorável, não lhe poupam nenhum insulto, e nem Lamartine, nem Michelet ou Louis Blanc tentam seriamente desvendar seu caráter, ou melhor, sua admiravelmente obstinada falta de caráter. Seu retrato em contornos reais aparece pela primeira vez naquela monumental biografia de Louis Madelin, ao qual o presente estudo, como qualquer outro, deve a maior parte do material factual. Com esta exceção, a história empurrou silenciosamente para a última fileira dos figurantes insignificantes um homem que, numa guinada da história, liderou todos os partidos e foi o único a sobreviver a eles, que no duelo psicológico venceu um Napoleão e um Robespierre. Vez por outra, seu espectro ainda ronda numa peça de teatro ou numa opereta sobre Napoleão, porém geralmente como a caricatura gasta de um chefe de polícia astuto, de um Sherlock Holmes anterior à sua época, pois uma caracterização pouco profunda sempre relega a um papel secundário um ator que está em segundo plano, mas é essencial. 

Um único homem vislumbrou a dimensão desta figura ímpar do alto de sua própria grandeza: Balzac. Este espírito elevado e ao mesmo tempo perscrutador, que não observava apenas a cena da época, mas espiava também sempre atrás dos bastidores, reconheceu Fouché sem reservas como a personalidade psicologicamente mais interessante de seu século. Habituado, na sua química dos sentimentos, a contemplar todas as paixões, não só as chamadas heróicas como as consideradas baixas,como elementos de igual valor, habituado a admirar da mesma forma um criminoso perfeito como Vautrin e um gênio como Louis Lambert, sem jamais distinguir entre moral e falta de moral, mas sempre medindo apenas a energia de uma pessoa e a intensidade de suas emoções, Balzac fez sair de sua penumbra intencional este homem que está entre os mais desprezados e difamados da Revolução e do Império. "O único ministro que Napoleão teve", diz ele sobre este "gênio singular", depois “la plus forte tête que je connaisse" [a cabeça mais forte que conheci] e, em outro trecho, "um daqueles personagens com tanta profundidade sob a superfície, que no momento em que agem permanecem impenetráveis e só depois podem ser compreendidos".

Eis uma interpretação bem diferente das ofensas dos moralistas! E no seu romance Une ténébreuse affaire dedica uma página especial a esse"espírito sombrio, profundo e extraordinário, tão pouco conhecido": "Seu gênio particular", escreve ele, "que suscitou uma espécie de temor em Napoleão, não se revelou de uma vez. Este obscuro membro da Convenção, um dos homens mais extraordinários e ao mesmo tempo mais erroneamente julgados de seu tempo, cresceu em meio às crises. No Diretório, alcançou uma altura de onde homens profundos conseguem divisar o futuro por saberem julgar corretamente o passado. Depois, de repente dava mostras de seu talento durante o 18 Brumário, assim como certos atores medíocres que, iluminados por uma súbita inspiração, tornam-se excelentes. Este homem de semblante pálido, educado na disciplina monacal, conhecia todos os segredos da Montanha, facção à qual pertenceu inicialmente, como os dos monarquistas, por cima dos quais finalmente passou. Este homem estudou gradual e silenciosamente as pessoas, as coisas e as práticas do cenário político; descobriu os segredos de Bonaparte, deu-lhe conselhos úteis e informações preciosas (... ) nem os novos nem os antigos colegas suspeitavam então da extensão de seu gênio, que era essencialmente um gênio de governo: exato em todas as previsões e de uma argúcia inacreditável."

Assim escreveu Balzac. Tal homenagem chamou minha atenção para Fouché, e há anos que me interesso por esse homem de quem Balzac dizia ter "mais poder sobre as pessoas do que o próprio Napoleão". Mas, tanto em vida quanto na história, Fouché sempre conseguiu permanecer nos bastidores: não gostava que lhe vissem o rosto ou as cartas. Quase sempre estava no meio dos acontecimentos, no seio dos partidos, invisivelmente ativo e escondido atrás do véu anônimo de suas funções como o mecanismo de um relógio. Raramente consegue-se fisgar-lhe a silhueta fugidia no tumulto dos acontecimentos e nas curvas mais fechadas de sua trajetória. E o que é mais estranho: à primeira vista,nenhum dos retratos fugazmente apanhados de Fouché combina com outro. Custa algum esforço imaginar que a mesma pessoa, com a mesma pele e os mesmos cabelos, tenha sido professor eclesiástico em 1790, já em 1792 saqueador de igrejas, em 1793 comunista, cinco anos depois multimilionário e outros dez anos mais tarde duque de Otranto. Porém, quanto mais ousadas suas transformações, mais interessante me pareceu o caráter, ou melhor, a total falta de caráter desse mais perfeito Maquiavel da era moderna, mais atraente se me afigurou sua vida política passada nos bastidores e na clandestinidade, mais singular e demoníaca me pareceu sua figura. Foi assim que, de maneira inesperada, por puro prazer psicológico, comecei a escrever a história de Joseph Fouché como contribuição para um estudo biológico ainda inexistente porém necessário dos diplomatas, esta raça intelectual ainda não totalmente examinada, das mais perigosas do nosso mundo.

