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sábado, 17 de abril de 2021

Lincoln Gordon, o "embaixador do golpe": minha convivência com ele e o livro que ele produziu sobre o Brasil - Paulo Roberto de Almeida


 Em correspondência sobre os tempos do Goulart, u
m amigo me falou do Lincoln Gordon, o "embaixador do golpe".  Convivi com Lincoln Gordon durante três anos, e talvez eu possa me vangloriar de tê-lo impelido a terminar o seu livro sobre o Brasil, que saiu quando eu estava nos EUA: Brazil’s Second Chance

Mas senti falta de um capítulo ou seção sobre o golpe, e lhe disse isso. A edição brasileira, que fiz traduzir e publicar teve esse acréscimo em relação à edição original, que teve apenas uma separata. Claro que ele disse que os EUA não tiveram nada a ver com o golpe, que foi 100% brasileiro. Quando ele me dizia isso, eu apenas sorria.

Depois, durante o resto do tempo que permaneci em Washington, insisti muito que ele terminasse suas memórias, o que me parece que nunca fez, mas pode ser que outros estudiosos tenham feito gravações sobre a vida dele, longuíssima por sinal. 

Eis minhas fichas sobre os dois textos que fiz sobre o seu livro, uma resenha da versão original e a introdução que fiz para a edição brasileira: 

788. “Mr. Gordon e o Brazil”, Washington, 3 maio 2001, 5 p. Resenha do livro de Lincoln Gordon: Brazil’s Second Chance: En Route toward the First World (Washington, D.C.: Brookings Institution Press, 2001). Publicado na Revista Eletrônica de História do Brasil, Dep. de História e Arquivo Histórico da Universidade Federal de Juiz de Fora, v. 4, n. 2, jul./dez. 2000; na Via Mundi, Boletim de análise do estado da arte em relações internacionais (Brasília: Dept. de Relações Internacionais da UnB; n. 4, abr./jun. 2001, p. 20-21, ISSN 1518-1227); na Conjuntura Política (Belo Horizonte: UFMG, boletim eletrônico do Dep. de Ciência Política, n. 26, jun. de 2001); em versão abreviada no O Estado de São Paulo (Domingo, 10/06/2001, Caderno 2: Cultura); na Revista Brasileira de Política Internacional (a. 44, n. 1, 2001, p. 179-181); e no site Parlata (22 de abril de 2004). Relação de Publicados ns. 265, 270, 271, 272, 273 e 472.

894. “Mr. Gordon e o Brazil”, Washington, 22 abril 2002, 8 p. Apresentação à edição brasileira do livro de Lincoln Gordon: Brazil’s Second Chance: En Route toward the First World (Washington, D.C.: Brookings Institution Press, 2001, xviii+243 p.; ISBN 0-8157-0032-6); A Segunda Chance do Brasil: a caminho do Primeiro Mundo (São Paulo: Editora Senac, 2002). Relação de Publicados n. 384.

1108. “Elogio a um Andarilho do Século XX: Homenagem ao Embaixador Lincoln Gordon em seu 90º aniversário”, Washington, 7 setembro 2003, 3 p. Texto entregue com presente (livro The Modern Mind) ao embaixador Lincoln Gordon em almoço com Paulo Sotero e John Williamson no National Press Club, dia 9/09/2003. 


Mr. Gordon e o Brazil

 

Paulo Roberto de Almeida (http://pralmeida.tripod.com)

Doutor em ciências sociais. Autor do livro

O estudo das relações internacionais do Brasil (SP: Unimarco, 1999)

Publicado: Conjuntura Política

(Belo Horizonte: boletim eletrônico do Departamento de Ciência Política da UFMG, n. 26, jun. de 2001). Relação de Publicados nº 263.

 

Lincoln Gordon:

Brazil’s Second Chance: En Route toward the First World

(A Segunda Chance do Brasil: a caminho do Primeiro Mundo)

Washington, D.C.: Brookings Institution Press, 2001, xviii+243 p. 

ISBN 0-8157-0032-6      US$ 28,95

(Brookings: 1775 Massachusetts Avenue, Washington, DC 20036

www.brookings.edu)

 

 

Em “Mr. Slang e o Brasil” Monteiro Lobato utilizou-se de um recurso conhecido dos escritores desde os tempos de Montesquieu: criar uma personagem independente, necessariamente estrangeira, para poder discutir com uma certa isenção (e, talvez, ao abrigo da censura do rei) idiossincrasias e problemas do seu próprio país. A partir da visão do mundo do circunspecto inglês – como correspondia, aliás, a uma época de hegemonia britânica no Brasil – era possível ao jovem escritor de Taubaté criticar alguns dos absurdos de nossa organização política, social e econômica e propor soluções aos velhos problemas que o angustiavam, sem comprometer-se com o eventual sucesso ou fracasso de suas próprias fórmulas.

Mr. Slang tinha uma fina percepção das deficiências do Brasil e suas críticas deviam ser vistas, na ótica de Lobato, como uma tentativa de superar os grandes problemas da nacionalidade, não como uma confirmação derrotista de nossos piores defeitos. Mr. Gordon, um americano conhecido direta ou indiretamente de todos os brasileiros que estudaram nossa route para a ditadura militar, não é propriamente candidato a novo Mr. Slang, tanto porque ele não se refugia em algum sítio inacessível, nem ostenta a arrogância típica dos representantes imperiais da velha Albion. Não há dúvida, contudo, que o simpático e atento espectador de todas os encontros sobre o Brasil realizados na capital do novo império deve ser considerado como um intérprete realista do itinerário econômico e político brasileiro das últimas décadas, bem como, a julgar pelo livro aqui resenhado, um crítico sincero das velhas questões sociais que, já nos anos vinte, retinham a atenção do inglês imaginário e do escritor de Taubaté. 

Segunda Chance do Brasil estava no forno há pelo menos uma década e meia e, como confessa o próprio Mr. Gordon, as chances do livro ser concluído tinham simplesmente desaparecido do cenário durante a “década perdida” de desarticulação macroeconômica dos anos oitenta e começo dos noventa. Ele foi salvo pelo “rum creosotado” do Plano Real, que devolveu ao País a esperança de sonhar com a retomada do crescimento e de aspirar ao eventual salto para o Primeiro Mundo, na interpretação do antigo embaixador americano nos governos João Goulart e Castelo Branco. Para aqueles que esperam ver no livro novas revelações sobre o envolvimento americano no golpe militar de 1964, a impressão é de um déjà vu again, pois o texto, a despeito de um relato circunstanciado dos eventos que levaram ao golpe, contempla, como documentos novos, tão somente uma troca de telegramas, nos dias 30 e 31 de março daquele ano, sobre as expectativas de Washington e a disposição da Embaixada no Rio de Janeiro em garantir um mínimo de legitimidade política aos conspiradores brasileiros contra Goulart, o que habilita Gordon a reafirmar sua convicção de que o golpe foi “100% brasileiro”.

A obra não trata, contudo, dessa conjuntura ou das peripécias políticas e militares das últimas décadas, mas sim do processo estrutural de desenvolvimento brasileiro na era republicana, com ênfase nos aspectos econômicos e políticos (inclusive no que se refere à política externa) e nas dimensões sociais que permearam a experiência histórica do Brasil desde a época da “primeira chance” – grosso modo a era Kubitschek – até a atual, e ainda aberta, janela da “segunda chance” das administrações FHC. O livro é, com efeito, uma discussão exaustiva – e razoavelmente isenta para um representante da principal potência imperial de nossa época – das razões que impediram o Brasil de atingir o status de nação desenvolvida naquela primeira fase e dos requerimentos colocados à sua sociedade e elites políticas para que ele possa fazê-lo na atual. O julgamento do novo Mr. Slang não faz concessões às aparências: enganam-se aqueles que julgam que seu livro poderia mostrar complacência com os militares que derrubaram o populista Goulart e que pretendiam, justamente, alçar o Brasil à condição de “grande potência”, mediante doses maciças de investimento pesado e de boa receptividade ao capital estrangeiro. Faltou ao Brasil militar um dos ingredientes que Mr. Gordon julga indispensáveis ao status de nação do Primeiro Mundo: a democracia política.

O fracasso da era militar foi de natureza política e o da Nova República, de Sarney a Collor, foi de caráter econômico, pois que o populismo social da Constituição de 1988 e o quadro de inflação crônica vivido até 1994 impediram o Brasil de realizar sua segunda chance de desenvolvimento. Os resultados das eleições de 2002 podem determinar, segundo Mr. Gordon, se o Brasil conseguirá alcançar o que ele chama de “full first world status”, ou se o País continuará patinando naquela trajetória errática que Darcy Ribeiro interpretava como sendo um desenvolvimento aos “trancos e barrancos”, com tremendas doses de desperdício humano e muita frustração social e política. O livro de Mr. Gordon, diferentemente das interpretações algo impressionistas de Darcy, apresenta uma rigorosa análise econômica e um sensato diagnóstico político sobre os quatro grandes desafios estruturais enfrentados pelo Brasil na presente conjuntura: consolidar a estabilidade macroeconômica, reduzir o grau anormalmente elevado de desigualdade social e de pobreza, continuar o ativo processo de inserção internacional e de engajamento na globalização e persistir na reforma das instituições políticas, pouco funcionais para os requisitos do desenvolvimento integrado de um país tão complexo e diversificado como o Brasil.

Não há porque pensar que Mr. Gordon está interessado em aplicar receitas americanas ao caso brasileiro. Longe disso, ainda que um certo comparatismo com os Estados Unidos, mesmo deplacé, seja de rigueur: segundo ele nós estaríamos, por exemplo, na situação dos EUA dos anos 20, o que não leva em conta os diferenciais “estruturais” de produtividade que derivam, segundo este resenhista, do fato de ter o capitalismo americano modelado um “modo inventivo de produção” ainda na primeira Revolução industrial, ao passo que nós sempre esperamos por “alvarás d’El Rey” para iniciar qualquer nova atividade econômica e ainda insistimos em praticar uma cultura tecnológica que rejeita, inconscientemente, um sistema patentário intensivo.

Mr. Gordon tem um grande respeito pela racionalidade intrínseca dos dados numéricos – ele já era professor de relações econômicas internacionais em Harvard desde os anos 30, quando metade da atual população brasileira ainda não tinha nascido – e tampouco acredita que fórmulas políticas bem sucedidas num determinado contexto social (como o dos EUA) sejam transplantáveis a um outro cenário institucional. Ele conhece bem o Brasil, os brasileiros e os diferentes autores que ao longo dos anos foram acumulando “explicações” sobre as razões de nosso fracasso ou da não repetição do bem sucedido experimento americano de desenvolvimento econômico e tecnológico e de relativa inclusão social. Leitor de Viana Moog, ele conhece a diversidade de raízes culturais e pode, por isso mesmo, reconhecer no Brasil e nos brasileiros a capacidade de realizar nossa própria modalidade de ascensão ao “primeiro mundo”. Seu livro é verdadeiramente equilibrado e completo e, se lido com a isenção que a distância de 1964 nos recomenda, pode ser uma excelente fonte de reflexões para todos nós, de gerações pré- e pós-golpe militar, que pensamos em colocar o Brasil, não no “primeiro”, mas num mundo mais desenvolvido e humano como gostariam todos os brasileiros.

Apenas um reparo, do ponto de vista de quem se ocupa profissionalmente das relações internacionais do Brasil desde algumas décadas: para quem freqüentou os meios acadêmicos e diplomáticos e conhece bem nossos agentes do serviço exterior e a própria agenda internacional, Mr. Gordon é bastante cético quanto às chances de o Brasil aceder ao status de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU (“It is unlikely, however, that Brazil will fulfill its ambition for a permanent place on the UN Security Council”, p. 2). Se admitirmos que a reforma da Carta da ONU possa ser realizada no futuro previsível e que um novo membro possa ser designado a partir da América Latina, é o caso de perguntarmos a Mr. Gordon: se não o Brasil, quem? O ceticismo é contraditório com a postura de quem acredita que o Brasil pode chegar, efetivamente, ao status de potência mundial. Admitida uma hipótese, fica difícil recusar a outra, a menos que a nova Roma já tenha decretado, secretamente, que não haverá reforma da ONU. Trata-se, mais uma vez, de uma realidade que um antigo embaixador brasileiro em Washington, Araújo Castro – e que Mr. Gordon conheceu bem –, caracterizou como sendo o “congelamento do poder mundial”, algo inaceitável para velhas e novas gerações de diplomatas brasileiros. Mas, isso Mr. Gordon deve saber muito bem.

 

Índice de Brazil’s Second Chance de Lincoln Gordon:

1. The Goal: Genuine First World Status (O objetivo: status verdadeiro de primeiro mundo)

2. The First Chance: What Went Wrong?  (A primeira chance: o que deu errado?)

3. Structural Change Under the Military Republic (Mudança estrutural na República militar)

4. The Incomplete Transformation: Economic Structures (A transformação incompleta: estruturas econômicas)

5. The Social Dimension (A dimensão social)

6. The Political Structure (A estrutura política)

7. From Debt and Drift to Real - and Stability? (Da dívida e deslize para o Real – e a Estabilidade?)

8. Brazil and the World (O Brasil e o mundo)

9. The Prospects (As perspectivas)

 

Quem é Lincoln Gordon:

Atualmente pesquisador convidado em estudos de política externa da Brookings Institution, um dos mais prestigiosos think tanks de Washington, Gordon tem uma vasta experiência acadêmica, política e diplomática, tendo desempenhado funções no Departamento de Estado que o vincularam para sempre ao Brasil. Pesquisador do desenvolvimento econômico brasileiro nos anos 50, depois de ter trabalhado no Plano Marshall e no processo de reconstrução européia, ele desempenhou o cargo de embaixador americano no Brasil na fase crucial da Guerra Fria (1961-66), tendo depois servido como Secretário de Estado assistente para os assuntos inter-americanos (1966-1967). Professor de Harvard desde os anos 30 e ex-reitor da Universidade Johns Hopkins, hoje com 87 anos, Gordon é autor de numerosos livros, entre eles Eroding Empire: Western Relations with Eastern Europe (Destruindo o Império: as relações das potências ocidentais com a Europa oriental; Brookings Institution, 1987).

 

Paulo Roberto de Almeida

Washington, 788: 3 de maio de 2001

 

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Free translation of article on BRAZIL’S SECOND CHANCE by Minister Paulo Roberto de Almeida at the Brazilian Embassy in Washington for publication in the Revista Brasileira de Politica Internacional (Brazilian Review of International Policy), No. 1 —2001 (July 2001)

 

MR. GORDON AND BRAZIL

 

Paulo Roberto de Almeida (http://pralmeida.tripod.com)

Doctor in Social Sciences, Author of O estudo das

relações internacionais do Brasil (São Paulo: Unimarco, 1999)

[The Study of Brazil’s International Relations].

 

Lincoln Gordon:

Brazil’s Second Chance: En Route toward the First World

(A Segunda Chance do Brasil: a caminho do Primeiro Mundo)

Washington, D.C.: Brookings Institution Press, 2001, xviii+243 pp.

ISBN 0-8157-0032-6 US$28.95

(Brookings: 1775 Massachusetts Avenue, Washington, DC 20036

www.brookings.edu)

 

Mr. Gordon, an American known directly or indirectly by all Brazilians who have studied our route to military dictatorship, is a friendly [simpático] and attentive participant in all the discussion meetings about Brazil now taking place in the capital of the American empire. With more than 45 years of study dedicated to Brazil, he can be considered a realistic interpreter of Brazils economic and poltical journey of recent decades, and to judge by the book summarized here, a sincere analyst of social issues as old as the Republic.

Brazil’s Second Chance has been in the cooking oven for at least a decade and a half and, as Mr. Gordon himself acknowledges, the chances of the book being finished simply disappeared from the scene during the "lost decade" of failed macroeconomic policy during the 1980s and early 1990s. It was rescued by the "sovereign remedy" of the Real Plan, which renewed the nations hopes of dreaming about a renewal of growth and and the prospects for an eventual leap into the First World, in the view of the former American ambassador during the governments of João Goulart and Castello Branco. For those who hoped to find in the book new revelations about American involvement in the military coup of 1964, the impression is "déjà vu all over again," since the text, apart from an account of the events that led to the coup, provides as new documents only an exchange of telegrams, dated March 30 and 31 of that year, concerning Washingtons expectations and the attitude of the Embassy in Rio de Janeiro toward securing a minimum of political legitimacy for the Brazilian conspirators against Goulart; that permits Gordon to reaffirm his conviction that the coup was "100% Brazilian." 

The work, however, is not about this series of events or the political and military peripatetics of recent decades. It deals with the structural processes of Brazils development in the republican era, with emphasis on the economic and political aspects (including those connected with foreign policy) and also the social aspects which permeate the historical experience of Brazil since the era of the "first chance" —broadly speaking, the Kubitschek era —up until the present, and still open, window of the "second chance" of the FHC [Fernando Henrique Cardoso] administrations. The book presents an exhaustive discussion of the factors which prevented Brazil from achieving the status of a developed nation during that first phase and the requirements confronting its society and political leaders in order to succeed in the present phase. Mr. Gordons judgments do not make concessions to surface appearances; those persons deceive themselves who expect that his book might show softness toward the military groups that overthrew the populist Goulart and then thought that they could achieve for Brazil the status of "great power" though massive doses of heavy investment and a welcoming attitude toward foreign investment. Brazils military period was lacking in one of the ingredients which Mr. Gordon considers indispensable to the category of First World nations: political democracy.

The failure of the miliary period was political in nature and that of the New Republic, from Sarney to Collor, was economic, because the social populism of the 1988 Constitution and the chronic inflation experience until 1994 prevented Brazil from achieving its second chance for development. The results of the 2002 elections may determine, according to Mr. Gordon, whether Brazil will succeed in achieving what he calls "full first world status" or will return to an erratic "Stop-Go" performance. Mr. Gordons book present a rigorous econmic analysis and a sober-minded political diagnosis of the four great structural challenges facing Brazil in todays framework: to consolidate macroeconomic stability; to reduce the exceptionally high levels of social inequality and poverty; to continue the active process of international engagement and participation in globalization; and to carry through the reform of political institutions which do not meet the needs of integrated development in a country as complex and diversified as Brazil. 