Sei que uma tal descrição de um homem sem nenhuma moral, de alguém tão singular e importante como Joseph Fouché, vai de encontro ao desejo evidente de nosso tempo. Nossa época quer e ama biografias heróicas, pois, diante da carência de lideranças politicamente criativas, busca no passado exemplos mais elevados. Não desconheço o poder das biografias heróicas de elevar as almas, intensificar as forças, levantar o espírito. Desde Plutarco, elas são necessárias para cada geração em ascensão, para cada nova juventude. Mas é precisamente no âmbito político que elas correm o risco de falsificar a história, ao levar a crer que – naquela época e sempre – os verdadeiros líderes também determinam o destino do mundo. Sem dúvida, por sua própria existência, uma natureza heróica domina a vida intelectual durante décadas e séculos, mas apenas a intelectual. Na vida real, verdadeira, na esfera do poder político – e isto deve ser frisado como alerta contra toda a credulidade política –, raramente são as figuras superiores, as pessoas das idéias puras que decidem, e sim uma categoria muito inferior, porém mais hábil: os personagens dos bastidores.

Em 1914 e 1918, vimos como as decisões de importância histórica universal sobre guerra e paz foram tomadas não conforme à razão ou à responsabilidade, mas por indivíduos ocultos, de caráter duvidoso e inteligência limitada. A cada dia verificamos que, no jogo ambíguo e muitas vezes pecaminoso da política, ao qual os povos ainda confiam cegamente seus filhos e seu futuro, não são os homens de visão ética e de convicções inabaláveis que vencem, mas sim aqueles aventureiros profissionais que chamamos diplomatas, esses artistas de mãos gatunas, palavras ocas e nervos gélidos. Se, como já disse Napoleão há cem anos, a política realmente se tornou "la fatalité moderne", o novo Destino, tentemos reconhecer, em nossa defesa, os homens que estão por trás do poder e, com isso, o segredo perigoso da sua força. Que esta história da vida de Joseph Fouché seja uma contribuição para a análise do homem político.

Salzburgo, outono de 1929

in Joseph Fouché, retrato de um homem político. Rio de Janeiro: Editora Record, 1999. Tradução de Kristina Michahelles. (publicado com expressa autorização da editora)

Fonte: Site da Casa Stefan Zweig de Petrópolis; link: http://www.casastefanzweig.org/sec_texto_view.php?id=22

Lancamento de Contra a Corrente: ensaios contrarianistas - Paulo Roberto de Almeida

Livro de Paulo Roberto de Almeida: Contra a Corrente: ensaios contrarianistas sobre as RI do Brasil; 22/04, 19h30hs, Carpe Diem

O diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida, a Editora Appris e o restaurante Carpe Diem (SCLS 104) convidam para o lançamento do livro, Contra a Corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018, na segunda-feira, 22 de abril, a partir de 19:30hs. Estarão igualmente disponíveis exemplares de dois de seus livros precedentes: Nunca Antes na Diplomacia: a política externa em tempos não convencionais (2014) e O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos (2017). 
   
O livro Contra a Corrente também pode ser adquirido diretamente junto à Editora Appris, em formato impresso ou digital, no seguinte link: https://www.editoraappris.com.br/produto/2835-contra-a-corrente-ensaios-contrarianistas-sobre-as-relaes-internacionais-do-brasil-2014-2018
O livro Nunca Antes na Diplomacia está disponível, também em dois formatos, no link seguinte: https://www.editoraappris.com.br/produto/126-nunca-antes-na-diplomacia-a-poltica-externa-brasileira-em-tempos-no-convencionais
O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos; no link: https://www.editoraappris.com.br/produto/1513-o-homem-que-pensou-o-brasil-trajetria-intelectual-de-roberto-campos
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Paulo R. de Almeida
Professor de Economia Política - Programas de Mestrado e Doutorado em Direito
Centro Universitário de Brasília (Uniceub)

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Paulo R. Almeida: porta-voz involuntario dos descontentes do Itamaraty