Mr. Gordon has great respect for the intrinsic rationality of quantitative data —he was already Professor of International Economic Relations at Harvard in the 1930s, when half of Brazils present population had not yet been born —but he also does not believe that political formulas which succeed well in some social contexts (such as in the U.S.A.) can simply be transplanted to a different institutional setting. He is well acquainted with Brazil and the Brazilians and the various authors who over the years have piled up "explanations" of the reasons for our failure in not duplicating the very successful North American experiment in economic and technological development with relative social inclusiveness. A reader of Viana Moog, he is aware of the differences in cultural roots and for this very reason can recognize in Brazil and the Brazilians the capacity to find our own route toward ascending iinto the "first world." His book is truly balanced and thorough and, if read with the objectivity which distance from 1964 commends to us, can be an excellent source of reflection for all of us, from both the pre- and post-military coup generations, who are thinking about placing Brazil, if not in the "first" surely in a more developed and humane world, as desired by all Brazilians.

 

 Paulo Roberto de Almeida 

Washington, 788b: May 3, 2001 

 

Matéria sobre o lançamento do livro:

 

Política

Gordon lança livro sobre 'a segunda chance do Brasil'

Paulo Moreira Leite

Gazeta Mercantil, 07/06/2001

 

            Washington e Brasília, 7 de junho de 2001 - De vez em quando, as pessoas perdem noção de tempo e de lugar. Um nome familiar nada mais diz, uma lembrança nada representa, a memória desaparece. É provável que um lapso desse tipo tenha acontecido na embaixada brasileira, quando se decidiu abrir as portas do edifício de linhas modernas na avenida Massachusetts, em Washington, para que ali o embaixador Lincoln Gordon promovesse, ontem, a sessão de autógrafos do livro 'A segunda chance do Brasil'.

             Embaixador dos EUA durante o golpe de 64, Gordon foi inúmeras vezes ao local. Conversa à vontade com diplomatas brasileiros, vai a coquetéis, participa de seminários. Mas a idéia de fazer uma festinha com vinho e refrigerantes, pão de queijo e mandioca frita, reunir amigos e festejar num local que, afinal, é território brasileiro, revelou-se tão esquisita que mais tarde até se falou na hipótese de cancelar o evento - mas aí seria um outro tipo de desastre, tudo já fora encaminhado, os convites haviam sido distribuídos.

             A proposta de fazer o coquetel na embaixada teve um motivo razoável - um pedido do Brookings Institution, entidade prestigiadíssima, que lançou 'A Segunda Chance do Brasil.' O Brookings fez a lista de convidados, imprimiu e distribuiu os convites, instalou recepcionistas que montaram uma banca de vendas na embaixada. Corretamente preocupado em reforçar a presença do Brasil na cena cultural de Washington, o embaixador Rubens Barbosa considerou que não havia nada demais. Para o ministro-conselheiro Paulo Roberto de Almeida, diplomata de boas leituras e que, antes de ingressar no Itamaraty, viveu no exílio as agruras propiciadas pelos militares, passados quase 40 anos é hora de parar de brigar no passado. 'Não estamos falando de uma pessoa mas de um livro. Eu acho o livro bom e não vejo por que não poderíamos fazer o lançamento aqui.' A lista de agradecimentos do livro inclui o próprio Paulo Roberto e também o embaixador Rubens Barbosa. São mencionados outros nove ministros, dois ainda no governo, Pedro Malan e Francisco Weffort.

             Mas há uma diferença entre aparecer numa lista de agradecimento e abrir a casa para um convidado receber amigos, mesmo sob a marca Brookings. Em Brasília, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) mostrou-se desconcertado: 'Não entendo o que está acontecendo, vou conversar com o Rubens' disse, referindo-se ao embaixador. Como diz um diplomata baseado na capital federal 'é como chamar o Henry Kissinger para autografar suas memórias numa festa na embaixada do Chile.' A comparação faz sentido, ainda que exagerada. Kissinger foi um estrategista que deu orientações para a queda de Salvador Allende em 1973. Em 31 de março de 64, no Rio, Gordon cumpria ordens, com as quais estava de acordo. Mantendo-se em anonimato, como convém a personagens de um relato sobre lapsos de memória, um professor universitário de Washington, com longo convívio com as coisas brasileiras, conta que ficou surpreso ao descobrir o local do coquetel. 'Nunca vi coisa igual' disse. 'Será que a embaixada americana deixaria Fernando Gabeira autografar 'O Que é Isso Companheiro' em seu salão?'

             Integrante do grupo que sequestrou um sucessor de Gordon, o deputado Fernando Gabeira foi informado por este jornal sobre o coquetel. Disse que não via nada demais, lembrando que 'o embaixador fala do Brasil, sobre assuntos nos quais teve participação direta.' O deputado considera 'louvável' que a embaixada tome essa iniciativa, demonstrando um espírito tolerante que nem de longe lhe foi retribuído, já que até hoje continua proibido de ter um visto de entrada nos Estados Unidos.

             Um aspecto curioso do coquetel é que, graças a uma dessas terríveis artimanhas da democracia brasileira, Gordon foi assinar seu livro na embaixada daquele que pode ser considerado o primeiro governo brasileiro constituído por políticos que de fato foram golpeados em 64 - a Nova República terminou com José Sarney. Seu sucessor, o vendaval Fernando Collor, também teve origem no regime militar.

             Depois do 31 de março, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso convenceu-se de que vivia uma situação de risco e mudou-se para o exílio com a família. O ministro da Saúde, José Serra, entrou para a clandestinidade e só retornou escondido ao Brasil, usando um bigode postiço para despistar a polícia. O ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, que foi para o Chile, destacou-se por gestos de coragem para auxiliar perseguidos. Nos dias posteriores ao golpe, Rubens Barbosa ajudou dois deputados, Waldir Pires e Fernando Santana, a se refugiar na embaixada da Iugoslávia. 

            Era curioso procurar lembranças sobre 64 entre os presentes ao coquetel. 'Para mim, 64 foi apenas o passo inicial para o advento de ditaduras no continente', diz um executivo argentino. Um cientista político especializado em América Latina só ouviu falar do golpe de 64 quando estava no colégio. 'Falava-se muito de regimes militares no Continente', diz ele. Gordon ficou no Brasil até 1966. Em seguida, foi para Washington, como Secretario Assistente de Assuntos Interamericanos, onde ficou até 1967, ano em que retornou a vida acadêmica.

             Como se sabe, cada pessoa tem um jeito próprio de conviver com a própria memória. Todos têm direito a suas lembranças e aos próprios esquecimentos, sem os quais também seria impossível viver. A maioria dos presentes ao coquetel eram senhores já de cabelos brancos, acompanhados de suas mulheres. Seguravam cálices na mão, sorriam educadamente, aproveitavam a oportunidade para reencontrar velhos amigos. Ouviram Rubens Barbosa fazer um pequeno discurso, explicando que a embaixada atendera a um pedido do Brookings. Lincoln Gordon também teve direito a um pequeno pronunciamento, onde afirmou que o Brasil necessitava de reformas no sistema político. Um jovem diplomata, que sequer havia nascido em 1964, ouviu o comentário e achou engraçado Gordon falar sobre isso. 

(Gazeta Mercantil/Página A9) (Paulo Moreira Leite, Aldo Renato Soares e João Domingos) 

 

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Mr. Gordon e o Brazil


Paulo Roberto de Almeida

 [Introdução à edição brasileira: A Segunda Chance do Brasil: a caminho do Primeiro MundoSão Paulo: Editora Senac, 2002] 

 

Em Mister Slang e o Brasil, obra publicada em 1927, Monteiro Lobato utilizou-se de um recurso conhecido dos escritores desde as Lettres persanes de Montesquieu (publicadas em Amsterdã em 1721): criar personagens independentes, necessariamente estrangeiras, para poder discutir com uma certa isenção (e certamente ao abrigo da censura do rei) idiossincrasias e problemas do seu próprio país. Lobato, de seu lado, inventou um filósofo de origem inglesa, Mr. John Irving Slang, morador do bairro carioca da Tijuca, para comentar com um “homem comum” – não exatamente o fazendeiro, o empresário e o homem de livros que era Lobato, mas um brasileiro médio – possíveis respostas às mazelas que afligiam o Brasil daqueles tempos (e provavelmente até hoje). A partir da visão do mundo do circunspecto, mas não menos iracundo, inglês – como correspondia, aliás, a uma época de hegemonia britânica no Brasil – era possível ao jovem escritor de Taubaté criticar alguns dos absurdos de nossa organização econômica, política, social e cultural e propor novas soluções aos velhos problemas que o angustiavam, sem comprometer-se com o eventual sucesso ou fracasso de suas próprias fórmulas.

Mr. Slang, talvez por filósofo, mais provavelmente por força da idade e um pouco por ser inglês, tinha uma fina percepção das deficiências do Brasil e suas críticas deviam ser vistas, na ótica de Lobato, como uma tentativa de superar os grandes problemas da nacionalidade, não como uma confirmação derrotista de nossos piores defeitos. O curioso era que os exemplos citados pelo inglês eram retirados da experiência bem sucedida do progresso industrial dos Estados Unidos, começando pelo protótipo do gênio capitalista que foi Henry Ford – como correspondia, aliás, a uma época de transição de hegemonias. Respondendo ao brasileiro que não compreendia como o Brasil podia ser pobre a despeito de um imenso território dotado de recursos e que sugeria que “talvez a gente não preste”, Mr. Slang respondia peremptoriamente: “Depois que Henry Ford demonstrou como se aproveitam até cegos e aleijados, ninguém tem o direito de alegar o que não presta. Tudo presta. (…) A questão está em proporcionar-se-lhes condições para prestar. (…) O brasileiro precisa de condições para prestar – e a condição número um é a fixidez da medida do valor, a moeda”. E qual o segredo de Henry Ford, segundo Mr. Slang? “Não há categorias de trabalho nas suas indústrias. Não há trabalho mais nobre ou menos nobre. Há trabalho apenas. Varrer ou desenhar plantas: tudo é trabalho. (…) O trabalho, só ele, resolve todos os problemas da vida”, concluía o inglês. [1]

Mr. Gordon, um americano conhecido direta ou indiretamente de todos os brasileiros que estudaram a trajetória do Brasil para a ditadura militar, não é propriamente candidato a novo Mr. Slang, não apenas porque não se trata de personagem imaginária, mas sobretudo porque ele não se refugia em algum sítio inacessível, nem ostenta a arrogância típica dos representantes imperiais da velha Albion. Ao contrário, desde que ele deixou o cargo de embaixador dos Estados Unidos no Brasil (entre 1961 e 1966), Mr. Gordon continuou a interessar-se e a estudar seriamente os problemas do Brasil, como fazia aliás o inglês da Tijuca. Tendo tornado-me morador em Washington desde outubro de 1999 e freqüentador por obrigação profissional de todos os encontros sobre o Brasil ali realizados, logo descobri quem era aquele simpático e atento espectador das coisas brasileiras na capital do novo Império: ele mesmo, o “embaixador do golpe”, Mr. Gordon. 

Um contato inicial permitiu-me conhecer um Mr. Slang em carne e osso, assim como a chance de apreciar este livro ainda antes que ele aparecesse na edição original americana, tendo seu autor dado-me a possibilidade de comentá-lo em primeiríssima mão. Constatei, aliviado, que a obra não possuía nenhum daqueles julgamentos furibundos, por vezes impressionistas, com que Mr. Slang rebatia as sugestões algo ingênuas de seu interlocutor brasileiro. Não há dúvida, contudo, que, sem ostentar os traços idealistas do filósofo inglês, Mr. Gordon pode ser considerado como um intérprete realista do itinerário econômico e político brasileiro das últimas décadas, bem como, a julgar por este livro que agora sai publicado em versão ampliada, como um crítico sincero das velhas questões econômicas e sociais que, já anos vinte, retinham a atenção do inglês imaginário e de Lobato. 

Segunda Chance do Brasil, não com esse título, estava em preparação há pelo menos uma década e meia antes de nosso primeiro encontro em Washington no final de 1999 e, como confessou-me o próprio Mr. Gordon, as chances do livro ser concluído tinham simplesmente desaparecido do cenário durante a “década perdida” de desarticulação macroeconômica dos anos oitenta e começo dos noventa. Ele ficou no forno por muitos anos, submetido a diversas revisões estatísticas e novas análises de atualização substantiva, mas o fato é que a trajetória do Brasil não ajudava na tarefa de “definição de uma época”: o País simplesmente não conseguia encontrar um caminho de estabilização macroeconômica que justificasse a publicação da obra como uma espécie de balanço de uma trajetória de desenvolvimento, como era intenção do autor. Assim como Lobato recomendava o “biotônico Fontoura” para curar alguns dos males endêmicos do Brasil, esta obra foi salva pelo “rum creosotado” do Plano Real, que devolveu ao País a esperança de sonhar com a retomada do crescimento e de aspirar ao eventual salto para o Primeiro Mundo, na interpretação do antigo embaixador americano nos governos João Goulart e Castelo Branco. 

Uma advertência inicial quanto ao conteúdo da obra. Não se queira encontrar aqui um relato circunstanciado dos eventos que levaram ao movimento militar de 1964 ou revelações “revisionistas” sobre o envolvimento americano no golpe, a despeito de o livro ostentar, sim, material inédito ou pouco conhecido sobre os movimentados meses que antecederam o episódio de 31 de março daquele ano. Dentre os documentos novos, referidos apenas parcialmente em trabalhos anteriores, foram incluídos nesta edição brasileira a versão integral – finalmente levantada depois de quatro décadas de caráter “classificado” – de alguns telegramas expedidos pelo próprio Lincoln Gordon, então à frente da Embaixada no Rio de Janeiro, respondendo às demandas de Washington quanto aos processos em curso, ou ainda em relação atores envolvidos, naquela conjuntura dramática da história nacional.[2]

Melhor ainda, esta edição comporta, por recomendação minha, um capítulo adicional inteiro sobre esses tormentosos momentos finais da República de 1946, todo ele dedicado à visão que os Estados Unidos mantiveram sobre João Goulart nesse período, desde as expectativas iniciais de um relacionamento correto até a quase certeza de que o líder trabalhista estava articulando um golpe sindicalista à la Perón (e, o que era pior, com o apoio e a provável hegemonia dos comunistas). A recapitulação desses episódios, nos quais transparece a preocupação em garantir legitimidade política aos conspiradores brasileiros contra Goulart, permite em todo caso a Mr. Gordon reafirmar sua convicção de que o golpe foi “100% brasileiro”, o que certamente será visto com desconfiança pelos historiadores de esquerda. [3]

Antes de arregalar o olho cético de indignação anti-imperialista, o leitor deste livro deve certificar-se, contudo, que esta obra não se ocupa primordialmente, dessa conjuntura de conspirações militares – melhor abordadas nas obras já bem conhecidas de John W. F. Dulles ou de Thomas Skidmore – nem, essencialmente, das peripécias políticas das últimas décadas. Ela trata, basicamente, de um processo estrutural, o desenvolvimento brasileiro na era republicana, com ênfase nos aspectos econômicos, tecnológicos e políticos (inclusive no que se refere à política externa) e nas dimensões sociais que permearam a experiência histórica do Brasil desde a época da “primeira chance” – grosso modo a era Kubitschek – até a atual, e ainda aberta, janela da “segunda chance” das administrações FHC.

O livro é, com efeito, uma discussão exaustiva – e razoavelmente isenta para um representante da principal potência imperial de nossa época – das razões que impediram o Brasil de atingir o status de nação desenvolvida naquela primeira fase e dos requerimentos colocados à sua sociedade e elites políticas para que ele possa fazê-lo na atual. O julgamento do novo Mr. Slang não faz concessões às aparências: enganam-se aqueles que julgam que seu livro poderia mostrar complacência com os militares que derrubaram o populista Goulart e que pretendiam, justamente, alçar o Brasil à condição de “grande potência”, mediante doses maciças de investimento pesado e de boa receptividade ao capital estrangeiro. Faltou ao Brasil militar um dos ingredientes que Mr. Gordon julga indispensáveis ao status de nação do Primeiro Mundo: a democracia política.

O fracasso da era militar foi de natureza política e o da Nova República, de Sarney a Collor, foi de caráter econômico, pois que o populismo social da Constituição de 1988 e o quadro de inflação crônica vivido até 1994 impediram o Brasil de realizar sua segunda chance de desenvolvimento. Os resultados das eleições de 2002 podem determinar, segundo Mr. Gordon, se o Brasil conseguirá alcançar o que ele chama de “uma autêntica inserção no Primeiro Mundo” (full first world status), ou se o País continuará patinando naquela trajetória errática que Darcy Ribeiro interpretava como sendo um desenvolvimento aos “trancos e barrancos”, com tremendas doses de desperdício humano e muita frustração social e política. O livro de Mr. Gordon, diferentemente das interpretações algo impressionistas de Darcy Ribeiro, apresenta uma rigorosa análise econômica e um sensato diagnóstico político sobre os quatro grandes desafios estruturais enfrentados pelo Brasil na presente conjuntura: consolidar a estabilidade macroeconômica, reduzir o grau anormalmente elevado de desigualdade social e de pobreza, continuar o ativo processo de inserção internacional e de engajamento na globalização e persistir na reforma das instituições políticas, pouco funcionais para os requisitos do desenvolvimento integrado de um país tão complexo e diversificado como o Brasil.

Não há porque pensar que Mr. Gordon está interessado em aplicar “receitas americanas” ao caso brasileiro. Longe disso, ainda que um certo comparatismo com os Estados Unidos, mesmo deplacé, seja de rigueur. Assim, segundo ele, nós estaríamos, por exemplo, na situação dos EUA dos anos 20, o que não leva em conta os diferenciais estruturais de produtividade que derivam, segundo este apresentador, do fato de ter o capitalismo americano conseguido modelar, ainda na primeira Revolução industrial, um “modo inventivo de produção”, caracterizado pela capacitação endógena em novas tecnologias, ao passo que nós sempre esperamos por “alvarás d’El Rey” para iniciar qualquer novo empreendimento econômico, somos consciente ou inconscientemente defensivos na questão da inserção internacional, não conseguimos criar uma cultura exportadora e ainda insistimos em preservar uma mentalidade tecnológica que rejeita, de certa forma, um sistema patentário intensivo. As comparações efetuadas neste livro – sobretudo as do capítulo 4, sobre a transformação incompleta das estruturas econômicas – se efetuam mais bem com países emergentes ou de industrialização tardia de potencial igual ou similar, como a Índia, o México, a Coréia do Sul, ou ainda a Espanha e a Itália, economias cuja atividade manufatureira ostenta intensidade em capital relativamente equivalente à da brasileira.