Após ter realizado o último evento de 2018, o lançamento da obra em dois volumes dos artigos e entrevistas mais importantes do ex-chanceler Celso Lafer, em quatro décadas, informado aqui: 
    https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/12/a-casa-de-rio-branco-recebe-celso-lafer.html 
aqui: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/12/livro-de-celso-lafer-disponivel-na.html
e aqui: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/12/celso-lafer-de-volta-ao-itamaraty-pedro.html 
elaborei um relatório sintetizando tudo o que eu havia feito no IPRI desde o dia 3/08/2016, quando oficializou-se a minha designação como seu diretor, disponível aqui: 
      https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/12/ipri-meu-relatorio-de-atividades-2016.html
e considerava que o essencial do meu trabalho estava feito, pronto, digamos assim, para partir para novas aventuras diplomáticas.
A despeito de eu estar quieto no meu canto, programando novos eventos para realizar no IPRI durante todo o ano, fui ordenado (é a palavra) desde o início do ano, a NÃO FAZER NADA, o que me pareceu surpreendente. Pela primeira vez em 40 anos de trabalho diplomático, eu estava sendo impedido de trabalhar.
Já se tratava, digamos assim, de minha substituição, ainda que não anunciada.
Mas ela acabou vindo, numa manhã chuvosa de Carnaval.
Depois disso, creio que todos tomaram conhecimento de minha exoneração, e de minha tomada de posição a respeito do que ocorre atualmente na diplomacia brasileira.
Ou seja, eu estava reduzindo ao silêncio, a não ser por esta janela para o mundo, que eu designo como sendo o meu "quilombo de resistência intelectual".
 Pouco depois de minha exoneração, um colega me escreveu para dizer que eu estava atuando como o porta-voz dos silenciados, pela atitude arbitrária do chanceler acidental.
Poucos dias atrás chegou-me a mensagem que reproduzo abaixo, pois pedi autorização de seu autor para transcrevê-la em meu blog, este aqui, pois imagino que ela expresse o que vários outros colegas pensam, sem que eles possam manifestar tal pensamento de público.

Transcrevo: 
Prezado Professor/Embaixador/Colega... estou para lhe escrever faz tempo, somente para lhe dizer que você conta com uma legião de colegas que lêem, comentam e aplaudem os seus posts, sem, no entanto, ousarem sequer clicar em um "like". Nem todos - ou muito poucos- têm a sua coragem, mas receba o meu - e de muitos amigos meus - agradecimento por ser uma voz destemida em defesa da razão.

Parece que me converti, involuntariamente, em porta-voz de muitos colegas, o que me dá certa responsabilidade. 
Mas eu faria exatamente mesma coisa sendo apenas uma única voz solitária no deserto.

Depois de postar esse comentário enviado em canal pessoal na minha página do FB, recebi algumas outras mensagens: 

Thales Valente Professor, alunos ao redor do Brasil inteiro acompanham suas postagens e apreciam seu posicionamento. Eu, por exemplo, sou do RS e sou graduando em Relações Internacionais pela Unisinos e meus colegas, veteranos e bixos acompanham o senhor também.
Forte abraço!


Wagner Pontes Ribeiro Professor, sei da sua importância junto ao Itamaraty, da sua carreira ilibada e competente, até porque fui um grande amigo do ex chanceler Dr Ramiro Saraiva Guereiro, e falávamos muito do quadro desta instituição.! Mas gostaria de vê-lo, falando um pouco mais sobre as questões políticas de fato. .! Seria engrandecedor para o seu público variado e fidedigno..!
Abs. !


Rodrigo Boa Ventura Olha, passei por situação similar em 2016. Sou professor do ensino médio no Rio e na greve de 2016 ( com ocupações de escolas etc..) apontei que a crise fiscal arrastaria o Rio para o seu pior momento em um século, que a união PT/ PMDB era a responsáveVer mais

Rosa Guerreiro Você tem admiradores. Acho o cúmulo que essa admiração não se faça publica, como se os coleguinhas temessem algum tipo de retaliação do caramujo e da sua tribo de ignorantes!!!

Gustavo Maia Gomes Notícia importante; solidariedade mais do que merecida.


Samuel Feldberg Bravo!!!


A vida continua...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de abril de 2019


Addendum, em 16 de abril: 

Agrego mais um depoimento recebido esta manhã: 

"Sou aluno de Graduação do curso de Direito da FND-UFRJ, tenho grande interesse em Direito Internacional e o objetivo de um dia me tornar Diplomata. Permita-me dizer que tomo a sua carreira como fonte de inspiração e que subscrevo e me sinto representado por suas ideias e perspectivas! E ainda mais, acredito que em um Governo realmente Liberal em todos os aspectos, amigo do saber e do intelecto, a favor de debates acadêmicos, compromissado com uma política externa altiva, o senhor jamais seria retirado do cargo que ocupou. Pelo contrário, seu nome seria um dos cogitados para a chefia da Política Externa brasileira, e falo isso, apesar do modesto conhecimento que tenho na área, afinal ainda tenho muito a aprender e estudar, com plena convicção. Ser removido da presidência do instituto de pesquisa do Itamaraty é motivo de vergonha pro Ernesto Araújo e pra Bolsonaro, e orgulho pro senhor! 
Obrigado por defender as ideias que defende, o senhor não tem a dimensão do quanto isso é importante nesse momento.
Grande parte do movimento liberal acadêmico aqui do RJ está contigo, conte com o nosso apoio!
Grande Abraço!”
Leonardo Fernandes de Sá
Rio de Janeiro, RJ