Mr. Gordon tem um grande respeito pela racionalidade intrínseca dos dados numéricos – ele já era professor-assistente de relações econômicas internacionais em Harvard ainda antes da Segunda Guerra Mundial, quando metade da atual população brasileira ainda não tinha nascido – e tampouco acredita que fórmulas políticas bem sucedidas num determinado contexto social (como o dos EUA) sejam transplantáveis a um outro cenário institucional. Ele conhece bem o Brasil, os brasileiros e os diferentes autores que ao longo dos anos foram acumulando “explicações” sobre as razões de nosso fracasso ou da não repetição do bem sucedido experimento americano de desenvolvimento econômico e tecnológico e de relativa inclusão social. Leitor de Viana Moog, [4] ele conhece a diversidade de raízes culturais e pode, por isso mesmo, reconhecer no Brasil e nos brasileiros a capacidade de realizar nossa própria modalidade de ascensão ao “primeiro mundo”. Seu livro é verdadeiramente equilibrado e completo e, se lido com a isenção que a distância de 1964 nos recomenda, pode ser uma excelente fonte de reflexões para todos nós, de gerações pré- e pós-golpe militar, que pensamos em colocar o Brasil, não no “primeiro”, mas num mundo mais desenvolvido e humano como gostariam todos os brasileiros.

Apenas um reparo, do ponto de vista de quem se ocupa acadêmica e profissionalmente, como este apresentador, das relações internacionais do Brasil desde algumas décadas. Para quem freqüentou os meios universitários e diplomáticos e conhece bem nossos agentes do serviço exterior e a própria agenda internacional, Mr. Gordon mostra-se bastante cético quanto às chances de o Brasil aceder ao status de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU (vide cap. 1: “Não é provável, contudo, que o Brasil preencha sua ambição de ocupar um lugar permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.”). Se admitirmos que a reforma da Carta da ONU possa ser realizada no futuro previsível e que um novo membro possa ser designado a partir da América Latina, é o caso de perguntarmos a Mr. Gordon: se não o Brasil, quem na América Latina disporia de chances comparáveis?

O ceticismo é contraditório com a postura de quem acredita que o Brasil pode chegar, efetivamente, ao status de potência mundial. Admitida uma hipótese, fica difícil recusar a outra, a da nossa admissão nesse círculo restrito do poder mundial, de fato um “diretório oligárquico” que já chegamos a censurar – por acaso desde as conferências da paz realizadas na Haia e antes mesmo do surgimento da ONU, no caso da Liga das Nações – como anti-democrático e pouco condizente com a igualdade soberana das nações. A menos, obviamente, que a nova Roma já tenha decretado, secretamente, que não haverá reforma da ONU, o que aliás, a despeito de uma retórica aparentemente favorável ao ingresso da Alemanha e do Japão, parece coincidir com os interesses de todos, ou quase todos, os demais membros permanentes do Conselho. Trata-se, mais uma vez, de uma realidade que um antigo embaixador brasileiro em Washington, Araújo Castro – e que Mr. Gordon deve ter conhecido –, caracterizou como sendo o “congelamento do poder mundial”, algo inaceitável para velhas e novas gerações de diplomatas brasileiros. Mas, isso Mr. Gordon deve saber muito bem. A questão não parece residir tanto na “incapacidade” de o Brasil aceder ao CSNU, mas na aparente impossibilidade da reforma da Carta. Pessoalmente acredito que, se houver reforma e ampliação do Conselho, o Brasil é um candidato “natural”, ou mesmo incontornável.

Finalmente, uma nota pessoal vem a calhar nesta introdução a uma obra que, a despeito de sua concentração em temas estruturais de longa duração – como os processos econômicos, sociais e políticos que moldaram o Brasil contemporâneo –, pode vir a contribuir para o início de uma reavaliação isenta, e não mais passional ou partidarizada, do regime militar e seu papel no sistema econômico e político brasileiro contemporâneo. Quando o Embaixador Lincoln Gordon, e a própria Editora Senac, formularam, quase ao mesmo tempo, o convite para que eu escrevesse a introdução-apresentação à edição brasileira desta obra, pensei comigo mesmo: mas, justo eu, que em 1964 me encontrava do outro lado do muro? Com efeito, minha educação política se fez à sombra das chamadas “lutas democráticas” da república populista e na oposição ao golpe militar e pertenço a uma geração que se acostumou a gritar, desde as primeiras manifestações contra o novo regime, a conhecida frase de Otto Lara Resende: “Chega de intermediários, Lincoln Gordon para presidente!”. Pouco tempo depois, o tamanho dos cassetetes começou a aumentar, a repressão se fez mais dura e muitos de nós, com participação direta ou indireta na resistência armada (e, cabe aqui reconhecer, de certa forma responsáveis pelo endurecimento subsequente do regime), começamos a buscar o caminho do exílio.

Desde então o Brasil tem vivido politicamente dividido, se não mais do ponto de vista do funcionamento do seu sistema político – hoje amadurecido e que, finalmente, comporta poucos representantes que ainda “vivem” nos idos de 1964, como um Brizola, por exemplo – pelo menos do ponto de vista da produção historiográfica. Esta ainda exibe uma “muralha” ideológica e um maniqueismo político que continuam visíveis, sobretudo, nos livros didáticos. Uma obra como esta, trazendo o ponto de vista de um novo e sensato Mister Slang sobre um país tão diferente e no entanto ainda tão similar, em vários aspectos, àquele analisado no início do século XX por homens como Lobato, pode contribuir para diminuir o “fosso mental” entre opositores e partidários de um regime que já pertence à história do Brasil, tanto quanto o período varguista ou o processo de seu alegado “desmantelamento” a partir dos anos 90.

O Brasil atual, sobre o qual se debruçou um estudioso constante e aplicado como Mr. Gordon, tornou-se muito diferente do Brazil que figurava em seus telegramas e ofícios aos Departamento de Estado do início dos anos 60. Aparentemente nos libertamos do complexo de inferioridade que fazia com que nossas elites olhassem para o estrangeiro, mais precisamente para a sede do único império que então contava (e ainda conta) em termos econômicos e financeiros, para a solução da maior parte dos nossos problemas. Muita coisa mudou, certamente, e para melhor, nestes últimos quarenta anos, muito embora a mesma fragilidade financeira externa e a mesma miséria educacional do ponto de vista das massas populares continuem sendo fatores que nos assombram enquanto economia ou como sociedade carente de verdadeira integração. Pelo menos não nos voltamos mais, como nos tempos em que Mr. Gordon era embaixador, para o estrangeiro em busca de novas soluções a velhos problemas que já deixavam indignado o jovem Lobato: sabemos que as respostas se encontram aqui mesmo, ao alcance de um entendimento político genuinamente nacional. Por vezes, carecemos de suficiente distância – neste caso ideológica, não temporal – para ver com clareza quais são os verdadeiros problemas de que padece a sociedade brasileira e como poderíamos enfrentá-los na missão de diminuir os níveis anormalmente elevados de iniquidade social que ainda caracterizam nosso País. Dentre esses problemas, o de uma suposta dominação estrangeira sobre nossa economia é provavelmente o de menor importância relativa, sobressaindo-se, ao contrário, os de origem propriamente interna, como os da baixa capacitação educacional da população e dos níveis inaceitavelmente baixos de geração e adaptação endógenas de tecnologia. Um livro como este de Mr. Gordon, um autor estrangeiro sinceramente amigo do Brasil, nos ajuda a ver mais claro nesse esforço analítico, aliás não desprovido e de fato impulsado por um legítimo interesse nacional americano (o de ver a economia brasileira ainda mais vinculada e interconectada à dos EUA, objetivo que, tomado num sentido não excludente ou naturalmente interdependente, em nada se choca com o interesse nacional brasileiro). O leitor brasileiro está convidado verificar por sua própria conta esta afirmação. Que tenha bom proveito!

 

Paulo Roberto de Almeida

Washington, 22 de abril de 2002

Doutor em ciências sociais. Autor do livro

Formação da Diplomacia Econômica no Brasil (Senac, 2001)

 

 

[Apresentação à edição brasileira de

Lincoln Gordon:

Brazil’s Second Chance: En Route toward the First World

Washington, D.C.: Brookings Institution Press, 2001, xviii+243 p. 

ISBN 0-8157-0032-6

A Segunda Chance do Brasil: a caminho do Primeiro Mundo

São Paulo: Editora Senac, 2002

Relação de Trabalhos nº 894, rev 1: 22.04.02; Relação de Publicados nº ].

 

 



[1] Cf. José Bento Monteiro Lobato, Mister Slang e o Brasil: colloquios com o inglez da Tijuca (São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1927), pp. 27-28 e 69-72, citado por Carmen Lucia de Azevedo, Marcia Camargos e Vladimir Sacchetta, Monteiro Lobato: furacão na Botocúndia (3ª ed.; São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2001), pp. 205-210. A personagem de Mr. Slang seria retomada em seu livro de 1932, América, no qual relata um pouco de sua experiência como adido comercial junto ao Consulado brasileiro em Nova York, no final dos anos 20; op. cit., pp. 249-252.

[2] Já por sugestão minha, a edição original americana tinha acolhido um addendum ao capítulo 2, voltado para a questão do papel dos Estados Unidos no golpe de 1964, com a inclusão de telegramas pertinentes.

[3] O ceticismo é plenamente justificável, uma vez que todos sabemos que a defesa feita pelos EUA da democracia e dos direitos humanos no Terceiro Mundo, mesmo quando não simplesmente retórica, sempre foi condicionada, aliás desde a Guerra Fria até os dias de hoje, aos critérios primordiais da segurança nacional americana e dos interesses exclusivos dos EUA.

[4] Para os leitores mais jovens, esclareça-se que Clodomiro Viana Moog foi o autor de um famoso ensaio comparativo de inspiração weberiana, Bandeirantes e Pioneiros: paralelo entre duas culturas (Porto Alegre: Livraria O Globo, 1954), no qual ele traçava um paralelo entre o desenvolvimento dos Estados Unidos e do Brasil em seus processos respectivos de formação nacional. A obra foi traduzida e publicada nos EUA, tendo gozado de grande prestígio entre os meios acadêmicos e oficiais justamente quando Mr. Gordon se desempenhava nas lides brasileiras do Departamento de Estado: Bandeirantes and Pioneers (tradução de L. L. Barret; New York: G. Braziller, 1964). Mr. Gordon, entretanto, leu Vianna Moog já em 1960, ainda no original, portanto, ao preparar-se para assumir seu posto diplomático no Brasil, juntamente com o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek e a obra seminal de Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil (1958), que só seria traduzida em inglês em 1963.


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Elogio a um Andarilho do Século XX

Homenagem ao Embaixador Lincoln Gordon em seu 90º aniversário

 

Paulo Roberto de Almeida

(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)

 


Nonagenários estão se tornando mais comuns em nossos dias, bem mais, é verdade, entre as mulheres do que entre os homens. Não é todavia ainda muito frequente a comemoração dos 90 anos de alguém em plena saúde física e vigor mental, sendo por isso motivo de grande satisfação participar de um evento como este, o nonagésimo aniversário do Embaixador Lincoln Gordon. Tenho não apenas o imenso prazer de estar presente neste aniversário, como sinto-me no direito de esperar que ele também possa estar presente em minha festa de 90 anos, daqui a exatamente 37 anos.

Nonagenários, eu dizia, são mais frequentes atualmente, mas eles não o eram no século que atravessou, e ao qual sobreviveu, o professor e diplomata Lincoln Gordon. O “breve século XX” – no dizer de Eric Hobsbawm, pois começou apenas em 1914 e já tinha terminado em 1989 – foi também, para todos os efeitos humanos, um dos mais mortíferos e destruidores de toda a história da civilização humana sobre este planeta. Algumas dezenas de milhões de indivíduos – e também espécies animais, não esqueçamos, assim como cidades inteiras – foram eliminados da face da terra pelas máquinas mortíferas criadas pelo homem: canhões, armas químicas e nucleares, ou então simples machetes foram usados para eliminar “excedentes demográficos”, substituindo-se às igualmente devastadoras epidemias naturais, hoje menos comuns do que nos séculos precedentes.

O embaixador Lincoln Gordon, um andarilho de quase todo o século XX, foi portanto um sobrevivente, algo mais fácil de ser, sendo americano, do que se tivesse nascido em alguma outra região, não apenas nos continentes do hemisfério meridional, mas igualmente do outro lado do Atlântico. Apenas para ficar nas hecatombes e processos destruidores mais “eficientes” deste breve século XX, vamos listar de maneira algo impressionista os eventos e catástrofes a que sobreviveu o nosso personagem. 

Tendo se atrasado por um ano para o naufrágio do Titanic (1912), o evento que simbolizou durante tanto tempo – de certa forma até hoje – a impotência humana em face de certos fenômenos naturais, o Embaixador Lincoln Gordon conseguiu também escapar incólume de muitos desastres provocados pela mão do homem (ou sobreviveu, no sentido positivo, a outros tantos eventos políticos e sociais). Minha lista pessoal comportaria os seguintes fatos e processos a que sobreviveu ou dos quais escapou Lincoln Gordon:

 

1)    à Primeira Guerra Mundial;

2)    aos dez dias que abalaram o mundo e ao nascimento do sistema soviético;

3)    à gripe espanhola e à NEP leninista;

4)    ao tratado de Versalhes e suas consequências econômicas;

5)    a proibição do álcool nos Estados Unidos;

6)    às consequências econômicas dos senhores Churchill, Coolidge e Hoover;

7)    à crise de 1929 e à estupidez protecionista da Tarifa Hawley-Smoth;

8)    a estudos em Harvard, em Oxford e a uma Europa em processo de nazificação;

9)    ao fim do padrão-ouro e à teoria geral da intervenção dos governos na economia;

10) ao filme “Gone with the Wind” e a J. Edgar Hoover;

11) a Pearl Harbor, a uma grande guerra quente e à toda a Guerra Fria;

12) ao nascimento, crise e fim posterior do sistema de Bretton-Woods;

13) ao macartismo de MacCarthy e ao existencialismo de Jean-Paul Sartre;

14) aos coquetéis da vida diplomática e à Aliança para o Progresso;

15) à crise dos foguetes em Cuba e aos longos discursos de Fidel;

16) aos discursos do Brizola, à inflação brasileira e à morte de John Kennedy; 

17) à Revolução Cultural Chinesa e ao debate estruturalismo versus monetarismo;

18) a Woodstock, a Richard Milhous Nixon e a vários aumentos e quedas do dólar;

19) aos ecologistas anti-econômicos e aos politicamente corretos de modo geral;

20) ao sistema DOS e depois ao Windows, inventados por Bill Gates;

21) à queda do muro do Berlim e ao desaparecimento do sistema soviético; 

22) ao fim das ideologias, à morte das religiões e ao fim da História;

23) a dois choques do petróleo, a dois ou três blackouts e a muitas crises financeiras; 

24) a novos e repetidos discursos do Brizola e à transformação do PT em partido socialdemocrata e,

25) finalmente, como que provando que a evolução intelectual não segue uma linha reta nem é irreversível, ele tem sobrevivido, mais ou menos bem, ao imenso arsenal de globobagens dos atuais anti-globalizadores, ludditas de uma nova era e arautos de uma volta a tempos que nunca existiram.

 

Por tudo isso, e ainda por muitos eventos mais, que falhamos em registrar aqui, podemos ver no embaixador Lincoln Gordon um sobrevivente do século 20, mas também um jovem andarilho do século 21, como todos nós aliás. Comparando sua vida com a de muitos outros seres humanos, dentre os mais de 3 bilhões de habitantes deste planeta, ele pode se considerar como um verdadeiro felizardo, pois que finalmente produziu um rico legado de realizações intelectuais e práticas que enriqueceu esta mesma humanidade.

Mas para enriquecer ainda um pouco mais a parte de felicidade de seus muitos amigos e admiradores, ele precisaria avançar e terminar, o quanto antes, o seu projeto de depoimento pessoal para a história. Nele teremos um quadro das ideias, dos principais eventos e das realizações concretas que formulou, a que assistiu, ou de que participou, ao longo de uma longa vida rica de experiências marcantes nos campos político, econômico, diplomático e intelectual.

Portanto, ele não está autorizado a se aposentar antes de terminar a redação de suas memórias do século passado, bem como suas reflexões para este nosso século, como testemunha e pensador que foi, e ainda é, de um mundo em transformação.

Longa vida ao embaixador Lincoln Gordon!

 

Paulo Roberto de Almeida

Washington, 7 de setembro de 2003

  



Pandemia, verdade e justiça - Marcos Rolim

 Marcos Rolim escreveu TUDO o que é preciso saber para processar o capitão por “CRIMES CONTRA A HUMANIDADE” (mas creio que será difícil chegar ao TPI, na Haia), ou colocá-lo no foco de uma futura Comissão da Verdade e Justiça, no próprio Brasil.

Paulo Roberto de Almeida


Pandemia, verdade e justiça 

Bolsonaro se colocou ao lado dos interesses privados, procurando se desvincular politicamente dos efeitos da inevitável recessão econômica, com o único objetivo de preservar suas chances de reeleição
Por Marcos Rolim / Extra Classe, 16 de abril de 2021 
 
 
 
 


"Bolsonaro não apenas desprezou a doença. Ele ignorou a dor das famílias enlutadas e fez piadas homofóbicas com a covid. Em uma live, ele chegou a simular uma crise respiratória de alguém acometido pela doença, isso depois que muitas pessoas haviam morrido asfixiadas em Manaus graças à incúria de seu governo"

“Bolsonaro não apenas desprezou a doença. Ele ignorou a dor das famílias enlutadas e fez piadas homofóbicas com a covid. Em uma live, ele chegou a simular uma crise respiratória de alguém acometido pela doença, isso depois que muitas pessoas haviam morrido asfixiadas em Manaus graças à incúria de seu governo”

Ilustração: Detalhe de “Memória”, óleo sobre tela de Rene Magritte, Bélgica, 1948

A tragédia em curso no Brasil não tem, ainda, um nome preciso, mas penso que estamos diante de “Crime contra a humanidade”, a figura jurídica com a qual referimos o sacrifício em massa de um grupo determinado como consequência da atuação do Estado.

O artigo 7º do Tribunal Penal Internacional (TPI) elenca as condutas dessa natureza (tortura, escravidão, apartheid, privação arbitrária da liberdade, desaparecimento forçado, etc), inserindo, em seu rol de atrocidades, a seguinte formulação: “Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental”. Assim, ataque generalizado ou sistemático à população civil com efeitos dessa gravidade, não necessariamente de origem militar, preenche as características do tipo penal.

Descrever um processo que poderá conduzir o Brasil a meio milhão de mortes, talvez mais, já seria algo muito difícil, mas quando analisamos suas circunstâncias, percebemos que esse massacre foi acompanhado por um discurso e por uma política específicos, ambos identificáveis e fartamente documentados.

Desde o início, temos a postura negacionista do presidente da República, que sempre desprezou a gravidade da pandemia, que duvidou dela, que a tratou como “gripezinha” e “fantasia da imprensa”. Na base dessa visão, estava uma estratégia definida à margem do debate público e das orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS): permitir a mais ampla circulação do vírus de modo a estimular o contágio e a presumida consequência da imunização coletiva (a chamada “imunidade de rebanho”).

Estudo recente do Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário da Faculdade de Saúde Pública da USP e da Conectas, o qual analisou 3.049 normas editadas pelo governo federal ao longo da pandemia, identificou essa racionalidade de forma incontroversa.

Por conta da sua estratégia, o governo federal, que deveria centralizar as ações de enfrentamento à pandemia e aglutinar todos os agentes públicos em torno de um único desafio, conter a disseminação do vírus e salvar vidas, atuou em sentido contrário, abrindo guerra contra governadores e prefeitos que procuravam assegurar medidas de distanciamento social. Agindo dessa forma, Bolsonaro se colocou ao lado dos interesses privados, procurando se desvincular politicamente dos efeitos da inevitável recessão econômica, com o único objetivo de preservar suas chances de reeleição.

Bolsonaro não apenas desprezou a doença. Ele ignorou a dor das famílias enlutadas e fez piadas homofóbicas com a covid. Em uma live, ele chegou a simular uma crise respiratória de alguém acometido pela doença, isso depois que muitas pessoas haviam morrido asfixiadas em Manaus graças à incúria de seu governo. Ele se divertiu diante da notícia de um suicídio de alguém em isolamento; chamou de “maricas” os que procuraram se proteger e de “frescura e mimimi” a ideia de ficar em casa; ele criticou o uso de máscaras, vetou a obrigatoriedade delas e promoveu aglomerações consecutivas. Bolsonaro atacou várias vezes a Coronavac e estimulou a desconfiança pública nas vacinas, chegando ao cúmulo de cogitar que a vacina poderia provocar alterações genéticas e transformar as pessoas em um jacaré.

Gestão catastrófica da pandemia

Mais: Bolsonaro recusou, em agosto do ano passado, a oferta da Pfizer de 70 milhões de doses, afirmando, em dezembro de 2020, que não havia qualquer necessidade de pressa para a vacina. Enquanto desprezava as vacinas, Bolsonaro passou a propagandear a terapia com Hidroxicloroquina e, logo depois, o chamado “tratamento precoce”, iniciativas sabidamente ineficazes no tratamento da covid, mas que produziram, além de efeitos iatrogênicos, como alterações cardíacas e hepatites medicamentosas, uma redução dos cuidados preventivos e nova subestimação da gravidade da doença. Nunca uma conduta geral de um governo restou tão claramente demonstrada.

É impossível saber quando poderemos superar a pandemia. O surgimento de novas cepas do vírus no Brasil poderá fazer com que a covid-19 se torne endêmica no país. Nessa hipótese, levaríamos muitos anos para superar a crise sanitária a um custo humano, econômico e social inimaginável. Independentemente desse desdobramento, a gestão da pandemia no Brasil tem sido de tal forma catastrófica que se tornará imperativo, em futuro próximo, que se forme uma Comissão de Justiça e Verdade a respeito do tema. Uma comissão não apenas para produzir um relato histórico dos crimes eventualmente cometidos, mas capaz também de indiciar os responsáveis por eles, um a um. É preciso, desde já, registrar o que for possível, colher depoimentos, guardar minuciosamente.

O dilaceramento, o desespero, a dor disseminada, o abandono dos mais pobres, as filas de espera em UTIs, a asfixia, a fome, as sequelas, o luto impossível, nada disso é fenômeno natural, desígnio divino ou misterioso destino. O espetáculo de horror que estamos vivendo sempre teve direção, roteiristas, sonoplastas e iluminadores, além de uma plateia adoecida disposta a aplaudir e a repetir slogans nazistas. A conduta de todos esses demônios há de ser lembrada e punida.

A "pandemia" no Ministério da Saúde no contexto da pandemia: por onde pode cair o desgoverno Bolsonaro

TCU indica punição a Pazuello por omissões

O Estado de S. Paulo, 15/04/2021

 

Ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) sinalizaram nesta quarta-feira, 14, que devem punir o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e seus auxiliares por omissões na gestão da pandemia da covid-19. Relator da ação sobre a conduta do Ministério da Saúde durante a crise sanitária, o ministro Benjamin Zymler disse que a pasta evitou assumir a liderança do combate ao novo coronavírus no País.

 

Segundo o relator, uma das ações da gestão de Pazuello foi mudar o plano de contingência do órgão na pandemia, com a finalidade de retirar responsabilidades do governo federal sobre o gerenciamento de estoques de medicamentos, insumos e testes. “Em vez de expandir as ações para a assunção da centralidade da assistência farmacêutica e garantia de insumos necessários, o ministério excluiu, por meio de regulamento, as suas responsabilidades”, afirmou Zymler.

 

O posicionamento do TCU sobre a conduta do ministério na crise pode ter desdobramentos cruciais para o governo, principalmente no contexto de uma CPI da Covid no Senado – ontem o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, que mandou a Casa instalar a comissão parlamentar (mais informações nesta página). A CPI tem a missão de apurar a conduta da administração federal na pandemia.

 

O TCU é, por definição, um órgão de assessoria do Congresso. Foi da Corte de Contas que saiu, em 2015, o relatório final que recomendava a rejeição das contas do governo Dilma Rousseff de 2014. O julgamento das chamadas “pedaladas fiscais” foi a base para o impeachment da ex-presidente petista.

 

Na sessão de ontem, Zymler sugeriu a abertura de processos para avaliar omissões da Saúde sobre estratégias de comunicação, testagem e distribuição de insumos e medicamentos. Para o relator, o ministério descumpriu determinações anteriores do TCU, as quais já apontavam a falta de planejamento em diversas áreas. Em análises deste tipo, o TCU pode aplicar multas, decretar a indisponibilidade dos bens e proibir o alvo da ação de exercer cargo em comissão ou função de confiança no serviço federal por até oito anos.

 

O ministro Bruno Dantas disse que a gestão do ministério “envergonha” e que já há argumentos para impor “condenações severas” a gestores da pasta. Segundo Dantas, as responsabilidades podem ser medidas “em números de mortos”.

 

Em seu relatório, o TCU afirma que a ocorrência de uma série de problemas, como desabastecimento de medicamentos e oxigênio, perda de testes para diagnóstico e explosão de número de casos da doença, “se deveu, em muito, ao comportamento do Ministério da Saúde, que tem se esquivado de cumprir as determinações desta Corte de Contas, e que, ao verificar o abrandamento da pandemia no fim de 2020, não foi previdente e descreu da ocorrência da segunda onda, mesmo sabedor da ocorrência desse evento na Europa”.

 

Os ministros Augusto Nardes e Jorge Oliveira pediram vista e o caso deve retornar à pauta em 30 dias. Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro ao TCU, Oliveira é ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência do atual governo. Ele disse que concorda “no mérito” com o relatório, mas fez uma ressalva. “(Peço) Que o tribunal não extrapole suas funções, não faça desgastar uma relação que, por motivos alheios à nossa vontade, já está muito desgastada, que as instituições respeitem umas às outras”, afirmou.

 

A área técnica do TCU já havia sugerido aos ministros que aprovassem a aplicação de multa a Pazuello, além do ex-secretário executivo da Saúde Elcio Franco, do atual secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos da Saúde, Helio Angotti Neto, e do atual secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia de Medeiros. O tribunal pode aplicar multa de, no máximo, R$ 67,8 mil. Zymler, porém, optou por sugerir a abertura de processos separados que poderão resultar em sanções.

 

A reportagem questionou Pazuello e Elcio Franco sobre o assunto, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição. O Ministério da Saúde, onde atuam Helio Angotti Neto e Arnaldo Correia de Medeiros, também não havia se manifestado.

 

O relatório técnico do tribunal lista uma série de medidas tomadas pelo Ministério da Saúde em relação ao Plano de Contingência Nacional. No entendimento do TCU, as mudanças tiveram o efeito prático de apenas reduzir as responsabilidades da pasta. A área técnica do tribunal afirma que a redução de responsabilidades pode ter comprometido a capacidade de monitorar estoques nacionais de insumos e medicamentos.

 

O plano original previa, por exemplo, que o governo federal deveria “garantir estoque estratégico de medicamentos para atendimento de casos suspeitos e confirmados para o vírus”. Essa missão, porém, foi alterada para “apoiar nos processos de aquisição não programada de medicamentos utilizados no tratamento de pacientes com covid-19, em articulação com as áreas técnicas demandantes”.

 

O Ministério justificou que o financiamento da assistência farmacêutica é de responsabilidade das três esferas de gestão do SUS. Dessa forma, parte dos medicamentos é adquirida pelos Estados ou municípios e, por isso, caberia a cada ente a gestão de seus estoques.

 

O TCU, porém, apontou que, ao contrário do afirmado pelo ministério, a função de garantir estoque de medicamentos não se referia à responsabilidade de aquisição de todos os medicamentos, mas ao monitoramento de insumos essenciais e aquisição, de forma a evitar desabastecimentos. A Corte cita ainda no relatório as alterações realizadas em ações de assistência farmacêutica. O relator também apontou que falta planejamento da Saúde sobre o orçamento da pandemia. “A chamada segunda onda era anunciada e exigiam-se medidas adicionais de prevenção e preparo da estrutura de saúde. Não foi o que aconteceu”, escreveu Zymler, em seu voto.

 

MPF

 

O Ministério Público Federal apresentou ação de improbidade administrativa contra o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e o secretário de Saúde do Amazonas, Marcellus Campelo, por omissão na pandemia. Segundo a Procuradoria, a demora do Ministério da Saúde em agir e a falta de planejamento levaram ao colapso em Manaus, onde pacientes morreram, no início do ano, por falta de oxigênio.

 

A ação aponta que Pazuello e Campello deixaram de adotar medidas necessárias para calcular a demanda de oxigênio, algo que só passou a ser feito após o insumo faltar nos hospitais. “Esse atraso retardou a avaliação da situação e adoção de medidas para preparar o sistema de saúde para o novo pico, com a instalação de novos leitos com insumos necessários”, diz a ação. Pazuello e Campelo não foram localizados nesta quarta-feira. 


Reflexão sobre grandes tiranos e um protótipo incompleto - Paulo Roberto de Almeida

 Frequentemente leio comparações acerca do degenerado que nos desgoverna com outros tiranos do passado e concluo que elas não se aplicam, não porque lhe falte vontade de ser déspota, mas porque não tem sequer condições de aspirar a ser um.

Mussolini e Hitler possuíam realmente projetos de nação, ainda que patológicos e demenciais. Mao Tsetung também, ao lançar o seu Grande Salto para a Frente, que produziu mais mortos do que todos os demais tiranos reunidos, incluindo Stalin, que levou adiante seu projeto de nação a ferro e a fogo, à base de uma moderna escravidão. 

Não é o caso de Bolsonaro: ele não tem qualquer projeto de nação, qualquer programa de governo, qualquer doutrina legitimadora, como tinham todos os demais monstros. 

Ele é a negação absoluta de qualquer projeto, programa ou ação pensada, ele é a pura expressão dos instintos mais primitivos, e o resultado é esse, demolição, eliminação, destruição, muitas vezes sem a intenção expressa de fazê-lo, a não ser em direção daqueles que ele vê como inimigos (e são muitos, todos os que não concordam com sua visão torpe do mundo e que não se lhe submetem). 

Ele é o niilismo no estado mais antifilosófico do termo, a extirpação de qualquer pensamento ou razão, a selvageria de alguém acometido de loucura incurável. Ele consegue reunir em si mesmo vários cavaleiros do apocalipse, mas sequer tem consciência disso. 

O Brasil foi entregue a um demente!

Gostaria de complementar o que escrevi, e postei, abaixo, dando nomes, ou pelo menos “profissões”, aos “bois” (com perdão da palavra, talvez sugestiva demais):

“Diagnóstico da situação: creio que o terreno já está mapeado e claro. Todos os sensatos já desembarcaram da nau desgarrada do capitão. Só sobraram os muito ignorantes, os fanáticos de sempre e os oportunistas de todos os matizes. O homem vai ficar desesperado, mas é o que sobrou!”

Era isso, apenas, mas vamos aos bois:

A principal base política do capitão é constituída pela segunda categoria , ou seja, o gado propriamente dito, que também pode compreender elementos bípedes da primeira e da terceira categorias. Mas não se sabe bem quantos seriam: tem muitos idiotas das três categorias que participam de marchas e manifestações, e o curralzinho do Alvorada tem ficado cada vez mais rarefeito (será que muitos já morreram, com o “kit Bolsovirus?); eles parecem muito mais numerosos nas redes sociais, pois aí tem algum trabalho dos mercenários que manipulam robôs e replicadores, o que pode dar essa impressão de quantidade (quando de fato pode ser dez ou cem vezes menor o volume do gado).

Os evangélicos se distribuem por todas as três categorias, mas a diferenciação se faz pelas faixas de renda: os pobres estão na primeira, os pastores na dos espertalhões, o que não os impede também de serem cavalgaduras completas.

Os milicos entram majoritariamente na terceira categoria, mas de suboficiais para baixo, e nas PMs, também devem entrar ignorantes e fanáticos. Uma coisa não impede a outra entre fardados, mas dificilmente oficiais que fizeram os cursos de Estado-Maior poderiam ser sinceramente bolsonaristas: seria muito difícil para gente instruída.

Capitalistas, do campo ou da cidade, se situam igualmente na terceira categoria, o que não impede empresários e ruralistas bolsonaristas de serem perfeitamente estúpidos, como ele próprio aliás.

Nem o pessoal do chamado Gabinete do Ódio é fanático: eles apenas estão fazendo o seu trabalho mercenário, e não podem ser tão estúpidos quanto os chefes da famiglia: eles precisam ser pelo menos eficientes, para abastecer as redes e alguns ministros mais idiotas.

Se contarmos que, com o mau exemplo do capitão, sua nau vai ficando sem grumetes, remadores ou marinheiros, que vão morrendo ou desistindo pelo caminho, talvez tenhamos um “navio fantasma” até o final do ano. Vai navegar a esmo pelos mares do Brasil? É provável!

Vai sobrar aquilo que Barbara Tuchman poderia chamar de marcha dos insensatos! 

Titanic já era: virou uma caravela toda estropiada, dentro em pouco um barquinho desmilinguido, a jangada de Medusa...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3893, 17 de abril de 2021


"Enquanto Bolsonaro estiver no poder, não haverá acordo com a União Europeia” - Entrevista ao Canal MyNews

 Um entrevista que concedi ao CanalMyNews sobre a imagem do Brasil no exterior: 

“Entrevista sobre a imagem do Brasil no exterior”, Canal MyNews, 16/04/2021, 23:27 mns (link: https://canalmynews.com.br/politica/enquanto-bolsonaro-estiver-no-poder-nao-havera-acordo-com-a-uniao-europeia-diz-diplomata/).

 

“Enquanto Bolsonaro estiver no poder, não haverá acordo com a União Europeia”, diz diplomata

Paulo Roberto Almeida questiona as chances de um acordo entre o bloco europeu e o Mercosul na atual conjuntura

por Luciana Tortorello

Canal My News, 16 de abril de 2021, às 17:47hs 

 

Negociado há mais de duas décadas, o acordo entre Mercosul e União Europeia não deve deslanchar com Jair Bolsonaro (sem partido) no poder. A imagem negativa do Brasil e o protecionismo europeu devem fazer com que a parceria fique apenas no papel, acredita o diplomata e ex-presidente do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri) Paulo Roberto de Almeida.

“Já temos três ou quatro, ou talvez cinco ou seis [países], decididos a não aprovar a entrada em vigor [do acordo]. Enquanto Bolsonaro estiver no poder, não haverá acordo com a União Europeia”, afirma ao Almoço do MyNews.

Para o diplomata, que foi afastado do Ipri em uma medida que classifica como retaliação do governo Bolsonaro, a imagem brasileira está arranhada no exterior. Antes da eleição, o atual presidente era lembrado pela imprensa internacional como um “saudosista da ditadura militar”. Após a vitória no pleito de 2018, contudo, a situação não mudou.

“Desde o início de 2019, quando começou aquele desmatamento sem controle na Amazônia, ataques a jornalistas no cercadinho do Alvorada, atentados contra os direitos humanos e mudanças de posição da diplomacia brasileira em grandes esforços multilaterais, a imagem despencou e o Bolsonaro há muito tempo vem recebendo críticas de parlamentares de esquerda, evidentemente progressistas, mas também dos conservadores.”

Além de divergências políticas, o diplomata destaca que há, também, uma oposição por motivação protecionista ao acordo entre o bloco europeu e o sul-americano. Entre os opositores, afirma Almeida, estão os criadores de porcos da Irlanda, os produtores de carne da França, os agricultores de grãos e de outros produtos agrícolas.

 

A referência que se faz a uma postagem minha é esta aqui: 


3892. “Mini-reflexão sobre o Impeachment e a Justiça Divina”, Brasília, 16 abril 2021, 2 p. Nota em torno de um possível impeachment de Bolsonaro, retomando os impeachments anteriores de presidentes. Divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/04/mini-reflexao-sobre-o-impeachment-e.html). Serviu de base a entrevista com Myrian Clark no Canal MyNews (16/04/2021, 12hs, 15mns, link: https://canalmynews.com.br/politica/enquanto-bolsonaro-estiver-no-poder-nao-havera-acordo-com-a-uniao-europeia-diz-diplomata/).